José de Matos-Cruz


IMAGINÁRiO329

· 01 JUL 2011 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VIII · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

ÁRVORE



Ainda não sou – senão uma minúscula semente, dispersa, esparsa, com alguma origem e sem qualquer destino. Depois, ao acaso, o meu voo suspende-se, e caio sobre a terra. Entranho-me. Em torpor, ganho vulto e pulsação. Emirjo do subsolo. Eis-me a respirar. A minha seiva impele-me. Cresço. Faço-me vulto, irradio em ramos. Enrijeço. Visto-me de folhas – exuberante e exposta. Passam a notar-me. Ao sol, extasio. Com outras árvores irmanada, a minha sombra recorta-se na relva. Frondosa, habitam-me os pássaros. Habituo-me. Desafio a tempestade, quase me verga. Resisto. Assim, estou. Envelheço e permaneço, estiolando, num torpor sem tempo. Enfim, retraio-me – disforme, coberta de fungos e de musgo. Ávida e farta, esmoreço. Começo a definhar. A partir das raízes exaustas. O tronco seca-me, estala. Restam-me uns braços esqueléticos. Nua, em vertigem – soçobro, sucumbo... Enquanto estou, existirei.

MEMÓRiA

1894-01JUL1961: Louis-Ferdinand Destouches, aliás Céline: Autor de Voyage au Bout de la Nuit / Viagem ao Fim da Noite - «Eu dispunha de tudo o que era preciso para me tornar interessante, só que acabei por ceder à mania sacrificial!... Antes ficasse quieto, e teria feito uma carreira gloriosa, mas não! Acabei por me tornar o objecto preferido da sanha racista» (1957). IMAG.273

10AGO1921-01JUL1981 - Carlos de Oliveira: «Aço na forja dos dicionários / as palavras são feitas de aspereza: / o primeiro vestígio da beleza / é a cólera dos versos necessários» (Mãe Pobre).

1899-02JUL1961 - Ernest Hemingway: «Quero tudo e não quero nada. Posso? É-me permitida tal ousadia?». IMAG.235

1943-03JUL1971 - Jim Morrison: «Não me importaria de morrer de avião. Seria uma boa forma de ir. Não quero morrer durante o sono, de idade ou de overdose. Quero sentir como é. Quero saborear, ouvir, sentir o cheiro… A morte só acontece uma vez. Não quero perdê-la». IMAG.202

1847-05JUL1911 - Maria Pia de Bragança: Casada com D. Luís I, de origem italiana dos Sabóia, princesa da Sardenha e do Piemonte, «grande responsável pela colecção de relógios da Casa Real portuguesa. Com o advento da República, todos os considerados objectos pessoais foram devolvidos aos Bragança, enquanto os considerados pertença do Estado ficaram espalhados pelos vários Paços. O acervo mais importante, cerca de oitenta peças, encontra-se no Palácio da Ajuda. Cronologicamente, a colecção pode balizar-se entre os finais do Século XVII e os últimos anos do Século XIX, incluindo relógios de sala, de secretária, de bolso, de transporte ou jóias e adereços. Há ainda um núcleo de relógios de sol e bússolas» (Fernando Correia de Oliveira).
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ANTIQUÁRiO

01JUL2004 - Kafre publica o IMAGINÁRiO1, ainda apenas em versão newsletter.

VISTORiA


Sereias

Metabolismo criminal da meia-noite na floresta do crime
Cascavéis assobios castanholas

Tirem-me deste átrio de espelhos
Deste vidro infectado

És ela,
Pareces ela,
Como poderias ser quando nunca ninguém o pôde

Poeta do ataque às prostitutas

Ela deixou um recado na porta do quarto
«Se estiver fora, faz-me vir»

Passei por tua casa para te ver
Ontem à noite já era tarde
Mas tinhas saído,
Como uma luz
A tua cabeça estava no chão
E as ratazanas jogavam bilhar com os teus olhos

A morte é um bom disfarce
Para o fim da noite
Ocultando todos os jogos no seu calmo jardim
Mas o que acontece
Quando os convidados voltam
E tudo se descobre
E te pedem que saias
Por falta de um sorriso

Ainda te aceitarei então,
Mas sou teu amigo

Jim Morrison

VISTORiA



Eu tinha visto coisas demasiado suspeitas para estar feliz. Eu sabia em excesso e não sabia o suficiente. O pior é que ficamos a pensar como no dia seguinte encontraremos força suficiente para continuar a fazer o que fizemos na véspera, e há já tanto tempo, onde é que vamos encontrar força para tantas providências imbecis, esses mil projectos que não levam a nada, essas tentativas de sair da opressiva necessidade, tentativas que sempre abortam, e todas elas para nos convencermos uma vez mais de que o destino é invencível, que é preciso cair bem em baixo da muralha, toda noite, com a angústia desse dia seguinte, sempre mais precário, mais sórdido. É a idade também que vai chegando talvez, a traidora, e nos ameaça com o pior. Já não temos música dentro de nós para fazer a vida dançar, é isso. Toda a juventude foi morrer, já, no fim do mundo, no silêncio de verdade. E aonde ir lá fora, pergunto-lhes eu, quando já não temos em nós a soma suficiente de delírio? A verdade é uma agonia que não acaba. A verdade deste mundo é a morte. É preciso escolher, morrer ou mentir...
Céline - Viagem ao Fim da Noite
(1932 - excerto)


Uma vez, durante a tarde, a linha começara de novo a erguer-se. Mas o peixe continuara a nadar normalmente, embora a um nível um pouco mais elevado. O sol batia agora no braço, no ombro direito e nas costas do velho. Por isso, ele sabia que o peixe virara para nordeste.
Agora, que já o tinha visto uma vez, podia imaginar o peixe a nadar com as suas barbatanas peitorais, purpúreas e abertas como duas asas imensas, e a imponente cauda, erecta, cortando a escuridão das águas. «A que distância poderá ele ver naquela escuridão?», pensou o velho. «Tem os olhos enormes, e um cavalo, com olhos muito mais pequenos, pode ver bastante bem no escuro. Antigamente, eu também via bastante no escuro. Não numa escuridão completa, naturalmente. Mas quase tão bem como um gato.»
O sol e os movimentos regulares dos dedos tinham afastado a câimbra completamente e já conseguira recuperar o uso da mão esquerda. Passou um pouco do esforço para essa mão, distendendo os músculos das costas para aliviar a dor que a linha lhe provocava.
– Se ainda não estás cansado, peixe – disse, em voz alta – és, na verdade, um peixe muito estranho.
Ernest Hemingway - O Velho e o Mar (1952 - excerto)


seguindo o fio
da tinta
que desenha
as palavras
e tenta
fugir ao tumulto
em que as raízes
grassam,
engrossam, embaraçam
a escrita
e o escritor:
Carlos de Oliveira - Micropaisagem (1969)

COMENTÁRiO



O romance é pensado e realizado como um panorama do absurdo da vida, de suas crueldades, seus embates e suas mentiras, sem saída nem luz de esperança. Um suboficial atormentando os soldados antes de com eles sucumbir; uma ricaça americana que passeia a sua futilidade pelos hotéis europeus; funcionários coloniais franceses animalizados pela cupidez; Nova York e a sua indiferença automática pelos indivíduos sem dólares, a sua arte de sugar os homens até o último centavo; de novo Paris: o mundinho mesquinho e invejoso dos eruditos, a morte lenta, humilde e resignada de um garotinho de sete anos; a tortura de uma menina; pequenos reformados virtuosos que por economia matam a mãe; um padre de Paris e um padre dos confins da África dispostos, um e outro, a vender o próximo por algumas centenas de francos - um, aliado a aposentados civilizados, o outro, a canibais... De capítulo em capítulo, de página em página, fragmentos de vida juntam-se num absurdo imundo, sangrento e digno de um pesadelo. Uma visão passiva do mundo com uma sensibilidade à flor da pele, sem desejo do futuro.
Leon Trótski  - 10 de maio de 1933



Este pequeno romance passa por ser uma obra-prima da literatura contemporânea e talvez que o tempo o ponha entre as obras-primas da literatura universal. Pode dizer-se que, em toda a parte, e independentemente de felizes ou infelizes traduções, público e crítica receberam com entusiasmo este livro. Não é, no entanto, uma obra extensa, de acção complexa, de variado e movimentado ambiente. É, antes, um breve poema em prosa, uma epopeia de simples trama, singelamente narrada. Mas é, por outro lado, muito mais do que isso: um breviário nobilíssimo da dignidade humana, escrito com a mais requintada das artes. Poucas vezes, no nosso tempo, terá sido concebida e realizada uma obra tão pura, em que a natureza e a humanidade sejam, frente a frente, tão verdade.
Jorge de Sena - Prólogo (1956)

CALENDÁRiO

1948-08OUT2010 - John Huchra: Cosmólogo e astrónomo norte-americano, em 1986 deu a conhecer - com Margaret Geller e Valérie de Lapparent - à comunidade científica mundial, um controverso Mapa do Universo - «Nestes círculos, somos apenas meia dúzia de pessoas, e todas se odeiam umas às outras… Ninguém gosta que lhe demonstrem que estava enganado».



IMAGINÁRiO328

· 24 JUN 2011 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VIII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

PRODÍGIOS

Em Inglaterra, um dos favoritos da Rainha Isabel I, o jovem Orlando sobreviverá - durante quatro séculos - aos tempos e costumes, preconceitos e valores, conhecendo outras terras, amando e combatendo, mudando de sexo, até à actualidade da Rainha Isabel II, em que é mãe e publicará as fantásticas memórias, sobre a íntima evolução e descoberta da sua própria identidade. Assim: 1600 / Morte - herança da soberana; 1610 / Amor - paixão pela russa Sacha; 1650 / Poesia - encontro com o lírico Green; 1700 - Política - aliança ao Khan na Ásia; 1750 / Sociedade - privilégios e rotura; 1850 / Sexo - a natureza ambígua; 19-- / Nascimento - em plena Grande Guerra; Actualidade - com a filha, fecunda afirmação. Mantendo a idade e um aspecto andrógino, Orlando transforma-se num mundo de homens; aceite como tal na época victoriana, pois «o espírito do século conseguiu alcançá-la e destruí-la», logra enfim libertar-se, não mais ligada ao destino… A partir do romance de Virginia Woolf, o cinema expõe-se como imaginário esplendoroso, fascinante, pela conexão narrativa e articulação cronomediática, sobretudo em testemunho - simbólico, sugestionador, pungente, vitalista - sobre a pulsão feminina, além dos fantasmas e dos logros, das máscaras e das vicissitudes.

CALENDÁRiO

1916-05OUT2010 - Roy Ward Baker: Realizador britânico de cinema e televisão - dirigiu as séries O Santo ou Os Vingadores - «um artesão competente e acima da média» (Rubens Ewald Filho).

1926-10OUT2010 - Joan Sutherland, aliás La Stupenda: «Uma das gigantes do canto operático no Século XX, uma daquelas cantoras que definem uma era e que, de algum modo, mudaram o curso da história da performance operática» (Bernardo Mariano).

21MAR1940-10OUT2010 - Salomon Burke: «A sua alma está agora livre, para viver no céu com Otis Redding, Sam Cooke e James Brown… Ele dedicou a sua vida a dar esperança às pessoas» (Joss Stone).

1928-12OUT2010 - Alfredo Margarido: Pintor, escultor, ficcionista, poeta, ensaísta e tradutor - «A lusofonia é apenas o resultado da expansão portuguesa e da língua que esta operação teria espalhado generosamente pelo mundo fora. Ou seja, seria menos o resultado de um projecto, do que a consequência inesperada de uma maneira particular de circular pelo mundo. Nesse aspecto, a portugalidade opõe-se certamente à lusofonia: a primeira é o resultado de uma oposição constante aos espanhóis, ao passo que a lusofonia seria a consequência quase passiva da expansão e da banalização da língua».

14OUT2010 - Columbia & Warner estreia Shoot Me de André Badalo; com Maria João Bastos e Ivo Canelas.

1929-16OUT2010 - Thomas Harlan: Escritor e cineasta alemão - realizador de Torre Bela (1977), autor de Rosa (2000). IMAG.160

1922-20OUT2010 - Mariana Rey Monteiro: Artista portuguesa de teatro, cinema e televisão, filha de Amélia Rey-Colaço e de Robles Monteiro - «Era um exemplo, uma referência extraordinária como pessoa e actriz» (Manuela Maria).

