José de Matos-Cruz


IMAGINÁRiO279

16 JUN 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

PRODÍGIOS




Acaso existirá, em quadradinhos, algum super-herói autêntico, e genuinamente português? A questão é pertinente e tem sentido, desde sempre - pois, além de despertar a curiosidade dos leitores, entre as mais jovens gerações, vem desafiando o saber dos nossos historiadores, intrigando ainda a nostalgia dos veteranos e dos fanáticos. Aliás, como é também normal, não faltam as hipóteses ou as sugestões, e tudo depende da perspectiva de cada um. Muito se cita um controverso Capitão Portugal que, em 1970, deu título a revista e cujo autor, Dias Pereira, definia um «paladino do Bem e da Justiça, sempre vitorioso na luta contra o mal, assim representando a ideia colectiva dum povo, um pensamento, tornado realidade pela fantasia e imaginação, em busca da perfeição, pelas faculdades físicas e espirituais». Ora, se o Capitão Portugal era «dotado dum poder extraordinário e sobrenatural», exibindo «o escudo com as armas de Portugal, no seu peito de aço», não menos impressionante fora O Conquistador, nascido e recriado pela imaginação adolescente, cerca de 1940, do futuro artista plástico Lima de Freitas. «Navegando no espaço a uma velocidade inconcebível, o Conquistador busca novos mundos e, embora seja atacado por estranhos seres, em grande superioridade numérica, logrará enfim a admiração e o respeito do seu líder planetário, que governa a partir da Montanha Luminosa»...

CALENDÁRiO

21ABR1920-07NOV2009 - Anselmo Duarte: Cineasta brasileiro - argumentista, actor e produtor (As Pupilas do Senhor Reitor - 1960 de Perdigão Queiroga), realizador (O Pagador de Promessas - 1962, Palma de Ouro em Cannes) - «Quem é laureado em Cannes não precisa entrar na seleção. É uma outorga que o Festival dá a todos os laureados. Um dos privilégios é esse. Cannes tem um regulamento: todo país pode concorrer com um filme mais os dos diretores laureados. O Brasil é o único país da América do Sul que pode concorrer com dois filmes. A única Palma de Ouro da América do Sul é do Brasil» (Memória Viva - Entrevista de Roberval Lima, Sandro Fortunato e Anahi de Castro).

1931-18NOV2009 - Mário Barradas: Actor, encenador e professor, fundador do Centro Dramático de Évora/Cendrev - «Temos que exultar o facto de ter sido um homem com profundas convicções e com uma grande verticalidade. O exemplo do homem de teatro» (José Russo).

¸19NOV2009 - Midas Filmes estreia Ne Change Rien (2009) de Pedro Costa; com Jeanne Balibar e Rudolphe Burger. IMAG.31-65-115-120

1927-20NOV2009 - Elisabeth Söderström: Cantora sueca, soprano, membro da Real Ópera de Estocolmo - «À sua arte, vocal e dramática, acrescentava um elemento de reserva escandinava, que enfatizava o seu trabalho e dava uma qualidade indefinível às suas interpretações» (Anthony Tommasini).

20NOV-13DEZ2009 - Fundação Calouste Gulbenkian apresenta Luís Vaz 73 - instalação mixed media de Jorge Peixinho (1940-1995) (poema sinfónico e electrónico) e Ernesto de Sousa (1921-1988) (estrutura visual e espacial), a partir de Os Lusíadas por Luís de Camões (1524/5-1580). IMAG.36-40-67-84-135-154-155-173-175-179-182-198-224-259-278

20NOV2009-10JAN2010 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta a Exposição Colectiva ArteIlimitada - Desenho e Pintura 2008/2009, por Arte Ilimitada, Escola de Artes Visuais.

24NOV2009 - Fundação de Arte Moderna e Contemporânea - Colecção Berardo exibe, no Centro de Arte Moderna/CCB, Com Que Voz de Nicholas Oulman; a ligação criativa entre Alain Oulman (1928-1990) e Amália Rodrigues (1920-1999), revelando correspondência inédita e testemunhos próximos. IMAG.20-33-226-239-245-270-276

 MEMÓRiA

02JUN1740-1814 - Donatien Alphonse François de Sade, aliás Marquês de Sade: «E venham dizer-nos, agora, que não é necessário instruir as moças quanto às obrigações delas, um dia, para com seus maridos!». IMAG.150-208

ANTIQUÁRiO

11JUN1890 - A partir das 7,30 horas da manhã, é inaugurado o Túnel do Rossio ou Grande Túnel de Lisboa, com a abertura à exploração da linha urbana pelo comboio de passageiros rebocado por uma máquina fumívora Nº 12 de Beyer Peacock & Cº, de Manchester. IMAG.135

OBSERVATÓRiO

www.fado.com - Sendo Director Geral Miguel Capucho, «a nossa missão e o nosso compromisso é criar um espaço de informação e de entretenimento que promova a nossa cultura e divulgue a nossa canção nacional, através da criação e manutenção de vário items de interesse e de um rigoroso trabalho de informação e pesquisa». Inclui História, Artistas, Notícias, Galeria, Casas de Fado, Fórum e Clube.

VISTORiA





Nada é mais sagrado numa família do que a honra dos seus membros, mas este tesouro chega a esbater-se, por precioso que possa ser, e os que estão interessados em preservá-lo deverão fazê-lo encarregando-se eles próprios do papel humilhante de perseguidores das infelizes criaturas que os ofendem? Não seria razoável pôr em equação os horrores com que atormentam a sua vítima e esta lesão tantas vezes quimérica que se queixam de ter recebido? Qual, enfim, é mais culpado aos olhos da razão, uma moça fraca e enganada ou um parente qualquer que, para se erigir em vingador duma família, se torna o carrasco desta infortunada? O acontecimento que vamos colocar sob os olhos dos nossos leitores fará, talvez, decidir a questão.
O conde de Luxeuil, tenente-general, homem de cerca de cinquenta e seis a cinquenta e sete anos, regressava dum posto situado numa das suas terras da Picardia quando, ao passar pela floresta de Compiégne, por volta das seis de uma tarde do fim de Novembro, ouviu gritos de mulher que lhe pareceram provir dos lados duma das estradas vizinhas da principal que atravessava; detém-se e ordena ao criado de quarto que corria ao lado da cadeirinha que fosse ver o que se passava. Informam-no de que se trata duma moça de dezasseis a dezassete anos, afogada em sangue, sem que fosse, todavia, possível distinguir onde se encontravam os ferimentos e que implorava socorro; o próprio conde logo se apeia, voa para junto da desafortunada, sente igualmente dificuldade, por causa da falta de luz, em distinguir donde pode vir o sangue que perde mas, das respostas que recebe, vê por fim que é da veia dos braços onde se costuma fazer a sangria.
– Menina – disse o conde, depois de ter assistido a criatura em quanto lhe era possível –, não estou aqui em situação de lhe perguntar as causas das suas infelicidades, e a Menina não está também em estado de mas contar; suba para a minha viatura, peço-lhe, e que os nossos únicos cuidados sejam agora, para si, os de se tranquilizar e, para mim, os de auxiliá-la.
Dizendo isto, o Senhor de Luxeuil, ajudado pelo criado de quarto, transporta a pobre moça para a cadeirinha, e partem.
Mal esta interessante pessoa se viu em segurança, quis balbuciar algumas expressões de reconhecimento, mas o conde, suplicando-lhe para não falar, disse-lhe:
– Amanhã, menina, amanhã contar-me-á, espero, tudo a seu respeito, mas hoje, pela autoridade que me confere sobre si a minha idade e a alegria que senti por lhe ser útil, peço-lhe instantemente que apenas pense em acalmar-se.
Chegaram. Para evitar dar nas vistas, o conde mandou envolver a sua protegida num capote de homem e fê-la conduzir pelo criado de quarto a um apartamento cómodo situado num dos extremos do seu palácio, onde a foi ver, assim que acabou de receber as efusões da mulher e do filho, que o esperavam para cear nessa noite.

O conde, ao vir visitar a sua doente, trouxe consigo um cirurgião. A jovem foi examinada, encontraram-na num abatimento indizível, a palidez do rosto quase pareceria anunciar que lhe restavam apenas alguns instantes de vida, embora não tivesse qualquer ferimento; a sua fraqueza proviria, disse ela, da enorme quantidade de sangue que diariamente perdera nos últimos três meses. Mas, quando ia relatar ao conde a causa sobrenatural desta perda prodigiosa, caiu de fraqueza e o cirurgião declarou que deviam deixá-la tranquila e contentarem-se em lhe administrar reconstituintes e cordialidades.
A nossa jovem infortunada passou uma noite bastante bem mas, durante seis dias, não se achou em condições de esclarecer o seu benfeitor dos acontecimentos que lhe diziam respeito. No sétimo dia, ao fim da tarde, ignorando ainda toda a gente em casa do conde que ela ali estivesse escondida, e não sabendo ela mesma, devido às precauções tomadas, onde se encontrava, suplicou ao conde que a ouvisse e que lhe concedesse, sobretudo, a sua indulgência, quaisquer que fossem as faltas que lhe confessasse. O Senhor de Luxeuil tomou assento, garantiu à protegida que nunca lhe retiraria o interesse que ela nascera para despertar, e a nossa bela aventureira começou – então – a história das suas desgraças...

Marquês de Sade - A Crueldade Fraterna (excerto)

BREVIÁRiO

Âncora Editora re-lança História da Amadora - Levem-me Nesse Sonho… Bem Acordado! de José Ruy. IMAG.4-16-19-36-61-78-96-117-129-141-149-197-223-252-263-267-271

Virgin edita em CD, Cláudio Monteverdi [1567-1643]: Teatro d’Amore por L’Arpeggiata, sob a direcção de Christina Pluhar. IMAG.134-211-265

Bertrand edita Geografia Sentimental de Aquilino Ribeiro (1885-1963). IMAG.50-128-147-163-172-192-203-239-278

EMI edita em CD, Giacomo Puccini [1858-1924]: Madama Butterfly por Ângela Gheorghiu e Jonas Kaufman, com a Academia Nazionale di Santa Cecilia sob a direcção de Antonio Pappano. IMAG.147-188-207-226-227

Caleidoscópio edita Cartas de Amor de Anaїs Nin (1903-1977) e Henry Miller (1891-1980); edição de Günter Stuhlmann, tradução de Tiago Marques. IMAG.114-248-277

Guerra & Paz edita Porreiro, Pá! de Augusto Cid. IMAG.45-197-252

Assírio & Alvim edita A Perspectiva da Morte: 20 (-2) Poetas Portugueses do Século XX; selecção e prefácio por Manuel de Freitas.

