José de Matos-Cruz


IMAGINÁRiO219

16 MAR 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

REINÍCIO

A morte do 13º Dalai-Lama - de uma linhagem que liderou, política e espiritualmente, o Tibete há 650 anos - faz retomar, em 1933, os seculares rituais de sucessão. Tal busca de identidade reencarnará em Tenzin Gyatso, um miúdo de origens humildes, com dois anos, assim iniciado em 1937. Um moroso caminho de reafirmação e divinização, até à investidura como Buda da Compaixão, tem patamares de inquietação e angústia para o jovem entronizado, cerca de 1944, nos ecos distantes do nazismo ou do bombardeamento de Hiroxima. Com o termo da Grande Guerra, o seu remoto paraíso é também ameaçado, sob as ambições expansionistas da revolução chinesa. A invasão militar após 1949, pelo clã de Mao Tsé-Tung, suscita a resistência passiva e os esforços de preservação da autonomia. As destruições e os massacres no Tibete levam, afinal, ao exílio do Dalai-Lama em 1959, instalando-se em Dharamsala, no Norte da Índia. A libertação da pátria, o regresso a Lhasa, convertem-se em horizonte idealizado para o Muito Precioso, numa jornada interior e humanista que culmina na actualidade.

ANTIQUÁRiO

MAR1959 - Após o fracasso de uma rebelião das forças tibetanas contra o ocupante chinês, o Dalai-Lama parte secretamente para o exílio, instalando-se em Dharamsala, no Norte da Índia.

ANUÁRiO

1979 - No universo dos Marvel Comics, Stan Lee cria She-Hulk, sendo ilustrador John Buscema; aliás, Jennifer Walters, prima de Bruce Banner/The Hulk, e aparecida em The Savage She-Hulk (FEV1980). IMAG.4

INVENTÁRiO

O CINEMA E A TRAVESSIA AÉREA
DO ATLÂNTICO SUL

2 - Manuel Luís Vieira registou Os Aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral no Funchal. Oportunamente, a Secção Cinematográfica do Exército -  integrada no Ministério Português da Guerra - exibiria no Olympia, em Outubro de 1922, a Chegada a Lisboa de Gago Coutinho e Sacadura Cabral (3 partes), numa sessão em que o segundo esteve presente.
Para Lopes Freire, Albert Durot rodou O Regresso à Pátria dos Gloriosos Aviadores, sendo também responsável - associando produção da empresa portuense Invicta Film, e da carioca Botelho Film - por O Raid Aéreo Lisboa-Rio de Janeiro Pelos Heróicos Aviadores Sacadura Cabral e Gago Coutinho (2 séries).
Mas, além deste panorama sobre toda a aventura, o cinema não deixou de acompanhar as sucessivas repercussões envolventes. Logo no ano seguinte, registou-se Gago Coutinho e Sacadura Cabral em Madrid, abrangendo aspectos da visita, sendo os pormenores de aclamação focados por Madrid e os Nossos Aviadores.
Pela companhia francesa Gaumont, há também que assinalar a Chegada dos Aviadores Portugueses a Paris; depois, O Almirante Coutinho e Sacadura Cabral Recebem a Cruz da Legião de Honra e, finalmente, Os Heróicos Aviadores Recebidos na Sorbonne. Para Castello Lopes, foi ainda manivelado Homenagens Prestadas em Paris a Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Ainda em 1923, Manuel Luís Vieira tirou, na Madeira, a Inauguração do Monumento aos Aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral. Em todas estas fitas sobressairia um cunho de reportagem que, pela altura, se tornou típico através de intensa produção destinada, especialmente, a servir de complemento às obras de maior metragem e enredo, com um carácter artístico.
Como mera curiosidade, acrescente-se que, em 1924, Raul Lopes Freire promoveu outro filme curto, sobre a Chegada à Amadora de Sacadura Cabral da Sua Viagem Amesterdão-Lisboa, e que o entusiasmo popular levou à rodagem de Asas de Portugal - Saudação aos Aviadores do “Raid” Lisboa-Macau, complementada por Manifestação em Honra dos Aviadores Sarmento Beires e Brito Pais na Cidade do Santo Nome de Deus, todos exibidos em Lisboa e pelo País.
A própria empresa portuense Invicta Film fotografou, em 1924, a III Exposição Internacional de Automóveis, Aviação e Sports, Realizada no Palácio de Cristal, preservado pela Cinemateca Portuguesa (550 metros). Do ano seguinte, conhecem-se os títulos Chegada dos Aviadores Moreira de Campos e Neves Ferreira ao Funchal de Manuel Luís Vieira, ou Os Funerais do Heróico Aviador Emílio de Carvalho.
Mas, voltemos a Sacadura Cabral e Gago Coutinho. Em 1940, Fernando Fragoso e Raul Faria da Fonseca dirigiram o documentário I Travessia Aérea do Atlântico Sul (286 metros), recorrendo ao imaginário de época - com mapas filmados na Ulyssea Filme, e uma sugestiva articulação pela Marcha Triunfal Dedicada a Gago Coutinho e Sacadura Cabral do maestro Artur Fão, executada pela Banda da Marinha.
Já nos anos ’90, foi descoberto Visita ao Porto dos Heróicos Aviadores Almirante Gago Coutinho e Comandante Sacadura Cabral, provavelmente de 1923, e manivelado em 35 mm pelo amador Miguel Anjel Beauvalet. Finalmente, lembremos Cruzeiro do Sul (550 metros) - concretizado por Fernando Lopes, em 1966 - onde a relevância científica da intervenção aeronaval portuguesa é exposta, pela evocação da gloriosa façanha dos pioneiros Artur de Sacadura Cabral e Carlos Gago Coutinho.

VISTORiA


Ivan Iákovlevitch vestiu, por respeito das conveniências, a casaca por cima da camisa e, sentando-se à mesa, serviu-se de sal, preparou duas cebolas, pegou na faca e, com uma expressão eloquente na cara, pôs-se a cortar o pão. Ao abri-lo ao meio, olhou para o miolo e, surpresa sua, viu algo esbranquiçado.

Escavou cuidadosamente com a faca e apalpou com um dedo. «É duro,- disse para si. - Que poderá ser?». Enfiou os dedos e tirou - um nariz!... Caiu das nuvens; esfregou os olhos e começou a apalpar: nariz, nariz de certeza! Ainda por cima de alguém conhecido, parecia-lhe. Desenhou-se o terror no rosto de Ivan Iákovlevitch.

Nikolai Gogol
O Nariz (1836 - excerto)

GALERiA

SHE-HULK


Símbolo de uma nova geração de super-heróis, virtualizada pelo signo feminino, She-Hulk não representa apenas a maturidade dos quadradinhos, ela simboliza ainda uma leitura alternativa, em meio de expressão cujo apreço se forjou tendencialmente entre os jovens, e além de um fascínio que se reconstitui, aliciante, entre o público adulto. Irónica, irreverente, subversiva, por vezes paradoxal, envolve uma paródia aos clássicos, com sugestivas recorrências épicas. Mas nem sempre foi assim. Criada em final dos anos ’70 - por Stan Lee & John Buscema, sob chancela Marvel Comics - como The Savage She-Hulk, não despertou especial entusiasmo, entre a vaga de raparigas que disputava aos rapazes um privilégio paladínico. Só em 1989 tudo se revolucionaria, graças ao talento prodigioso de John Byrne - explorando as premissas romanescas por Roger Stern, e rebaptizando-a The Sensational She-Hulk.

Trata-se de Jennifer Susan Walters, advogada com escritório em Los Angeles que, ao aceitar a defesa dum criminoso, foi alvejada por quadrilha rival. Bruce Banner - seu primo, mais conhecido por The Incredible Hulk - estava com ela, tendo improvisado uma transfusão, por serem do mesmo tipo sanguíneo. Jen sobreviveu, mas afectada pela mutação metabólica de Bruce, sob extensa exposição aos raios gama: passou a transformar-se em Mulher-Hulk - algo porém controlável, e em plena consciência dos seus actos. Pertenceu aos Vingadores / The Avengers e ao Quarteto Fantástico / The Fantastic Four, em substituição de Ben Grimm, o Coisa / The Thing. Byrne submeteu-a à condição de Shulkie - vivendo em Nova Iorque, e adorando a sua condição e bizarria. Sensual, exuberante, gigantesca e esverdeada, Jen Walters / She-Hulk diverte-se  com o noivo Wyatt Wingfoot - um índio comanche, também propício a proezas justiceiras.

MEMÓRiA

20MAR1809-1852 - Nikolai Vassilievitch Gogol: «Quanto mais sublimes forem as verdades, maior prudência exige o seu uso; senão, de um dia para o outro, tornam-se lugares comuns, e as pessoas nunca mais acreditam nelas».IMAG.118

21MAR1919-1991 - Ruy Furtado: Prémio Garrett em 1986 - «Um actor com espantoso talento, e uma pessoa de convivência muito agradável» (Márcia Breia).

COMENTÁRiO

CINDERELLA



A narrativa tradicional e o imaginário de Hollywood fundiram-se em A Gata Borralheira (1949) de Wilfred Jackson, Hamilton Luske & Clyde Geronimi. O deslumbre em estado puro, sublimado entre a literatura e o cinema. O fabuloso clássico de Charles Perrault, a revolucionária fantasia de Walt Disney, transfiguram-se em plena magia, que apaixonaria sucessivas gerações.
Produzida em período de crise, quando os processos de fabricação se sobrepunham aos prodígios artísticos, esta obra-prima da animação restituiu o capricho romântico, a graça caracterizadora, o elã plástico, melódico e coreográfico das histórias imortais. Casada com o Príncipe Encantado, a feliz Gata Borralheira assume os deveres e rituais da corte. Mas o sucesso de Cinderella reside no carinho e na simplicidade...

CALENDÁRiO

1900-01OUT2008 - Boris Yefimov: Caricaturista russo, testemunha da União Soviética - «Estaline era um homem vil e tenebroso, que matou muita gente inocente. Mas foi, também, o homem a quem fiquei a dever a minha vida, a minha liberdade e o meu trabalho» (2000).

BREVIÁRiO

Virgin edita em CD, [Giovanni] Carestini [1704-1760]: The Story of a Castrato pelo contratenor Philippe Jaroussky; com Le Concert d’Astrée, e a maestrina Emmanuelle Haïm.

Sextante Editora lança Bomarzo (1962) de Manuel Mujica Lainez (1910-1984); tradução de Pedro Tamen.

Naive edita em CD, Antonin Dvorák [1841-1904]: Stabat Mater pelo Coro Accentus com a pianista Brigitte Engerer, sob a direcção de Laurence Equilbey. IMAG.201

Dom Quixote edita Correspondência e Textos Dispersos 1942-1979 de Joaquim Paço d’Arcos (1908-1979).

Dargil edita em CD, sob chancela Hungaroton, Franz Joseph Haydn [1732-1809]: Piano Works pelo pianista András Schiff. IMAG.40

Civilização Editora lança A Essência do Mal de Sebastian Faulks; regresso às aventuras de James Bond 007, no centenário do nascimento do criador Ian Fleming (1908-1964). IMAG.21-46-63-120-146-167-180-200

Editorial Caminho lança Portugal Na Espanha Árabe de António Borges Coelho.

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico


E ISTO É TUDO
O QUE SE SABE - 3

  Subrepticiamente, o Visconde do Bombarral esgueirou-se, sem mesmo lhes tirar o chapéu. Logo adviera uma breve mas brava cena de duelo, em que o professor se defendeu, partindo a sua bengala na cabeça do agressor, e sofrendo apenas ligeiras escoriações. O inconveniente discípulo foi preso e levado ao Governo Civil, até ser posto em liberdade precária, sob fiança.

 Continua    




IMAGINÁRiO218

08 MAR 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

ÉMULOS



As Aventuras de Blake e Mortimer principiaram em 1946, com O Segredo do Espadão, logo patenteando a arte monumental de Edgar Pierre Jacobs (1904-1987). Em causa, a dualidade do Bem - simbolizada na instituição militar (o bravo Capitão Francis Blake, responsável pelo MI5, serviço de contra-espionagem britânico) e no poder da ciência (o Professor Philip Mortimer, um especialista em Física e Aeronáutica, com gosto pelos fenómenos); contra a perversão do Mal - concentrada num arqui-inimigo (o sinistro e volúvel Coronel Olrik), ou outros eventuais adversários (Satô, Labrousse, Ahmed Rassim Bey). Um presente de ameaças, cumplicidades e perigos - virtualizado entre o passado e o fantástico, o futuro e a arqueologia - de Londres ao Cairo, de Paris a Tóquio, da Pré-História à Atlântida... Bob de Moor, Jean Van Hamme e Ted Benoît asseguraram uma continuidade, reposta por Yves Sente & André Juillard em O Santuário de Gondwana - sob chancela das Edições Asa, após A Conspiração Voronov - até ao âmago mais remoto da civilização humana. Hábeis a lidar com os mistérios e desafios que se repercutem, entre o céu e a terra, o Capitão Blake e o Professor Mortimer acabam, afinal, por protagonizar a sua intermitente coexistência, no universo contemporâneo da banda desenhada. IMAG.10-66-119

CALENDÁRiO

1921-29SET2008 - Hayden Carruth: «Ah, my friends, you are becoming my enemies, and I'm appalled by your irreverence for the simple truth that should sustain us all».

1930-03OUT2008 - Dinis Machado: «A novidade, para mim, desapareceu. Tenho pena de não me surpreender, quando escrevo».