22OUT-21NOV2010 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I expõe Colectiva ArteIlimitada - Desenho e Pintura 2009/2010.

23OUT2010 - Na Biblioteca Municipal Dom Miguel da Silva, em Viseu, está patente a exposição Fernando Bento (1910-1996) - Centenário do Seu Nascimento - Vida e Obra, de homenagem a «um dos maiores autores nacionais de bd de sempre».
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VISTORiA


A Um Penteado

Chaves na mão, melena desgrenhada,
batendo o pé na casa, a mãe ordena
que o furtado colchão, fofo, e de pena,
a filha o ponha ali, ou a criada.

A filha, moça esbelta e aperaltada,
lhe diz co'a doce voz, que o ar serena:
- «Sumiu-se-lhe um colchão, é forte pena!
Olhe não fique a casa arruinada».

– «Tu respondes assim? Tu zombas disto?
Tu cuidas que, por ter pai embarcado,
já a mãe não tem mãos?» – E, dizendo isto,

arremete-lhe à cara e ao penteado;
eis senão quando (caso nunca visto!)
sai-lhe o colchão de dentro do toucado.
Nicolau Tolentino de Almeida

COMENTÁRiO


As causas, que produzirão nossa revolução valorosa, não são desconhecidas de um só de nossos concidadãos, porque cada um na parte que lhe tocava, sentia sobre si o peso enorme das desgraças, que afligiam Portugal; e nenhum deixa hoje de estar convencido de que era chegado o último instante da existência política desta infeliz Pátria, se o braço do Omnipotente, confundindo projectos insensatos, não arrancasse das bordas do abismo tão precioso depósito, para o entregar à vossa guarda, e vigilância.
Males de toda a ordem se experimentavam em todos os ramos da economia particular do Estado, porque a ignorância e a imoralidade tudo tinham contaminado, corrompido tudo. Erros de séculos, e que por séculos haviam adquirido força, e o império dos hábitos, não podiam emendar-se em três meses. – A corrupção espalhada por todo o corpo político não podia debelar-se completamente sem remédios lentos e gerais, porque o veneno atacara ao mesmo tempo toda a massa do sangue, e todo o sistema vital.
Manuel Fernandes Tomaz
- Relatório Feito às Cortes Geraes e Extraordinarias de Portugal Sobre o Estado e Administração do Reino Durante o Tempo da Junta do Governo Supremo
(1821 - excerto)

MEMÓRiA

25JUN1921-2009 - João Amaral Franco: Engenheiro agrónomo, investigador, cientista e professor, colaborador do Atlas Florae Europae: «A Botânica portuguesa deve-lhe muito pois a sua obra exemplar possuiu sempre um rumo coerente, contínuo e pertinaz, características exemplares de um curriculum que contribui para o progresso da ciência e da taxonomia vegetal em particular» (Miguel Pinto da Silva Menezes de Sequeira/Dalila Espírito Santo). IMAG.254

1740-28JUN1811 - Nicolau Tolentino de Almeida: «Se os homens se não matassem / e impunemente crescessem, / pode ser que não achassem / nem fontes de que bebessem / nem campos que semeassem» (A Guerra - excerto). IMAG.290

30JUN1771-1822 - Manuel Fernandes Tomaz: «Aqui jaz o libertador dos portugueses: salvou a pátria e morreu pobre» (Almeida Garrett - 1822). IMAG.163

PARLATÓRiO

Alfredo Margarido

Dizer Alfredo Margarido, é lembrar a obra e o exemplo cívico de um dos pensadores mais lúcidos da nossa realidade (no sentido mais amplo tanto geográfico como histórico), observação que imediatamente se vai transformando em conhecimento, saber e discurso.
Pintor, poeta, romancista, ensaísta, tradutor, historiador, jornalista, antropólogo, politólogo, sociólogo, professor universitário: o mais parecido nos tempos modernos com o uomo universale do Renascimento. Lúcido, crítico e livre, e por isso mesmo polémico e indisciplinador de consciências.

Perfecto Cuadrado

A primeira vez que fui ao D. Maria II tinha seis anos. De manhã, o meu pai chamou-me e prometeu mostrar-me a nova casa do pai e da mãe. Lembro-me como se fosse hoje. O meu pai deu-me a sua gorda mão - que me transmitia uma enorme sensação de segurança - e levou-me a beber um café na Brasileira e a descer o Chiado.
Mariana Rey Monteiro (a Marina Ramos - Público, 1996)

INVENTÁRiO




Uma aliança entre a produtora Era Nova e a italiana SIC permitiu ao alemão Thomas Harlan filmar Torre Bela - Uma Cooperativa Popular (1977) na herdade de dois mil hectares do Duque de Lafões, inculta ou em regime de silvicultura desde 1961, e ocupada em 23 de Abril de 1975 pelos trabalhadores, com o objectivo de procederem à exploração agrícola de géneros de primeira necessidade. Assim, a população local - entre Manique, Macussa e Lapa - constituiu uma cooperativa, com o apoio da Polícia Militar, no âmbito das conquistas salvaguardadas pelo Movimento das Forças Armadas / MFA. Participam Camilo Mortágua, José Afonso e o proprietário D. Miguel de Bragança, tendo merecido o Grande Prémio do Festival de Lille (1977).

COROLÁRiO










Fernando Bento
Fernando Bento foi um artista ímpar em todas as áreas que tocou (e foram muitas): na banda desenhada, na ilustração, na caricatura, no desenho de cenários e figurinos para teatro, na pintura... É considerado, junto com Eduardo Teixeira Coelho, um dos grandes autores da idade de ouro da banda desenhada portuguesa. Deixou marca em inúmeros jornais e revistas de BD, em especial no Cavaleiro Andante.
C. Rico

BREVIÁRiO

Atalanta Filmes edita em DVD, Orlando (1992) de Sally Potter; com Tilda Swinton e Billy Zane.

Opera Omnia edita Leituras do Desejo Em Camilo Castelo Branco (1825-1890) de Sérgio Guimarães de Sousa e José Cândido de Oliveira Martins.
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Unitel Clássica edita em DVD, Giuseppe Verdi [1813-1901]: Otello por Aleksandrs Antonenko e Marina Poplavskaya, com Wiener Philharmoniker, sob a direcção de Ricardo Muti. IMAG.72-89-156-188-203-222-223-295-308-314-318

Dom Quixote edita O Complexo de Portnoy de Philip Roth; tradução de Ana Luísa Faria. IMAG.182-198-240-290

Polvo edita Hans, o Cavalo Inteligente de Miguel Rocha.
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IMAGINÁRiO327
· 16 JUN 2011 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VIII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

BIZARRIAS

«O sexo não deve ostentar-se. Uma mulher inglesa, com o seu aspecto de preceptora, é capaz de entrar consigo num táxi e, inesperadamente, desapertar-lhe as calças...» Assim revelava o britânico Alfred Hitchcock ao gaulês François Truffaut, com uma perspectiva irónica sobre a caricatura social e a criatividade artística - cuja vocação universalista testemunha, afinal, que cada país tem específicos alvos e modelos de humor, bizarro ou libertino. Concebido e ilustrado por Zep - aliás Philippe Chappuis, um suíço nascido em 1967, e celebrado com as proezas de Titeuf, um miúdo traquinas e incómodo - Happy Sex é uma proposta só para adultos, consumando sátira e erotismo como receita excitante, quanto às cúmplices representações entre a vida e a moral... Um álbum sob chancela Asa, em assinalável ousadia editorial - colorido, provocador e, sobretudo, irresistível - em situações hilariantes, embaraçosas, ou por comparsas caprichosos, exuberantes.
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CALENDÁRiO

1922-28SET2010 - Arthur Penn: «Em Hollywood, os melhores acabam por arrepender-se... Já não existe mercado para os filmes que eu poderia realizar. Os épicos de ficção científica e as fitas ao gosto juvenil estão fora dos meus parâmetros».
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1925-30SET2010 - Tony Curtis: Actor norte-americano - «Por um lado fui tremendamente abençoado… Por outro, imensamente amaldiçoado».

1936-02OUT2010 - Fernando Pernes: «Um dos maiores protagonistas na história da cultura portuguesa do Século XX. Grande divulgador da arte do nosso tempo» (Fundação de Serralves).

1923-04OUT2010 - Henrique de Senna Fernandes: «Através da sua acção como professor, escritor e advogado, contribuiu para manter a identidade de Macau, para manter a sua diferença» (Amélia António).

1923-05OUT2010 - Bernard Clavel: - Jornalista e escritor francês, distinguido com o Prémio Goncourt (Les Fruits de L'Hiver - 1968); em 1977, abandonou a Academia Goncourt, e recusou por duas vezes a condecoração da Legião de Honra - «Os meus vários ofícios foram as minhas universidades».

07OUT2010 - AM Produções estreia Vai Com o Vento (2009) e O Estrangeiro (2010) de Ivo M. Ferreira.

07OUT2010 - Mario Vargas Llosa é distinguido com o Prémio Nobel da Literatura, «pela sua cartografia das estruturas de poder, e pelas suas imagens mordazes da resistência, revolta e derrota dos indivíduos». IMAG.229-244

1932-09OUT2010 - Paulo-Guilherme d’Eça Leal: Filho de Olavo d’Eça Leal - Arquitecto, cenógrafo, fotógrafo, cineasta, poeta -  «Gastei as quatro folhas do meu trevo / e outro não consigo encontrar. / Foi-se-me a sorte, resta-me o destino. / Em todo o caso, lê o que eu escrevo, / lê tudo o que puderes decifrar, / na minha letra tosca de menino.» (Depressa Que O Verso Foge... - 1999, excerto).

MEMÓRiA

04FEV1681 - Nascido em 1605, morre o Padre Bento Pereira, da Companhia de Jesus, autor de Prosódia Humanista, Prontuário Jurídico, Suma de Toda a Teologia Moral ou Arte da Língua Portuguesa.

06ABR1741-1794 - Sébastien-Roch Nicolas, aliás Nicolas de Chamfort: «O que é um filósofo? É um homem que opõe a natureza à lei, a razão ao costume, a sua consciência à opinião, e o seu julgamento ao erro».

1918-17JUN1961 - Jeff Chandler: Durante a rodagem A Casa da Praia (1956), para Joan Crawford: «Como gosta do café?»; resposta da co-intérprete: «Sozinha». IMAG.206

03AGO1921-17JUN1971 - Humberto Madeira: Actor de teatro, rádio, cinema e televisão, imitador, empresário teatral - «Um cómico fabuloso» (Raul Solnado).

18JUN1861-1968 - José Francisco Trindade Coelho: «Como nas doces aguarelas, uma atitude de êxtase imobilizava ali todas as coisas, tocando-as de uma pontinha de sono» (Vae Victis!). IMAG.191-199

ANTIQUÁRiO

18JUN1931 - No São Luiz, Filmes Albuquerque estreia A Severa de Leitão de Barros, com Dina Teresa e António Luís Lopes; primeira longa metragem sonora portuguesa, com produção da Sociedade Universal de Superfilmes/SUS.
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INVENTÁRiO