Numérica edita em CD, Joly Braga Santos [1924-1988] - Obras de Câmara (Opp26, 58 e 59). IMAG.48-147-175-182-187

Círculo de Leitores edita, com Temas & Debates, Amadeo de Souza Cardozo (1887-1918); fotobiografia por Margarida Cunha Belém e Margarida Magalhães Ramalho. IMAG.84-149-154-185-258

EXTRAORDINÁRiO

OS ALTERNATIVOS
Folhetim Aperiódico

E TAMBÉM ANDAR À MÚSICA
ASSIM COMO NOS FILMES - 1

 17 de Maio de 1945

Dois palmos de terra, para um pé de dança. O último bailarino português ia, coitado, a sepultar sem glória. Exultavam ciumentos e detractores, que o haviam enfeitiçado para cada passo em falso. Porém, Roldão Terujo estava, há muito, indiferente e espirituoso - desde o volteio trágico, mágico, no qual se arrebatara Sabrina Maiovsky, a sua musa maviosa.

Dias antes, ao beber, inadvertido, uma mistela para gargarejar sem engolir, Roldão tivera um golpe d’asa que o paralisou e, enquanto o diabo esfrega um olho, foi parar aos anjinhos. O que seria?

 

– Continua


  

IMAGINÁRiO278

· 08 JUN 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

(IN)SUCESSOS


Ruiva e atraente, elegante e sofisticada, Brenda Starr é uma popular jornalista americana, trabalhando em The Flash de Chicago. Trata-se, ainda, de uma personagem favorita da banda desenhada - concebida por Dale Messick, e rebelando-se contra o seu actual ilustrador, Mike Randall, que a obriga a protagonizar as proezas mais inverosímeis. Tão insólita relação leva Mike a penetrar na realidade dos quadradinhos, em busca de Brenda - a quem o editor, Francis Livright colocou no encalço de um cientista louco, Gerhardt Kreutzer... Eis Brenda Starr - O Perigo É a Minha Profissão (1989) - filme de Robert Ellis Miller, cujo bizarro entrecho estarreceu tanto os leitores como os cinéfilos, salvaguardando embora o desempenho por Brooke Shields. Previamente, Brenda Starr deslumbrara a tela num serial (1945) de Wallace Fox, interpretada por Joan Woodbury; e em telefilme (1976) com Jill St. John, sob direcção de Mel Stuart. Originalmente, Brenda Starr, Reporter nascera em prancha dominical (1940) e convencera em tira diária (1945), pela inspiração graciosa e fantasista de Dale Messick. Teve um sucesso que foi prolongado por Ramona Fradon, Linda Sutter & Mary Schmich, contrastando - pois - o êxito efémero em celulóide. Embora de frágil narrativa, condensando estereótipos, sobrevém uma estilizada ironia romântica, por cenários exóticos, rendendo os malvados mais grotescos à heroína em estado de graça.

CALENDÁRiO

1908-30OUT2009 - Claude Lévi-Strauss: «O antropólogo é o astrónomo das ciências sociais: ele está encarregado de descobrir um sentido para as configurações muito diferentes, pela sua ordem de grandeza e pelo seu afastamento, das que estão imediatamente próximas do observador» (Antropologia Estrutural - 1967).

1950-31OUT2009 - António Sérgio: Radialista, vencedor de um Globo de Ouro (1999) - «Sempre foi uma referência. Era a referência de quando eu era adolescente, de quando o rádio era o instrumento por excelência. As memórias são muitas. Fazia parte do meu crescimento musical» (Adolfo Luxúria Canibal).

12-15NOV2009 - No São Jorge, decorre o Ciclo de Cinema Espanhol - Contrastes Entonces y Ahora - Lisboa 2009.

12NOV2009 - Clap Filmes produziu, e estreia Os Sorrisos do Destino de Fernando Lopes; com Rui Morrison e Ana Padrão. IMAG.19-64-111-203-219-261-276

VISTORiA


Soneto

Enquanto quis Fortuna que tivesse
Esperança de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
Minha escritura a algum juízo isento,
Escureceu-me o engenho co’o tormento,
Para que seus enganos não dissesse.

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
A diversas vontades! Quando lerdes
Num breve livro casos tão diversos,

Verdades puras são e não defeitos;
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento de meus versos.

Luiz de Camões


Vai-te, Poesia!

¨Deixa-me ver a vida
exacta e intolerável
neste planeta feito de carne humana a chorar
onde um anjo me arrasta todas as noites para casa
pelos cabelos
com bandeiras de lume nos olhos,
para fabricar sonhos
carregados de dinamite de lágrimas.

Vai-te, Poesia!

Não quero cantar.
Quero gritar!

José Gomes Ferreira

VISTORiA


O céu estava sombrio - céu de Dezembro - e o pavimento das ruas desaparecia sob a neve, neve de Londres, meio derretida e lamacenta. Nunca se me varrera da memória a recordação dessa neve, apesar de terem passado quinze anos desde a última vez que vira a sua triste cor.

Ali a tinha, diante de mim, com os mesmos sulcos e ocultando os mesmos perigos para os transeuntes. Havia apenas uma hora que eu tinha chegado da América do Sul a bordo do vapor-correio de Southampton, e ora estava encostado à janela do meu quarto no Hotel Morley, Charing Cross, contemplando com ar sombrio os jogos de água da Praça de Trafalgar, ora passeava agitadamente de um extremo ao outro do aposento, fazendo esforços para me distrair e pensando que não era um vagabundo desterrado, mas um homem que regressava ao seu país.

Aproximei a cadeira da chaminé e, enquanto atiçava o lume, evoquei através da chama o quadro da minha vida passada. Recordei-me da infância que tornou extremamente desgraçada a dependência de um tio velho e rico que me olhava como a um obstáculo, porque não acreditava que eu viesse um dia a honrar o seu nome e os seus benefícios. Esta excelente pessoa tinha quase tanto de avaro como de vaidoso.

Charles Dickens - A Órfã (excerto)








A história não está ligada ao homem, nem a qualquer objecto em particular. Consiste inteiramente no seu método; a experiência comprova que ele é indispensável para inventariar a integralidade dos elementos de uma estrutura qualquer, humana ou não humana. Longe portanto de a pesquisa da inteligibilidade resultar na história como o seu ponto de chegada, é a história que serve de ponto de partida para toda a busca de inteligibilidade. Assim como se diz de certas carreiras, a história leva a tudo, mas contanto que se saia dela.

Claude Lévi-Strauss - O Pensamento Selvagem
(1962 - excerto)


Herança

Meu filho:
Que os teus braços sejam longos
como a minha esperança
nos longos dias...
e o teu corpo, que antevejo,
venha flexível e liso,
como a justiça que desejo...
Que os teus olhos nasçam poços
onde repouse p’ra sempre
a paz do tempo todo,
e o teu peito seja,
tão grande e tão profundo,
que lhe possa confiar o mundo...

Alda Lara (Lisboa, 1950)

BREVIÁRiO

Teorema edita Viagem Pela Europa de Giuseppe Tomasi Lampedusa (1896-1957); tradução de José Colaço Barreiros. IMAG.105-189

Bertrand re-edita O Romance da Raposa com ilustrações de Artur Correia, a partir da obra de Aquilino Ribeiro (1885-1963). IMAG.17-50-92-128-147-163-172-192-203-239-256

Numérica edita em CD, António Victorino d’Almeida - Concertos For Tuba and Oboe, Divertimento por Sérgio Carolino e Pedro Ribeiro. IMAG.77-182

Saída de Emergência edita Com a Cabeça Na Lua, antologia de Arthur C. Clarke, Paul Anderson, Robert A. Heinlein, Isaac Asimov ou Thomas M. Dish.

MEMÓRiA

08JUN1810-1856 - Robert Schumann: «Para mim, a música será sempre a linguagem que nos permite comunicar com o Além». IMAG.105-194-203-233-268

1812-09JUN1870 - Charles Dickens: «Foi o melhor dos tempos, / foi o pior dos tempos, / foi a idade da sabedoria, / foi a idade da tolice, / foi a época da fé, / foi a época da incredulidade, / foi a estação da Luz, / foi a estação das trevas, / foi a primavera da esperança, / foi o Inverno do desespero». IMAG.117

09JUN1900-1985 - José Gomes Ferreira: «… É do destino / de quem ama / ouvir um violino / até na lama.». IMAG.23-269

09JUN1930-1962 - Alda Lara: Poetisa e ficcionista nascida em Benguela (Angola), «ternura de menina-mulher, que sofria com os sofrimentos alheios, que vibrava com as desgraças da sua terra... Possuidora de um estilo rico e fluente, com notáveis qualidades de narradora» (Orlando de Albuquerque).

1524 (5) - 10JUN1580 - Luis Vaz de Camões: "Tanto do meu estado me acho incerto / Que em vivo ardor tremendo estou de frio / Sem causa, juntamente choro e rio / O mundo todo abarco e nada aperto." IMAG. 20-31-38-64-66-76-103-125-164-175-187-231-242-244-252-263-264








1893-15JUN1970 - José de Almada Negreiros: «Deus, que vê muito mais longe que as pessoas, não havia maneira de se esquecer daquele horroroso espectáculo que oferece uma pessoa quando está sozinha neste mundo, e então tomou as suas precauções para que aquilo não se tornasse a repetir. E fez então a mulher para que fossem duas pessoas e uma única combinação entre elas» (Direcção Única, 1932 - excerto). IMAG.84-135-154-173-224

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

MANCHA NO PEITO,
CRAVO NA ANCA - 5

  Está bem, não lhe arrebitaram as forças para as alturas. Não chegou a qualquer parte, mas Hilda também não queria ir para lado nenhum.

A fúria numa mulher, que não era exótica - apenas esquisita, a só gostar de algumas especiarias. Antes cair de borco entre os dejectos nesta cidade imunda, cravada por uma faca ou crivada de hemoptises, do que esbracejar descansada, absurda e retraída em tanto retiro espiritual.

À mingua, passaria a língua pelas arestas das vielas, romperia os joelhos no calvário da subgente, morderia o pó do gato contra outras fêmeas assanhadas, gemeria à cacetada com os cães danados nos currais.

Hilda Diamantino acabou por sufocar, com a alma rodeada de sangue.