11OUT-30DEZ2008 - No Palácio do Contador-Mor, Bedeteca de Lisboa apresenta Os Ridículos: Desenho Humorístico e Censura (1933-1963), exposição documental sobre o jornal satírico fundado em 1895 - sendo colaboradores Jorge Colaço, Nelson de Barros, Borges de Antão, Stuart de Carvalhaes ou Natalino Malquiades - em capas ilustradas e respectivas provas alvo da censura prévia às publicações periódicas. Organização em parceria com a Hemeroteca Municipal, sendo comissários Álvaro Matos e Pedro Bebiano, do Museu Rafael Bordalo Pinheiro.

MEMÓRiA

1911-13MAR1999 - Leon Harrison Gross, aliás Lee Falk: «Cada artista, para além das suas motivações e imaginação, recria um mundo pessoal na banda desenhada de que é autor - e isto é verdade para The Peanuts, Beetle Bailey, Popeye, para todas as melhores séries. E isto consegue-se, não imitando os outros - seguindo as suas próprias ideias. The Phantom e Mandrake são bem reais - muito mais do que a maior parte das pessoas que andam por esse mundo. Temos que acreditar nas personagens a que damos vida». IMAG.86

14MAR1879-1955 - Albert Einstein: «O que me interessa, mesmo, é conhecer o pensamento de Deus; o resto não passa de meros pormenores». IMAG.31-51-103

INVENTÁRiO

LEE FALK



Na banda desenhada americana, pelos rumos da aventura, um criador influenciou a história dos heróis ao longo de décadas, reflectindo-se por um culto mutante entre os leitores: Lee Falk, com os essenciais Mandrake the Magician e The Phantom. Em talento e inspiração, Falk era um autor esotérico, irónico, ritualista. Narrador primordial, inspirado em cultos ancestrais, lendários de variegadas civilizações e exotismos. Por outro lado, a partir destes conceitos e destes símbolos fundamentais, Falk provou possuir - também - um engenho fértil e distinto. Bastaria observar as características que contrastam Mandrake e o Fantasma, praticamente num recorte de oposição entre si. Aliás, ambos evoluíram ao longo dos anos, com as respectivas sagas. Em cumplicidade com os leitores próprios, Falk suscitou também dois encontros - alusivos a uma velha amizade entre si - de Mandrake e Fantasma, em momento de excepcional importância na vida de cada um: o casamento - do Homem-Mascarado, Kit Walker com Diana Palmer em 1977; e de Mandrake com a princesa Narda de Cockaigne, em 1997-1998. Lee Falk (1911-1999) iniciou os prodígios de Mandrake em 1934, dois anos antes de explorar as proezas do Duende Caminhante na selva de Bengalla. O modelo físico de Mandrake teria sido o próprio Falk - estilizado pelo grafismo de Phil Davis e ajudantes, até à morte em 1964. Depois, Fred Fredericks manteve o essencial, modernizando as personagens e a dinâmica narrativa ou cénica. A partir de 1936, The Phantom foi ilustrado por Ray Moore (1936-1947), Wilson McCoy (1947-1961), e desde essa altura por Sy Barry, com inúmeros colaboradores anónimos. Fiéis a um justiceiro com mais de quatrocentos anos.

VISTORiA

Assim Nasceu um Génio



Considerado um dos maiores cientistas de todos os tempos e uma das mentes mais brilhantes do Século XX, Albert Einstein desenvolveu uma das teorias mais importantes da ciência - a da relatividade - celebrizada pela famosa equação E = mc2
Nasceu na Alemanha em 1879 mas acabou por naturalizar-se norte-americano. Desde muito cedo que Einstein se interessou pela ciência que acabou por tomar conta da sua vida, demonstrando grande capacidade para resolver equações matemáticas muito complexas, com apenas doze anos.
Em 1921 foi galardoado com o Prémio Nobel da Física pela sua explicação do efeito fotoeléctrico. O seu trabalho possibilitou o desenvolvimento da energia atómica, apesar de esta não estar prevista no seu estudo. Por ter ascendência judaica, não era muito popular na Alemanha de Hitler, sendo odiado pelos nacionalistas alemães. Por ser contra regimes ditatoriais, Albert Einstein chegou mesmo a defender a utilização da bomba atómica para derrotar Hitler. Contudo, após ver a destruição que esta poderia causar, apelou ao desarmamento nuclear. Faleceu em 1955 e a sua notoriedade levou-o a ser a Pessoa do Século para a revista Time.
13NOV2007 - Diário de Notícias

Dilatação do Tempo
Medida Com Precisão

A dilatação do tempo, um dos aspectos abrangidos pela teoria da relatividade, é um dos fenómenos mais fascinantes tanto para os cientistas como para a própria ciência. Por esta razão, um grupo de cientistas, britânicos e alemães, desenvolveu um estudo em que, através da utilização de relógios atómicos ópticos, é possível calcular com uma precisão nunca antes vista a dilatação do tempo. Este estudo, que foi publicado no domingo pela revista Nature, vem confirmar a teoria desenvolvida por Albert Einstein, no princípio do século XX.
Para medir a dilatação do tempo, os cientistas usavam, até agora, o sistema de posicionamento global, mais conhecido por GPS, através de satélite. No entanto, este estudo considera que o sistema de GPS poderá vir a ser ultrapassado, uma vez que os relógios atómicos ópticos mostraram ser mais eficazes que o antecessor. Aliás, o relógio atómico é sem dúvida o relógio mais preciso de todos, uma vez que mede o tempo em 16 dígitos, ultrapassando em muito os relógios convencionais, com apenas seis dígitos, e os cronómetros com nove dígitos. Pela sua precisão, este é o auxiliar ideal para comprovar a teoria desenvolvida por Einstein, que considera que a gravidade e o movimento influenciam o tempo.

Dilatação do Tempo

Mas o que é exactamente o fenómeno da dilatação do tempo? Previsto na teoria da relatividade, este fenómeno prende-se com o facto de objectos ou mesmo pessoas sofrerem o efeito da dilatação do tempo de acordo com a velocidade a que estão sujeitos.
Assim, o tempo para um objecto ou um indivíduo que esteja dentro de um outro objecto, que se desloque a alta velocidade, passa mais lentamente do que se estivesse num objecto que se desloque a uma velocidade mais baixa.

Uma das experiências mentais mais conhecidas é o «paradoxo dos gémeos», em que se um dos gémeos viajar no espaço, onde se atingem velocidades muito altas, quando regressar à terra estará mais jovem que o irmão, em tudo idêntico a si. Assim, para um astronauta que viaje a 98% da velocidade da luz, cada ano percorrido irá equivaler a cinco anos na Terra. Se essa viagem no espaço demorar vinte anos, o astronauta irá envelhecer apenas quatro anos na realidade.
Para provar esta teoria, o grupo de investigadores, liderados por Sasha Reinhardt, do Instituto Max Planck, na Alemanha, utilizou dois átomos, em que um atingiu 6,3% e o outro 3% da velocidade da luz. A partir daqui, os cientistas conseguiram identificar a idade dos átomos com uma precisão nunca antes vista. Para isso usaram uma técnica pioneira que se baseia na utilização de um laser. Esta foi desenvolvida pelo alemão Theodor Hänsch, que também faz parte da equipa de investigação, e que ganhou, em 1995, o Prémio Nobel da Física.

Teoria da Relatividade

Foi Einstein o primeiro a prever este fenómeno da dilatação do tempo. Na teoria que desenvolveu sobre a relatividade, entre 1905 e 1916, a medição do espaço e do tempo é relativa e não absoluta, uma vez que o espaço e o tempo dependem directamente do estado de movimento do observador: quanto mais rápido se deslocar um objecto, mais lentamente passa o tempo para a pessoa ou objecto que esteja dentro do mesmo.
Esta teoria pretendia inicialmente explicar as lacunas no conceito de movimento relativo. Mas, com o desenvolvimento da investigação, tornou-se numa das teorias básicas mais importantes na história das ciências físicas. Esta serviu de base para que os físicos demonstrassem as unidades de matéria e energia, espaço e tempo, e a equivalência entre as forças de gravitação e os efeitos de aceleração de um sistema.
Para Albert Einstein os corpos produzem em seu redor uma curvatura do espaço. Assim, quanto maior for a massa do corpo maior será a sua curvatura. Como consequência, um outro objecto será atraído para esse grande corpo, não por causa da sua gravidade mas porque simplesmente segue o caminho, que, por ser curvo, o levará até esse destino.
Daniela Costa, com J.P.O.
13NOV2007 - Diário de Notícias

ANTIQUÁRiO






2002 - António José Martins realiza O Que Dinis Machado, documentário cinematográfico com produção de Animanostra: Dinis Machado, ficcionista, escreveu sete livros, entre os quais O Que Diz Molero. Por sua vez, o jornalista Dinis Machado escreveu «milhares de textos: futebol, ciclismo, poeminhas, coisas do quotidiano...». Foram quase vinte anos, durante todos os dias.

BREVIÁRiO

Assírio & Alvim re-edita Mão Direita do Diabo de Dennis McShade, aliás Dinis Machado.

Junta de Freguesia de Santiago do Cacém edita A História e as Histórias de Santiago do Cacém - A História de Santiago Contada Aos Jovens e Menos Jovens de António Gomes de Almeida (texto) e Zé Manel (ilustração), com o patrocínio de Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas - Leader +, Associação de Desenvolvimento do Litoral Alentejano e Feoga, e o apoio da Câmara Municipal de Santiago do Cacém.



IMAGINÁRiO217

01 MAR 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

ÉPICOS



Forjados no Século XX, pelo início da década de ’60, os super-heróis dos Marvel Comics foram a resposta póstuma à glória de Superman e Batman, que um outro colosso editorial, os DC Comics, lograra sublimar no império dos quadradinhos americanos, a partir de uma expansão nas páginas dos jornais. No entanto, pelo imaginário do genial criador e patrono Stan Lee, estavam também implícitas outras referências - como uma sociedade violenta e xenófoba, a perversão das instituições políticas, a degradação dos valores democráticos e a guerra do Vietname - de que tais paladinos eram eventuais vítimas ou vigilantes. Assim, em cada uma das sagas titulares - sobre Fantastic Four, Spider-Man ou X-Men - persistia uma exaltação de sucessos e bravura, mas também uma exalação de tragédia e infortúnios. Da transcendência humana à emulação prodigiosa, sobressai afinal o risco da sobrevivência, a expectativa da consagração - como persiste em Quarteto Fantástico: Para Além da Imaginação por Mark Waid, Mike Wieringo & Karl Kesel. Em Portugal, com lançamento sob chancela Devir - uma editora cuja extraordinária difusão da banda desenhada, com direcção por José de Freitas, assim culmina e se distingue. IMAG.21-45-49-71-80-92-133-153

ITINERÁRiO

PAUL NEWMAN

O seu talento contido e a ambiguidade de um olhar azul estilizaram o imaginário mítico de Hollywood. Paul Leonard Newman, de família judia, nasceu em Cleveland (Ohio), em 1925. A partir dos quinze anos, insinuou-se nos meios teatrais - sendo membro da Cleveland Playhouse, e de vários grupos universitários. Durante a II Grande Guerra, serviu como operador de rádio nos Navy Air Corps. Estudou Ciências Económicas, Literatura Americana e Arte Dramática no Kenyon College; seguindo-se Declamação na Yale Drama School (1951-52), e culminando o curso superior no Actor’s Studio. Entretanto, casara com Jacqueline Witte (1947-56). Em 1953, logrou sucesso na Broadway, com Picnic; a Warner contratou-o, para lançar-se no cinema em 1954. Um rápido prestígio e a versatilidade, levaram-no à revelação como realizador de Raquel, Raquel (Rachel, Rachel, 1968); seguiram-se Os Indomáveis (Sometimes a Great Nation/Never Give na Inche, 1971), A Influência dos Raios Gama no Comportamento das Margaridas (The Effect of Gamma Rays on a Man-in-the Moon Marigolds, 1972), A Vida e a Morte (The Shadow Box, 1980), O Confronto (Harry and Son, 1984) ou Algemas de Cristal (The Glass Menagerie, 1987).

Em 1971, Newman fundou - com Barbra Streisand, Sidney Poitier e Steve McQueen - as First Artists Productions. A partir de Gata em Telhado de Zinco Quente (Cat on a Hot Tin Roof, 1958, Richard Brooks), a Academia de Hollywood reconheceu o seu talento, com diversas nomeações aos Óscares; em 1986, foi-lhe atribuída uma estatueta honorífica, «em reconhecimento dos seus muitos e memoráveis desempenhos no cinema, e pela sua integridade pessoal e dedicação à actividade». Entre outros galardões, foi distinguido com o Prémio à Interpretação - no Festival de Cannes, por Paixões Que Escaldam (The Long Hot Summer, 1958, Martin Ritt), e no Festival de Mar del Plata, por A Vida É Um Jogo (The Hustler, 1961, Robert Rossen); repetiu este papel na maturidade de A Cor do Dinheiro (The Color of Money, 1986, Martin Scorsese), que finalmente lhe valeu um Oscar em 1987.