UMA FADISTA DESDITOSA

No início dos anos trinta, A Severa contava-se entre os projectos sonoros para o cinema português, por Leitão de Barros - já consagrado, com fitas mudas como Nazaré, Praia de Pescadores (1929) ou, em 1930, Maria do Mar e Lisboa, Crónica Anedótica. Barros apontava, como outras obras dignas de adaptação, Inês de Castro (que dirigiu em 1945) ou Frei Luís de Sousa (por António Lopes Ribeiro em 1950); além de Os Lusíadas, que atraía Afonso Lopes Vieira (realizador de O Afilhado de Santo António em 1928), seu futuro colaborador literário.
A ideia era «criar cinema e movimento dentro de uma anedota - e não fazer ilustração movimentada duma página». A peça de Júlio Dantas subira à cena, pela primeira vez, em 1901, e o seu êxito levara o autor a escrever um romance; ambos serviram de inspiração a uma opereta de André Brun. Ora, Barros esclareceu que o apaixonara, no tema, «uma Severa mais filha de Zorro, mais forte». Chegou a referir-se uma supervisão por René Clair, mas Barros apenas confirmou ter ouvido os seus preciosos conselhos, em Saint-Tropez.
A produção da nossa primeira fita «falada e cantada», como referia a promoção de época, ascendeu a cerca de dois mil contos. As filmagens decorreram em Portugal, quanto a exteriores; com cenas de estúdio e gravação sonora em Épinay-Sur-Seine, Paris. A partir daí, o Bloco H. da Costa incumbiu-se da distribuição, por todo o mundo. Houve uma versão espanhola - que passou, ainda, nas repúblicas sul-americanas; e outra internacional, com supressão dos diálogos, a exibir em França, na Bélgica, na Suiça, na Holanda, na Alemanha, na Checoslováquia, na Dinamarca, na Polónia e na própria URSS!
Muitos portugueses não puderam, também, ouvir A Severa. De facto, uma versão muda estreou em 1932, com um fundo melódico organizado por Júlio Canhão, cenas abreviadas e legendas, em salas ainda não apetrechadas para fonofilmes. Nas outras, o sonoro jogou como novidade, quanto à reprodução dos diálogos. Quase não há ruídos ambientais, mas envolvimento musical: preenchendo os interregnos da acção, e alternando tematicamente - de acordo com os protagonistas, ou como insinuação à natureza dos episódios. Numa primeira parte, a feição documental é determinante, com a paisagem ribatejana, em plena intensidade visual.
A Praça de Touros de Algés deu cenário a uma corrida castiça à antiga portuguesa, a que assistiu o futuro imperador do Japão, Hirohito; para a figuração, Barros alugou em Paris - nos melhores guarda-roupas - mil e quinhentos vestidos e fatos... de papel: «fazem um vistão e podem estragar-se à vontade, porque são baratíssimos». Bem ao seu estilo, sublinha a descrição dos tipos humanos - incidindo sobre os rostos de rústicos, a gravidade de corpos e objectos. A fotografia sobressai, aliás, como grande trunfo - reforçando uma atmosfera, no rigor ou contraste dos enquadramentos. Ainda excessiva, pontuada ou teatral, a interpretação reflecte os códigos típicos do mudo - entre a expressão dolente de Dina Teresa, a postura viril de António Luis Lopes.
Explorando a intriga passional, existe uma intensa conotação física, sensual, no conflito entre a fadista e o amante - choque de contraditórios sentimentos que circula, também, pelo que os une e separa nas origens sociais. Como acontecerá em Bocage (1936), Leitão de Barros satiriza o exibicionismo da aristocracia lisboeta. Ciúme, desprezo, desejo e canalhice ganham crescendo, nos jardins do Marquês de Seide, para ouvir «a nova moda do fado». Nobreza e miserabilismo parecem então trocar, numa perspectiva moral, de personagens convencionais. Tal irradia das conversas, da canção fatalista - de que a Severa e o Marialva são, afinal, modelo e mito.

COMENTÁRiO


SUBVERTER A REALIDADE

Em 1987, a obra Iratan e Iracema de Olavo d’Eça Leal foi transposta ao cinema pelo filho, Paulo-Guilherme - que assumiu ainda a produção, orçada em 21.000 contos e a cargo de Tino Navarro. Argumentista, Paulo-Guilherme escreveu a letra das canções - musicadas por Rui Guedes, António Ferro e Francisco Baião, para a voz de Maria João e do próprio realizador; Maria Helena d’Eça Leal fez a narração. Através de uma acidentada rodagem desde 1983, Mário de Carvalho e Daniel Del-Negro dirigiram a fotografia, com exteriores em Lisboa - Castelo de São Jorge, e Tróia. Sempre que a realidade os aborrece, o que acontece muitas vezes, dois irmãos - Iratan e Iracema - transformam-na pela fantasia em algo mais interessante, mais excitante. A ilusão e o sonho são, para eles, ferramentas de precisão - com que manipulam o quotidiano, obtendo resultados inesperados e fascinantes... Foram protagonistas Paulo Cruz e Mónica Monteiro, contracenando Carlos Wallenstein, Rita Rodrigues ou Baptista Fernandes. Iratan e Iracema - Os Meninos Mais Malcriados do Mundo... teve ante-estreia na Cinemateca Portuguesa, em Fevereiro de 1988; nesse ano, conquistou o Troféu de Ouro no Festival de Cinema dos Países de Língua Oficial Portuguesa, em Aveiro. Existe também uma série televisiva, emitida pela Radiotelevisão Portuguesa / RTP1, em Dezembro de 1987.

INVENTÁRiO

Como não se me esfria o amor da pátria, embora se arrefeça a idade, mas mais e mais se incendeia, sobretudo neste tempo, em que vejo que Portugal, depois que lutou valorosamente, está em paz, que concedeu de bom grado, e estabeleceu o comércio com toda a nação que está sob o firmamento, e glorifica com o nome de Cristo, dói-me muito que os portugueses careçam de uma arte com a qual apresentem a sua língua aos estrangeiros para ser aprendida.
É pois evidente que, quer no espiritual quer no laico, se espera um maior proveito na facilidade de aprender a nossa língua, para que quer os comerciantes estrangeiros nos enriqueçam com os seus bens e se enriqueçam com os nossos, quer os pregadores vão até aos confins da terra ou do império lusitano, onde as nações bárbaras se enriquecem com os bens verdadeiros do Evangelho.
Bento Pereira - Ars Gramaticae Pro Lingua Lusitana (1672) - Dedicatória

BREVIÁRiO

2009 - Caixotim edita Obras de Trindade Coelho; organização de José Carlos Seabra Pereira.

Universal edita em CD, sob chancela Archiv, Giovanni Battista Pergolesi [1710-1736]: Dixit Dominus por Julia Kleiter, Rachel Harnisch e Rosa Bove, com Orchestra Mozart, sob a direcção de Cláudio Abbado. IMAG.296-318

Relógio d’Água edita Cem Poemas de Emily Dickinson (18301886); organização e tradução de Ana Luísa Amaral. IMAG.255


IMAGINÁRiO326

· 08 JUN 2011 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VIII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

UNIVERSOS



Excessivo, caprichoso, egocêntrico, vaidoso, arrogante, obsessivo - eis qualidades esparsas, expressas pelos cavalheiros e pelas donzelas que com ele se relacionaram e que, consideradas globalmente, poderiam porventura caracterizar a personalidade complexa, controversa de Orson Welles (1915-1985). Costumava referir que aprendeu a ler graças aos textos de William Shakespeare, ou que gostava de exibir as suas condecorações para irritar o amigo Lawrence Olivier. Em 1938, pôs a América profunda à beira dum ataque de nervos, com uma recriação radiofónica sobre A Guerra dos Mundos de H.G. Wells. Como cineasta, estreou-se com O Mundo a Seus Pés / Citizen Kane (1941) - o seu melhor filme, aos 25 anos. Em 1965, esteve em Portugal, entre Coimbra, o Guincho e Elvas - apreciando o bom vinho e detestando as conferências de imprensa. Ao que parece, ficou extasiado com a voz de Amália Rodrigues. Avaliando a sua carreira, estimava como actor que «ninguém no Mundo representou em tantos maus filmes como eu». Fanático de touradas, as suas cinzas foram sepultas em terras da Andaluzia, por 1987.
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MEMÓRiA

09JUN1781-1848 - George Stephenson: Engenheiro mecânico e civil, conhecido como pai dos caminhos-de-ferro britânicos, delineou e construiu, segundo os princípios de James Watt, a primeira locomotiva viável a vapor em 1814 - denominada Blucher, e destinada ao transporte de carvão dentro das minas.

09JUN1891-1964 - Cole Albert Porter: Compositor e músico norte-americano - «A minha única inspiração é o telefonema de algum director com uma proposta de trabalho». IMAG.15

1195-13JUN1231 - Fernando Martim de Bulhões e Taveira Azevedo, aliás Santo António: dito «Martelo dos hereges, defensor da fé, arca dos dois Testamentos, oficina de milagres, maravilha da Itália, honra das Espanhas, glória de Portugal, querubim eminentíssimo da religião seráfica».
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1805-13JUN1871 - Jean-Eugène Robert-Houdin: «Um mágico é um actor a representar a personagem de um grande mágico».
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14JUN1811-1896 - Harriett Beecher-Stowe: «As lágrimas mais amargas derramadas sobre sepulturas são por palavras não ditas e por acções não feitas».

 CALENDÁRiO

23SET2010 - ZON Lusomundo estreia Assalto ao Santa Maria de Francisco Manso; com Leonor Seixas e Carlos Paulo.
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23SET2010 - Atalanta Filmes estreia A History of Mutual Respect de Gabriael Abrantes e Daniel Schmidt.

30SET2010 - Ar de Filmes produziu, e estreia Filme do Desassossego de João Botelho; sobre Bernardo Soares/Fernando Pessoa, com Cláudio Silva e Alexandra Lencastre. IMAG.1-68-168-189-236-243

30SET2010 - ZON Lusomundo estreia Embargo de António Ferreira; com Filipe Costa e Cláudia Carvalho.
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VISTORiA


Miss Otis Regrets

Miss Otis regrets she's unable to lunch today, Madam.
Miss Otis regrets she's unable to lunch today.
She is sorry to be delayed,
But last evening down in Lover's Lane she strayed.
Madam.
Miss Otis regrets she's unable to lunch today.

When she woke up and found, that her dream of love was gone.
Madam.
She ran to the man who had lead her so far astray.
And from under a velvet gown,
She drew a gun and shot her lover down,
Madam.
Miss Otis regrets she's unable to lunch today.

When the mob came and got her and dragged her from the jail,
Madam,
They strung her from the old willow cross the way.
And the moment before she died,
She lifted up her lovely head and cried,
Madam.
Miss Otis regrets she's unable to lunch today.

Miss Otis regrets... she's unable to lunch today.
Cole Porter

PARLATÓRiO





Neste lugar tenebroso, os santos brilham como as estrelas do firmamento. E como os calçados nos defendem os pés, assim os exemplos dos santos defendem as nossas almas, tornando-nos capazes de esmagar as sugestões do demónio e as seduções do mundo.
Como os raios se desprendem das nuvens, assim também dos santos pregadores emanam obras maravilhosas. Disparam os raios, enquanto cintilam os milagres dos pregadores; retornam os raios, quando os pregadores não atribuem a si mesmos as grandes obras que fazem, mas à graça de Deus.
Ó meu Senhor Jesus, eu estou pronto a seguir-Te mesmo no cárcere, mesmo até à morte, a imolar a minha vida por Teu amor, porque sacrificaste a Tua vida por nós.
Ó Senhor, dá-me viver e morrer no pequeno ninho da pobreza e na fé dos Teus Apóstolos e da Tua Santa Igreja Católica.
Santo António

COMENTÁRiO



Considerado o filme mais importante do cinema americano de sempre, O Mundo a Seus Pés / Citizen Kane (1941) mantém todo o esplendor e fascínio. O que dizer deste clássico que revolucionou a indústria artística, em seus reflexos de testemunho e de onirismo? A partir dele, nada se adiantou - sobre os desígnios do poder, a influência dos meios de comunicação, a vagabundagem visionária, os mistérios e os fantasmas da infância... Filho de um inventor e de uma pianista, George Orson Welles - também protagonista e co-autor do argumento, galardoado com um Oscar - firmara já o seu prestígio, como intérprete e encenador no teatro de vanguarda, quando a RKO, uma das principais companhias de Hollywood à época, o contratou para dirigir as fitas que entendesse, com um controlo absoluto. Descendente de uma modesta família do Colorado, que herdou uma das mais ricas minas de ouro do planeta, o seu (anti)herói, Charles Foster Kane, educado por um próspero homem de negócios, tornou-se proprietário dum fabuloso império de jornais americanos. Afinal, assumindo a alvorada e o crepúsculo do sonho ianque...

Ao fazer entrada nos estúdios para a rodagem de Citizen Kane - que Ridley Scott dramatizou no telefilme RKO 281, distinguido em 1999 com um Globo de Ouro -, Welles declarou: «Este é o mais belo e magnífico caminho-de-ferro, dotado de energia eléctrica, que há-de conduzir o ser humano às mais distantes paragens da sua imaginação». Naturalmente, para tal era necessário talento, e talvez não só. Depois de ver O Mundo a Seus Pés, o lendário Louis Aragon considerou que «nada é mais miserável do que passar diante do génio, de chapéu na cabeça». A carreira percorrida por Kane entre ilusões e glórias, sucessos e traições, ambições e tragédias, culmina em perturbadora síntese perante o amigo de infância, envelhecido e perdido no hospital, pedindo apenas - às escondidas - que lhe «dêem um cigarro». Rosebud... Quem senão ele poderia revelar, se ainda o soubesse, qual o segredo do extraordinário Cidadão Kane? Excessivo e volúvel, terno e cruel. Eis o culto - um enigmático mapa, cujo tesouro é a própria viagem do olhar. Ao contemplar O Mundo a Seus Pés, reanima-se a vertigem de um realizador extraordinário. Orson Welles, que um dia disse «no futuro, ninguém se lembrará de mim!».