– Continua



   

IMAGINÁRiO277

01 JUN 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

PARABÉNS


Há muito, muito tempo, quando todos nós - meninas e meninos que gostamos de banda desenhada - ainda éramos muitos jovens, Mauricio de Sousa (Prémio Troféu de Honra Especial 20 Anos do Amadora Bd 2009) criou, no Brasil, a simpática mas terrível Mônica, inspirado num desenho que fizera da sua própria filha pequenina... E quem diria que, por estes dias, Mônica cumpriu umas formidáveis quarenta primaveras, está mais madura na adolescência, e cada vez mais activa e versátil, com todos os seus amigos - Cebolinha, Cascão, Zé Luís, Bidu e Franjinha, Jotalhão, Rita, Penadinho, Raposão, Astronauta, Piteco... Muitos deles converteram-se, entretanto, em titulares de revistinhas com enorme sucesso, e quase todos apareciam, já, no número 1 do primordial mensário Mônica e a Sua Turma -  lançado pela Editora Abril em Maio de 1970, e de que alguns de nós, leitores babados, possuímos ainda os primeiros exemplares. Não esqueçamos, porém, que a Mônica tem amiguinhos de todas as idades, e uma das suas características é evoluir com os tempos, mantendo embora as qualidades essenciais que a popularizaram entre os dois lados do Atlântico... Um grande salto de sonhos, diabruras, magia, arte e tecnologia, cujo nome referencial é, sempre, o afectuoso Mauricio. IMAG.151-185

CALENDÁRiO

1922-02NOV2009 - José Luís López Vázquez: «Um dos maiores actores, uma das marcas indeléveis do grande cinema espanhol, a par com Fernando Fernán Gómez e Pepe Isbert» (Alex de la Iglesia).

1933-03NOV2009 - Sheldon Dorf: Especialista americano de banda desenhada, fundador da Comic-Com International, em San Diego, admirador dos Peanuts e primordial coleccionador de Dick Tracy.

05NOV2009 - Real Ficção produziu, e estreia Ruas da Amargura de Rui Simões. IMAG.158

MEMÓRiA

1825-01JUN1890 - Camilo Castelo Branco: «Chorava, chorava! Assim eu lhe soubesse dizer o doloroso sobressalto que me causaram aquelas linhas, de propósito procuradas, e lidas com amargura e respeito e, ao mesmo tempo, ódio. Ódio, sim... A tempo verão se é perdoável o ódio, ou se antes me não fora melhor abrir mão desde já de uma história que me pode acarear enojos dos frios julgadores do coração e das sentenças que eu aqui lavrar contra a falsa virtude de homens, feitos bárbaros, em nome da sua honra» (Amor de Perdição - Introdução - 1862, excerto). IMAG.27-31-41-87-111-113-145-146-161-171-179-180-185-209-227-236-237-244-256

1878-04JUN1930 - António Patrício: «Portugal é um navio naufragado / em que a tripulação espera há séculos...». IMAG.172

1871-05JUN1900 - Stephen Crane: «O Hotel Palace, em Fort Romper, estava pintado de um leve azul, uma sombra que existe nas patas de um tipo de garça-real, fazendo com que a ave denuncie a sua posição contra qualquer pano de fundo» (O Monstro e Outros Contos).

06JUN1750-1823 - José Correia da Serra: Presbítero secular, Fidalgo da Casa Real, Conselheiro D. Maria I e da Fazenda, Comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, Cavaleiro da Ordem de Cristo, Doutor em Direito Canónico pela Universidade de Roma, Agente Diplomático em Londres, Ministro Plenipotenciário de Portugal nos Estados Unidos, Sócio Fundador e Secretário Perpétuo da Academia das Ciências de Lisboa.

1891-07JUN1980 - Henry Miller: «O espírito que nos anima pode assumir as mais diversas formas: tornar-nos semelhantes a anjos, a demónios ou a bestas. A cada um a sua escolha. Nada barra o caminho ao homem para além das fantasmagorias dos seus medos». IMAG.248-224

OBSERVATÓRiO

www.monica.com.br - Portal da Turma da Mônica - O universo de Mônica e seus amigos, por Mauricio de Sousa, ao alcance virtual. Além de registo sobre o artista / criador, inclui - entre outros - Quadrinhos, Filmes, Revistas, Jogos, 3D Virtual, Parque, Mural, Novidades e Passatempos.

ANTIQUÁRiO





1992 - Madragoa Filmes produz O Dia do Desespero de Manoel de Oliveira, sendo protagonista Mário Barroso. Os últimos anos de Camilo Castello Branco, numa abordagem baseada em cartas do escritor - cuja obra marca a realidade cultural do Século XIX, em Portugal, e reflecte os conflitos e contradições do autor em si, um carácter pungente e torturado. Assim evoluem esses tempos autênticos - com o sofrimento pela cegueira, em irreversível demolição íntima. Até ao transe do suicídio. IMAG. 2-11-23-41-42-60-68-72-74-83-134-158-164-165-170-175-178-190-199-201-203-205-206-208-214221-222-224-225-237-241-242-244-248-256

VISTORiA


Façamos de conta – prosseguiu Calisto – que V. Ex.a é hoje, como será, volvidos meses ou anos, casado com uma dama igual em sangue, de honrada fama, acatada do conceito geral, dama enfim, na qual V. Ex.a empregou suas complacências todas. À boa dita de esposo sucede-lhe a prosperidade de pai. Vê V. Ex.a em redor de si umas alegres criancinhas, que o beijam e o furtam, com graciosas blandícias, às graves cogitações nos negócios, e aos aborrimentos que salteiam as existências mais descuidadas e desprendidas. A mãe dos filhinhos de V. Ex.a é o cofre de oiro; as crianças são as jóias inestimáveis que V. Ex.a lá encontrou e lá encerra.
A mãe é a flor, os filhos são o fruto. V. Ex.a arde de amores deles e dela. Porque a sua família é não somente a sua alegria doméstica, senão que lhe é fora de casa um pregão da honestidade e honra que vai nela.
De repente, quando V. Ex.a está meditando nos júbilos da velhice, com seus filhos já homens, com sua esposa laureada pelas cãs sem mácula, de repente, digo, há um amigo em lágrimas, ou um inimigo secretamente satisfeito, que lhe diz: «Tua mulher desonra-te; essas crianças, que tu afagas, e para quem estás multiplicando os teus haveres, podem não ser teus filhos, porque tua mulher prevaricou.» Pergunto eu ao Ex.mo Bruno de Mascarenhas, a sua agonia, nessa hora de atroz revelação, como hão-de expressá-la os que a não sentiram ainda?
– Não sei... – respondeu Bruno. – Só no caso de se darem as circunstâncias que V. Ex.a diz, é que se pode responder.

Camilo Castello Branco
A Queda de Um Anjo (1866 - excerto)


O estudo da literatura nacional parecerá porventura a alguns menos próprio que os precedentes, para o aumento da agricultura, das artes, e da indústria; se esta observação é justa pelo que toca ao estudo da língua, e da poesia, longe está de justificar-se pelo que respeita à história da nação. A história de cada povo parece-se com a vida dos indivíduos, por serem uma e outra séries de acções, motivadas por modos de ver, de discorrer, e de desejar, que lhes têm sido próprios e habituais. Os erros em ambas produzem erros, e os acertos seguem-se aos acertos. Mas um homem pode examinar toda a sua vida, e aproveitar-se do que lhe aconteceu, para conduzir-se melhor, e regular as suas acções; nas nações pelo contrário cada geração conhece tão somente a si mesma, sem que os erros das que passaram sirvam ordinariamente de proveito. Toca aos que aprofundam os antigos sucessos fazer este exame, e dar a conhecer o que já nos serviu de proveito, ou de ruína, e as causas, porque crescemos, ou diminuímos em número, em forças, em luzes, em riquezas. O conhecimento do que a nação é, e do que pode ser, pelo que já tem sido, é dos mais úteis para a sua felicidade, e só pode esperar-se dos esforços unidos de um corpo tal, como a Academia.

José Correia da Serra
Discurso Preliminar (1789 - excerto - in Memórias Económicas Inéditas 1780-1808 - Academia das Ciências de Lisboa)

Tudo É Divino

Há uma elasticidade cósmica, se assim lhe posso chamar, que é extremamente enganadora. Dá ao homem a ilusão temporária de que é capaz de mudar as coisas. Mas o homem acaba sempre por tornar a cair em si. É aí, na sua própria natureza, que pode e deve praticar-se a transmutação, e em nenhum outro lugar. E quando um homem percebe a que ponto é isto verdade, reconciliando-se com todas as aparências do mal, da fealdade, da mentira e da frustração; a partir de então, deixa de aplicar ao mundo a sua imagem pessoal de tristeza e dor, de pecado e corrupção.
Eu poderia, é certo, formular tudo isto de modo muito mais simples, dizendo que, aos olhos de Deus, tudo é divino. E quando digo tudo, é mesmo tudo o que quero dizer. Quando olhamos as coisas a tal luz, a palavra transmutação adquire um sentido ainda maior: pressupõe que o nosso bem-estar depende do nosso entendimento espiritual, do modo como nos servimos da visão divina que possuímos. Com um critério assim, o que nos poderá ainda chocar?

Henry Miller
O Mundo do Sexo (1940 - excerto)

BREVIÁRiO

Panini Comics edita As Tiras Clássicas da Turma da Mónica por Mauricio de Sousa.

Warner edita em CD, sob chancela Nonesuch, Wolfgang Amadeus Mozart [1756-1791] - The Complete Violin Concertos pela Kremerata Báltica, sob a direcção de Gidon Kremer. IMAG.36-55-68-90-102-106-118-172-186-205-216-217-220-227

Vega edita Carta a Bosie de Óscar Wilde (1854-1900); tradução de Maria Célia Coutinho. IMAG.14-61-204-256

Numérica edita em CD, Música Portuguesa Para Um Quarteto pelo Quarteto Lopes-Graça.

Caminho edita Lendas e Toadas do Nosso Povo Singelo de Samuel M.S.R. Sampaio e Melo.

NOTICIÁRiO

Suicídio de Camilo

Aquela inteligência vigorosa, aquele cérebro de excepcionais faculdades, caiu, foi destruído, apagou-se por um acto de loucura! Que profundas tristezas, que amarguras crudelíssimas, que aflições enormes, padeceria ele, para dar ao remate da sua vida literária, tão radiante, o pavoroso, o lúgubre quadro do suicídio!
Na crítica, na polémica, no romance, era um mestre. Ninguém o igualou. A colecção das suas obras é um padrão imorredouro.

02JUN1890 - Diário de Notícias

EPISTOLÁRiO

Carta a Um Amigo

A vida dos desgraçados irremediáveis seria um período de escárnio ao Criador, se o suicídio lhes fosse defeso.
Quando confronto a minha covardia com as tentações redutoras do suicídio, então compreendo a grandeza de ânimo dos que se matam.
Invectivar de covarde o suicida é escarrar na face de um morto. Não se pode ser mais cruel nem mais infame.
Um dos cânticos do Inferno de Dante é um poema de lágrimas. São os suicidas que passam, gementes.