Paul Newman dedicou-se à produção de filmes, por vezes sem intervir no elenco. As competições automobilísticas tiveram nele um amador/perito, tal como se reflectiu na tela. Como liberal, acentuou o seu envolvimento político, apoiando as campanhas eleitorais de Eugene McCarthy, George McGovern ou Paul McCloskey. Prolongou uma intervenção em palco - sobretudo na Broadway, com The Desperate Hours (1955) ou Sweet Bird of Youth (1964). Dedicou-se também à televisão - em séries como Our Town (1955), The Army Game (1956), The Rag Jungle (1957) ou The 80 Yard Run (1958). Ainda em 1958, contraiu outro matrimónio estável, com a actriz Joanne Woodward. Em 1978, o Presidente Jimmy Carter nomeou-o delegado dos EUA na Conferência da ONU para o Desarmamento Nuclear; e originou a Allan Scott Newman Foundation, em homenagem ao filho morto por álcool e drogas. Entre os seus negócios, nos anos ’80, personalizou produtos de perfumaria e de culinária. Faleceu em 2008, de um cancro no pulmão.

BREVIÁRiO

Esfera do Caos edita O Existencialismo e a Sabedoria das Nações de Simone de Beauvoir (1908-1986); prefácio de Michel Kail. IMAG.78-183

¨Relógio d’Água edita Duluoz, o Vaidoso de Jack Kerouac (1922-1969); tradução de Paulo Faria. IMAG.126-141

Universal edita em CD, sob chancela DG Archiv, [Wolfgang Amadeus] Mozart [1756-1791] - Sinfonias 29, 33, 35, 38 e 41 por Cláudio Abbado com a Orchestra Mozart. IMAG.36-55-68-90-102-106-118-172-186-205-216

INVENTÁRiO

ANTÓNIO CAMPOS



Há uns anos, recebi de António Campos, assinado e datado de 1996, um grosso dossier intitulado Notas Biográficas e Filmografia. Não me era um procedimento estranho, pois de há muito trocávamos, regularmente, notas e informações avulsas. Fiquei surpreendido, sim, pela dimensão e o aspecto do documento. Não falávamos, já, há algum tempo, pelo que decidi telefonar-lhe com tal pretexto. A sua resposta, concisa e enigmática, foi mais ou menos assim: «Tive que fazer isso, para acompanhar um pedido de ajuda financeira, a um projecto que estou a preparar. Nos seus arquivos deve constar a maior parte do que aí está - mas, já agora, fica com tudo organizado. Para o que for preciso».

Não fiz muitos comentários. Sabia que o meu interlocutor estava doente e, por amizade ou experiência, entendi este gesto com os devidos efeitos memoriais. Tanto nas nossas conversas subsequentes, como num encontro pessoal, depois, também não voltámos a tocar no assunto. Agora, retomo este maço de papéis que me deixou, como despedida de um cineasta, porque chegou a altura de os pôr cá fora. Na Figueira da Foz, morreu António Campos. E, ficando-nos os seus filmes, com ele desaparece um exemplo único entre os nossos documentaristas. Um amador em sentido pleno - que nunca deixou de o ser, nos termos mais estimulantes e rigorosos, mesmo quando teve que recorrer a pretextos e processos de profissional, para continuar fazendo filmes.

Aliás, o próprio Campos o reconhecia, num Prolegómeno de apresentação do dossier em causa: «Trabalho desde o ano de 1958. Por intuição, amor e emoção, os filmes de que sou autor, são todos desenvolvidos do âmbito do cinema etnográfico e antropológico, com algumas escapadelas para trabalhos sobre Artes Plásticas, feitos durante a minha passagem pela Fundação Calouste Gulbenkian». No início de carreira, investiu «meios próprios e alheios», acumulando tarefas como operador de imagem, de som e montagem. Entre esses filmes, sobressaem A Almadraba Atuneira (1961), Vilarinho das Furnas (1971) e Falamos de Rio de Onor (1974) - que divulgou pelo país «a quem se me dirigia», a expensas suas, entregando-os depois «sem pedir qualquer recompensa», à Cinemateca Portuguesa e ao Museu Nacional de Etnologia.

Campos sempre foi um observador atento, paciente. Mas também um cineasta discreto - o que muita gente confundia, no seu caso, com motivos de timidez. Houve até quem, considerando as suas origens genuínas e, tendo responsabilidades de decisão no cinema, não se sentindo pressionado com quaisquer influências suas, julgava essa atitude assumida como um modo artístico de inibição, sem ousadia para ele avançar numa afirmação mais pública. Independentemente de lhe ser reconhecido talento, seria um demérito - ou um modo de ser inofensivo - perante os pactos de bastidores para acesso aos subsídios oficiais, e as estratégias de poder segundo os quais são repartidos.

Ora, tal nada reflectia de passividade. Nem de modéstia, ou desatenção, por parte de Campos. Era antes, também, a sua forma íntegra ou plena de ser honesto e verdadeiro. Pudor, até. Ou exigência íntima. Reagia por dentro, indo filmar. Com as consequências que só a ele, sobretudo, afectaram. Mesmo, depois da Revolução de Abril de 1974 - quando, através do Instituto Português de Cinema, lhe foram atribuídos vários apoios financeiros: para Gente da Praia da Vieira (1975), Ex-Votos Portugueses (1977) ou Histórias Selvagens (1978). Como medida de economia, Campos não inseriu nos orçamentos qualquer importância para si, a título de honorários. Ainda mais, concluído o último de tais filmes, e porque lhe sobravam dez mil escudos, o cineasta foi devolvê-los ao IPC!

Comentaria António Campos - um criador autodidacta, natural de Leiria - «felizmente, nada disto foi em vão». Cabe agora dizer que a sua maior fortuna era a paixão pelo cinema, a solidariedade com as pessoas que focava, o escrúpulo e total partilha dos problemas ou vivências que registava, enfim o entusiasmo dos seus pares - em especial, os que ele mais respeitava. Assim, indicava como louvor, ou mérito primordial, as palavras de Jean Rouch - que eu próprio recolhi, em Agosto de 1976 - exaltando «a riqueza do novo cinema português na sua diversidade e audácia. Quem teve o privilégio de descobrir autores tão secretos e pessoais, como António Reis e António Campos, deve preservar estes monstros sagrados».

Em 35 anos de carreira, Campos apurou o vigor temático, a sensibilidade do olhar e, essencialmente, uma noção exacta do tempo narrativo - peças fundamentais duma vibrante e fecunda vertente documental, com sóbria alusão estética. Porém, é justo realçar uma alternativa ficcional - que o cineasta esboçara com Um Tesouro (1958) ou O Senhor (1960), adaptando contos de Loureiro Botas e Miguel Torga, mas deixou indecidida sobre A Invenção do Amor (1965), inspirado em poema de Daniel Filipe. As duas tendências dilaceravam o degradante realismo das Histórias Selvagens, em ilustração à escrita de A. Passos Coelho. Tudo culminou, pois, com Terra Fria (1992). Uma co-produção luso-franco-espanhola baseada no romanesco por Ferreira de Castro, cujas implicações dramáticas e espectaculares não corresponderiam ao António Campos mais livre e austero.

José de Matos-Cruz (1999)

BREVIÁRiO

Bertrand Editora lança Insónia de Stephen King; tradução de Manuel Cordeiro. IMAG.101

CALENDÁRiO

1962-12SET2008 - David Foster Wallace: Escritor norte-americano, autor de Infinite Jest (1996): «Estava a chover de um céu baixo, e a maré tinha vazado toda».

1931-18SET2008 - Mauricio Kagel: Compositor radicado em Colónia, autor de Torre de Babel (2003) - «Embora nascido na Argentina, é o melhor músico europeu» (John Cage).

1924-25SET2008 - Raymond Macherot: Artista de banda desenhada, criador de Clorofila (1956) e Coronel Clifton (1959) - «é um gigante da estatura de um Hergé ou de um E.P. Jacobs» (André Taymans).

1925-26SET2008 - Paul Newman: «Começamos por perder a memória, em seguida a própria confiança torna-se débil, depois sentimos que estamos com menos qualidades. Torna-se, então, altura de encerrarmos um capítulo da nossa vida» (2007). IMAG.81-90-96

MEMÓRiA

1922-08MAR1999 - António Campos: «Não me interessa que os meus filmes vão para o cartaz. O que desejo é que circulem entre o povo, que conhece ou não os problemas focados, pois poderá passar a debatê-los». IMAG.96-180



IMAGINÁRiO216

24 FEV 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano VI · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

EXEGESE

Em cinema, os temas da imortalidade e do sobrenatural foram explorados tradicionalmente, transformando-se em géneros, graças à essência específica do imaginário - como um domínio virtualizado entre a realidade e o fantástico, revestindo as personagens de uma perene vitalidade, para além da existência efémera enquanto seres humanos. É de tais parâmetros que se reveste O Sexto Sentido (1999) de M. Night Shyamalan - com edição em DVD, sob chancela Lusomundo - conjugando implicações fascinantes em interioridade e plenitude. Em causa está Cole Sear, um rapazinho de oito anos, introvertido e emocionalmente instável. A angústia e o segredo de Cole desvendam-se, enfim, ao terapeuta Dr. Malcolm Crowe: ele os fantasmas de gente morta em circunstâncias violentas ou súbitas... Perturbador, deslumbrante, O Sexto Sentido persiste na maturidade confidente de Bruce Willis, na assombrosa revelação de Haley Joel Osment. Calibrando a atmosfera neutra, logo intensa ou inquietante com que Shyamalan pontua tão insólita jornada, correspondem a textura plástica de Tak Fujimoto e a música elegíaca de James Newton Howard.

CALENDÁRiO

13SET-01NOV2008 - No Passeio Marítimo da Costa do Estoril está patente Arte Mar Estoril - exposição internacional de escultura, em iniciativa da Câmara Municipal de Cascais com a Fundação D. Luís I e a Agência Cascais Atlântico.

VISTORiA

Elegia

Colham-se as rosas na manhã da vida;
Ao menos no fugir da primavera,
Das flores os perfumes se respirem.
O peito se franqueie aos castos gozos;
Amemos sem medida, ó cara amante!

Quando o nauta, no meio da tormenta,
Vê o frágil baixel quase afundir-se,
Às praias que deixou dirige as vistas,
E tarde chora a paz que ali gozava.
Ah! quanto dera por volver o triste
Aos amigos da aldeia, ao lar paterno,
E de novo passar junto à que adora
Dias talvez sem glória, mas tranqüilos!

Assim um velho, curvo ao pêso d’anos,
Da mocidade, em vão, os tempos chora;
Diz: «Volvei-me essas horas profanadas
De que eu, ó céus, não soube aproveitar-me».
Só lhe responde a morte; os céus são surdos
E inflexíveis o arrojam ao sepulcro,
Não consentindo que se abaixe ao menos,
A apanhar essas flores desprezadas.

        Amemos, vida minha!
E riamos do afã que os homens levam
Atrás de um fumo vão que lhes consome
Metade da existência, esperdiçada
        Em sonhos e quimeras.

Não invejemos seu orgulho estéril;
Deixemos à ambição os seus castelos;
        Mas nós, da hora incertos,
Tratemos de esgotar da vida a taça,
        Enquanto as mãos a empunham.

        Quer os louros nos cinjam,
E, nos fastos sangrentos de Belona,
Nosso nome se inscreva em bronze e mármore;
Quer da singela flor que as belas colhem
        Se entrance a humilde c’roa,
Vamos todos saltar na mesma praia.

De que val, no momento do naufrágio,
Em pomposo galeão ir navegando,
        Ou num batel ligeiro,
        Solitário viajante,
Ter só junto da margem bordejando?

Alphonse de Lamartine (Tradução de Castro Alves)

MEMÓRiA

1790-28FEV1869 - Alphonse de Lamartine: «Não há homem completo que não tenha viajado muito, que não tenha mudado vinte vezes de vida e de maneira de pensar».

1928-07MAR1999 - Stanley Kubrick: «Um filme é - ou deveria ser - mais música do que ficção. Deveria haver uma progressão de expectativas e sentimentos. O tema, o que está por detrás das emoções, o significado, tudo isso vem depois». IMAG.7-37-84-112-145-156-158-188

COMENTÁRiO

Um dos mais insólitos e espantosos filmes de Stanley Kubrick, De Olhos Bem Fechados (1999) expõe afinal, a plenitude visionária em grande ecrã, após uma estratégia mediática de notícias volúveis, mensagens subliminares, revelações ambíguas, referências polémicas. Tudo, segundo a concepção do cinema por Kubrick, como um fenómeno subtil e feroz - que implicaria o controlo maníaco por parte de um criador oculto,  tendo em vista a apetência gradual dos potenciais espectadores.

A rodagem principiou em Novembro de 1996, tendo o par Tom Cruise & Nicole Kidman - protagonistas de «uma história de ciúme e obsessão sexual» - comprado casa em Inglaterra, para estarem à disposição de Kubrick. «O homem é um génio» - lembrou a Warner em Outubro de 1997, para justificar o afastamento de Harvey Keitel. Em Maio de 1998, era Jennifer Jason Leigh a despedida; em Setembro, Kidman desabafava que «só Kubrick poderia impor-se a Tom», vítima duma úlcera.

Em Novembro de 1998, ainda Kidman reconhecia que, durante um ano e meio consagrado a Eyes Wide Shut, poderiam ter ganho milhões em duas ou três fitas, mas nada pagaria «a honra» de trabalhar com Kubrick. Este faleceu em 7 de Março de 1999, aos setenta anos, de «causas naturais». Dois dias antes, os executivos da Warner - que investiu sessenta e cinco milhões de dólares - assistiam à projecção privada em Nova Iorque, avalizando «um filme fantástico, que encerra uma carreira extraordinária».