ANUÁRiO




370aC-301 aC - Zhuangzi: Mestre daoista - «Se um homem dorme num lugar húmido, apanha frio e morre. Mas, e as enguias? Viver em cima de uma árvore é difícil, e esgota os nervos de qualquer um. Mas, que me dizes dos macacos? Entre o homem, a enguia e o macaco, quem habita o lugar certo, realmente? Os seres humanos alimentam-se de carne, o gamo de erva, as centopeias de cobras, as corujas e os corvos de ratos. Desses quatro, qual é o gosto certo, realmente? O macaco junta-se à macaca, o gamo à corça; as enguias unem-se aos peixes, enquanto os homens admiram Mao Qiang e Li Chin à vista dos quais os peixes mergulhariam, horrorizados, na profundidade das águas, as aves voariam alto no Céu e os gamos fugiriam correndo. Quem dirá, contudo, qual é o correcto padrão de beleza? Em minha opinião, o padrão da virtude humana, e do positivo e negativo, é tão obscuro que é impossível realmente saber qual seja».

PARLATÓRiO

Certo homem vivia perturbado ao observar a própria sombra e as pegadas que deixava, que considerava grilhões à sua liberdade. Por isso, decidiu livrar-se delas. Começou a correr, mas sempre que colocava um pé no chão, lá aparecia uma nova pegada, enquanto a sombra o acompanhava sem a menor dificuldade, por maior que fosse a velocidade a que corria. Julgou que não estava a andar depressa o suficiente, pelo que aumentou a velocidade da corrida. Até que caiu por terra, morto.
O erro foi o facto de ele não ter percebido que, se fosse para um lugar sombrio, a sua própria sombra desapareceria; e se tivesse ficado parado, as suas pegadas deixariam de aparecer.
Zhuangzi
Todo o Tempo do Mundo - Fernando Correia de Oliveira

BREVIÁRiO

Âncora Editora lança Porto, Naçom de Falares de Alfredo Mendes, com 1.735 palavras do calão.

Tradisom edita em CD, com o apoio da Câmara Municipal de Cascais, Fernando Lopes-Graça [1906-1994]: «Clepsidra» [Camilo Pessanha], «As Mãos e os Frutos» [Eugénio de Andrade] e 3 Canções de Fernando Pessoa por Nuno Vieira de Almeida (piano), João Rodrigues (tenor) e Ana Maria Pinto (soprano).
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¨Presença edita História do Pensamento Estético Em Portugal de Fernando Guimarães.

Assírio & Alvim edita O Livro Branco de Jean Cocteau (1889-1963); tradução e apresentação de Aníbal Fernandes.
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EMI edita em CD, sob chancela Disney Pearl, Brian Wilson Reimagines [George] Gershwin (1898-1937).
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IMAGINÁRiO325
· 01 JUN 2011 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VIII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

ADÃO








Com a fera à luz do dia, a besta penetrou na noite. Algures, regozijou o espírito.
Sendo, o abutre, uma cegonha profanada, separaram-se – pois – na perversão e na vergonha.
Eis a natureza que o barro deu à carne. Então, um sortilégio coleante serpenteia as árvores.
E, na modorra varonil, sobressalta uma felina garça.
– Antes do exílio, é o estado de graça.

ANUÁRiO

1460-1510 - Abraham bar Samuel bar Abraham Zacut, aliás Abraão Zacuto: «De nada lhe valeram os serviços que fizera às nossas navegações com as suas tábuas e com o seu ensino. Expulso primeiramente da Espanha, onde nascera, e depois de Portugal, a nova pátria que adoptara, lá foi seguindo na sua peregrinação até Tunis e depois até à Síria, onde foi procurar nos islamitas de Damasco a tolerância religiosa que não encontrara entre os cristãos da Ibéria» (Francisco Gomes Teixeira).

1496 - Na Tipografia de Abraão d’Ortas, em Leiria, Abraão Zacuto publica Biur Luchot (Explicações das Tábuas), Tabula tabulay celestius motuuz astronomi zacuti necnon stelay firay longitudinez ac latitudinez, com tradução do hebraico para o latim pelo seu discípulo José Vizinho.

1871 - Neste ano, fabricam-se no Bairro Oriental do Porto 189.932 metros de tecidos de linho, em 260 teares. Há também uma produção de 2.455,56 quilogramas de linho galego e coimbrão. Os tecidos constam de tarjas, lonas, brins, cotins, riscados, tecidos em cru e branqueados.

1968 - Ática edita As Mãos de Abraão Zacut, peça de teatro em 2 Actos de Luís de Sttau Monteiro.

CALENDÁRiO

SET-OUT2010 - No Espaço 39 Degraus, Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema expõe Aurélio da Paz dos Reis [1862-1931]: Vistas do Século XX - com imagens fixas, retratos e reportagens movimentadas da sociedade portuguesa pelo fotógrafo amador, revolucionário, floricultor e pioneiro cineasta. IMAG.4-87-106-308

1926-06SET2010 - Clive Donner: Realizador britânico de cinema e televisão - iniciou carreira nos Pinewood Studios aos quinze anos, tendo dirigido O Que Há de Novo, Gatinha? / What's New Pussycat? (1965), com Peter O'Toole, Peter Sellers, Romy Schneider, Ursula Andress e Woody Allen, também argumentista.

09SET-02JAN2011 - Em Cascais, Casa das Histórias Paula Rego expõe Victor Willing [1928-1988]: Uma Retrospectiva. IMAG.11-13-31-199-205-258-269

16SET2010 - ZON Lusomundo estreia O Último Voo do Flamingo de João Ribeiro; com Cláudia Semedo e Carlo d’Ursi.

16SET2010 - Bosque Secreto estreia Marginais de Hugo Diogo; com José Fidalgo e Patrícia André.

16SET2010 - Real Ficção produziu, e estreia no Classic Alvalade, Lisboa Domiciliária de Marta Pessoa. IMAG.13

29SET-03OUT2010 - No São Jorge, decorre MOTELx - 4º Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa.

16OUT-14NOV2010 - No Porto, Galeria Mundo Fantasma / Shopping Center Brasília apresenta Memórias Topográficas, exposição de ilustrações e banda desenhada por Diniz Conefrey. IMAG.289-301-325

MEMÓRiA

1868-02JUN1951 - Émile-Auguste Chartier, aliás Alain: «Os trabalhos escolares são provas para o carácter, não para a inteligência. Quer se trate de ortografia, de poesia ou de cálculo, está sempre em causa aprender a querer».

05JUN1931-1990 - Jacques Demy: «Prefiro idealizar o real, senão, para quê ir ao cinema?... [1964] Em meu entender, a música reforça, tal como a alegria no drama, os sentimentos». IMAG.296

1875-06JUN1961 - Carl Gustav Jung: «Tudo o que nos irrita nos outros, pode ajudar a compreender-nos a nós próprios».

OBSERVATÓRiO






www.quartodejade.com - Quarto de Jade - Site dos artistas gráficos Diniz Conefrey e Maria João Worm - SET2010 - Exposição Brancos Arquipélagos, antecedendo a reedição do álbum de banda desenhada Arquipélagos por Diniz Conefrey, uma adaptação de dois textos do poeta Herberto Hélder (Aquele Que Dá Vida e Uma Ilha Em Sketches), publicado por Íman Edições (2001). IMAG.289-301

VISTORiA

Jacob Auer

(Avançando, subitamente, a gritar e a apontar para o alto.)
Olhem... Olhem... Vermelho! De oriente a ocidente todo o céu está cor de sangue...
(Todos olham para cima. Pausa.)
E quando o céu se põe cor de sangue toda a terra é regada com o sangue dos fiéis! É cor de sangue o trigo das searas, cheira a sangue a brisa do entardecer, tinge-se de sangue a consciência dos homens...
Samuel Goldenstein
(Com energia.)
Vamos!
(O ritmo agora é muito rápido. Os personagens dão meia volta, como se pretendessem dirigir-se para o fundo do palco, mas estacam, apavorados, ao verificar que estão cercados. A partir deste momento os personagens estão sempre na presença dos soldados, embora estes nunca se vejam e nunca se oiçam. A representação tem de ser muito cuidada para que os espectadores entendam o que está a passar-se em cena e sintam a «presença» dos soldados. Depois duma pausa, Ruth Goldenstein grita, apertando a filha contra o corpo. Os personagens recuam, em atitudes defensivas, como se receassem ser agredidos fisicamente. Nova pausa, mais prolongada, interrompida subitamente por Abraão Zacut, que avança a correr de braços abertos, para o centro do palco.)
Abraão Zacut
Venham, assassinos, venham! As mãos de Abrão Zacut chegam para vocês todos!
Luís de Sttau Monteiro - As Mãos de Abraão Zacut (1968 - excerto)

COMENTÁRiO



Com base nas primeiras quatro tábuas solares do Almanach era possível determinar com rigor o lugar do sol na eclíptica. Com este valor, recorrendo a uma quinta tábua, era possível obter o valor da declinação do Sol, parâmetro astronómico necessário ao cálculo da latitude do lugar de observação quando utilizada a medida da altura meridiana desse astro.
Estas tábuas eram utilizáveis directamente para os anos 1473 a 1476. Para os anos posteriores, era necessário fazer alguns cálculos, por sua vez facilitados por uma outra que Zacuto incluiu na obra. O grau de precisão oferecido por estas tábuas era tal que elas foram utilizadas como base de diversas outras tábuas destinadas aos marinheiros, onde se indicavam os resultados dos cálculos requeridos pelas tábuas de Zacuto.
Fernando Reis

PARLATÓRiO






O conhecimento da verdade é o objectivo mais elevado da ciência, e será de considerar mais uma fatalidade do que uma intenção - caso, na procura da luz, resulte algum perigo ou alguma ameaça. Não é que o homem actual seja mais capaz de cometer atrocidades do que os antigos ou os primitivos. A diferença reside apenas no facto de, hoje em dia, ele ter acesso a meios incomparavelmente mais poderosos para afirmar a sua maldade. Embora a consciência se tenha ampliado e diferenciado, a qualidade moral ficou para trás, não acompanhando a caminhada. Eis o grande problema com que nos defrontamos. Apenas a razão, já não é suficiente.
Carl Gustav Jung

BREVIÁRiO







Asa prossegue a apresentação d’As Aventuras de Tintin por Hergé - aliás, Georges Prosper Remi (1907-1983) - em novo formato e com nova tradução - lançando A Orelha Quebrada (1945), O Lótus Azul (1946) e Os Charutos do Faraó (1955), lances fundamentais dum clássico vanguardista da banda desenhada franco-belga.  
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Cavalo de Ferro edita O Grande Retrato de Dino Buzzati (1906-1972); tradução de José Luís Costa. IMAG.50-88-92-224

Harmonia Mondi edita em CD, sob chancela Aparte, Frédéric Chopin [1810-1849] - Sonata Op. 65, Prelúdios, Nocturnos, Valsa por Ophélie Gaillard (violoncelo) e Edna Stern (piano).
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Teorema edita O Original de Laura de Vladimir Nabokov (1899-1977); tradução de Telma Costa. IMAG.63-223-253-272

Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, Carlos Kleiber [1930-2004]: Complete Recordings on Deutsche Grammophon.

NOTICIÁRiO

Fenómenos
Na freguesia de Oleiros, concelho da Feira, apareceu o outro dia à hora da missa uma grande cobra enroscada aos braços da cruz do altar-mor. O povo ficou apavorado, dizendo que era indício de próxima calamidade. Dias passados, apareceram duas cobras enroscadas ao sacrário de uma igreja de Gondomar.