Camilo Castelo Branco
03JUN1890 - Diário de Notícias



  

IMAGINÁRiO276

24 MAI 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

VIRTUALIDADES


Ausentes dos escaparates das grandes livrarias, alheios à convencional difusão crítica, escritores há que prosseguem uma coerente carreira literária - fieis aos seus modos de intervenção, motivados por uma peculiar criatividade, que se consumam em estímulos próprios de publicação e divulgação. Assim persistem testemunhos culturais, eis como se forjam cumplicidades entre autores e leitores, assim também resultam projectos alternativos - todos estes desafios que Francisco José Craveiro de Carvalho tem explorado, desenvolvido, evidenciado através das Edições + (&) ´, em nome e termos próprios ou como latente e incisivo tradutor. Duas recentes obras poéticas - O Funcionário da Abissínia em retenção de imaginários pessoais, O Cocheiro de Tchecov vertendo Michael Bartholomew-Biggs, Gretchen Fletcher, Jane Hirshfield e David Morley - prolongam uma exposição bibliográfica já extensa, peculiar, refeita, alternando um lugar de afirmação, partilha, e recorrente a um tempo de revelação, memória. IMAG.16-117-130-177-190-209-226-255

CALENDÁRiO

1931-01NOV2009 - Alda Merini: «A minha poesia tem para mim a importância da minha própria vida - é a minha palavra interior, a minha existência».

MEMÓRiA

1928-29MAR1990 - Alain Oulman: «…Em sucessivos discos publicados nos anos 50 e 60 soube transformar a fadista Amália Rodrigues - cuja popularidade era incontestada desde o final Segunda Guerra - na Amalia, sem acento, que se tornou diva internacional. Oulman divulgou a voz, mas soube renovar-lhe a cada passo os atributos com desafios ousados: primeiro, já não apenas a guitarra e a viola, mas também os acompanhamentos orquestrais, depois as variações sobre estes, conduzindo-a ao extremo de um jazz combo» (Jorge P. Pires - 1998)

23MAI1850-1895 - Gervásio Lobato: Escritor, jornalista e dramaturgo - O Jardim da Estrela «D’antes tinha um grande atractivo para os soldados da municipal e para as criadas de servir - o leão. Elle porém coitado, deu a alma a Deus e a pelle ao embalsamador da rua do Moinho de Vento, e deixou a jaula que enchia com os seus urros colossaes, pela eternidade de palha e estopa com que vai encher a sala do snr. Paiva Raposo» (A Comédia de Lisboa - 1878).

24MAI1940-1996 - Joseph Brodsky: Prémio Nobel da Literatura em 1987, «pela genuinidade como autor, imbuída de um pensamento claro e de intensidade poética».

22AGO1820-27MAI1870 - Joaquim José Tasso: «Em toda a sua carreira, este grande actor desempenhou, aproximadamente, setecentos papéis de galã» (Luciano Reis).

27MAI1860-1941 - Manuel Teixeira Gomes: - Escritor, sétimo Presidente da República Portuguesa (1923-1925) - «A política longe de me oferecer encantos ou compensações converteu-se para mim, talvez por exagerada sensibilidade minha, num sacrifício inglório. Dia a dia, vejo desfolhar, de uma imaginária jarra de cristal, as minhas ilusões políticas. Sinto uma necessidade porventura fisiológica, de voltar às minhas preferências, às minhas cadeiras e aos meus livros».

1577-30MAI1640 - Peter Paul Rubens: «Pintar uma jovem mulher é como desfrutar de um longo abandono. Não existe melhor modo de nos refrescarmos» IMAG.136-176.

VISTORiA

Il Globo

Dalla solita sponda del mattino
io mi guadagno palmo a palmo il giorno:
il giorno dalle acque così grigie,
dall'espressione assente.
Il giorno io lo guadagno con fatica
tra le due sponde che non si risolvono,
insoluta io stessa per la vita
... e nessuno m'aiuta.
Mi viene a volte un gobbo sfaccendato,
un simbolo presago d'allegrezza
che ha il dono di una stana profezia.
E perché vada incontro alla promessa
lui mi traghetta sulle proprie spalle.
22 Dezembro 1948
Alda Merini - Da Poetesse del Novecento (1951)

OBSERVATÓRiO






www.supermanhomepage.com - Superman HomePage - Tudo o que sempre quis saber sobre o Homem-de-Aço - criado em quadradinhos por Jerry Siegel e Joe Shuster, na revista Action Comics - e ainda mais, incluindo informação de todas as formas de expressão e criatividade. Destaque para um historial cronológico de Super-Homem, desde as origens em 1938, até à actualidade. IMAG.14-20-27-109-141-183-193-217-226

VISTORiA



Costa, o soldado de transmissões, entrou no meu gabinete, às onze da noite:
– Alferes Ulisses, acabo de receber uma mensagem da Camuanga. Estão todos nos abrigos. Estão a ser atacados.
– Vê se eles voltam a ligar-nos. Diz-lhes que procurem aguentar-se o melhor que puderem e que iremos socorrê-los logo que amanheça.
– Há um pequeno problema, meu alferes. Estamos sem baterias para o rádio.
– Como é isso possível? Não há baterias de reserva? Além disso, isso não é desculpa para não os irmos socorrer. Diz-lhes que iremos para lá assim que amanheça. E liga também para a sede da Companhia, a dar conhecimento do ataque, caso não tenham já recebido a mensagem.
Saído o soldado de transmissões, falei com os furriéis:
– Quem é o furriel que está de serviço?
– Sou eu, alferes. – respondeu o Ramalho.
– É preciso reforçar as sentinelas. O ataque à Camuanga pode ser um de uma acção conjunta de ataques a destacamentos.
– Deve ser mais um ataque isolado, alferes. – respondeu o Donato. Connosco não se devem voltar a meter.
– Isso é coisa que nunca podemos dizer, Donato. Não atacaram ninguém no Natal, nem no Ano Novo, mas podem aproveitar agora, quase no final do mês, para tentarem apanhar a malta desprevenida. Seja como for, o cuidado nunca é demais. E o Ramalho, que está de serviço, faz o que lhe mando: vai às casernas acordar o pessoal e dobrar as sentinelas em todos os postos.
– Não é necessário, alferes. As sentinelas normais chegam.
– O Ramalho está a querer contrariar as minhas ordens?
– Não, alferes...
– Se não, então trate de ir imediatamente fazer o que lhe digo, antes que nos aborreçamos. E avise o pessoal nas casernas que esteja acordado, porque vou passar por lá e falar com eles. E passar depois uma ronda. E não barafuste, que não adianta nada com isso.
Saído o furriel do edifício, para cumprimento contrariado das ordens recebidas, falei com os restantes furriéis:
– Amanhã, mal amanheça, temos de ir com uma secção à Camuanga, depois de pegarmos alguns GEs, mais experientes do que nós, para nos acompanharem. Quem é que vai comigo?
– Eu não, alferes. – disse o furriel açoreano.
– Eu também não, alferes. – acrescentou o Teodoro.
– Quer dizer, têm medo de ir socorrer camaradas em perigo! Mas gostaram que o pessoal do Quitari tivesse vindo ajudar-nos, quando nos quiseram apalpar! E o Rodrigues? Não me vai deixar ir sozinho?
– Alferes, não é um bocado arriscado, sem levarmos rádio? E se nos atacam?
– Quer dizer que estão todos com medo! Se virem camaradas em perigo, voltam as costas e deixam-nos entregues à sorte? Poderia destacar um de vós e obrigar-vos a ir. Mas não o faço. Se têm medo, vou sozinho com os soldados que quiserem acompanhar-me. Prefiro ir com pessoal voluntário do que com quem tenha medo! Nunca imaginei que me dessem esta decepção!
Gervásio Lobato
- Os Mistérios do Porto (1891 - excerto)


A Cigana

Tenho ainda nos dedos a impressão que me deixou a pele tépida daquele corpo delicioso, à medida que o ia explorando; e nos lábios, na face, a doçura dos seios agudos e prodigiosamente elásticos…
Logo começou o grande duelo de amor, no qual cada um de nós se empenhava em dar melhores provas de valor e resistência. Não sei como, numa das reprises acudiu-me a ideia de que era o corpo da minha casta companheira da tarde que eu cingia nos braços, e isso incutiu novo estranho ardor.
Notou-o a cigana que disse:
– Que amoroso eres, querido.
Manuel Teixeira Gomes
- Novelas Eróticas (1935 - excerto)

BREVIÁRiO

Assírio & Alvim edita O Livro de Horas de Reiner Maria Rilke (1875-1926); tradução de Maria Teresa Dias Furtado. IMAG.102-112

Megamúsica edita em CD, sob chancela Paradizo, A French Collection - Pièces de Clavecin pelo cravista Skip Sempé.

Página a Página edita Bárbara Ruiva de Rómulo de Carvalho (1906-1997). IMAG.82-123

Harmonia Mundi edita em CD, Franz Joseph Haydn [1732-1809]: Sonatas - Vol. 2 pelo pianista Alain Planès. IMAG.40-219-228-240-269-271-272-273-275

ANTIQUÁRiO

2009 - Glimpse produz Com Que Voz de Nicholas Oulman; a ligação criativa entre Alain Oulman (nascido numa família conservadora, judaica, com actividade no comércio de matérias-primas) e Amália Rodrigues, revelando correspondência inédita e testemunhos de personalidades como José Régio, Pedro Homem de Mello, Ary dos Santos, Manuel Alegre, Fernando Lopes ou Mário Soares. IMAG.20-33-226-239-245-270

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

MANCHA NO PEITO,
CRAVO NA ANCA - 4

  - Só a mim, nada me dessedenta esta sofreguidão! - desabafou ela um dia, provocante, para um dos seus clientes eventuais. O homem sorriu a custo, retocou o bigode retorcido, e foi-se acoitar junto da esposa e dos filhinhos.
Hilda mirou, então, aquele palerma com desdém. O ignorante não sabia que, às vezes, não se dizem as coisas com segundo sentido. Apenas para provocar um efeito, uma simpatia. Não custa nada. Comedida, poupada, ela extraía tudo o possível de si mesma - não carecia de despesas, e produzia um pormenor muito mais íntimo, pessoal. Hilda era assim, natural, intensa, para todas as coisas. Sempre cuidadosa com o proveito próprio...
Até que, portanto e afinal, uma vez foi de vez - Hilda apartou-se da afectação feminina e da lealdade aos bons costumes. Farta mesmo de contemplações. Pôs-se na rua, fechou a porta com vagar, e atirou a chave para um lamaçal à frente mal cheiroso. Quem a visse depois à pressa ao afastar-se - aliás, não havia ninguém - teria reparado, pelas costas, num seu frenético encolher dos ombros, como se quisesse estender asas e levantar voo.