Ao que consta, para manter o secretismo, o projeccionista foi obrigado a «passá-lo» de costas voltadas para o ecrã, e Kubrick exigira que a cópia regressasse de imediato a Inglaterra... Ainda em Março de 1999, eram anunciadas as datas de 16 de Julho e 10 de Setembro - respectivamente nos Estados Unidos e em Portugal - para a estreia da fita, baseada em Traumnovelle, um romance do escritor austríaco Arthur Schnitzler, com a acção de 1926, em Viena, adaptada à Nova Iorque actual.

O co-argumentista Frederic Raphael desentendera-se com Kubrick, que riscou todas as referências judaicas, prosseguindo um litígio judicial quanto à sua creditação. Entretanto, destapava-se a nudez da fantasia, emitindo as televisões de todo o mundo um fragmento de noventa segundos, ainda escolhido por Kubrick, de «frenético erotismo». Kidman & Cruise assumiriam as aventuras sensuais de um casal de psiquiatras com dois pacientes; nos seus excessos ela experimenta drogas, ele ensaia um travestismo.

Concluída em Janeiro de 1998, batera-se o recorde da rodagem mais longa, para um grande estúdio - cerca de quinze meses. Mesmo assim, em Abril, Kubrick voltou a chamar alguns actores, para «refazer umas cenas». E ainda pôde finalizar a pós-produção - pois, no seu escrúpulo paranóico, tinha garantido que, de outro modo, o filme ficaria inacabado. Afinal, soube-se em Junho de 1999, ele próprio atenuou, por meios digitais, sessenta e cinco segundos de uma orgia e outros explícitos lances carnais.

Esta a versão para o mercado americano, evitando a chancela «para adultos». À liberal Europa caberia apreciar o testamento integral - configurando as implicações éticas e estéticas, em síntese virtual ante um novo milénio - de um dos maiores autores do cinema, arte por excelência de um século a findar-se entre as luzes e as trevas. Afinal, esclareceu a história, corrigindo os rumores obscuros: Cruise é um médico e mantém a masculinidade, Kidman programava uma galeria de arte no Soho.

De Olhos Bem Fechados sugere como essa mulher, em incitação constante do seu homem presente, se excita na fantasia de um inominado Oficial da Marinha. Viagem pelo olhar, que se ofusca e incendeia, o vulcão de instintos e aberrações que os devora, pois, era para Stanley Kubrick o inferno humano, em que nos precipitamos pelo «abismo da decadência». Tensões, traumas, transes, confrontam Alice e William Harford num delírio extremo - fundindo identidade, desejo, infidelidade e expiação.

BREVIÁRiO

Gradiva edita O Amor e o Escárnio de Dario Fo; tradução de Maria de Fátima St. Aubyn. IMAG.72

Hyperion edita em CD, [Dieterich] Buxtehude [1637-1707] - Integral da Obra Para Órgão - Vol 1 pelo organista Christopher Herrick.

¨Editorial Presença lança O Imenso Adeus de Raymond Chandler; tradução de Carlos Grifo Babo. IMAG.86-190

Relógio d’Água edita Sarrasine (1830) de Honoré de Balzac; tradução de Pedro Tamen.

Harmonia Mundi edita em CD, J.S. Bach [1685-1750]: Obras de Juventude pelo cravista Andreas Staier. IMAG.32-58-163-198-203

Dom Quixote edita O Homem Lento de J.M. Coetzee; tradução de J. Teixeira de Aguiar.

Deutsche Grammophon edita em CD, [Wolfgang Amadeus] Mozart [1756-1791] - Concertos Para Piano K.414 e K.491 pelo pianista Maurizio Pollini, que dirige a Wiener Philharmoniker. IMAG.36-55-68-90-102-106-118-172-186-205

¨Fenda edita Suplemento à Viagem de Bougainville ou Diálogo Entre A. e B. Sobre o Inconveniente de Ligar Ideias Morais a Certas Acções Físicas Que as Não Comportam (1771) de Denis Diderot (1713-1784); tradução de Miguel Serras Pereira. IMAG.68

¨Guimarães edita Pensadora Entre as Coisas Pensadas de Agustina Bessa-Luís e Aniello Angelo Avella; a propósito do doutoramento honoris causa em Línguas e Literaturas Europeias e Americanas pela Universidade Tor Vergata de Roma. IMAG.11-33-83-92

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

E ISTO É TUDO
O QUE SE SABE - 2

  Eram onze horas e quarenta e três minutos. Tempo, pois, de o excelentíssimo senhor sair, rumar ao Rossio e prosseguir a sua rotina matinal, desde terça à sexta feira. Uma rotina de passeios, curiosidades e cavaqueiras, contemplando as damas junto às montras dos armazéns, ou derivando entre as livrarias e os cafés em estimulante convívio com os da sua laia. Assim todas as semanas, e de há muito até ao momento.

Ainda anteontem estava em saborosa troca de impressões, à esquina do Theatro de D. Maria, com o vetusto Visconde do Bombarral, que o punha a par das façanhas e patuscadas de seu filho espigadote, D. Fulgêncio. Porém, mal se puderam restabelecer da galhofa, preservando as conveniências. Foi nessa altura que, descendo desembestado dos Restauradores, lhes aparecera à frente, a esbracejar em riste, o raivoso Frederico Cabral, ex-aluno na Escola Médico-Cirúrgica, e a quem Seromenho reprovara na última cadeira do curso.

A memória das suas palavras, numa exaltada altercação, ainda feria os tímpanos do prestigiado académico:

- Seu biltre pretensioso!

Contestou-lhe Seromenho, conciliador e tendendo a timorato:

- Que intentas tu, ó impertinente? Tirar satisfações de mim? Vexar-me? Não vês que sou teu mestre?!

– Continua   



IMAGINÁRiO215

16 FEV 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

MARAVILHAS



Nos anais do imaginário em banda desenhada, François Schuiten prestigia a sua tradição, privilegia o seu futuro. Utópico, prodigioso, um dos mais inspirados ilustradores de mulheres, assim confessa o genial arquitecto visionário: «O meu trabalho como desenhador, como contador de histórias, permite-me escolher os meus próprios elementos narrativos, as minhas chaves de expressão. E, nessa medida, abre-me as portas da prisão. Mas, devo confessar também, eu desconfio da liberdade completa - pode tornar-se entediante. Cada pessoa, e em especial sendo artista, está limitada no que faz. Vivemos em comunidade, e a mim agrada-me que, num sistema, num regime democrático, existam determinados condicionalismos». Mantendo uma profícua cumplicidade criativa com Benoît Peters, Schuiten considera «a dinâmica narrativa fundamental na banda desenhada. Eu não sou propriamente um especialista em cartazes, ou um pintor. De qualquer modo, numa só imagem, o que me interessa são as suas potencialidades essenciais: em cada uma existe uma multiplicidade de histórias possíveis. Por outro lado, cada história pode, virtualmente, contar-se através de grande variedade de imagens - em grafismo, estilo ou estética».

ANTIQUÁRiO

FEV1429 - Uma rústica da Lorena, Joana d’Arc (1412-1431) transmite a Carlos VII, seu Delfim, a mensagem divina para libertar a França dos invasores. Dois meses depois, lidera os exércitos vitoriosos sobre os ingleses, em Orleães. Capturada, sob intrigas, juízos e torturas, ardente na fogueira salvadora, inocentada de bruxaria tempos depois, foi enfim canonizada Santa Joana d’Arc, em 1920. IMAG.163

23FEV1869 - Com Sá da Bandeira como Presidente do Conselho e Latino Coelho como Ministro da Marinha, é promulgado o Decreto abolindo a escravatura em todo o território português e, a partir da sua publicação, o estado de escravo. Desde 1836, várias disposições legislativas, devidas sobretudo a Sá da Bandeira, haviam preparado tal decisão. Pelo Decreto em causa, os indivíduos à data na situação de escravo ficam obrigados a trabalhar, como libertos, para os seus antigos senhores, até 29 de Abril de 1878. Mas, em Janeiro de 1874, Sá da Bandeira apresentou à Câmara dos Pares um projecto de Lei extinguindo tal vínculo laboral, e acabando com o estatuto de liberto. O Ministro da Marinha de então, Andrade Corvo, aceitou esse projecto, que veio a transformar-se na Lei de 29 de Abril de 1875, cuja validade começou a fazer-se sentir em cada uma das províncias ultramarinas, um ano depois de ali ser publicado. IMAG.52

MEMÓRiA

17FEV1869-18FEV1959 - Carlos Viegas Gago Coutinho: «Quiseram fazer de mim outra pessoa, quando do voo de 1922. Juntaram-nos mesmo Coutinho e Cabral. Afinal, o meu papel foi secundário, ele [Sacadura Cabral] é que foi o criador!» IMAG.6-106

16JUN1829-17FEV1909 - Gerónimo: «Nasci nas pradarias em que o vento corre livre, e onde nada havia que pudesse interromper a luz do sol. Nasci onde não havia limitações ou constrangimentos». IMAG.97

1875-22FEV1939 - Antonio Machado: «Yo voy soñando caminos / de la tarde. ¡Las colinas / doradas, los verdes pinos, / las polvorientas encinas!... / ¿Adónde el camino irá?»

VISTORiA

Et Jeanne, la bonne Lorraine
Qu'Anglais brûlèrent à Rouen;
Où sont-ils, où, Vierge souvraine?
Mais où sont les neiges d'antan?

François Villon - Ballade des Dames du Temps Jadis (1431)

 

Jardim

Lejos de tu jardín quema la tarde
inciensos de oro en purpurinas llamas,
tras el bosque de cobre y de ceniza.
En tu jardín hay dalias.
¡Mal haya tu jardín! ... Hoy me parece
la obra de un peluquero,
con esa pobre palmerilla enana,
y ese cuadro de mirtos recortados...,
y el naranjito en su tonel... El agua
de la fuente de piedra
no cesa de reír sobre la concha blanca.

Antonio Machado

INVENTÁRiO

O CINEMA E A TRAVESSIA AÉREA DO ATLÂNTICO SUL


1. Se o cinema logra culminar um mágico fascínio de transfiguração, constitui também o mais precário dos documentos, sobretudo quanto aos primórdios - na fragilidade do suporte fílmico, e pela falta de consciência na respectiva preservação, quer de negativos quer das cópias após a exploração comercial.

Lamentavelmente, e ao longo de décadas, há - assim - todo um vasto espólio de que se perderam as matrizes, ou que apenas se encontram acauteladas em arquivos e laboratórios estrangeiros, os quais agora reclamam preços significativos pela alienação ou mera tiragem.

Para nós, em termos de arqueologia fílmica, é já importante elaborar um inventário exaustivo de tudo o que se manivelou, por cinegrafistas nacionais ou estrangeiros, de assunto português, tendo em vista qualquer descoberta ou, até, eventuais (re)aquisições...

Sobre o interesse de tal esforço e dispêndio, basta exemplificar com uma abordagem histórica, como a referente à Travessia Aérea do Atlântico Sul - entre 30 de Março e 17 de Junho de 1922 - pelos oficiais da Marinha portuguesa Carlos Gago Coutinho e Artur de Sacadura Cabral, num hidroavião (o Fairey 400) propositadamente construído.

O estudo e planificação desta memorável proeza, preparada desde 1919 por Sacadura Cabral, como resposta à primeira Travessia do Atlântico Norte pelo Tenente Read, teve em Gago Coutinho um decisivo executor, graças aos profundos conhecimentos astronómicos e aerogeográficos.

Como seria inevitável, o cinema não lhe ficou indiferente: Raul Lopes Freire logo produzia O Raid Lisboa-Rio de Janeiro - A Partida do «Lusitânia»; complementou-o A Chegada do Fairey 17 ao Rio de Janeiro, que se exibiria em Maio, no Palácio de Cristal do Porto.

Tratava-se do «Santa Cruz» (ou Fairey 402), que culminou a viagem, ficando ainda para trás o «Portugal» (Fairey 401), pelos percalços e acidentes de cominação. Em Gago Coutinho e Sacadura Cabral, A. Botelho Film colheu a amarissagem no Rio e recepção pelo povo carioca.

Outra faceta deu-a Travessia Aérea do Atlântico Sul (em 2 partes), incluindo o chá elegante oferecido pelo Governador do Estado da Guanabara, ou a apresentação das comissões portuguesa e brasileira, organizadoras do acolhimento aos visitantes.

Entre nós, Filmes Castello Lopes revelou as Homenagens Prestadas no Rio de Janeiro aos Aviadores Sacadura Cabral e Gago Coutinho (3 partes), enquanto no Brasil aparecia O Raid Aéreo ao Rio de Janeiro pelos Gloriosos Aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral pela Foz Film.

NOTICIÁRiO

Uma Descoberta Curiosa

Na cidade de Kerisch, na Crimeia, descobriu-se a catorze metros abaixo do solo uma catacumba enorme, formada por três divisões. As paredes estão cobertas por frescos representando deuses gregos, com cenas da vida da Grécia antiga. A cousa mais interessante é uma inscrição em grego arcaico, cuja tradução é a seguinte: «Este santuário foi construído por Sorak, que nunca profanou na sua vida as ossadas dos seus semelhantes, e por esta razão roga às pessoas que crêem nos deuses que não toquem nestes esqueletos. No caso em que o não escutem, os deuses se encarregarão de punir os profanadores». Segundo o jornal Krym, esta catacumba deve remontar ao tempo da guerra de Tróia, e tem mais de três mil anos.
01JUL1890 - Diário de Notícias

BREVIÁRiO

Em As Folhas da Cinemateca, Cinemateca Portuguesa edita Ingmar Bergman (1918-2007); organização de Maria João Madeira. IMAG.28-112-113-125-158-186


Ministério das Letras edita António - A Biografia do Santo do Amor [Santo António - 1195-1231] de Fernando Nuno. IMAG.76-112

Bertrand edita Os Portugueses No Faroeste; tradução de Victor Antunes.