31JUL1872 - Diário de Notícias


IMAGINÁRiO324

· 24 MAI 2011 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VIII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

FASCINAÇÃO




Em causa real, o escândalo de Bernard Boursicot, diplomata gaulês que, pelos anos ’70 do Século XX, teria facultado dezenas de documentos secretos a agentes da China, onde estava em funções. Como elo sedutor, Shi Pei Pu - ex-diva da Ópera de Pequim, por quem se atraíra, na década anterior. Vivendo ambos em França, com um suposto filho, desde 1981, a contra-espionagem desmascarou-os em 1986. Afinal, descobriu-se ser Shi um homem, o que Boursicot ignoraria… Sobre peça de David Henry Hwang, pelo próprio adaptada, que recebeu Prémio Tony (1988), aquando da estreia na Broadway, David Cronenberg privilegiou porém, sob catástrofe / alucinação em M Butterfly (1993), uma fantomática fatalidade - que enleia o seu René Gallimard, entre a fantasista figuração do ser amado, exposta em artifícios, vulnerabilidade, e o delírio obcecado na rotura pela traição; enquanto Song Liling representa o ente mediático, cuja idealização sobrevive aos contrastes duma paradoxal, logo emergente pungência sexual… Já protagonista de Irmãos Inseparáveis / Dead Ringers  (1988) para Cronenberg, Jeremy Irons assume um fascinado Gallimard - ao assistir a Madame Butterfly, assim compondo em inclemente, paroxísmico desvario, uma assombrosa Liling: aliás John Lone, antigo actor da Ópera de Pequim.

ANUÁRiO

1380-1460 - Fernão Lopes: «Grande licença deu a afeiçom a muitos que teverom cárrego d'ordenar estorias, moormente dos senhores em cuja mercee e terra viviam e u forom nados seus antigos avoos, seendo-lhe muito favorávees no recontamento de seus feitos; e tal favoreza como esta nace de mundanal afeiçom, a qual nom é salvo conformidade dalgüa cousa ao entendimento do homem. Assi que a terra em que os homeés per longo costume e tempo forom criados geera üa tal eonformidade antre o seu entendimento e ela que, avendo de julgar algüa sua cousa, assim em louvor como per contrairo, nunca per eles é dereitamente recontada; porque, louvando-a, dizem sempre mais daquelo que é; e, se doutro modo, nom escrevem suas perdas tam minguadamente como acontecerom» (Crónica de D. João I - Prólogo). IMAG.189

1741 - Concebido por Manuel de São Bento Gomes, de Valladolid, é construído o órgão de tubos do Mosteiro de Arouca, um dos mais notáveis exemplares ibéricos da era barroca, instalado em tribuna própria do Coro do Cadeiral. Após minucioso restauro por Gerhard Grenzing, que lhe devolveu o esplendor das sonoridades (por 1.325 tubos) e dos materiais originais, um concerto e um acto festivo assinalaram a reinauguração em 16MAI2009.

1871 - ESTATÍSTICA POSTAL - Neste ano, expedem-se pelos correios: de Inglaterra, 808 milhões de cartas; dos EUA, 531 milhões; da Alemanha, 388 milhões; de França, 354 milhões; da Áustria, 99 milhões; de Espanha, 72 milhões; da Suíça, 45 milhões; da Rússia, 21 milhões.

CALENDÁRiO

1924-04SET2010 - Paul Conrad: Cartoonista norte-americano, veterano de Los Angeles Times (1964-1993), três vezes distinguido com o Prémio Pulitzer (1964, 1971 e 1984), cujas ilustrações, motivadas por uma postura liberal, satirizavam os políticos e enfureciam os mais conservadores, com um estilo visual persistente e agressivo.

24JUN1930-12SET2010 - Claude Chabrol: Crítico e cineasta, Prémio René Clair da Academia Francesa (2005) - «Bastam quatro horas para aprender o que é necessário: as implicações das escolhas das objectivas, a pequena gramática das direcções de olhar, como efectuar os movimentos de câmara, a profundidade de campo».
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MEMÓRiA

1899-24MAI1971 - Duke Ellington: «As dificuldades são, sobretudo, uma oportunidade para experimentar o que sabemos e concretizarmos o melhor que nos for possível». IMAG.231-240

1600-25MAI1681 - Pedro Calderón de la Barca: «Ao rei, a vida e os bens devem ser dados, mas a honra é património da alma, que apenas pertence a Deus». IMAG.266

1412-30MAI1431 - Joana d’Arc: «Sim, as minhas vozes eram de Deus! As minhas vozes não me enganaram!» 1(431 - na fogueira). IMAG.163-215

1886-30MAI1951 - Hermann Broch: «Tanto mais poderoso e esquivo se tornava o verbo, um mar pairando, um fogo pairando, pesado como o mar e leve como o mar, mas sempre Verbo: não era capaz de o reter, e não o devia reter; o verbo tornara-se, para ele, inconcebível e inexprimível, pois estava para lá da linguagem». IMAG.105

VISTORiA


Como Foi Trelladada
Dona Ines Pera o Moesteiro
Dalcobaça, e Da Morte
DelRei Dom Pedro

Por que semelhante amor, qual elRei Dom Pedro ouve a Dona Enes, raramente he achado em alguuma pessoa, porem disserom os antiigos quc nenhuum he tam verdadeiramente achado, como aquel cuja morte nom tira da memoria o gramde espaço do tempo. E se alguum disser que muitos forom ja que tanto e mais que el amarom, assi como Adriana e Dido, e outras que nom nomeamos, segumdo se lee em suas epistolas, respomdesse que nom fallamos em amores compostos, os quaaes alguuns autores abastados de eloquemcia, e floreçentes em bem ditar, hordenarom segumdo lhes prougue, dizemdo em nome de taaes pessoas, razoões que numca nenhuuma dellas cuidou; mas fallamos daquelles amores que se contam e leem nas estorias, que seu fumdamento teem sobre verdade. Este verdadeiro amor ouve elRei Dom Pedro a Dona Enes como se della namorou, seemdo casado e aimda Iffamte, de guisa que pero dela no começo perdesse vista e falla, seemdo alomgado, como ouvistes, que he o prinçipal aazo de se perder o amor, numca çessava de lhe emviar recados, como em seu logar teemdes ouvido. Quanto depois trabalhou polla aver, e o que fez por sua morte, e quaaes justiças naquelles que em ella forom culpados, himdo contra seu juramento, bem he testimunho do que nos dizemos. E seemdo nembrado de homrrar seus ossos, pois lhe ja mais fazer nom podia, mandou fazer huum muimento dalva pedra, todo mui sotillmente obrado, poemdo emlevada sobre a campãa de çima a imagem della com coroa na cabeça, como se fora Rainha; e este muimento mandou poer no moesteiro Dalcobaça, nom aa emtrada hu jazem os Reis, mas demtro na egreja ha maão dereita, açerca da capella moor. E fez trazer o seu corpo do mosteiro de Samta Clara de Coimbra, hu jazia, ho mais homrradamente que se fazer pode, ca ella viinha em huumas andas, muito bem corregidas pera tal tempo, as quaaes tragiam gramdes cavalleiros, acompanhadas de gramdes fidalgos, e muita outra gente, e donas, e domzellas, e muita creelezia. Pelo caminho estavom muitos homeens com çirios nas maãos, de tal guisa hordenados, que sempre o seu corpo foi per todo o caminho per antre çirios açesos; e assi chegarom ataa o dito moesteiro, que eram dalli dezassete legoas, omde com muitas missas e gram solenidade foi posto em aquel muimento: e foi esta a mais homrrada trelladaçom, que ataa aquel tempo em Portugal fora vista. Semelhavelmente mandou elRei fazer outro tal muimento e tam bem obrado pera si, e fezeo poer açerca do seu della, pera quamdo se aqueeçesse de morrer o deitarem em elle. E estamdo el em Estremoz, adoeçeo de sua postumeira door, e jazemdo doemte, nembrousse como depois da morte Dalvoro Gomçallvez e Pero Coelho, el fora çerto, que Diego Lopes Pachequo nom fora em culpa da morte de Dona Enes, e perdohou-lhe todo queixume que del avia, e mandou que lhe emtregassem todos seus beens; e assi o fez depois elRei Dom Fernamdo seu filho, que lhos mandou emtregar todos, e lhe alçou a semtemça que elRei seu padre comtra elle passara, quamto com dereito pode. E mandou elRei em seu testamento, que Ihe tevessem em cada huum ano pera sempre no dito mosteiro seis capellaaens, que cantassem por el e lhe dissessem cada dia huuma missa oficiada, e sahirem sobrel com cruz e augua beemta: e elRei Dom Fernamdo seu filho, por se esto melhor comprir e se cantarem as ditas missas, deu depois ao dito moesteiro em doaçom por sempre o logar que chamam as Paredes, termo de Leirea, com todallas rendas e senhorio que em el avia. E leixou elRei Dom Pedro em seu testamento çertos legados, a saber, aa Iffamte Dona Beatriz sua filha pera casamento cem mil livras; e ao Iffamte Dom Joham seu filho viimte mil livras; e ao Iffamte Dom Denis outras viinte mil; e assi a outras pessoas. E morreo elRei Dom Pedro huuma segumda feira de madurgada, dezoito dias de janeiro da era de mil e quatro cemtos e cimquo anos, avemdo dez annos e sete meses e viimte dias que reinara, e quaremta e sete anos e nove meses e oito dias de sua hidade, e mandousse levar aaquel moesteiro que dissemos, e lamçar em seu muimento, que esta jumto com o de Dona Enes. E por quamto o Iffamte Dom Fernamdo seu primogenito filho nom era estomçe hi, foi elRei deteudo e nom levado logo, ataa que o Iffamte veo, e aa quarta feira foi posto no muimento. E diziam as gentes, que taaes dez annos numca ouve em Portugal, como estes que reinara elRei Dom Pedro.?
Fernão Lopes - Crónica de D. Pedro I

COROLÁRiO

Disse, quando era principiante, que não eram precisas mais de quatro horas - mesmo não sendo dotado - para aprender a realização, e ainda o penso.
Claude Chabrol - Como Fazer Um Filme

BREVIÁRiO

ZON Lusomundo edita em DVD, sob chancela Warner, M Butterfly (1993) de David Cronenberg; com Jeremy Irons e John Lone. IMAG.84-134-287

Tradisom edita A Origem do Fado de José Alberto Sardinha.

Naxos edita em CD, Luís de Freitas Branco (1890-1955) - Symphony Nº 3 pela RTE National Symphony/Sinfónica Nacional da Radiotelevisão Irlandesa, sob direcção de Álvaro Cassuto; inclui The Dead of Manfred e Suite Alentejana Nº 2.
IMAG.48-78-111-115-145-168-175-187-239-252-294

Quetzal edita Odes de Píndaro (518 aC-438 aC); tradução de António de Castro Caeiro. IMAG.161-307

Harmonia Mundi edita em CD, Manuel Blasco de Nebra [1750-1784]: Piano Sonatas (e Pastorelas) pelo pianista Javier Perianes.

Texto Editores lança A Monarquia Constitucional 1807-1910 de Maria de Fátima Bonifácio.

¯Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, Transformation - [Igor] Stravinsky [1882-1971], [Domenico] Scarlatti [1685-1757], [Johannes] Brahms [1833-1897], [Maurice] Ravel [1875-1937] pela pianista Yuja Wang.
IMAG--...186-193-199-203-253-256-272-286-291-302-317

Dom Quixote edita Berlim Alexander-Platz de Alfred Döblin (1878-1957); tradução de Teresa Seruya e Sara Seruya.
 


 IMAGINÁRiO323

· 16 MAI 2011 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VIII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

DIVERSÃO




«O estudo actual das investigações acerca dos pequenos cartões rectangulares, que designamos por cartas de jogar, faz remontar a sua introdução na Europa ao século XIV. Eventualmente, chegaram a Veneza provenientes do Império Otomano, onde são tidos como vindos da Pérsia e, quem sabe, da China. Mas tudo isto são hipóteses…» Assim apresenta Fernanda Frazão a sua História das Cartas de Jogar Em Portugal e da Real Fábrica de Cartas de Lisboa do Séc. XV à Actualidade - com edição sob chancela de Apenas Livros - obra monumental e minuciosa, aliciante no detalhe documental, esclarecedora no domínio testemunhador, fascinante na ilustração profusa e colorida. Entre a análise e a divulgação, a curiosidade científica e o estímulo do coleccionador, expõe-se um fenómeno cultural e lúdico, simbólico e estilizado, envolvente e sociológico, cujo elã supera tempos e classes, expectativas compósitas e matizes económicos. A não perder… e a desfrutar!