 – Continua


   

IMAGINÁRiO275

· 16 MAI 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

REVELAÇÕES


Há histórias vividas sob o signo dos quadradinhos como pretextos, motivações que precedem ou insinuam todas as vivências e cumplicidades das sagas celebradas em banda desenhada. E assim fenómenos tacitamente consabidos mas nunca bem explicados através das aventuras, o que todos gostaríamos para estimular o humor ou a emoção, acabam finalmente por concretizar-se… Uma narrativa fascinante e algumas sugestivas imagens, que tinham aparecido na revista Pilote por 1963, adquirem outro fascínio e surpreendem novas gerações, devotadas a Astérix, ao desvendar Como Obélix Caiu No Caldeirão do Druida Quando Era Pequeno - em álbum especial, sob chancela das Edições Asa - pelo engenho do argumentista René Goscinny (1926-1977) e pela fidelidade do ilustrador Albert Uderzo (n.1927), revelando que nada é nunca como nós supúnhamos - apesar de conhecermos bem uma certa e pequena aldeia gaulesa, e cada um dos seus fantásticos habitantes! Numa altura em que já havia soldados romanos, javalis apetitosos e um menestrel azarado. IMAG.2-4-21-29-37-58-69-76-94-101-136-179-206-245-248-249

CALENDÁRiO

05NOV-05DEZ2009 - Em Lisboa, Galeria Bernardo Marques expõe Unselected Works de Ania Gubernat e Kasia Gubernat.

TRAJECTÓRiA

PERDIGÃO QUEIROGA

José Manuel Nobre Perdigão Queiroga nasceu em Évora, a 12 de Maio de 1916. Em Lisboa, frequentou o Instituto Industrial, optando pela técnica cinematográfica - fotografia e montagem. Exerceu tais funções como assistente em longas metragens (1936-1943), lançando-se documentarista em 1943. Durante a guerra, em Hollywood, trabalhou em actualidades (montagem e dobragem de March of Time e Paramount Pictures, fotografia de Pathé News). Em 1946, ingressou na Lisboa Filme. Após Fado, História d’uma Cantadeira (1947) - grande sucesso popular - fez Sonhar É Fácil e Madragoa (1951), Os Três da Vida Airada (1952), Planície Heróica (1953), Viagem Presidencial a Moçambique (1956), As Pupilas do Senhor Reitor (1960), Portugal de Cristo - O Cristo-Rei (1960), O Milionário (1962) e O Parque das Ilusões (1963). Responsável pelas Produções Cinematográficas Perdigão Queiroga (1958) e pelos jornais de actualidades Imagens de Portugal (1958) e Visor (1961), continuou como técnico, documentarista e publicitário. Faleceu em Espinheira, em 1980.

VISTORiA


Como Eu Não Possuo

Olho em volta de mim. Todos possuem -
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da cor que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!

Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo para ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lodo.

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse - ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...

Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?...

Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
Como eu quisera emaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos de harmonia e cor!...

Desejo errado... Se a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim - ó ânsia! - eu a teria...

Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases doirados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante...

De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.

Mário de Sá-Carneiro  

VISTORiA


Patriotismo

O argumento de que o exército e a marinha em prontidão são a melhor forma de garantir a paz, é tão absurdo quanto a proposição de que os mais pacíficos cidadãos são aqueles que andam com armamento pesado. O que é o patriotismo: o amor ao lugar onde se nasceu, o lugar das lembranças, esperanças, sonhos e brincadeiras da infância? Se isso fosse patriotismo, poucos americanos poderiam hoje considerar-se patrióticos, pois o lugar dos jogos infantis transformou-se em fábricas, moinhos e minas. Leon Tolstoi, o grande antipatriota dos nossos tempos, define patriotismo como o princípio que justifica o treinamento de assassinos. Patriotismo é a superstição artificialmente criada e mantida através de uma rede de mentiras e falsidades; uma superstição que rouba o auto-respeito e a dignidade e aumenta a arrogância e a vaidade. Patriotismo exige fidelidade à bandeira, o que significa obediência e prontidão para matar pai, mãe, irmão, irmã.
Emma Goldman


Onde Será a Terra Prometida?

Triste época a nossa! Para que oceano correrá esta torrente de iniquidades? Para onde vamos nós, numa noite tão profunda? Os que querem tactear este mundo doente retiram-se depressa, aterrorizados com a corrupção que se agita nas suas entranhas.
Quando Roma se sentiu agonizar, tinha pelo menos uma esperança, entrevia por detrás da mortalha a Cruz radiosa, brilhando sobre a eternidade. Essa religião durou dois mil anos, mas agora começa a esgotar-se, já não basta, troçam dela; e as suas igrejas caem em ruínas, os seus cemitérios transbordam de mortos.
E nós, que religião teremos nós? Sermos tão velhos como somos, e caminharmos ainda no deserto, como os Hebreus que fugiam do Egipto.
Onde será a Terra prometida?
Tentámos tudo e renegámos tudo, sem esperança; e depois uma estranha ambição invadiu-nos a alma e a humanidade, há uma inquietação imensa que nos rói, há um vazio na nossa multidão; sentimos à nossa volta um frio de sepulcro.
A humanidade começou a mexer em máquinas, e ao ver o ouro que nelas brilhava, exclamou: «É Deus!» E come esse Deus. Há - e é porque tudo acabou, adeus! adeus! - vinho antes da morte! Cada um se precipita para onde o seu instinto o impele, o mundo formiga como os insectos sobre um cadáver, os poetas passam sem terem tempo para esculpir os seus pensamentos, mal os lançam nas folhas, as folhas voam; tudo brilha e ecoa nesta mascarada, sob as suas realezas de um dia e os seus ceptros de cartão; o ouro rola, o vinho jorra, a devastidão fria ergue o vestido e bamboleia-se... horror! horror!
E depois, há sobre tudo isso um véu de que cada um tira a sua parte, para se esconder o mais possível.
Escárnio! horror! horror!
Gustave Flaubert - Memória de Um Louco

MEMÓRiA

1821-08MAI1880 - Gustave Flaubert: «Considero como uma das felicidades da minha vida não escrever nos jornais; é uma opção que prejudica a minha bolsa, mas faz bem à minha consciência… O que o dinheiro faz por nós não compensa o que fazemos por ele». IMAG.68-154-170-232

1916-08MAI1980 - Perdigão Queiroga: Cineasta português, produtor, realizou Fado, História d’Uma Cantadeira (1947) - «Esta permanecerá para sempre a sua obra máxima, e um marco do cinema português, quanto mais não fosse pela importância que teve na carreira de Amália (e também de Virgílio Teixeira, já agora). Foi um sucesso a nível de popularidade, e ainda hoje contém alguns dos momentos marcantes do cinema português» (Manuel Azinhal). IMAG.63-82-89-94-223-246

1869-14MAI1940 - Emma Goldman: «Acusar-nos de conspiração, por fazer aquilo que sempre fizemos, ao longo da maior parte de nossas vidas, nomeadamente a campanha contra a guerra, o militarismo e o alistamento forçado, contrariando os melhores interesses da humanidade, representa um insulto à inteligência». IMAG.210-232

18MAI1860-1946 - Eduardo Schwalbach: «Sem entrar em detalhes de apreciação sobre a sua obra literária que é vastíssima, se encararmos o seu autor nos diversos aspectos de romancista, comediógrafo, jornalista e conferente mas cingindo-me apenas à sua obra teatral, que superior talento é preciso para, ao mesmo tempo e sempre com um brilhantismo invulgar, escrever como ele escreve, fazendo sentir na comédia, rir na revista, e escalpelizar na sátira!» (Álvaro Lima). IMAG.111

19MAI1890-1916 - Mário de Sá-Carneiro: «Como eu quisera, enfim de alma esquecida, / Dormir em paz num leito de hospital... / Cansei dentro de mim, cansei a vida / De tanto a divagar em luz irreal.» (Além-Tédio). IMAG.65-71-236

1904-21MAI2000 - Sir John Gielgud: «Representar significa, ao mesmo tempo, vergonha e glória; vergonha por nos exibirmos, glória por não sermos esquecidos». IMAG.131

1864-22MAI1910 - Jules Renard: «A preguiça não é mais do que o hábito de descansar, antes de estar cansado.»

COMENTÁRiO







N’A Educação Sentimental, [Gustave Flaubert] concebe esta ideia de génio: pintar numa larga acção a fraqueza dos caracteres contemporâneos amolecidos pelo romantismo, e explicar por esta efeminação das almas todas as instabilidades da nossa vida social, a desorganização do mundo moral.
Eça de Queiroz

BREVIÁRiO

Numérica edita em CD, In Monasterio Aveirensi - Música Para a Princesa Santa Joana de Aveiro pelo Ensemble Joanna Musica sob a direcção de Marques Trilha.

¨Relógio D’Água edita Bullet Park de John Cheever (1912-1982); tradução de Ana Cristina Leonardo.

Universal edita em CD, sob chancela Decca, Franz Joseph Haydn [1732-1809]: The Complete Symphonies pela Philharmonia Hungarica, sob a direcção de Antal Dorati. IMAG.40-219-228-240-269-271-272-273

Relógio D’Água edita  Hadji-Murat de Lev/Leon Tolstoi (1828-1910); tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra. IMAG.56-194-200

Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, Intimate Letters pelo Quarteto Emerson.


IMAGINÁRiO274

· 08 MAI 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

MUTAÇÕES



Um dos filmes mais excitantes e vanguardistas de Hollywood, na década de 30 do Século XX, Sylvia Scarlett (1936) era, também, um dos favoritos do realizador, George Cukor (1899-1983), apesar dos dissabores e das vicissitudes que rodearam a sua estreia. A introdução do sonoro, por finais dos anos 20, levara a meca do cinema a recorrer a gente de fora - entre técnicos especializados (como radiotelegrafistas) e profissionais do teatro (como encenadores). Entre estes, figurava Cukor - logo na MGM, e depois na RKO, graças a David Selznick. Desde início, Cukor pretendia transpor uma novela de Compton MackKenzie, The Early Life and Adventures of Sylvia Scarlett (1918), mas Louis B. Mayer recusou. Conseguiu-o junto de Pandro S. Berman, por influência de Katharine Hepburn, que dirigira em A Bill of Divorcement (1932) e As Quatro Irmãs (1933). Para contracenarem, Hepburn sugeriu Cary Grant, apresentado por um amigo comum, Howard Hughes. O actor estava aborrecido na Paramount, e tal alternativa da RKO seria decisiva na sua carreira - em ligação a Cukor e Hepburn, com quem fez ainda A Irmã da Minha Noiva (1938) e Casamento Escandaloso (1940).

CALENDÁRiO

1918-19OUT2009 - Joseph Wiseman: Actor de cinema, celebrado na personagem de Dr. Julius No, o antagonista de Sean Connery/James Bond em 007 Agente Secreto/Dr. No (1962) - «Não tinha a mínima ideia daquilo em que me estava a meter… Não imaginava o sucesso que, depois, alcançou».