Sá da Costa edita História do Futuro - Volume I e Volume II do Padre António Vieira (1608-1697); prefácios e notas de António Sérgio e Hernâni Cidade. IMAG. 118-139-165-191

Universal edita em CD, sob chancela Decca, [Richard] Wagner [1813-1883]: The Great Operas From the Bayreuth Festival. IMAG.14-68-78-86-104-111-147-212

CALENDÁRiO

12SET-16NOV2008 - Centro Cultural de Cascais expõe Young At Heart <Remix>; sendo curador Alexandre Melo, uma selecção de obras de Ellipse Foundation - Contemporary Art Collection.

ELUCIDÁRiO




O mais aguerrido dos líderes apaches, que dominavam entre o Arizona e o Novo México, Jerónimo nasceu em 1829, na tribo Chiricahua, a qual se opôs a espanhóis, mexicanos e americanos. Celebrou-se por rápidas e brutais incursões, de saques e incêndios. Famigerado pela coragem e determinação, admirado pelos inimigos, temido pelo seu povo, Jerónimo foi vencido pelo General Crook em 1883, apenas se entregando honrosamente, dois meses depois. Encerrado numa reserva, a hostilidade dos soldados levou-o a rebelar-se com um pequeno grupo. Trinta e quatro bravos sobreviveram nas montanhas, desfeiteando mais de cinco mil homens do General Niles, até que se entregou, voluntariamente, em 1886. Levado para a Florida, Jerónimo faleceu em 1909.

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

E ISTO É TUDO O QUE SE SABE - 1

 25 de Junho de 1887

Deodato Seromenho espreitou, a modos que indeciso, através da porta envidraçada da Luvaria Moderna, para a Rua Áurea onde, todavia, tudo parecia tranquilo e convencional. Exceptuando a poeira habitual e o suportável fedor - o qual trazia a leve brisa, quanto aos excrementos que os cavalos expeliam, parando as carruagens com a clientela civilizada da Baixa - nada do exterior pareceria  indiciar qualquer ameaça.

 Continua  


 

IMAGINÁRiO214

08 FEV 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

CONTRASTES



Uma das fórmulas mais populares do cinema transalpino, pela transição dos anos ’60-’70 do Século XX, o filme em sketches atingiria plena expressão com o veterano Dino Risi (1916-2008) - um especialista primordial e implacável, cujas características sarcásticas, mas pungentes, culminam em Vejo Tudo Nu (1989), colectânea de histórias (in)vulgares e anedóticas, singularizada por um comediante com o versátil protagonismo de Nino Manfredi. A sensual acompanhante de um doente que faz furor no hospital, um tonto campónio acusado de violar uma galinha, um funcionário dos correios que se disfarça de mulher, um pitosga seduzido pelo próprio corpo reflectido, uma jovem que confunde o técnico dos telefones com um violador, um traumatizado de guerra que apenas se excita sob uma locomotiva, um publicitário libertino cujo olhar despe as mulheres... Histriónico, fragmentário, irrisório, extravagante, o humor compósito atinge - pela sátira crítica, pelo desbrago mordaz - uma incidência caricatural, uma estigmatização eloquente e privilegiada, sobre o retrato psicológico ou a radiografia social.

MEMÓRiA

1916-07JUN2008 - Dino Risi: «Com Mario Monicelli, Nanny Loy, Ettore Scola, Luigi Comencini, consagrou-se como um dos grandes mestres da comédia transalpina. Era uma espécie de Billy Wilder made em Italy» (Republica).

09FEV1909-1983 - Henrique Campos: «O cinema é uma arte difícil e complexa, que exige a conjugação de inúmeros factores para que se torne possível a produção de uma obra, não digo excepcional, mas pelo menos de nível razoável».

1847-09FEV1919 - Adolfo Coelho: «Não pode viver e desenvolver-se um povo isolado das grandes preocupações intelectuais do seu tempo» - Manifesto de 16 de Maio de 1871 por Adolfo Coelho, Antero de Quental, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Eça de Queirós, Germano Meireles, Guilherme de Azevedo, Batalha Reis, Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Sáragga e Teófilo Braga (Geração de 70 - Conferências Democráticas do Casino).

12FEV809-1882 - Charles Darwin: «A selecção natural causa, quase inevitavelmente, uma extinção considerável das formas menos bem organizadas e conduz ao que se chama a divergência dos caracteres». IMAG.16-63-74-77-87-90-101-109-119

ANUÁRiO

1499 - É lançada a obra Hypnerotomachia Poliphili, um dos livros impressos no Renascimento mais enigmáticos e fascinantes. Atribuído ao italiano Francesco Colona (1443-1527), monge dominicano, o título significaria O Combate Amoroso de Poliphilo Num Sonho, sendo escrito em grego, latim, hebraico, árabe e hieróglifos egípcios. Imaginário onírico e passional pela ninfa Polia, inclui elementos eróticos, aventurosos e mitológicos, além de comentários sobre arquitectura, música e literatura. Ao nível do design gráfico, considerado um marco dos incunábulos, com tipos móveis, a par com a Bíblia de Gutenberg, a edição tipográfica foi concebida por Aldus Manutius (1449-1515), incluindo uma narrativa sequencial de ilustrações em xilogravura com autoria anónima (Botticelli, Bellini ou Montagna). Em 1997, The MIT Press colocou on line um facsimile integral, electrónico, do original - escrito cerca de 1467, segundo Liane Lefaivre por Leon Battista Alberti (1404-1472). Em 1998, os mistérios e as virtualidades de Hypnerotomachia Poliphili - cuja primeira tradução, em inglês por Joscelyn Godwin, data de 1999 - inspiraram A Regra de Quatro a Ian Caldwell e Dustin Thomason, romance entre nós vertido por Maria Eduarda Colares, sob chancela da Editorial Presença.

VISTORiA

Elegia Anónima ao Leitor

Distinto leitor, ouve Poliphilo contar os seus sonhos,
Sonhos enviados pelos mais altos céus.
Não perderás o teu tempo, nem ao ouvir te aborrecerás,
Porque este trabalho maravilhoso é em coisas
fértil.
Se, austero e severo, desprezas histórias de amor,
Acredita, peço-te, que aqui as coisas respeitam a
sua ordem.
Recusas? Mas ao menos o estilo, com a sua linguagem romanceada,
Discurso austero e sabedoria, é digno de atenção.
Se também isto recusares, atende à geometria,
Às muitas coisas antigas aqui desenhadas em
símbolos nilóticos...
Aqui verás os palácios perfeitos que pertenceram a reis,
A veneração de ninfas, fontes e ricos banquetes.
Os guardas dançam, em trajos de variegadas cores, e o todo
Da vida humana exprime-se em labirintos
sombrios.
Hypnerotomachia Poliphili

VISTORiA


O Príncipe Sapo

Era uma vez um rei que não tinha filhos e tinha muita paixão por isso, e a mulher disse que Deus lhe desse um filho mesmo que fosse um sapo.
Houve de ter um filhinho como um sapo; depois botaram as folhas a ver se havia quem o queria criar, mas ninguém se animava a vir.
O rei, vendo que o sopito do filho não havia quem o queria criar, anunciou que, se houvesse alguma mulher que o quisesse criar, lho dava em casamento e lhe dava o reino.
Nisto aí apareceu uma rapariga e disse: «Se Vossa Real Majestade me dá o filho, eu animo-me a vi-lo criar.» O rei disse que sim e a rapariga veio criar o sopito. Depois passou algum tempo e ele foi crescendo e ela lavava-o e esmerava-o como se ele fosse uma criança. Foi indo e ele tinha uns olhos muito bonitos e falava, e a rapariga dizia: «Os olhos dele e a fala não são de sapo.» Já estava grande, passaram-se anos e ela, uma noite, teve um sonho em que lhe diziam ao ouvido que o sapo era gente, mas pela grande heresia que a mãe disse que estava formado em sapo, que se o rei lho desse para ela casar com ele que casasse e quando fosse na primeira noite que se fosse deitar, que ele tinha sete peles e ela levasse sete saias e quando ele dissesse: «Tira uma saia», lhe dissesse ela: «Tira uma pele.»
Assim foi e casou o sapo com a rapariga e na noite do casamento ele pediu-lhe que tirasse ela as saias e ela foi-lhe pedindo que tirasse as peles e depois de ele as tirar ficou um homem. Ao outro dia ele tornou a vestir as peles e ficou outra vez sapo. E ela disse-lhe: «Tu para que vestes as peles? Assim és tão bonito e vais ficar sapo.» «Assim me é preciso, cala-te.» Ela, assim que se pôs a pé, foi contar tudo à rainha, e o rei mais a rainha disseram-lhe: «Quando hoje te deitares, diz-lhe o mesmo e depois de ele tirar as peles e estar a dormir, deixa a porta do quarto aberta que nós queremos ir vê-lo.» Foram-no ver e viram que ele era homem. Ao outro dia o príncipe tornou a vestir as peles e vai o pai disse-lhe: «Tu, porque vestes as peles e queres ser feio?»
«Eu quero ser sapo, porque o meu pai tem mão interior e, se eu fico bonito, impõem a minha mulher.» O rei disse-lhe: «Eu não a impunha, mas queria que tu ficasses bonito.» Depois, como viram que ele não queria deixar de ser sapo, pediram a ela que, assim que ele adormecesse, lhes trouxesse as peles para eles as queimarem. Ela assim fez e eles botaram as peles ao fogo aceso. De manhã vai ele para vestir as peles e não as acha. «Que é das peles?» «Vieram aqui o teu pai e a tua mãe e levaram-nas.» «Mal hajas tu se lhas destes, mais quem te deu o conselho. Adeus. Se alguma vez me tornares a ver, dá-me um beijo na boca.»
A mulherzinha ficou mas o rei e a mulher, assim que viram que o filho faltou, puseram-na fora da porta. Ela, coitada, não tinha com que se tratar; o que era do rei lá ficou e ela estava muito pobrezinha. A todas as pessoas que via perguntava se tinham visto um homem assim e assim e lá lhe davam as notícias do príncipe. Vieram por onde ela estava uns cegos e ela fez-lhes a pergunta. Os moços dos cegos disseram-lhe: «Nós vimos no rio Jordão um homem e certamente era ele; estava botando fatias de pão para trás das costas e dizendo: “Pela alma de meu pai, pela alma de minha mãe, pela alma de minha mulher”.» Ela disse-lhes: «Vocês quando tornam para essa banda?» «Nós para o fim do outro mês voltamos para lá; havemos de passar por esse rio.» A mulherzinha aprontou-se e foi com eles. Chegou lá e era o príncipe. Ela chegou ao pé dele e deu-lhe o beijo na boca como ele tinha dito e disse-lhe: «Ora vamos embora, que se acabou o nosso fado.» E foram para casa e foram muito felizes e tiveram muitos filhos.
Adolfo Coelho
Contos Populares Portugueses (1879)

As leis que regulam a hereditariedade são pela maior parte desconhecidas. Qual a razão porque, por exemplo, uma mesma particularidade, aparecendo em diversos indivíduos da mesma espécie ou espécies diferentes, se transmite algumas vezes e outras se não transmite por hereditariedade? Porque é que certos caracteres do avô ou da avó, ou de antepassados mais distantes, reaparecem no indivíduo? Porque é que uma particularidade se transmite muitas vezes de um sexo, quer aos dois sexos, quer a um só, mas mais comummente a um só, ainda que não exclusivamente ao sexo semelhante? As particularidades que aparecem nos machos das nossas espécies domésticas transmitem-se muitas vezes, quer exclusivamente, quer num grau muito mais considerável no macho só; ora, é isto um facto que tem extraordinária importância para nós. Uma regra muito mais importante e que sofre, creio eu, poucas excepções, é que em qualquer período da vida que uma particularidade apareça de princípio, tende a reaparecer nos descendentes numa idade correspondente, algumas vezes mesmo, um pouco mais cedo. Em muitos casos, não pode ser de outra maneira; com efeito, as particularidades hereditárias que apresentam os cornos do grande touro só podem manifestar-se nos seus descendentes na idade adulta pouco mais ou menos; as particularidades que apresentam os bichos-da-seda não aparecem também a não ser na idade correspondente em que o bicho existe sob a forma de larva ou crisálida. Mas as doenças hereditárias e alguns outros factos levam-me a crer que esta regra é susceptível de maior extensão; com efeito, ainda que não haja razão aparente para que uma particularidade reapareça numa idade determinada, tende contudo a representar-se no descendente da mesma idade que o antepassado.
Charles Darwin
A Origem das Espécies (1859, excerto)

BREVIÁRiO

Midas edita em DVD, Vejo Tudo Nu/Vedo Nudo (1969) de Dino Risi; com Nino Manfredi e Sylva Koscina.

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

O ÚLTIMO ENCANTO
DE CALCITAS DO ALPALHÃO - 4

 Lucas estava, já, capacitado. E lembrava-se do próprio nome. Aquele era o Nelo, um maroto com sete vidas, que andava sempre a roubar o giz, às escondidas do pai, e costumava dar-lhe caneladas.