MEMÓRiA

18MAI1711-1780 - Frei João de Mansilha - Frade dominicano, teólogo, Conselheiro régio, membro do Conselho Geral da Inquisição (1773) - «Nenhum religioso nosso receba de nossas religiosas, por si ou por interpostas pessoas, cartas, recados ou escritos, ainda que sejam abertos, nem da sua parte mande alguma destas coisas às ditas religiosas, nem ainda com o pretexto de quaisquer faculdades ou licença que lhe seja ou fosse dada, porque todas havemos por revogadas». IMAG.304

1860-18MAI1911 - Gustav Mahler: «Sou triplamente desenraizado: boémio na Áustria, austríaco entre os alemães, judeu pelo mundo fora… O meu tempo chegará!».
IMAG. 208-224-237-281

1884-20MAI1941 - Raul Proença: «Continuamos a acreditar que o país só poderá salvar-se depois duma profunda conversão das consciências, duma renovação da mentalidade, dum vasto movimento democrático em que todas as soluções sejam debatidas, esclarecidas e vulgarizadas; numa palavra, depois que se conquiste para um dado plano de reformação uma opinião publica perfeitamente consciente de si mesma, que permita a solução viável e segura de todos os problemas, sem receio de que, dum momento para o outro, falte aos salvadores a base da sua acção política» (1921). IMAG.68

1895-23MAI1991 - Wilhelm Kempff: Pianista e compositor alemão - «Encarava a música de modo peculiar. Tinha ideias por vezes originais, e expressava-se como alguém que houvesse tocado uma peça centenas de vezes» (Harold C. Schonberg).

CALENDÁRiO

1927-21AGO2010 - António Telmo: Filósofo, ensaísta, professor, poeta, ficcionista - «Eu não sei nada do futuro, o futuro a Deus pertence. Deduzi [uma] data a partir das contas que fiz no horóscopo traçado por Fernando Pessoa como a data do trânsito para a época em que haverá uma ilha que será descoberta por naus feitas pela matéria dos sonhos. A passagem deste plano para esse será por volta de 2088».

1943-29AGO2010 - Alain Corneau: «Em toda a minha carreira, realizei apenas um filme militante: Todas as Manhãs do Mundo (1990), que militava pela música. Tornou-se uma grande recompensa ver a reacção do público, mesmo actualmente. Tenho a impressão de que o filme serviu para qualquer coisa» (2008).

1922-31AGO2010 - Vance Bourjaily: Jornalista, editor e escritor norte-americano - «As suas novelas descrevem o homem comum que luta - heroicamente, ou paradoxalmente - para viver com as contradições que definem a sociedade» (Dictionary of Literary Biography).

11SET-10OUT2010 - Câmara Municipal de Cascais apresenta, com Fundação D. Luís I e Agência Cascais Atlântico, a 2ª Edição da Exposição / Concurso Internacional de Escultura - Artemar Estoril 2010.

17SET-31OUT2010 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I expõe Utopias Urbanas de Nadir Afonso. IMAG.165

18SET-31OUT2010 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I expõe Histórias Que Unem / Bridging Histories de John Aiken.

08OUT-31DEZ2010 - Biblioteca Nacional de Portugal expõe Cartas de Jogar: de Fábrica à Mesa, com organização de Apenas Livros e coordenação de Fernanda Frazão.

ANTIQUÁRiO

22MAI1911 - Por decreto, é criado o Escudo, passando a constituir a unidade monetária da República Portuguesa. Tinha o valor nominal de 1000 réis e encontrava-se dividido em 100 centavos, cada um equivalente a 10 réis.

PARLATÓRiO





Não se pode proibir de pensar livremente, porque está na natureza humana ser livre no conceber e no realizar. Impedi-lo é pois não só uma tirania, como uma loucura; e não só uma loucura como uma tolice. São necessárias inteligências que abram. A liberdade de consciência é o dom da humanidade. Negar a tolerância em qualquer campo da actividade raciocinativa do Homem é atentar contra o progresso, é proceder contra a Vida. É não reconhecer a possibilidade de organismos mais completos, de visões mais nítidas da verdade, de almas mais acordadas para o reconhecimento do verdadeiro. Pratiquemos pois a tolerância absoluta: a liberdade do erro é sagrada.
Raul Proença






Nunca fui aluno de Bruckner. Todos pensavam que estudei com ele porque, nos meus dias de estudante em Viena, era visto frequentemente na sua companhia e, por isso, incluíam-me entre seus primeiros discípulos. A disposição alegre de Bruckner, e a sua natureza infantil e confiante, fizeram do nosso relacionamento uma amizade franca, espontânea. Naturalmente, a compreensão que obtive, então, de seus ideais não pode ter deixado de influenciar o meu desenvolvimento como artista e como homem.
Gustav Mahler


É inútil querer contemplar a Natureza, pois ela está toda dentro da 3ª Sinfonia de Mahler. Já não se trata de música, trata-se dos barulhos da própria Natureza.
Valery Gergiev


O Quinto Império não é deste mundo. O salto dá-se para outro plano, para o plano imaginal. Quer dizer, o que agora se está fazendo, o que agora se está pensando não se fará sentir no mundo material. O belo realizar-se-á num plano superior. Aí, sim, é onde poderá surgir o Quinto Império. Aliás, o mundo real é o do espírito.
Um dos sinais do Quinto Império é que ainda há andorinhas. O provérbio diz que uma andorinha não faz a Primavera. Mas eu acho que faz. Enquanto houver um homem onde resida a espiritualidade, há sempre um princípio do Quinto Império.
António Telmo
http://aeterna.no.sapo.pt/lusophia/lusophia40-sm.htm

BREVIÁRiO

Universal edita em CD, sob chancela Decca, Niccolò Paganini [1782-1840]: 24 Caprices pela violinista Júlia Ficher. IMAG.92

As Aventuras de Tintin por Hergé - aliás, Georges Prosper Remi (1907-1983) - em novo formato e com nova tradução, sob chancela Asa, prosseguem com o lançamento de Tintin Na América (1945) e Tintin No Congo  (1946), sagrando o sortilégio histórico e o fascínio modernista da saga fundamental em banda desenhada de inspiração franco-belga.
IMAG. 131-136-210-217-245-250-252-317

Civilização edita As Lágrimas do Meu Pai de John Updike (1932-2009); tradução de Carlos Morais Pires.
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Âncora Editora lança, com o patrocínio da Câmara Municipal da Mealhada, A Batalha do Bussaco - A Derrota Fatal dos Marechais de Napoleão Bonaparte de José Pires.
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Quarto tomo do Anuário Teatral – Portugal – Século XIX

 Dargil edita em CD, sob chancela ECM, Ludwig van Beethoven [1770-1827] - Piano Concertos Nºs 4 e 5 por Till Fellner com Orchestre Symphonique de Montréal, sob direcção de Kent Nagano.
IMAG.134-163-202-204-210-228-229-236-237-239-255-268-285-298-303

Quetzal edita Diário Inédito 1944-1949 de Vergílio Ferreira (1916-1996). IMAG.78-212-241

Universal edita em DVD, sob chancela Deutsche Grammophon, Gioachino Rossini [1792-1868]: La Cenerentola por Elina Garanca e Lawrence Brownlee, com Met Opera Orchestra & Chorus, sob direcção de Maurizio Benini. IMAG.320

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

 ARRANCA DO PEITO ESSE FUROR
QUE TE EXPÕE, FERA E FELINA - 6

 Coisas para esquecer. Só que a memória é capciosa, e deixa marcas ou sequelas. Como ao longo da história, em que a herança dos heróis guerreiros se precipita através de gerações, entre ruínas e litanias.

 – Continua   



IMAGINÁRiO322

· 08 MAI 2011 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VIII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

RESSURREIÇÃO

Séculos, sequelas, vivências, aparências, avassalam a realidade onde Lisboa se transfere no imaginário. Adversidades, vicissitudes, expectativas, decepções, sobrepõem-se à escala ritual de um quotidiano anónimo, anódino. Tudo, porque a dimensão virtual que entretém divindades e avatares, entre caprichos e desafios, haveria traçado, qual espiral volúvel projectada no tecido urbano, um paroxismo alternativo, temporal, em que cada um – apessoado ou personagem – à sua maneira então se desvenda ou se dissimula num devir prosaico, vacilando em si perante o labirinto humano. Náusea, vertigem – o sortilégio de inquietar espíritos e paisagens. Quem resistiria a tal fenómeno catártico? Infinitos, confinados. Fossem semelhantes ou mutantes, por origem ou por natureza – os que se precipitam na plenitude, os que gravitam sobre o abismo.
Impermanência, desassossego. Quem ousaria tal soberba minimal? Um Malsão sarcástico e conspirativo que voltou a ludibriar Benquisto na placidez quimérica, volvendo à balbúrdia lusitana com a insurreição a transbordar, fecundo e predador… Alheio aos prodígios cósmicos, atento aos artifícios terrenos, o Infante Portugal subtil detecta, ciente inventaria e, afinal, enfrenta audaz as paradoxais lucubrações em que evoluiu um tão ambíguo transe funesto, até irradiar o fascínio de um estado de graça.

CALENDÁRiO

09ABR1921-23AGO2010 - George David Weiss: Músico e compositor norte-americano, autor de canções como What a Wonderful World (com Bob Thiele em 1967, por Louis Armstrong) ou Can't Help Falling In Love (inspirada em melodia francesa do Século XVIII, por Elvis Presley).

1936-24AGO2010 - Maria Dulce: Actriz portuguesa de cinema, teatro e televisão - «…Infelizmente, muito esquecida quer pelo público, quer pelos responsáveis pela cultura. Não era uma segunda figura, mas uma primeira figura do teatro português, fez trabalhos fantásticos. Se fosse inglesa, era uma dame. Aqui não, aqui morreu pobremente, com dificuldades, e esquecida por todos. É muito o espírito português, infelizmente. Em Portugal, as pessoas são muito esquecidas e maltratadas. Só quando morrem, é que se lembram delas...» (Filipe La Féria). IMAG.117

02SET-15DEZT2010 - Em Lisboa, está patente O Ícone - A Luz da Alma - Exposição Itinerante de Ícones Ortodoxos Romenos no Museu Nacional de Arqueologia (02-26SET), na Sé Patriarcal (28SET-30OUT) e no Instituto Cultural Romeno (03NOV-15DEZ).

ANUÁRiO

1410-1474 - Gomes Eanes de Zurara: «Ó tu, celestial Padre, que com tua poderosa mão, sem movimento de tua divinal essencia, governas toda a in finda companhia da tua santa cidade, e que trazes apertados todolos eixos dos orbes superiores, distinguidos em nove esferas, movendo os tempos das idades breves e longas, como te praz! Eu te rogo que as minhas lagrimas nem sejam dano da minha consciencia, que nem por sua lei daquestes, mas a sua humanidade constrange a minha que chore c piedosamente o seu padecimento. E se as brutas animalias, com seu bestial sentir, por um natural instinto conhecem os danos de suas semelhantes, que queres que faça esta minha humanal natureza, vendo assim ante os meus olhos aquesta miseravel companha, lembrando-me de que são da geração dos filhos de Adão!» (Crónica do Descobrimento e Conquista de Guiné).

{1501-1568 - Garcia de Orta: Médico e pioneiro investigador em Botânica, Farmacologia, Antropologia e Medicina Tropical, autor de Coloquios dos simples, he drogas e cousas mediçinais da India, e assi dalgũas cousas tocantes amediçina, pratica, e outras cousas boas, pera saber , cõmpostos pelo Doutor Garcia dorta: físico del Rey nosso senhor, vistos pelo muyto Reverendo senhor, ho licenciado Alexos diaz: falcam desembargador da casa da supricaçã inquisidor nestas partes (Goa, 1563).

1871 - Este ano, existem em Lisboa 128 facultativos, 97 farmácias e 74 parteiras habilitadas.

1951-2009: José Calvário: Compositor, maestro - «Muitas das suas criações foram êxitos, tanto na rádio como na televisão, e vão com certeza perdurar na memória de muitos de nós» (Aníbal Cavaco Silva). IMAG.254

MEMÓRiA

1945-11MAI1981 - Bob Marley: «A liberdade de expressão implica, também, alguma liberdade de audição».

15MAI1911-04ABR1991 - Max Frisch: «A sociedade necessita de pessoas famosas. No entanto, põe-se uma questão: quem as escolhe para exercerem esse papel? Qualquer crítica a tal eleição, seja de forma implícita ou explícita, é uma crítica à mesma sociedade que está em causa» (Montauk - 1975).