ANTIQUÁRiO

13MAI2000 - Na Cova de Iria, a terceira parte do Segredo de Fátima é revelada pelo Papa João Paulo II, no dia da beatificação de Francisco e Jacinta Marto. O mesmo ali fora revelado a 13 de Julho de 1917, pela Virgem Maria aos Três Pastorinhos. Para a exposição das primeiras duas partes do Segredo, foi escolhido o texto escrito pela Irmã Lúcia na Terceira Memória, de 31 de Agosto de 1941. A terceira parte foi escrita «por ordem de Sua Ex.cia Rev.ma o Senhor Bispo de Leiria e da Santíssima Mãe», no dia 3 de Janeiro de 1944. O envelope selado foi guardado pelo Bispo de Leiria e, no dia 4 de Abril de 1957, entregue ao Arquivo Secreto do Santo Ofício, avisada a Irmã Lúcia pelo Bispo de Leiria.

MEMÓRiA

1452-12MAI1490 - Princesa Santa Joana: Filha de D. Afonso V e de D. Isabel e, não havendo sucessor, jurada herdeira do trono de Portugal. Quando o pai voltou da conquista de Arzila, foi viver no Convento de Odivelas, passando ao Mosteiro de Jesus, em Aveiro, onde tomou hábito em 1475. Impedida de professar, por proibição d’uma junta de teólogos congregados por D. Afonso V, a Infanta decidiu manter a existência secular e não voltou à Corte. Viveu sempre no Mosteiro de Jesus, excepto em 1479 e 1485, por motivo da peste que se desenvolveu em Aveiro. El-Rei D. Pedro II alcançou do Papa Inocêncio XII uma bula, concedendo-lhe - no reino - o culto de Santa (1693, em beatificação). L12MAI1890 - Diário de Notícias

1891-12MAI1970 - Nelly Sachs, Prémio Nobel da Literatura em 1966: «Há e havia em mim, e está presente em cada vez que respiro, uma fé na transcendência, através da sua fusão com a dor e da espiritualização do pó, como uma vocação para a qual todos somos chamados».

13MAI1840-1897 - Alphonse Daudet: «A obra que trazemos dentro de nós parece-nos sempre mais bela do que aquela que acabamos por concretizar».

13MAI1940-1989 - Bruce Chatwin: «...É fácil queixar-se de que os nómadas nada acrescentaram à arte, à arquitectura ou às glórias gerais da civilização. Mas as origens da civilização não são assim tão respeitáveis. O faraó construiu as pirâmides com trabalho escravo». IMAG.211

VISTORiA


Vós Que Nos Desertos

¨Vós que nos desertos
buscais veios de água ocultos -
de dorso curvado
escutais à luz nupcial do Sol -
filhos duma nova solidão com Ele -

As vossas pegadas
calcam a saudade
para os mares de sono -
enquanto o vosso corpo
lança a folha escura de flor da sombra
e em terra de novo sagrada
o diálogo que mede o tempo
entre estrela e estrela começa.

Nelly Sachs
(Tradução de Paulo Quintela)

 VISTORiA



Enquanto o Inverno durou, não nos apercebemos de coisa alguma. As pessoas de Wood'stown ouviam às vezes um estalido surdo nos seus telhados, nos seus móveis. De tempos a tempos, uma parede rachava, ou o balcão de loja partia-se em dois ruidosamente. Mas a madeira nova está sujeita a esses acidentes e ninguém dava importância a tal. Entretanto, à aproximação da Primavera - uma primavera súbita, violenta, tão rica de seiva que nós sentíamos sob a terra um murmúrio de fontes - o solo começou a agitar-se, soerguido por forças invisíveis e activas. Em cada casa, os móveis, as paredes inchavam, e nós víamos sobre os soalhos longos veios como com a passagem de uma toupeira. Nem portas, nem janelas, nada mais funcionava. - «É a humidade, diziam os habitantes. Com o calor, isto passará».
De repente, no dia seguinte a um grande temporal vindo do mar, que trouxera o verão nos seus relâmpagos brilhantes e na sua chuva morna, a cidade ao despertar soltou um grito de estupefacção. Os telhados vermelhos dos monumentos públicos, os campanários das igrejas, o soalho das casas e até a madeira das camas, tudo estava salpicado com uma cor verde, fina como o mofo, leve como uma renda. De perto, era uma quantidade de brotos microscópicos, onde já se via o enrolamento de folhas. Essa esquisitice da chuva divertiu sem inquietar; mas, antes da noite, bouquets de verdura desabrochavam por tudo, sobre móveis, sobre as paredes. Os ramos cresciam a olhos vistos; levemente retidos na mão, nós os sentíamos crescer e debaterem-se como asas.

Alphonse Daudet
- Woods’town (excerto)

COMENTÁRiO

Alphonse Daudet - Autor de Sapho, e um dos mais delicados e simpáticos representantes da moderna literatura francesa, que no começo da sua carreira foi apaixonado das musas, publicando Les Amoureuses.

18DEZ1897 - Diário de Notícias

BREVIÁRiO

Costa do Castelo edita em DVD, Katharine Hepburn (1907-2003); inclui Sonhos Dourados (1935 - George Stevens), Sylvia Scarlett (1936 - George Cukor), Mary Stuart, Rainha da Escócia (1936 - John Ford) e As Duas Feras (1938 - Howard Hawks). IMAG.27-160

INVENTÁRiO

SYLVIA SCARLETT

O desafio de interpretar «um falso rapaz», em Sylvia Scarlett (1936), encantou Katharine Hepburn. Contudo, George Cukor decidiu atenuar as «ambiguidades sexuais» na adaptação de John Collier - pelos argumentistas Gladys Unger & Mortimer Offner, que acrescentaram um prólogo e um epílogo conciliadores. Mantendo o essencial do entrecho, que Cukor entendia «mais picaresco do que romântico». Sylvia Scarlett é, aliás, uma das raras fitas em que a heroina acaba por escapar a Cary Grant... Tudo por culpa de um pai sem escrúpulos, Henry Scarlett - que, para fugir de Marselha com dinheiro roubado, leva a filha a cortar o cabelo e a passar por Sylvester. Na travessia de barco entre França e Inglaterra, o disfarce não engana Jimmy Monkley, que se aproveita da situação. Sylvester acerta contas com este vigarista cockney - durante a viagem de comboio para Londres, onde Henry e Jimmy se aliam em negócios duvidosos. Apaixonada, ela acaba por se expor a Michael Fane, um boémio artista plástico cuja instável namorada, a russa Lily, tenta o suicídio. Jimmy salvar-lhe-á o coração, e Sylvia redescobre-se nos braços de Michael... Antes, porém, de um tal final conveniente, o suposto Sylvester é beijado por outra mulher, Maudie Titt, amante de Henry; e um apaixonado Michael insiste em que lhe sirva de modelo, antes de saber que ele é uma reabilitada Sylvia!
Anos mais tarde, lamentando embora não ter levado às últimas consequências as propostas de Collier, Cukor repudiou um «contexto homossexual», preferindo salvaguardar o «testemunho complexo» sobre as provações e os dilemas duma mulher que, inevitavelmente, tem de pagar um preço pela quebra da sua inocência. E, se Sylvia Scarlett se converteria numa das principais obras de culto, quanto à Época de Ouro de Hollywood, começou por ser um malogro de bilheteira. Aliás, após as reacções negativas de algum público em visionamento prévio, conta a lenda que Cukor e Hepburn propuseram a Pandro S. Berman destruir o filme, comprometendo-se a fazer um outro, gratuitamente. De facto, a Time considerou que Hepburn «é melhor como rapaz do que como donzela»... Quanto a Cukor, não voltou a trabalhar com a RKO - que, em prestígio e, ao longo dos tempos, comercialmente, recuperaria o seu mais ambicioso orçamento de um milhão de dólares, em 1936. Entre equívocos e cintilações, Cukor celebra a primazia da representação e o privilégio das vedetas, transfiguradas sob o artifício das peripécias. Pelo meio, confundem-se preconceitos, precipitam-se ousadias - sempre com elegância e ironia, quanto à subversão de um destino convencional.

EPISTOLÁRiO

J.M.J.   – A terceira parte do segredo revelado a 13 de Julho de 1917 na Cova da Iria-Fátima. 

Escrevo em acto de obediência a Vós Deus meu, que mo mandais por meio de sua Ex.cia Rev.ma o Senhor Bispo de Leiria e da Vossa e minha Santíssima Mãe.
Depois das duas partes que já expus, vimos ao lado esquerdo de Nossa Senhora um pouco mais alto um Anjo com uma espada de fôgo em a mão esquerda; ao centilar, despedia chamas que parecia iam encendiar o mundo; mas apagavam-se com o contacto do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro: O Anjo apontando com a mão direita para a terra, com voz forte disse: Penitência, Penitência, Penitência! E vimos n'uma luz emensa que é Deus: «algo semelhante a como se vêem as pessoas n'um espelho quando lhe passam por diante» um Bispo vestido de Branco «tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre». Varios outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos como se fôra de sobreiro com a casca; o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dôr e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de juelhos aos pés da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam varios tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns trás outros os Bispos Sacerdotes, religiosos e religiosas e varias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de varias classes e posições. Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal em a mão, n'êles recolhiam o sangue dos Martires e com êle regavam as almas que se aproximavam de Deus.

Tuy-3-1-1944
Irmã Lúcia de Jesus
e do Coração Imaculado



IMAGINÁRiO273

· 01 MAI 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
g · Ano VII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

CREPÚSCULOS



Nos últimos tempos, os estaleiros tecno-ficcionais da inspiração em quadradinhos culminaram, entre o alvoroço e a euforia, um projecto criativo capaz de virtualizar o imaginário globalizado a um nível transferencial. Trata-se do cruzamento entre as linhas de tensão narrativa e aventuresca, em que convergem formas variáveis de linguagem e latentes efeitos de sofisticação, com personagens volúveis ou estilizadas a partir de símbolos ancestrais e modelos de uma realidade metafórica ou ritualista, até há pouco primazia da cinematografia ou dos videojogos. Escrita por Arvid Nelson - autor de Rex Mundi ou de Zero Killer - e ilustrada por J.M. - aliás Jeong Mo Yang, ao traço da mangà - Hellgate London constitui uma prequela da prodigiosa saga lúdica sob chancela Electronic Arts, que congemina o crepúsculo da capital britânica por 2038… Dezoito anos antes, este lançamento das Edições Asa em banda desenhada revela as primeiras ameaças de invasão pelos demónios, e o heroísmo de um jovem campeão de râguebi, John Fowler, para resgatar a civilização humana, quanto às profecias de guerra e caos, e de um futuro infernal.

CALENDÁRiO

15OUT2009 - VC Multimédia estreia Deus Não Quis de António Ferreira; com Catarina Lacerda e Fernando Delfim Duarte/Sagui.

1939-17OUT2009 - Rosanna Schiaffino: Actriz italiana do cinema internacional - ícone da beleza mediterrânica, recusou a nudez nos seus filmes - «Olhos verdes, cabelo ruivo… Tem um ar tão sensual, que não dispensa um guarda-costas e um canzarrão, para a proteger dos lobos» (Picturegoer - 1958).