- Ó Nelo, que surpresa ver-te assim!

Nelo, o eterno Calcitas do Alpalhão, soltou uma gargalhada:

- Ah, já te recordas do meu nome… Mas, para ti, eu era o Calcitas do Alpalhão… A propósito, sabes qual a origem da alcunha?

Atrapalhado, Lucas Semedo volveu, como se fosse para salvar a alma:

- Não faço a menor ideia, mas tenho a impressão de que te fica bem! É daquelas coisas que nos entram pelos ouvidos, na mocidade, colam-se à memória e, mais dia ou menos dia, acabam por sair-nos pela boca fora…

  Continua



   

IMAGINÁRiO213

01 FEV 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

PERCURSOS



O encontro entre o cinema documental e as artes plásticas gera sugestivas incidências e aliciantes desafios, que transcendem um testemunho expressivo e coerente sobre a vida e a obra do criador em abordagem. Aliando a personalidade exposta à estética envolvente, requerendo o depoimento de parceiros e de críticos, construindo uma narrativa consentânea, estabelece-se a expectativa virtual de (con)vivência e transmissão, articulada às convenções de linguagem e representação sob o espectro audiovisual... Eis os parâmetros em alusão e rotura que fundamentam Cargaleiro - A Obsessão da Luz por Alexandre Reina ao constituir, sobre textos de Margarida Afonso, uma dinâmica primordial através do tempo e do olhar, da intervenção e da memória, da técnica e da experimentação. Repartidas entre a pintura e a cerâmica por Manuel Cargaleiro, as valências de cores e estigmas, de matérias e suportes, contrastam-se nas implicações pessoais, nas afeições profissionais, nos signos de gestação e de (re)produção - aspectos férteis, múltiplos, que motivam e ilustram o discurso amplo, prospectivo de Alexandre Reina, no sentido da exploração e descoberta, na culminação do imaginário íntimo e público.

CALENDÁRiO

1956-31AGO2008 - Joaquim Castro Caldas: «1956, Lisboa, actor de poesia, saltimbanco, lunático praticante, diseur a tempo inteiro, teatro de vez em quando. Escola Ave-Maria, Colégio Militar, Conservatório Nacional, escola da morte e da vida, muita estrada no coração, na cabeça e no corpo».

04SET2008 - No Palácio Pombal, inaugura a exposição Chaplin in Pictures, incluindo fotografias inéditas, cartazes, recortes de imprensa e excertos de filmes dirigidos/interpretados por Charles Chaplin (1889 - 1977); uma iniciativa de Village Art, associada ao Lisbon Village Festival - Village International D-Cinema Festival, que decorre em Lisboa entre 29SET e 04OUT2008.

MEMÓRiA

02FEV1939-2003 - João César Monteiro: «Em 1963, na injusta qualidade de bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, parti para Londres, a fim de frequentar a London School of Film. Suponho que nunca por aquela escola passou aluno tão mau…». IMAG.10-48-129-158

03FEV1909-1943 - Simone Weil: «Um homem cuja mente sinta estar prisioneira, preferirá ocultar tal facto de si mesmo. Mas se ele odeia a falsidade, ele não o fará; e nesse caso, terá de sofrer muito. Ele baterá com a sua cabeça contra a parede, até desmaiar. Ele ali voltará novamente, e olhará com terror para a parede, até que um dia recomeçará a bater com a cabeça contra ela; e, uma vez mais, há-de desmaiar. E assim por diante, sem fim e sem esperança... Um dia, ele vai acordar do outro lado da parede». IMAG.82

04FEV1799-1854 - João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett: «Eu tinha umas asas brancas, / Asas que um anjo me deu, / Que, em eu me cansando da terra, / Batia-as, voava ao céu.» (As Minhas Asas - excerto). IMAG.13-100

1884-04FEV1939 - Edward Sapir: «Uma linguagem internacional típica deveria ser, não apenas simples, comum e lógica, mas também rica e criativa». IMAG.128

VISTORiA

Mesa dos Sonhos

Ao lado do homem vou crescendo

Defendo-me da morte quando dou
Meu corpo ao seu desejo violento
E lhe devoro o corpo lentamente

Mesa dos sonhos no meu corpo vivem
Todas as formas e começam
Todas as vidas

Ao lado do homem vou crescendo

E defendo-me da morte povoando
de novos sonhos a vida
Alexandre O’Neill

ANTIQUÁRiO


14FEV1929 - Massacre do Dia de São Valentim - Enquanto Al Capone permanecia na Florida, Jack Killer McGurn fazia-se passar por negociante de bebidas, planeando entregar uma remessa em garagem de Chicago. Aí aguardavam sete membros da quadrilha rival do ausente George Bugs Moran, quando entraram dois indivíduos fardados de polícias. Com as mãos contra a parede e de costas, para serem revistados pelos falsos agentes, outros dois cúmplices destes surgiram com metralhadoras, e abateram os cúmplices de Moran sob fogo de cento e cinquenta balas. IMAG.24-116

COMENTÁRiO

ENTRE JOÃO DE DEUS
E CÉSAR MONTEIRO


João César Monteiro, o autor de fitas, entrou em funções com trinta anos quase, focando Sophia de Mello Breyner Andresen (1968). Depois, e durante outros quase trinta anos, dos Fragmentos de Um Filme-Esmola - A Sagrada Família (1973) ao Vai e Vem (2002), tornou-se - entre a miséria e a sublimação, a vaidade e a abjecção - um dos mais lúcidos e (auto) críticos cineastas do seu tempo, de todos os tempos em Portugal, revitalizando uma filiação literária, de feição sarcástica e fantástica. Obras únicas, esparsas, como Veredas (1977), Silvestre (1981), À Flor do Mar (1986) ou O Último Mergulho - A Água (1992), onde também foi aparecendo pelos fotogramas, são o percurso / testemunho litoral para outras vivências que, a negro, se fundem sobre Branca de Neve (2000), com a ritual renúncia ao fascínio do imaginário, aos prodígios da transfiguração.|
A partir de 1989, forjara César Monteiro a saga de João de Deus - sensual, perverso, sempre iconoclasta. Assumindo-se integralmente como argumentista, realizador e protagonista. Entre o risco e a imprevisibilidade, abordando Recordações da Casa Amarela - a partir dos fantasmas, da insanidade, das cintilações forjadas quanto ao que ele subtitulou Uma Comédia Lusitana. Voltando ao desígnio original de Quem Espera Por Sapatos de Defunto Morre Descalço (1970) e, logo cioso coleccionador de pêlos do púbis feminino em A Comédia de Deus (1995), reinventando o mundo do caos ao exílio com Le Bassin de J.W. (1997). Até As Bodas de Deus (1999), que lhe trariam o poder e a nobreza como reflexo divino, qual pícaro reCriador. Virilidade, provocação e libertinagem dos preliminares correspondem, afinal, às lascívia, nostalgia e irrisão crepusculares.

BREVIÁRiO

Tinta da China edita A História de Um Rapaz Mau (1869) de Thomas Bailey Aldrich (1836-1907); tradução de Júlio Henriques.

Numérica edita em CD, Revisitar os Mitos - Bartók [1881-1945], Messiaen [1908-1992]; inclui Contrasts (1938) de Bela Bartók e Quatour Pour la Fin du Temps (1940-41) de Olivier Messiaen.

Edição Fim de Século lança Federico Fellini (1920-1993): Sou Um Grande Mentiroso - Uma Conversa Com Damian Pettigrew; tradução de Miguel Serras Pereira. IMAG.72

Na colecção 1991 Mundos, Gailivro edita O Alquimista - Os Segredos de o Imortal Nicholas Flamel de Michael Scott.

Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, [Arnold] Schoenberg [1874-1951], [Jean] Sibelius [1865-1957] - Concertos Para Violino pela violinista Hilary Hahn com a Orquestra Sinfónica da Rádio Sueca, dirigida por Esa-Pekka Salonen.

Vega edita Coração das Trevas de Joseph Conrad [1867-1924]; introdução de Isabel Fernandes, tradução de Bernardo Brito e Cunha. IMAG.157

Assírio & Alvim edita Já Cá Não Está Quem Falou de Alexandre O’Neill (1924-1986). IMAG.16-18-53-83-149-182

INVENTÁRiO

DARK SHADOWS



Collinswood, uma ancestral mansão na costa do Maine, Nova Inglaterra, onde as pedras murmuram segredos de além-túmulo. Ali vivem a viúva Elizabeth Stoddard, sua filha Carolyn e a jovem governanta Victoria Winters. Mais um visitante da Grã Bretanha, Barnabas Collins, com um terrível segredo. Figura misteriosa, apresentou-se durante a noite como parente obcecado por uma missão. Nem elas poderiam suspeitar que a sua vida mortal terminara cento e setenta e cinco anos antes. Em 1897, Barnabas - pelo amor da bela Josette - rejeitara a feiticeira Angelique, que o condenou à maldição eterna, qual generosa criatura das trevas... Eis a saga de Dark Shadows, segundo o original literário (1966 - Captain Company) de Dan Curtis. Inspirado por «um sonho misterioso, com todos os elementos em conflito», o escritor lançou uma vintena de novelas - como insólita síntese gótica, entre a atmosfera de Jane Eyre (Charlotte Brontè) e a tragédia de Drácula (Bram Stoker), prolongada (1969 - Paperback Library) por Marilyn Ross (aliás W.E. Dan Rossa). Transposto para imagens animadas em séries de tevisão (1967 - ABC, e 1991 - NBC) e versão fílmica (1971 - MGM), Dark Shadows renasceu como revista de quadradinhos (1969 - Golden Key) e em tira diária (1971 - DC Productions), com o ilustrador K. Bruce (aliás Ken Bald) retratando o protagonista Jonathan Frid. Em 1992, foi o actor Ben Cross a inspirar Scott Rockwell em nova série (Innovation Comics) sobre Barnabas Collins, considerando que «transfigura o coração humano, no seu próprio conflito íntimo». Assinalam-se ainda Clubes de fãs, Convenções e Festivais nacionais. Já em 2004, Dark Shadows voltou a avassalar em pequeno ecrã (WB-Tv), com Alec Newman encarnando o vampiro bom! Entre o crepúsculo e a ressurreição, Curtis foi o supervisor, em salvaguarda do seu «herói trágico, com sentimentos extraordinários».

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

O ÚLTIMO ENCANTO
DE CALCITAS DO ALPALHÃO - 3

 Já na curva do caminho que descia até ao sítio inevitável, mesmo antes de começar uma subida íngreme, varreu Lucas a sensação de que não poderia resistir. Apagou a lanterna e, pois, deixou-se inundar pelo luar que o atraía, cada vez mais intenso. Dizendo muito baixinho, para si mesmo: «Se me safo desta, ainda tenho que voltar outra vez por aqui!». E lá se foi...
- Olá, lembras-te de mim? – escutou Lucas, a perturbar-lhe a letargia. Era um vulto engraçado, reparou, como num sonho.
A voz insistiu, mais nítida:
- Não te lembras?... Em miúdos, fomos colegas de carteira!
Aquelas feições pareciam-lhe, já, reconhecíveis:
- Sim… Tu és o Calcitas do Alpalhão!
- Pois sou… E tu és o Lucas Sem-Medo! - exclamou, afável, o inesperado interlocutor.
Intrigado, Lucas procurava reagir, enquanto ia recuperando do espanto. O Calcitas do Alpalhão explicou, insistindo:
- Semedo, Sem-Medo… Era assim que nós te chamávamos!

Continua


IMAGINÁRiO212

24 JAN 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

DEFLAGRAÇÃO


Há quarenta anos, o cinema americano recriava uma das suas mais ultrajantes sagas - Bonnie e Clyde de Arthur Penn, baseado em factos autênticos, que as lendas tornaram famijerados. Com argumento de David Newman & Robert Benton, Penn construiu uma ponte entre a sagração clássica, segundo os valores tradicionais; e a rotura de vanguarda, pela qual se forjou uma mitologia desumana. A acção decorre nos Estados Unidos, pelas décadas de ’20 e ’30 do Século XX, narrando o encontro afectivo e violento de Bonnie Parker e Clyde Barrow, cujo gangue - em incursões rápidas e brutais, sobretudo no assalto a bancos, entre o Texas e o Oklahoma - perturbará a consciência de uma nação, marcada pelo caos moral, a perversão social. Nada ficaria como dantes: a aventura criminal, segundo os códigos convencionais; o espectáculo popular, em virtualização histórica; o culto ritual, sobre os modelos éticos e heróicos. E o imaginário de Hollywood atingiu a maturidade, trocando o estado de graça pela exploração de temas controversos, pela perspectiva crítica sobre o mundo e as pessoas.

ANUÁRiO

1919 - Propriedade das Companhias Reunidas de Electricidade, entra ao serviço a Central Tejo em Lisboa, com uma potência inicial de 6,75 MW. Desactivada em 1976, e Imóvel de Interesse Público desde 1986, no seu espaço foi inaugurado, em MAI1990 pela EDP, o Museu da Electricidade - a funcionar até 2000, e reaberto em MAI2006, com um conceito eminentemente pedagógico e histórico.

1929-1985 - Nuno Bragança: «A minha dificuldade portuguesa em encontrar a prosa certa não a desligo eu dessoutra que é a maneira certa de ser em Portugal. Nem vejo bem como uma possa ser resolvida sem a outra… Sinto que pertenço a um País que em parte me não quer».