VISTORiA

Capítulo VII - No qual se mostram cinco razões porque o Senhor Infante foi movido a mandar buscar as terras de Guiné

¨Então imaginamos que sabemos alguma coisa quando conhecemos o seu fazedor, e a fim para que ele fez tal obra. E pois que nos capítulos ante destes temos posto o senhor infante por principal obrador destas coisas, dando-nos dele aquele claro conhecimento que podemos, bem é que em este presente capítulo saibamos a fim porque as fez. E vós deveis bem de notar que a magnanimidade deste príncipe, por um natural constrangimento, o chamava sempre para começar e acabar grandes feitos, por cuja razão depois da tomada de Ceuta sempre trouxe continuadamente navios armados contra os infiéis; e porque ele tinha vontade de saber a terra que ia além das ilhas Canárias, e de um cabo que se chamava Bojador, porque até aquele tempo, nem por escrita nem por memórias de nenhuns homens, nunca foi sabido determinadamente a qualidade da terra que ia além do dito cabo...
E porque o dito senhor quis disto saber a verdade parecendo-lhe que ele ou algum outro senhor se não trabalhasse de o saber; nenhuns mareantes nem mercadores nunca se disso intrometeriam, porque claro está que nunca nenhum destes se trabalham de navegar se não para donde conhecimento esperam proveito; e vendo outrossim com nenhum outro príncipe se trabalhava disto, mandou ele contra aquelas partes seus navios, por haver de tudo manifesta certidão, movendo-se a isso por serviço de Deus e d’el rei D. Duarte, seu senhor e irmão, que naquele tempo reinava. E esta até que foi a primeira razão do seu movimento.
E a segunda foi porque considerou que achando-se naquelas terras alguma povoação de Cristãos, ou alguns tais portos que sem perigo pudessem navegar que se poderiam para estes reinos trazer muitas mercadorias, que se haveriam de bom mercado, segunda razão, pois com eles não tratavam outras pessoas destas partes, nem doutras nenhumas que sabidas fossem; e que isso mesmo levariam para lá das que estes reinos houvessem, cujo tráfego trazeria grande proveito aos naturais.
A terceira razão foi porque se dizia que o poderio dos mouros daquela terra de África era muito maior do que comummente se pensava, e que não havia entre eles Cristãos nem outra alguma geração. E porque todo sisudo, por natural prudência, é constrangido a querer saber o poder do seu inimigo, trabalhou-se o dito senhor de o mandar saber; para determinadamente conhecer até onde chegava o poder daqueles infiéis.
A quarta razão foi porque de XXXI anos que havia guerreava os Mouros, nunca achou rei Cristão nem senhor de fora dessa terra que por amor de Nosso Senhor Jesus Cristo o quisesse à dita guerra ajudar. Queria saber se se achariam em aquelas partes alguns príncipes Cristãos em que a Caridade e Amor de Cristo fosse tão esforçada que o quisessem ajudar contra aqueles inimigos da Fé.
A quinta razão foi o grande desejo que havia de acrescentar em a santa fé do nosso senhor Jesus Cristo, o trazer a ela todas as almas que se quisessem salvar, conhecendo que todo o mistério da encarnação, morte e paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo foi obrado a este fim, por salvação das almas perdidas, as quais o dito senhor queria, por seus trabalhos e despesas, trazer ao verdadeiro caminho, conhecendo que se não podia ao Senhor fazer maior oferta...
Gomes Eanes de Zurara - Crónica do Descobrimento e Conquista de Guiné (excertos)









{…A pimenta, o arvore ou planta he plantada ao pé de outro arvore; e polla mor parte a vejo sempre plantada ao pé de alguma arequeira ou palmeira, e tem raiz pequena, e crece tanto quanto he o arvore a que está arrimada e encostada, abraçandose com o arvore; a folha não he muyta, nem muyto grande, e he mais pequena que de laranjeira, e verde, e aguda na ponta, e queima algum pouco, nace como as uvas em cachos, e nam difere mais que serem os cachos da pimenta mais meudos nos grãos, e sempre estam verdes até ao tempo que seque a pimenta, e estê em sua perfeiçam e força, que he até meado de janeiro.
Garcia de Orta - Colóquios dos Simples e Drogas da Índia (excerto)

BREVIÁRiO

Apenas Livros edita O Infante Portugal e a Íntima Capitulação de José de Matos-Cruz. Lwww.apenas-livros.com

Relógio D’Água edita A Tragédia de Otelo, o Mouro de Veneza de William Shakespeare (1564-1616); tradução de Manuel Resende.
IMAG.26-79-131-141-146-164-179-202-232-239

Universal edita em CD, sob chancela Decca/L’Oiseau-Lyre, Franz Joseph Haydn [1732-1809]: Concertos For Harpsichord & Violin por Stefano Montanari e Ottavio Dantone, que dirige Accademia Bizantina.
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Relógio D’Água edita Temor e Tremor de Soren Kierkgaard (1813-1855); tradução de Elisabete M. de Sousa.

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

 ARRANCA DO PEITO ESSE FUROR
QUE TE EXPÕE, FERA E FELINA - 5

 Aos poucos, Leónia, que já quase nada dizia, deixou mesmo de falar. Mantinha-se debaixo de telha, abatida e baça. Usava agora um avental, talvez para disfarçar a bossa que lhe ia alargando, por baixo dos seios inchados.

Enfim, Leónia só se dava com Cacilda, sem lhe emprestar atenção. Também, ninguém estranharia, pois todos a consideravam um bicho do mato. Uma aberração que piorara após a morte de seu pai, por alcunha o Rasgado, o qual teimara em entrar no Porto, rompendo o cordão sanitário ali imposto, contra a epidemia que empestara pelo ano de 1899.

– Continua


    

IMAGINÁRiO321
· 01 MAI 2011 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VIII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

REAPARIÇÃO



Lisboa é uma cidade imaginária, intemporal, onde se entrecruzam ou entrechocam alfacinhas solitários, vadios e boémios, cidadãos ilustres, super-heróis fantásticos, jornalistas e filósofos, mulheres prodigiosas, infandos malfeitores, necrófagos e estapafúrdios, intelectuais sórdidos, amorais e puritanos, políticos ubíquos, virgens fatais, náufragos e forasteiros, angélicos facínoras, autóctones estrangeirados, emigrados neurasténicos, arrivistas e refractários, insubmissos conformados, aberrações umbilicais e outras virtuais aparições, em fantasmagorias e abominações, em artimanhas e manigâncias, em dissídios e adversidades, em compromissos e rupturas, em perigos e desafios, em sensos comuns e sentidos proibidos, em memórias efémeras e leviandades consagradas, amalgamando-se entre ruínas e vielas, rotinas e vivências, equívocos e assombros, pactos e traições, euforias e nostalgias, artimanhas e maquinações, tudo num turbilhão precário ou numa monotonia secular.

Sol e lua. E, certa manhã, nos arredores da capital, quando o Infante Portugal porfiava em mais um descanso do guerreiro, sob a identidade pública de Rui Ruivo, um impoluto causídico, após mais uma banal incursão nocturna, entre insónias e convulsões, entre horrores e irrisões, eis que tudo recomeça… Ao receber um telefonema provocador de Vulcão, o seu mais infame e funesto antagonista.

MEMÓRiA

23ABR1881-1924 - Arthur de Sacadura Freire Cabral: «Qualquer viagem aérea é um ponto de interrogação e muito mais esta, que apresenta numerosas dificuldades. Conheço o bico de obra que ela é e posso dizer que há cinquenta por cento de probabilidades a seu favor e outras tantas contra. A viagem é possível, mas para isso é preciso que tudo corra normalmente ou, se assim o quiserem, que o Padre Eterno se conserve pelo menos neutral no pleito que se vai travar entre nós e os elementos. Façamos votos por que assim aconteça, mas não cantemos vitória antes de tempo porque... ele nem sempre está de bom humor» (1922). IMAG.5-106-215-219

06MAI1861-07AGO1941 - Rabindranath Tagore: «O conhecimento é parcial, porque o nosso intelecto é um instrumento, é apenas parte de nós - capaz de nos prestar informações sobre as coisas que podem ser divididas e analisadas, e cujas propriedades podem ser classificadas parte por parte» (1916). IMAG.5

07MAI1911-11OUT1991 - José Marmelo e Silva: «Respeito, amo e admiro as novelas deste homem singular, até pela singularidade (raríssima entre nós) do seu propósito e do seu majestoso empreendimento literário» (Baptista-Bastos - 1987). IMAG.249

CALENDÁRiO

20AGO2010 - Biblioteca Nacional anuncia a criação, no seu Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea/ACPC, de uma Colecção exclusivamente dedicada a Alexandre Herculano (1810-1877). A Colecção de Alexandre Herculano reúne 36 documentos, incluindo as aquisições de 2008 e 2009, e os que se encontravam no ACPC, bem como outros 23 da Área de Manuscritos, incluindo cartas e documentos particulares. IMAG.38-95-146-220-268-309-312

VISTORiA


Cântico da Esperança

Não peça eu nunca
para me ver livre de perigos,
mas coragem para afrontá-los.

Não queira eu
que se apaguem as minhas dores,
mas que saiba dominá-las
no meu coração.

Não procure eu amigos
no campo da batalha da vida,
mas ter forças dentro de mim.

Não deseje eu ansiosamente
ser salvo,
mas ter esperança
para conquistar pacientemente
a minha liberdade.

Não seja eu tão cobarde, Senhor,
que deseje a tua misericórdia
no meu triunfo,
mas apertar a tua mão
no meu fracasso!

Rabindranath Tagore - O Coração da Primavera (Tradução de Manuel Simões)

VISTORiA








Há no amor ignorâncias subterrâneas. Há muito que aprender no livro do Eros…
Prezo-me duma problemática amorosa calculada, e é o que importa, além disso, Eduardo é moreno e musculado (estou a vê-lo separado de mim mesmo); palpita uma sensualidade poderosa e máscula em sua boca e em seus olhos. E não há horas do diabo em que estas singelas coisas complicam tanto as mulheres? Seria irrisório! Estar uma rapariga em minha casa e não a fazer gostar de mim!

José Marmelo e Silva - Sedução (1937 - excerto)

PARLATÓRiO

Trabalhei com Sacadura Cabral muitos anos em África, em estudos geográficos. Em 1913 encontrávamo-nos na fronteira de Baroce. Éramos astrónomos ambulantes... Um dia ouvimos os pretos comentar as nossas actividades: «os brancos nunca se perdem porque à noite perguntam a Deus onde estão». Rimo-nos da sua infantilidade, porque o que nós fazíamos à noite era observar as estrelas! E é tudo.
(Gago Coutinho)

ANUÁRiO








1644-1710 - Manuel Bernardes: «...Suposto que eles eram irmãos mais nobres e dignos, todavia diante de Deus também eram umas formigas, e a vantagem do seu grau racional harto se descontava e batia com haverem ofendido ao Criador, não observando as regras da razão, como elas observavam as da natureza, pelo que se faziam indignos de que criatura alguma os servisse e acomodasse, pois maior infidelidade era neles defraudarem a glória de Deus por tantas vias, do que nelas furtarem sua farinha». Sacerdote, pregador, escritor religioso e moralista, autor de Exercícios Espirituais e Meditações da Via Purgativa (1686), Armas de Castidade (1699), Meditações Sobre os Principais Mistérios da Virgem Santíssima (1706) ou Os Últimos Fins do Homem (1728).

COMENTÁRiO

Três Pátrias

Qualquer homem tem três pátrias: uma da origem, outra da natureza e outra do direito. A pátria da origem é aquela em que os nossos maiores foram e viveram; a da natureza é a terra ou lugar onde cada um nasce; a do direito é onde cada um é naturalizado pelas leis ou príncipes, e onde serve, e merece, e costuma habitar: neste sentido disse Túlio de Catão que tivera a Túsculo por pátria da natureza, mas a Roma por pátria do direito.

Quanto à pátria da origem, todos os homens somos do Céu, porque ali está, vive e reina o nosso pai celestial, que vai criando as almas e unindo-as a nossos corpos.

Quanto à segunda pátria, falando geralmente, todos homens somos da Terra; por isso dela falamos tão frequentemente. Neste sentido todos os filhos de Adão somos compatriotas, sem diferença do rei ao rústico. Neste sentido, também, os que desejavam negar as imperfeições do amor a tal ou a tal terra em particular, ou por arrogância e fasto filosófico ou por mortificação religiosa e santa, disseram que todo o mundo era pátria sua. Do primeiro temos exemplo em Sócrates, que, perguntado donde era, respondeu:

– Do mundo: porque de todo o mundo sou cidadão e habitador.