MEMÓRiA

01JUN1859-1917 - António Feijó: «Cada página abrange um estádio da Vida, / Cujo eterno segredo e alcance transcendente / Ele tenta arrancar da folha percorrida, / Como de mina obscura a pedra refulgente.» (O Livro da Vida).

07MAI1840-1893 - Pyotr Ilyich Tchaikovsky: «Nunca estou longe do piano, alegra-me quando me sinto triste». IMAG.235-261

07MAI1920-2008 - Fernanda Baptista: Actriz e cantora, intérprete do Fado da Carta - «Se no tempo em que gravou houvesse discos de ouro e platina, ela hoje tinha forradas várias paredes com eles, tais foram os seus sucessos» (Ema Pedrosa). IMAG.209

12MAI1940-1979 - Adhemar Carvalhaes, aliás A. Carvalhaes: Historiador brasileiro, realizador documental, professor de história do cinema da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Alvares Penteado / FAAP, coordenador do Laboratório de Cinema do Museu de Arte de São Paulo, dirigente do Foto Cine-Clube Bandeirantes, jornalista e crítico em Folha de S. Paulo e na revista Visão - «A animação foi criada para nos dar uma perspectiva irreal do mundo, fantasiosa, que o outro cinema jamais poderá apresentar, e cuja única limitação será apenas a própria imaginação do realizador».

ANTIQUÁRiO

01MAI1930 - Descoberto no mês de Março, por Clyde Tombaugh, um novo planeta além de Neptuno é baptizado Plutão, por sugestão de Venetia Phair, uma menina com onze anos de Oxford, Inglaterra, em honra do deus romano do submundo, considerando que está nos limites do Sistema Solar. Em AGO2006, Plutão passou à categoria de planeta anão, por decisão da União Astronómica Internacional/IAU reunida em Praga, na República Checa. IMAG.110-224

VISTORiA


Pálida e Loira

Morreu. Deitada no caixão estreito,
Pálida e loira, muito loira e fria,
O seu lábio tristíssimo sorria
Como num sonho virginal desfeito.

Lírio que murcha ao despontar do dia,
Foi descansar no derradeiro leito,
As mãos de neve erguidas sobre o peito,
Pálida e loira, muito loira e fria...

Tinha a cor da rainha das baladas
E das monjas antigas maceradas,
No pequenino esquife em que dormia...

Levou-a a morte na sua graça adunca!
E eu nunca mais pude esquecê-la, nunca!
Pálida e loira, muito loira e fria...
António Feijó - Líricas e Bucólicas (1884)  

INVENTÁRiO

HERÓIS NA IDADE DA PEDRA



Tendo recriado todas as virtualidades do imaginário, sob o signo do espectáculo, Hollywood consumou um outro divertimento irresistível: Os Flintstones (1994) - pelo qual foi responsável o mais prestigiado dos seus símbolos, Steven Spielberg. Em causa, para este mago tecno-artístico, como administrador, estaria uma complexa convergência de expansão e reciclagem, entre meios audiovisuais.
Além dos prodígios de transposição, sob o signo da comédia, de um clássico da animação para o imaginário realista, foi objectivo uma ambiciosa estratégia comercial - que, transcendendo a indústria ou o mero entretenimento, colocasse o cinema como fulcro ou apelo de um vasto mercado promocional, entre a produção e o consumo... Seis anos depois, Brian Levant assumiu uma reincidência.
Os Flintstones baseia-se numa famosa série televisiva, por Hanna & Barbera. Tudo começou em 1960, na cadeia ABC. Durante seis anos, centena e meia de episódios recriaram esta sátira amável - sobre a sociedade americana, através do seu núcleo familiar. Um sucesso fenomenal, entre milhões de fanáticos em todo o mundo.
William Hanna gostava de salientar que Os Flintstones era a primeira saga em animação do mundo, pois ambienta-se na Idade da Pedra! Tudo decorre na cidade de Bedrock, dotada dos mais sofisticados meios actuais - automóveis, televisão - só que à maneira dos nossos antepassados. Fred Flintstone e Barney Rubble são dois compinchas inseparáveis, para o trabalho ou os lazeres.
Embora cavernícolas, Fred e Barney matam-se ao trabalhar, adoram jogar bowling, são pais estremosos e, quando não conseguem uma escapadela para a borga, tentam gerir as naturais rivalidades entre as esposas - respectivamente, Wilma Slaghoople e Betty O’Shale. Como referia Joseph Barbera, «as coisas não evoluíram muito ao longo dos tempos, e essa foi a nossa inspiração».
Na exploração em grande ecrã, a principal novidade é que a imagem real substituiu a animação original, mantendo-se embora uma correspondência sugestiva, estilizada quanto ao tipo de personagens, aos signos do humor e aos elementos cénicos. Aliado a Ted Turner, Spielberg concretizava, assim, um projecto já com dez anos, tendo o filme rendido 350 milhões de dólares, a nível internacional.
Aliás, por esse mesmo 1994, a Turner Entertainment lançou uma colectânea referencial, Os Flintstones - Primeiros Desenhos (1960). Ao cumprirem-se quarenta anos sobre tais matrizes primitivas, a Amblin - a cargo de Bruce Cohen, e com inevitável execução por Hanna & Barbera - incumbiu Levant de repetir aquela que foi «uma das melhores experiências da minha vida».
Para Os Flintstones Em Viva Rock Vegas (2000), os argumentistas Deborah Kaplan & Harry Elfont propuseram, no entanto, uma prequela em relação a Os Flintstones, a qual seria tratada com outra dupla prestigiosa, Jim Cash & Jack Epps Jr. Naturalmente, o elenco foi inteiramente reformulado - sendo protagonistas Mark Addy, Stephen Baldwin, Kristen Johnson e Jane Krakovski.
Portanto, Fred e Barney são, ainda, solteiros e bons rapazes, habituados a partir pedra entre a recente formatura e o primeiro emprego. Em Bedrock, mal conhece Wilma - uma herdeira que escapou às lições de vida da caprichosa mãe -, Fred fica pelo beicinho, enquanto Barney não resiste a Betty, companheira de quarto e de trabalho da milionária em fuga. Apenas falta, pois, impressionar as raparigas.
Nada como um fim-de-semana a quatro em Rock Vegas. Só que o ditado sorte ao jogo, azar nos amores é, mesmo, pré-histórico. E o ambicioso Chip Rockfeller, a quem Pearl Slaghoopple tinha prometido a filha em casamento, tem um plano para lhe caçar o coração e a fortuna... O resto é acção e humor, com dinossauros à mistura. E a intemporal Joan Collins, sucedendo em beleza à matrona Elizabeth Taylor!

BREVIÁRiO

Caixotim edita António Feijó [1859-1917] - O Homem e a Obra de J. Cândido Martins.

VGM edita em CD, sob chancela Alpha, Franz Joseph Haydn [1732-1809]: Trios Para Nicolaus Esterhazy pelo Rincontro - Pablo Valetti (violino), Patricia Gagnon (viola) e Petr Skalka (violoncelo). IMAG.40-219-228-240-269-271-272

Academia das Ciências de Lisboa edita, com Fundação Calouste Gulbenkian, Obras - Vol IV - De Art Atque Ratione Navigandi de Pedro Nunes (1502-1578); organização crítica de Henrique Leitão. IMAG.20-115-164

Dom Quixote edita Nocturno Indiano de Antonio Tabucchi.

Ulisseia edita Norte de Louis-Ferdinand Destouches, aliás Céline (1894-1961); tradução de Clara Alvarez.

EPISTOLÁRiO









Pergunta-me se eu conheci outro amor que não o platónico. Sim e não. Se a questão me tivesse sido colocada de outra forma: «Você experimentou a felicidade de um amor completo?», a minha resposta seria: não, não e não! Mas pergunte-me se sou capaz de compreender a força imensa do amor, e eu lhe direi: sim, sim e sim!
Pyotr Ilyich Tchaikovsky

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

MANCHA NO PEITO,
CRAVO NA ANCA - 3


 - Não m’interessa, vou por aí fora! - resmungou Hilda, com um esgar caprichoso, a espicaçar-se. À sua frente, indiferente, um espelho duplicava-a como um fantasma prenhe de insatisfação. Hilda socou-o com uma gargalhada, que pareceu repercutir-se por cada um dos estilhaços no soalho.

Hilda Diamantino nem reparou, entretida em estancar os golpes da mão esfacelada, no lavatório. Mas também ela ficou em pedaços - fragmentada, incompleta. Uma mutação dolorosa, dilacerada para o que, prosaicamente, se costuma chamar alienação. Ficou-lhe o arcaboiço. O tino separado, foi-se - é certo, esse estouvado passou a vadiar!

Existir, subsistir - quanto a isso, Hilda não era uma necessitada nem tinha consumições. Todo o ano, vivia de umas casas herdadas em Pedrouços, alugadas quando começava a animação das praias. Por Agosto, era grande a quantidade de pessoas que ali estavam, umas quantas a banhos, ou gozando a serenidade da noite e respirando a fresca brisa do Tejo. Em vários pontos havia toques e descantes, e os vendedores de refrescos faziam bom negócio.

 – Continua


   

IMAGINÁRiO272

· 24 ABR 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

FLAGELOS


Um dos filmes mais surpreendentes no inventário de Hollywood - quanto à  expectativa dos responsáveis, à reacção do público e à consagração pela memória dos cinéfilos - A Pantera (1943) de Jacques Tourneur persiste, nesta última qualidade, como obra-prima maior do drama fantástico. Com o seu estilo tão peculiar, Tourneur incutiu uma sensualidade que ronda o sobrenatural, entre o sortilégio dos clássicos e a sofisticação de vanguarda. E, no entanto, raro uma realização assim resultaria, senão pela cumplicidade de quem a concebeu e a recriou. Desde logo, sobressai a importância matricial do produtor Val Lewton, no seu primeiro encargo para a RKO. Reagindo ao predomínio no género pela Universal, Charles Koerner incumbiu-o de preparar um projecto com o título Cat People, que lhe parecia «excitante». Lewton pesquisou temas literários susceptíveis de adaptação, recorrendo a dois homens que conhecia pela experiência com David Selznick, na MGM: o argumentista DeWitt Bodeen e Tourneur. Finalmente, decidiu trocar mitos e monstros ancestrais por uma história actual, inspirada em desenhos de moda parisienses, cujos manequins tinham cabeças de gatos. A propósito, e pelo rosto, escolheu para protagonista a actriz gaulesa Simone Simon, cuja carreira na América se estava a revelar decepcionante.