1959 - A NBC inicia a produção de Bonanza, sendo autor David Dortort, a mais popular série televisiva na América, pelo triénio de 1964-67. IMAG.144

2008 - João Pinto Nogueira realiza U Omãi Qe Dava Pulus, em produção de ContinentalFilmes. Descoberta ou revisitação de uma reconhecida, mas ainda insuficientemente conhecida, figura da literatura portuguesa e da sua obra: Nuno Bragança. Tomando para o escritor uma passagem do romance A Noite e o Riso, que continua assim «U omãi qe dava pulus era 1 omãi qe dava pulus grãdes. El pulô tantu qe saiu pêlo tôpu». Argumentista e realizador de cinema, católico e de família conservadora, militou no MAR/Movimento de Acção Revolucionária, integrou as Brigadas Revolucionárias de Carlos Antunes e Isabel do Carmo, trabalhou na representação permanente de Portugal junto da OCDE.

CALENDÁRiO

1917-18AGO2008 - Manny Farber: Pintor de naturezas mortas, crítico de cinema, definiu a expressão underground, comentando «num comprimento de onda difícil de captar, que era o que ele pretendia» (Kent Jones).

1925-21AGO2008 - António Charrua: «Toda a pintura moderna apela a uma nova construção do espaço, que tem a ver mais com o que se sabe do que com o que se vê».

21AGO2008 - Lusomundo estreia Hellboy II: O Exército Dourado de Guillermo Del Toro; sobre o herói em quadradinhos concebido (1994) por Mike Mignola, sendo protagonista Ron Perlman. IMAG.3-20-72

01SET-02NOV2008 - No CCB/Centro Cultural de Belém, Museu Colecção Berardo expõe Desenhos de Escritores, sendo comissário Jean-Jaques Lebel; inclui gravuras, colagens ou pinturas a guache de 150 autores, entre outros Victor Hugo, Charles Beaudelaire, Jean Cocteau, Antonin Artaud, André Breton, Günter Grass e Jack Kerouac.

MEMÓRiA

1938-26JAN1999 - Manuel Costa e Silva: «O cinema português continua a lutar contra as dificuldades que comprometem o seu desenvolvimento. É um cinema pobre e sem uma indústria a sustentá-lo» (1978). IMAG.170

VISTORiA

Um dia peguei em uma caneta, em um tinteiro e em uma folha de papel, e fui sentar-me a uma pequena mesa em um pequeno gabinete, e escrevi no alto da folha e em letras grandes: u omãi q dava pulus.
Nuno Bragança - A Noite e o Riso (1969, excerto).

Na parede por cima da cabeceira havia três objectos: um alfange de fancaria que um amigo me trouxera de Alcácer Quibir, a carabina 22 automática e uma foto de eu-muito-puto a correr direito ao mar por uma estrada abaixo. A foto tinha por baixo uma legenda: u omãi qe dava pulus.
Nuno Bragança - Square Tolstoi (1981, excerto)

INVENTÁRiO

BONANZA


O imaginário do Oeste delimitou-se em pequeno ecrã, através de gerações, sob o signo de Bonanza. Uma saga empolgante, na qual estão implícitos os dois parâmetros essenciais - entre a lenda e o culto, pelo império familiar: o clã Cartwright - constituído pelo patriarca Ben e os três filhos, Adam, Hoss e Little Joe; o rancho Ponderosa - um vasto território, junto ao Lago Tahoe. Próximo de Virginia City, no montanhoso Estado do Nevada. A acção decorre ao longo de anos, durante a Guerra Civil. A fortuna dos Cartwright - que determina o orgulho de sangue, a influência política e o poder económico - é extraída da criação de gado, da exploração mineira e do negócio das madeiras. Apesar de serem filhos de mulheres diferentes, tendo o severo Ben enviuvado três vezes, ou dos conflitos e tensões na intimidade, pelas diferenças de carácter entre o primogénito Adam, o bonacheirão Hoss e o rebelde Joe, une-os uma forte e íntima solidariedade, sobretudo contra as ameaças oriundas do exterior. Pelo estímulo da aventura, paira muitas vezes a violência, a traição, a ganância, o perigo de morte, a par com os conflitos passionais - que se insinuam nesse mundo magnífico, mas primitivo ou mesmo selvagem onde, por natureza, as mulheres são intrusas e perturbadoras... Produzida pela NBC em 1959-73, sendo autor David Dortort, a série Bonanza - com 310 episódios, de 50 minutos cada - foi a mais popular na América, pelo triénio de 1964-67. Igualmente, distinguiram-se os protagonistas: o canadiano Lorne Green (Ben), que voltaria em BattleStar Galactica; Pernell Roberts (Adam) - que abandonou Bonanza em 1965, por cansaço; Dan Blocker (Hoss) - que faleceu subitamente, em 1972; e Michael Landon - que teve Uma Casa na Pradaria e foi Um Anjo na Terra. Entre os realizadores, destacam-se Lewis Allen, Christian Nyby, John Brahm ou Robert Altman; entre os actores convidados - Yvonne DeCarlo, Lee Marvin, Zsa Zsa Gabor ou Telly Savalas. Ainda em destaque, o tema musical de Jay Livingston & Ray Evans. Em Portugal, a RTP estreou Bonanza em Maio de 1961, ainda a preto-e-branco - o que não impediu um extraordinário sucesso e a total fidelidade dos telespectadores, de todas as idades. Tal motivou, mesmo, uma paródia nacional em filme de longa metragem - Bonança & Cª  (1967) de Pedro Martins, aliás realizador de televisão; foram intérpretes Eugénio Salvador (Bento), Nicolau Breyner (Adão), Vítor Mendes (Osso) e Orlando Fernandes (José). Mas em 1994, entre a nostalgia e a ressurreição, surgiu Bonanza - The Return (Jerry Jameson), com Michael Landon, Linda Gray, Dean Stockwell e Ben Johnson. Em Setembro de 1999, nos Estados Unidos, uma Convenção celebraria os quarenta anos de Bonanza.

BREVIÁRiO

Castello Lopes edita em DVD, Bonnie e Clyde/Bonnie and Clyde (1967) de Arthur Penn; com Warren Beatty e Faye Dunaway.

200008 - Main Pictures edita em DVD, Bonanza - Volume I; inclui Os Pistoleiros e Os Comerciantes Receosos (ep 19 e 20).

Universal edita em DVD, sob chancela DGG, Richard Wagner [1813-1883] - Das Rheingold sob direcção de Herbert von Karajan; com Thomas Stewart e Brigitte Fassbaender. IMAG.14-68-78-86-104-111-147

Bertrand edita Diário Inédito (1944-1949) de Vergílio Ferreira (1916-1996). IMAG.78

Editorial Presença lança A Vida de Jesus Cristo de Corrado Augias e Mauro Pesce; tradução de Maria das Mercês.

Quasi edita 33 Poesias de Vladimir Maiakovski (1893-1930); tradução de Adolfo Luxúria Canibal.

Decca edita em CD, Johann Sebastian Bach [1685-1750]: Invenções e Partita por Janine Jansen (violino), Maxim Rysanov (viola) e Torleif Thedéen (violoncelo). IMAG.32-58-163-198-203

Antígona edita A Quinta dos Animais de George Orwell (1903-1950); tradução de Paulo Faria. IMAG.170-205

VISTORiA

O estudo da literatura nacional parecerá porventura a alguns menos próprio que os precedentes, para o aumento da agricultura, das artes, e da indústria; se esta observação é justa pelo que toca ao estudo da língua, e da poesia, longe está de justificar-se pelo que respeita à história da nação. A história de cada povo parece-se com a vida dos indivíduos, por serem uma e outra séries de acções, motivadas por modos de ver, de discorrer, e de desejar, que lhes têm sido próprios e habituais. Os erros em ambas produzem erros, e os acertos seguem-se aos acertos. Mas um homem pode examinar toda a sua vida, e aproveitar-se do que lhe aconteceu, para conduzir-se melhor, e regular as suas acções; nas nações pelo contrário cada geração conhece tão somente a si mesma, sem que os erros das que passaram sirvam ordinariamente de proveito. Toca aos que aprofundam os antigos sucessos fazer este exame, e dar a conhecer o que já nos serviu de proveito, ou de ruína, e as causas, porque crescemos, ou diminuímos em número, em forças, em luzes, em riquezas. O conhecimento do que a nação é, e do que pode ser, pelo que já tem sido, é dos mais úteis para a sua felicidade, e só pode esperar-se dos esforços unidos de um corpo tal, como a Academia [das Ciências de Lisboa].
José Correia da Serra (1751-1823) - Discurso Preliminar (excerto, 1789)

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

O ÚLTIMO ENCANTO
DE CALCITAS DO ALPALHÃO - 2

 Nessa noite densa e negra como breu, Walter voltara a requintar-se. Chamou Lucas à sala, entregou-lhe a chave da Escola e mandou-o lá buscar o Livro de Leitura da 4ª Classe, de que se tinha esquecido e precisava para preparar, ainda, a lição de amanhã.

Lucas não respondeu, nem sequer pestanejou, ao olhá-lo de frente, sentado à cabeceira da mesa, com uns papéis espalhados e a fumar um Português Suave. Limitou-se a sair de casa, levando uma pilha acesa, e a avançar na escuridão como podia.

Ambos sabiam, pai e filho, que Lucas tinha de seguir por um carreiro sinuoso, cheio de vegetação, onde se dizia que a certa altura apareciam almas do outro mundo. Não importa se era verdade, ou não. Sempre que lá passavam, mesmo de dia, Lucas não conseguia disfarçar alguma inquietação, pelo turbilhão dos espíritos em redor. E agora que se aproximava do local, sozinho a desafiar as trevas, Lucas tinha a certeza de que o pai o seguia mentalmente, com aquela sua expressão de gozo.

Continua


 

IMAGINÁRiO211

16 JAN 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

BIZARRIAS



Reencontrar velhos imaginários em novo papel impresso, sentir ainda o cheiro a tinta em cada página de humores e emoções, eis um desafio irresistível - proposto pelas Edições Asa com o relançamento da série Lucky Luke, em álbuns cujo apelo colorido e caricatural nos torna a fascinar para um universo tão insólito sobre o Oeste selvagem, de índios e bandidos, de mitos e valentes estilizados pelo talento amável, subvertor, de Maurice de Bevère, aliás Morris, a partir de 1948, em amizade cúmplice e co-autoria de René Goscinny, por meados da década seguinte. Entretanto, o cowboy que dispara mais rápido do que a própria sombra deixou de fumar, aparecendo antes com um raminho (de oliveira?) ao canto da boca… Ora, resistindo os malefícios do tabaco, e as habituais maldades pelos irmãos Dalton, Lucky Luke à moda antiga volta a cavalgar Jolly Jumper, que resmunga quanto às suas cordas vocais, em A Corda do Enforcado e Outras Histórias (1981) - autênticas pérolas em quadradinhos, além de uma corrida ao ouro ou da excitação com mais um linchamento. Há também um camelo das Arábias, um Zorro com zês (de azar) a mais, um missionário que... IMAG.5-15-23-34-61-94-114-135

MEMÓRiA

1940-18JAN1989 - Bruce Chatwin: «Ele existe para seduzir toda a gente, seja macho, fêmea, um gato selvagem ou um abafo de chá» (Miranda Rothschild).

19JAN1809-07OUT1849 - Edgar Allan Poe: «A beleza de qualquer espécie, na sua evolução suprema, provoca inevitavelmente as lágrimas de qualquer alma sensível».

CALENDÁRiO

1917-15AGO2008 - Jerry Wexler: Produtor discográfico da Atlantic Records, deu expressão ao rhythm and blues - estando ligado a Aretha Franklin, Bob Dylan, Dusty Springfield, Joe Turner, Ray Charles, Solomon Burke, Willie Nelson ou Wilson Picket, em música soul, jazz e rock.

1914-16AGO2008 - Dorival Caymmi: «Adeus vivo sempre a dizer, adeus / Adeus, pois não posso esquecer, adeus / Inda me lembro de um lenço de longe acenando pra mim / Talvez com indiferença sem pena de mim / Adeus quando olho pro mar adeus / Adeus quando vejo luar adeus / Tudo que é belo na vida recorda um amor que perdi / Tudo recorda uma vida feliz que eu vivi».

21AGO2008 - O Som e a Fúria produziu, e estreia Aquele Querido Mês de Agosto de Miguel Gomes; com Sónia Bandeira e Fábio Oliveira.

NOTICIÁRiO

Novas Pistas para o Mistério da Morte de Poe?

Um escritor americano, que acaba de escrever um romance sobre a morte de Edgar Allan Poe (1809-1849), acredita ter resolvido o mistério da morte do escritor americano, que tem inquietado os estudiosos há 150 anos. Matthew Pearl, autor de The Poe Shadow, acredita que Poe morreu de cancro do cérebro, diz o Observer. Pearl passou três anos a investigar o escritor e as circunstâncias da sua morte, continua o jornal, e acredita ter provas de que Põe tinha um tumor, «o que explica porque morreu tão dramaticamente» numa cama de hospital e com alucinações.
26OUT2007 - Público

VISTORiA

VILANCETE

Meu bem sem vos ver
se vivo um dia
viver não queria.

Caland'e sofrendo
meu mal sem medida
mil mortes na vida
sinto não vos vendo.
E pois que vivendo
moiro todavia,
viver não queria.