E em Séneca, que disse:

– Não encerramos a grandeza do ânimo nos muros de uma cidade, antes o deixamos livre para o comércio de todo o mundo, porque esta é a pátria que professamos, para darmos campo mais largo à virtude.

Do segundo temos exemplo em S. Basílio, que, ameaçado com desterro pelo prefeito do imperador Valente, respondeu que não conhecia desterro quem não estava adicto a certos lugares.

Semelhante resposta foi a do v. p. frei António das Chagas, que, avisado por certa pessoa não falasse tão acremente nos sermões da morte, porque se arriscava a ser desterrado, disse mui seguramente:

– Desterrar-me? Para onde? Quem não tem aqui pátria não pode ter daqui desterro.

Mas, além desta pátria do lugar comum, há outra do particular, que é a terra onde cada um nasceu. Quanto esta é mais pequena, tanto une mais os seus filhos, de sorte que parece o mesmo ser compatriotas que parentes, especialmente quando se acham fora dela. E parece-se este amor com a virtude da erva tápsia, da qual escreve Teofrasto que, metida na panela com a carne a cozer, de tal modo conglutina os pedaços dela que, para os tirar, é necessário quebrá-la. Quanto, porém, a pátria é terra mais populosa, rica e ilustre, tanto costuma ser matéria de vaidade aos que põem a sua glória fora de si. Assim se esvaneciam os Arianos da sua Constantinopla, lançando em rosto a S. Gregório Nazianzeno a sua terrinha, que nem muros a cingiam. Porém o santo doutor lhes respondeu que, se isso era culpa nele, também o seria no golfinho não haver nascido na terra, e no boi não haver nascido mo mar. E, pelo contrário, se neles era glória, também o seria para os jumentos da cidade assoberbarem os do campo.
Manuel Bernardes - Nova Floresta ou Silva de Vários Apotegmas
(1706-1728 - excerto)

ANTIQUÁRiO

14JAN1865 - Na Biblioteca Nacional de Lisboa, estão em leilão várias obras completas e incompletas, em português, e «uma grande porção de livros próprios para embrulhar manteiga. Vejam o triste fim que se dá ao resultado das insónias, estudos e lucubrações dos desventurados escritores!». 14JAN1865 - Diário de Notícias)

BREVIÁRiO

Apenas Livros reedita O Infante Portugal e as Tramóias Capitais de José de Matos-Cruz. Lwww.apenas-livros.com

Presença edita A Inquisição - O Reino do Medo de Toby Green; tradução de Saul Barata.

¯Harmonia Mundi edita em CD, Wolfgang Amadeus Mozart [1756-1791]: Sinfonias 39 e 40 pela Freiburger Barockorchester, sob a direcção de René Jacobs.
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Arbor Litterae edita A Submissa de Fiodor Dostoievski (1821-1881).
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IMAGINÁRiO320

· 24 ABR 2011 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VIII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

PERDIDAMENTE



Desde cedo o cinema se converteu em fenómeno de culto, explorado por múltiplas facetas: culto das suas vedetas, dos criadores, das próprias fitas - assim variando ao longo do Século XX, entre o fascínio e a emoção, a nostalgia e o encantamento. Durante sucessivas décadas, por conseguinte, subsistiu uma margem de público instituída - apesar das variantes - entre o estrito fanatismo e os limites volúveis do espectáculo. Pensemos agora noutra situação, punhamos a eventualidade de um culto que não respeita, já, ao espectador mas directamente ao artista visionário, àquele que manipula os materiais do cinema, e se exprime segundo as específicas virtualidades do imaginário. O realizador - fiel à regras duma indústria a que outrora se chamou fábrica de sonhos, mas também dependente dos caprichos do mercado, ou deles vítima eventual. Em tal sortilégio transfigurador, as modas e os modelos foram-se alterando. Este dilema eminente era reconhecido por David Lean, pouco antes de falecer. O mesmo director que, após uma iniciação prestigiosa (Breve Encontro - 1945, Grandes Esperanças - 1946), logrou alguns dos maiores sucessos de sempre (A Ponte do Rio Kway - 1957, Lawrence da Arábia - 1962, Doutor Jivago - 1965, A Filha de Ryan - 1971)...

CALENDÁRiO

1942-31JUL2010 - Tom Mankiewicz: Argumentista e realizador do cinema americano, filho de Joseph L. Mankievicz - a partir de Os Diamantes São Eternos/Diamonds Are Forever (1971), guionista da saga James Bond 007, director de Dragnet (1987).

1934-03AGO2010 - Carlos Almaça: Investigador e biólogo, professor universitário e director do Museu Bocage - «Abriu áreas como a ecologia, principalmente ecologia animal, e trabalhou os aspectos evolutivos de diferentes espécies» (Maria Amélia Martins Loução).

1929-07AGO2010 - Bruno Cremer: Actor francês de teatro, cinema e televisão - protagonista de Comissário Maigret (1991-2005), foi dirigido por Yves Boisset, René Clément, Luchino Visconti ou Claude Lelouch.

1926-08AGO2010 - Patricia Neal: Actriz americana do teatro e do cinema, distinguida com um Oscar por Hud - O Mais Selvagem Entre Mil (1963 - Martin Ritt) - «Frequentemente, a minha vida foi comparada com uma tragédia grega».

22ABR1941-12AGO2010 - Ruy Duarte de Carvalho: Escritor, ilustrador, fotógrafo, cineasta, antropólogo e professor nascido em Portugal, naturalizado angolano - «É verdade que um percurso biográfico se faz de tempos, de lugares, modos, percepções, ocorrências, experiências, resultados, aquisições, perplexidades, digestões e ressacas. Mas também é verdade que eu não vou nunca deixar de permanecer muito irremediavelmente ingénuo, embora não de todo burro, e de lidar muito mal com toda a ordem de leviandade, de irresponsabilidade, de arbitrariedade, de mentira, de prepotência, chantagem, esperteza, insolência e soberba, e de achar que o que mais envenena as relações entre as pessoas, quaisquer relações, é o uso e o abuso da boa-fé dos outros».

1926-13AGO2010 - José Maria de Figueiredo Sobral: Escultor, ceramista, pintor, gráfico, ilustrador, cenarista, poeta, dramaturgo - «Um buscador incessante de materiais e de formas» (Álvaro Lobato de Faria).

MEMÓRiA

1908-16ABR1991 - David Lean: «Um filme é a realidade dramatizada, e compete ao seu director fazer com que pareça verdadeira... O público não deve aperceber-se de toda a técnica que tornou tal possível». IMAG.141

1862-25ABR1911 - Emilio Salgari: «Se, com a idade de doze anos, eu não me tivesse enamorado por uma sedutora britânica, porventura não teria escrito a vida do mais encarniçado inimigo de Inglaterra: Sandokan».

27ABR1791-1872 - Samuel Morse: Pintor de cenas e vultos históricos e inventor do telégrafo (1832, patente de 1849) com recurso ao registo dos sinais que formam o Código Morse - «Por que não a electricidade? Viaja mais rápido que o som».
IMAG.24-80-139 

28ABR1911-1999 - Leon Harrison Gross, aliás Lee Falk: Autor de Mandrake e The Phantom - «A minha única política é enaltecer a democracia e criticar a ditadura... Constatei que milhões de pessoas - em todo o mundo - diariamente gostavam das mesmas coisas que eu apreciava». IMAG.86-218

1889-29ABR1951 - Ludwig Wittgenstein: «Que o mundo é o meu mundo revela-se no facto de os limites da linguagem (da linguagem que apenas eu compreendo) significarem os limites do meu mundo». IMAG.224

VISTORiA


A Terra Que Te Ofereço

1

Quando,
ansiosa,
pela primeira vez
pisares
a terra que te ofereço,
estarei presente
para auscultar,
no ar,
a viração suave do encontro
da lua que transportas
com a sólida
a materna nudez do horizonte.

Quando,
ansioso,
te vir a caminhar
no chão de minha oferta,
coloco,
brandamente,
em tuas mãos,
uma quinda de mel
colhido em tardes quentes
de irreversível
votação ao Sul.

2

Trago
para ti
em cada mão
aberta,
os frutos mais recentes
desse Outono
que te ofereço verde:
o mês mais farto de óleos
e ternura avulsa.

E dou-te a mão
para que possas
ver,
mais confiante,
a vastidão
sonora
de uma aurora
elaborada em espera
e refletida
na rápida torrente
que se mede em cor.

3

Num mapa
desdobrado para ti,
eu marcarei
as rotas
que sei já
e quero dar-te:
o deslizar de um gesto,
a esteira fumegante
de um archote
aceso,
um tracejar
vermelho
de pés nus,
um corredor aberto
na savana,
um navegável
mar de plasma
quente.

Ruy Duarte de Carvalho - A Decisão da Idade (1976)

INVENTÁRiO



Era um cinema de sublimes emoções, de espaços exaltantes, de anti-heróis em períodos de crise, de ambiciosas adaptações, da gigantesca reconstituição histórica, das paisagens exóticas e dos milhares de figurantes. Do esplendor ao crepúsculo das superproduções, concebidas para um deslumbramento ritual, o talento maior de David Lean terá sido reverter um desafio tão insinuante, além da controvérsia, como culminaria com Doutor Jivago (1965).

A partir do clássico literário de Boris Pasternak, que foi Prémio Nobel em 1958, a rodagem decorreu em Espanha e na Finlândia, associando a companhia americana MGM ao financeiro italiano Carlo Ponti. A acção ambienta-se na Rússia, por 1917, envolvendo as implicações individuais e os conflitos do drama romântico, subjugados pelo idealismo, as revolucionárias transformações de uma saga colectiva em plena viragem civilizacional.

Orfão em criança, Yuri Jivago é educado por Alexander Gromeko e, médico já, casa com a filha Tonya. Mas o seu coração pertence a Lara que, estudante, conheceu em Moscovo... Originalmente no esplendor dos 70 mm, Doutor Jivago foi galardoado com cinco Oscars - aos Melhores Argumento Adaptado (Robert Bolt), Fotografia (Fred Young), Guarda-Roupa (Phyllis Dalton) e Cenografia a Cores (John Box), além da Banda Sonora (Maurice Jarre).

ANTIQUÁRiO




X20MAI1561 - É difundida em Roma, com privilégio do Papa Pio IV e do Senado de Veneza, a primeira imagem cartográfica que representa Portugal isoladamente e no seu conjunto, impressa - com gravação de Sebastiano di Re, e versão reduzida (36X66 cm, na escala de c.1:1.340.000) preparada por Michelle Tramezzino - a partir do manuscrito original de Fernandes Alvares Seco, oferecido pelo humanista Aquiles Estaço ao Cardeal Guido Sforza, em agradecimento pelo «seu empenho nos assuntos lusitanos», sendo El-Rei D. Sebastião.

BREVIÁRiO

Warner edita em DVD, Doutor Jivago / Doctor Zhivago (1965) de David Lean; com Omar Sharif e Julie Christie. IMAG.141

Multidisc edita em CD, sob chancela Soul Jazz, Odyssey of the Oblong Square de Steve Reid.

Presença edita Crónica do Rei-Poeta Al-Mu’tamid de Ana Cristina Silva.

Universal edita em DVD, sob chancela Decca, Gioachino Rossini [1792-1868]: La Cenerentola por Joyce DiDonato e Juan Diego Flórez, com Orchestra & Chorus Gran Teatro del Liceu, sob direcção de Patrick Summers.

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

 ARRANCA DO PEITO ESSE FUROR
QUE TE EXPÕE, FERA E FELINA - 4

 Pouco mais tarde, Leónia ressonava, abandonando-se a uma esquisita languidez. As vezes, agitada numa espécie de esgares trémulos. Nem ela saberia se eram pormenores fortuitos de um pesadelo, ou o mal que a infectara a corromper-lhe tudo por dentro. Como um monstro caprichoso assim gerado, insaciável, a desapossá-la da sua perversão funesta e sonâmbula.

Durante os meses depois, Leónia Garça sentiu-o alastrar em si, ao disputar-lhe impunemente os órgãos e as tripas. Deformando-a, até. Ora, incapaz de lutar contra o que crescia no seu âmago, ocupada e debilitada, nunca mais a inclemente teve ganas de se metamorfosear.

Era, pois, duplamente devassada. Despossuída dos seus territórios de apetite, devastada na fúria que lhe acirrava a fome carniceira.

 

– Continua    


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