Conde de Vimioso

ANUÁRiO

1480-1549 - D. Francisco de Portugal, 1º Conde de Vimioso: «Nenhuma cousa faz mais /Danados os corações / No trato todos iguais / Desiguais os galardões.»

1879-1955 - Wallace Stevens: «Pela janela / Vi como os planetas convergiam / Assim como as próprias folhas / Girando ao vento. / Vi como a noite chegava, / Em grandes passadas, tal como a cor das pesadas cicutas. / Tive medo.»

VISTORiA


O Corvo

¨Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
«Uma visita», eu me disse, «está batendo a meus umbrais.

É só isso, e nada mais.»

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu’ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P’ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
«É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.

É só isso, e nada mais».

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
«Senhor», eu disse, «ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi...» E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.

Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.

Isso só e nada mais.

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
«Por certo», disse eu, «aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.»
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.

«É o vento, e nada mais.»

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,

Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
«Tens o aspecto tosquiado», disse eu, «mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.»

Disse o corvo, «Nunca mais».

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,

Com o nome «Nunca mais».

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, «Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais».

Disse o corvo, «Nunca mais».

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
«Por certo», disse eu, «são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp’rança de seu canto cheio de ais

Era este «Nunca mais».

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu’ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,

Com aquele «Nunca mais».

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,

Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
«Maldito!», a mim disse, «deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!»

Disse o corvo, «Nunca mais».

«Profeta», disse eu, «profeta - ou demónio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!

Disse o corvo, «Nunca mais».

«Profeta», disse eu, «profeta - ou demónio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais,
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!»

Disse o corvo, «Nunca mais».

«Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!», eu disse. «Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!»

Disse o corvo, «Nunca mais».

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demónio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais,
E a minh’alma dessa sombra, que no chão há mais e mais,

Libertar-se-á... nunca mais!

 

BREVIÁRiO

Na Biblioteca Babel de Jorge Luís Borges, Franco Maria Ricci/Editorial Presença lançam A Carta Roubada de Edgar Allan Poe.

Quetzal edita Anatomia da Errância de Bruce Chatwin; tradução de Helena Cardoso.

Relógio d’Água edita O Romance do Guenji de Murasaki Shikibu (Japão, Século XI); tradução e prefácio de Carlos Correia Monteiro de Oliveira.

Dargil edita em CD, sob chancela Glossa, Quinto Libro dei Madrigali (1605) de Claudio Monteverdi (1567-1643) pelo sexteto vocal La Venexiana com Claudio Cavina.

Assírio & Alvim edita Quaresma Decifrador - As Novelas Policiárias de Fernando Pessoa (1888-1935); organização de Ana Maria Freitas. IMAG.26-28-64-82-157-182-187-196




IMAGINÁRiO210

08 JAN 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

DESTINOS



Em 1993, Harold Ramis concebeu com Danny Rubin, e dirigiu O Feitiço do Tempo - cujo enredo, complexo e fascinante, faculta a Bill Murray um papel excepcional. Assim, e como sempre, em 2 de Fevereiro, Phil Connors - um egocêntrico, arrogante, cínico e pretensioso apresentador da meteorologia na televisão - dirige-se a Punxsutawney, na Pensilvânia, para cumprir o Groundhog Day: uma festa tradicional em que as forças vivas da cidade apresentam, ritualmente, uma marmota - pequeno animal roedor, cuja reacção faz prever o tempo durante o ano. Só que desta vez, por um bizarro capricho do destino, o insólito acontece: Connors fica retido noutra espécie de tempo, e é forçado a repetir, desde que acorda e todas as manhãs subsequentes, aquele mesmo dia festivo. Prisioneiro em vida, primeiro surpreso pelo absurdo, depois saturado da rotina - sobre a qual ninguém acredita no que ele diz, e de que nem as tentativas de suicídio o desvinculam - Connors começa a interessar-se pelos dramas, expectativas, emoções e fantasias de cada pessoa, na pequena comunidade, controlando tal sortilégio, ao intervir numa feliz resolução... A histrionia tensa, o cabotinismo displicente de Murray, resultam numa notável composição, cujos estímulos caricaturais evoluem, sob o signo da comédia romântica, para modelar uma progressiva transfiguração humana.

ANTIQUÁRiO

1669 - É publicada a primeira edição de Lettres Portugaises Traduites en François, ao Conde Chamilly Saint-Léger (1636-1715) por Soror Mariana Alcoforado (1640-1723) - que, pela primeira vez, teria visto Noel Bouton em 1666, por detrás das grades do Convento das Clarissas da Conceição, em Beja: «O meu amor já não depende da maneira como tu me tratares».

1980 - Eduardo Geada realiza Mariana Alcoforado com Lia Gama, em produção de Radiotelevisão Portuguesa/RTP.

10JAN1929 - Herói para os jovens dos 7 aos 77 anos, Tintin aparece em Le Petit Vingtième por Hergè - aliás, Georges Prosper Remi (1907-1983) - convertendo-se num fenómeno da cultura popular, logo na Europa. Tintin e Milou estiveram no País dos Sovietes, na América, no Congo (ex-Belga), na China e Oriente, na Escócia, na Sildávia (algures nos Balcãs), no Golfo, no Tibete, na América do Sul ou na Lua! Em cinema, inspirou várias longas metragens - realistas por André Barnet & Jean-Jacques Vierne (1960, 1964), e animadas (1969, 1972) ou séries (1992, com supervisão da Fundação Hergé). IMAG.131-136

MEMÓRiA

1883-14JAN1969 - António Sérgio: «A polémica tornou-se a própria maneira de ser da minha vida espiritual. A minha fidelidade à própria inteligência havia de levar-me a este antipático papel de sempre resistir, contrariar, combater, que tem sido o meu destino.»

15JAN1929-1968 - Martin Luther King: Prémio Nobel da Paz em 1964 - «Não poderemos estar satisfeitos enquanto a mobilidade fundamental do Negro for passar de um gueto pequeno para um maior» (1963). IMAG.190

CALENDÁRiO

07AGO2008 - Columbia & Warner estreia Olho Vivo de Peter Segal; com Steve Carrell e Anne Athaway, sobre a série televisiva Get Smart (1965), concebida por Leonard Stern & David Susskind, sendo protagonistas Don Adams e Barbara Feldon. O desastrado Agente 86 do Control, Maxwell Smart regressa à luta contra as abomináveis forças da Kaos, ao lado da irrepreensível parceira Agente 99.

07AGO2008 - Castello Lopes estreia Ficheiros Secretos: Quero Acreditar de Chris Carter - também autor de X Files (1993), a série televisiva em inspiração, voltando como protagonistas David Duchovny e Gillian Anderson. Agentes do FBI, Fox Mulder e Dana Scully investigam casos inexplicáveis, gentes alienígenas, fenómenos insólitos, ameaças sobrenaturais, teias de intrigas e teorias da conspiração.

1931-12AGO2008 - Francis Lacassin: Escritor, ensaísta e editor, especialista em literatura popular, histórias em quadradinhos e cinema dos primórdios - «Uma banda desenhada é um romance sem fim, cujos capítulos se sucedem uns aos outros, sem que o tempo logre, jamais, impor uma conclusão definitiva, pelo que os heróis nunca desaparecem e permanecem incólumes».

14AGO2008- No âmbito das Comemorações do 23º Aniversário da Cidade de Montijo, inaugura a 1ª Bienal Internacional de Artes Plásticas On Europe - IX Prémio Vespeira, com a Exposição No Princípio Era o Verbo do pintor João Vieira, artista homenageado, na Galeria Municipal.

INVENTÁRiO



As proezas de Tintin começaram em 1929 (Le Petit Vingtième), quando o jovem e impetuoso repórter é enviado ao País dos Sovietes. Em 1930 visitará o Congo, em 1931 a América, em 1951 terá como objectivo a Lua... Entretanto, não há zona do planeta Terra onde não tenha estado, envolvendo-se em intrigas e conspirações, dissolvendo organizações criminais, elevando o ideal de justiça ao auge da aventura. A saga maior da escola franco-belga, para os jovens dos 7 aos 77 anos, é indissociável do seu autor, Hergé, tornando-se um ícone da cultura popular, com tiragens tradicionais de quatro milhões de exemplares, quando era proibida na China de Mao e na Europa de Leste.

Tintin evoluiu para uma sagração alegórica, assumida por Hergé quanto aos álbuns em reedição, envolvendo o capitão Haddock, o cão Milou, o professor Girassol, Dupont & Dupond, a diva Bianca Castafiore. Tudo está patente em Eu, Tintin (1976) de Henri Roanne & Gérard Vallet - um documentário essencial para enquadrar este fenómeno no âmbito dos mass media e na perspectiva peculiar do criador, que apresenta os seus colaboradores mais próximos. Paralelamente, faz-se referência ao semanário Tintin, integrando excertos dos filmes - realistas por André Barnet & Jean-Jacques Vierne (1960, 1964), e animados (1969, 1972) - daquele que De Gaule considerava «o meu único rival».

BREVIÁRiO

Sony edita em DVD, O Feitiço do Tempo/Groundhog Day (1993) de Harold Ramis; cim Bill Murray e Andie MacDowell.

Livros Horizonte edita Estado Novo - Uma Cronologia de Fernando de Castro Brandão.

Campo das Letras edita As Paredes Têm Ouvidos - Sonno Elefante de Giorgio Fratini; tradução de Selena da Cruz Testolina.

Guerra & Paz edita Histórias da Minha História de António Calvário.

Deutsche Grammophon edita em CD, [Ludwig van] Beethoven [1770-1827] - Concerto Nº 5 e Sonata Op. 101 por Hélène Grimaud (piano), com Staatskapelle Dresden, sob direcção de Vladimir Jurowski. IMAG.134-163

EMI edita em CD, sob chancela Parlophone, Viva la Vida or Death and All His Friends pelos Coldplay.

Assírio & Alvim edita Se Não puder Dançar Esta Não É a Minha Revolução - Aspectos da Vida de Emma Goldman (1869-1940) de Clara Queiroz.

Vega edita Contos Indianos de Stéphane Mallarmé (1842-1998). IMAG.194

Numérica edita em CD, Vilancicos do Século XVI - Canções Ibéricas ao Menino e à Virgem por Il Dolcimelo.

Dom Quixote edita Súplicas Atendidas de Truman Capote (1924-1984); tradução de José Luís Luna. IMAG.60-64-172

¨Esquilo edita Isabel de Aragão - Biografia da Rainha Santa (1271-1336) do Conde de Moucheron; tradução de Pedro Gomes Barbosa.

PARLATÓRiO

Não sei se a saudade nos libertará desta lógica da História: mas creio que não. E visto que não temos entre nós uma disciplina tradicional do trabalho, uma educação, ou como lhe chamar, vivemos e respiramos uma atmosfera de inércia parasitária, é esse o elemento que havemos de pedir ao estrangeiro: os métodos, a técnica, a educação para a produção crematística.
O meu objectivo não é propriamente o de informar sobre a História, mas o de formar sobre o espírito da gente moça para uma visão sócio-filosófica dos factos, como preparação para a obra da elevação do povo, que lhe cumpre empreender.
António Sérgio (excertos)

RELATÓRiO

CINEMA E ESTADO NOVO



Sobretudo nas décadas de ’30 e ’40, o ideário, as personalidades e as realizações do Estado Novo foram amplamente focados pelo cinema, num expressivo testemunho através de distintas vertentes - reportagens, actualidades, documentários e, mesmo, recriações ficcionais. Constituindo um importante acervo histórico, para além da variável importância tecno-artística, tais obras fílmicas reflectiam - à época - uma decisiva e eficaz estratégia promocional, aliás paralela à exploração de outros circuitos mediáticos, sob inspiração de António Ferro, a qual foi inequivocamente assumida pelo SPN/Secretariado da Propaganda Nacional (1933-1944) e organismos subsequentes. O SPN exerceu funções de produção, ou de patrocínio, cabendo uma intervenção relevante a António Lopes Ribeiro, com distribuição comercial pela SPAC/Sociedade Portuguesa de Actualidades Cinematográficas (desde 1938). Da teoria à prática, são exemplares: 14 Anos de Política do Espírito e 15 Anos de Obras Públicas de 1948, e Uma Revolução na Paz de 1949 - com material de arquivo, e sob chancela do SNI/Secretariado Nacional da Informação (1944-1968). Até 1974, seguiu-se a SEIT/Secretaria de Estado da Informação e Turismo.

ELUCIDÁRiO

12JAN1628-16MAI1703 - Charles Perrault. IMAG.115

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

O ÚLTIMO ENCANTO
DE CALCITAS DO ALPALHÃO - 2

 A mãe pouco se importava, ou fazia de conta a tudo. É certo, Lucas jamais fora um rapazinho como os outros. Professor primário em Fontarcada, uma aldeia do Minho, Walter Semedo tratava todos os alunos com estímulo, mas ao filho parecia tê-lo sob suspeita. Lucas tentava acamaradar, mas não fazia nada para atenuar as diferenças.

Por exemplo, se tocasse num penedo, Lucas era capaz de sentir-lhe o coração a palpitar. Se olhasse para o céu, admirava o percurso das nuvens como um mistério fantástico. Com volúpia, mergulhava as mãos na água. Diante de um cão ou de um boi, tinha imensa pena por percebê-los confinados a uma entediante e menorizada existência como animais.

Para Walter, talvez Lucas fosse, portanto, um fraco ou um esquisito, a espevitar tortuosamente. Em sua mansidão obediente resplandecia, porém, a ingenuidade invulnerável dos inocentes...

 – Continua