MEMÓRiA

24BR1930-2005 - Henrique Canto e Castro: «Pertencia a uma linhagem de actores de teatro e cinema em que não há ninguém que lhe ocupe o lugar… Todo o seu trabalho foi sempre marcado pela própria personalidade» (João Mário Grilo). IMAG.27-63-101

1897-24ABR1970 - Cassiano Branco: «Enquadrou a sua arquitectura na nossa atmosfera, no nosso ambiente, na nossa cultura, na nossa relação com o espaço e, inclusivamente, na nossa relação com o território» (Gonçalo Ribeiro Telles). IMAG.142

1902-29ABR1970 - Tomaz Xavier Cardoso de Figueiredo, aliás Tomaz de Figueiredo: «Autor ora pícaro ora elegíaco, obsessivamente autobiográfico no seu mal de viver, inadaptado ao mundo burguês do dinheiro e ao mundo suficiente de bacharéis e doutores» (João Bigotte Chorão).

CALENDÁRiO

08OUT2009 - O Prémio Nobel da Literatura é atribuído à escritora alemã, nascida na Roménia, Herta Müller - que logra, «com a densidade da sua poesia e a franqueza da sua prosa, retratar o universo dos desapossados».

15OUT2009 - ZON Lusomundo estreia Morrer Como Um Homem de João Pedro Rodrigues; com Fernando Santos e Fernando Gomes. IMAG.68-165

16OUT-12NOV2009 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta Zoologia Fantástica, exposição de aguarelas de Francisco Toledo, baseadas em Manual de Zoologia Fantástica de Jorge Luís Borges. IMAG.69-86-88-240

ANUÁRiO

1450-AGO1516 - Jeroen Anthoniszoon van Aken, aliás Jeronimus Bosch: Pintor e gravador flamengo, génio estilizado sobre a Idade Média e o Renascimento, que inspirou o movimento surrealista no Século XX.

VISTORiA

HIERONYMUS BOSCH (DIAVOLO)

pinto o grasnar dos gaviões. e simultaneamente
um líquido viscoso talvez esperma segregando excrementos corrói
as nádegas dum bispo. o meu trono é um auditório. há subentendimento
de cornos sob o manto do juiz: essa caveira
flutuando
no anil. a gota não é néctar (vapor)
subterraneamente pútrida
há nela uma ferida. é o grito do ouro.
vós
filhos árcticos do cobre rubro
excitais-vos na frígia ardência das verrugas do enxofre. o metal rugirá
nas crinas e nos alçapões. eu executo o futuro.
pêlos, picos, andas, unhas, um sopro roxo
negrume
dos maus tempos: o salto para o vácuo.
eu faço correr as mil passadas do sal para o focinho da besta.
@José de Matos-Cruz
-Pra Chatear o Indígena (1976)

 VISTORiA

A Tia Mariana

A Tia Mariana se fosse minha mãe não podia ser mais minha amiga. Hás-de ver-lhe o retrato, de leque e trancelim, muito apertada numa jaquetinha que não faz uma ruga sequer... Uma tia solteira e sem outros sobrinhos, ainda por cima, bem vês que não é nada o mesmo que uma tia casada... Sabes que a história de que mais gostei, em dias de minha vida, contou-ma ela, em muito pequenino? Contou-me ao ouvido, baixinho, para eu adormecer....
Coitadinha, tão ingénua! E olha, doutra vez, também pequenote, estava eu aqui só com ela e com minha mãe. Um dia apareci constipado, e, para que não me descobrisse e resfriasse de noite, ora imagina o que ela inventou! Pois deitar-me numa cama que parece uma sala, e deitou-me. Depois, deitaram-se ambas sobre a minha roupa, cada qual do seu lado, a outra roupa acima delas. Ainda hoje parece que sinto a abafação das duas a fazerem peso, a não me deixarem mexer.
Tomaz de Figueiredo
A Toca do Lobo (1949 - excerto)

TRAJECTÓRiA

VÍTIMA E TRÁGICA



Em 1943, o modesto orçamento de A Pantera (134.000 dólares) levou o produtor Val Lewton a ouvir um especialista em série B, Herman Schlom, que o aconselhou a usar cenários alterados de outros filmes. DeWitt Bodeen concluiu o argumento virtualmente para Simone Simon, tendo a rodagem de 21 dias decorrido nos estúdios da RKO, em interiores de O Diabo e a Menina (1941 - Sam Wood) e O Quarto Mandamento (1942 - Orson Welles), e a cena do Central Park Zoo nos sets dos musicais de Fred Astaire e Ginger Rogers. Filho de outro prestigiado cineasta, Maurice Tourneur, e tendo iniciado actividade na França natal, Jacques Tourneur (1904-1977) seguiu a sugestão de Fritz Lang, para quem «nada que a câmara mostre, é tão horrível como o que se pode imaginar». Tal essência expressionista é realçada na atmosfera em claro-escuro pela fotografia de Nicholas Musuraca, pelos estranhos silvos e ruídos de uma banda sonora cuidada na montagem por Mark Robson, sobre efeitos vocais de Dorothy Lloyd. Ritualização do oculto em imagens furtivas, em impressões lancinantes, incidindo sobretudo nas emoções e nos pavores íntimos, que transparecem na fisionomia das vítimas. Eis a marca de Tourneur, a inquietante sedução que Simone Simon perpetuaria.
Uma mulher estranha e tímida, desenhadora de moda em Nova Iorque, apaixona-se e casa. No entanto, a relação de Irena Drobovna com Oliver Reed não se consumará carnalmente, pois ela atormenta-se com uma maldição ancestral do seu povo, servo-croata, pela qual se transforma em felina vingadora... A Pantera insinua os fantasmas sexuais, os traumas e as frustrações, sublimando uma atmosfera assombrada, fatídica, pelo signo feminino. Pungente, perturbante, Simon sublima uma recorrência pervertida, metafísica, entre culpa e identidade, dualidade e solidão. O famoso lance da piscina foi proposto por Tourneur, lembrando uma vivência pessoal. Aliás, a intensa mas secreta efusão do suspense pelo medo, no irreal, desconcertou os bosses da RKO, liderados por Lew Ostrow, que impuseram uma alusão mais literal e menos metafórica da fera, que devia ser mostrada. Pondo em questão a própria inferência / transferência, animal / humana, tão soberba e quase religiosa no ambíguo encontro do Zoo, entre Irena e a criatura. Tendo estreado no Hawai Cinema de Los Angeles, cedo A Pantera logrou furor e culto - um sucesso comercial que suplantou O Mundo a Seus Pés (1941 - Orson Welles), seu ilustre predecessor. A exploração internacional terá rendido à RKO mais de 4.000.000 de dólares, seguindo-se A Maldição da Pantera (1944), com Simon dirigida por Robert Wise. Em 1982, Nastassja Kinski foi A Felina de Paul Schrader. Nada, porém, superaria o terrível fascínio original.

BREVIÁRiO

Costa do Castelo edita em DVD, Jacques Tourneur (1904-1977); inclui A Pantera / Cat People (1943), Zombie / I Walked With a Zombie (1943), O Homem Leopardo / The Leopard Man (1943) e O Arrependido / Out of the Past (1947). IMAG.55-141-159

Harmonia Mundi edita em CD, Franz Joseph Haydn [1732-1809]: Sinfonias 91 e 92 por Bernarda Fink e a Freiburger Barockorchester, com o maestro René Jacobs. IMAG.40-219-228-240-269-271

Relógio D’Água edita Bullet Park de John Cheever (1912-1982); tradução de Margarida Periquito.

EMI edita em CD, Maurice Ravel [1875-1937]: L’Enfant et les Sortilèges - Ma Mère l’Oye por Magdalena Kozená e José van Dam, com a Berliner Philharmoniker, sob a direcção de Simon Rattle. IMAG.104-160-203

Teorema edita O Olho de Vladimir Nabokov (1899-1977); tradução de Telma Costa. IMAG.55-63-97-223-253

VGM edita em DVD, sob chancela Alpha, Jean-Baptiste Lully [1632-1687]: Cadmus et Hermonie por Le Poème Harmonique, com o maestro Vincent Dumestre.

NOTICIÁRiO

El-Rei

Sua Majestade El-Rei o senhor D. Carlos foi ontem de tarde fotografar-se no atelier do senhor Bobone na Rua Serpa Pinto. El-Rei trajava de pequeno uniforme de generalíssimo. Tirou diversos clichés. Sua Majestade prometeu voltar ali breve a fotografar-se vestido de grande uniforme. O senhor D. Carlos demorou-se ali cerca de uma hora.
12ABR1890 - Diário de Notícias

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

MANCHA NO PEITO,
CRAVO NA ANCA - 2

 Hilda ainda era uma mulher de se lhe tirar o chapéu. Nem gaiata das que não despertam a atenção, nem madura das que provocam asco aos homens. Estava no ponto de viragem entre a sensação e o desinteresse, própria e alheio. Entre a decadência física e a resignação virtual.
Muito pouco, para lhe servisse de consolação. Pois, se tudo dependesse dela só, sem represálias, então acabaria como uma esponja estéril, seca de lágrimas e maluca. Já não tinha pais que a tesicassem, nem parentes com quem pudesse ripostar. Nunca a assediara cavalheiro ou bilontra. Restava-lhe, arre!, o próprio corpo como fronteira, ou Lisboa, uma urbe para devassar...

– Continua


  

IMAGINÁRiO271

· 16 ABR 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

RIVALIDADES



Na I Convenção Literária da Personagem Comparada, que decorre em Lisboa no ano de 2007, promovida pelo Movimento Feminista Global, são convidados sete maridos célebres: Alexei Alexandrovitch de Ana Karenina, Bentinho de Dom Casmurro, Carlos Bovary de Madame Bovary, Clifford Chatterley de O Amante de Lady Chatterley, Daniel Trigueiros de Resposta a Matilde, Jaime Carvalho de O Primo Basílio e Teodoro de Dona Flor e Seus Dois Maridos. Em causa, entre caprichos e intrigas, entre rancores e rivalidades, está a atribuição de um troféu alusivo… Eis O Corno de Oiro - primeira incursão de Júlio Conrado pelo contexto teatral, sob chancela de Roma Editora, após carreira prestigiada como crítico, romancista e poeta. Uma abordagem lúdica, cáustica, aos cânones morais e sociais - privilegiando o recorte humano, a postura anedótica, à transparência da história e da literatura - que combina a ironia da escrita com o prazer da leitura, através de personagens primordiais, revitalizadas sobre os géneros dramáticos, românticos, em situações virtuais, de paixão e traição, de arrebato e menosprezo, sob a recorrência duma actualidade intemporal. Transferindo-as da narrativa clássica em que se celebraram, para as circunstanciais figurações de uma exposição em palco - porventura a encenar e a cumprir-se em sua efémera, culminante representação. IMAG. 24-44-184-222

 CALENDÁRiO

1938-28SET2009 - Manel d’Novas: Poeta cabo-verdiano - «Dizem-me que ele é natural de Santo Antão. E, no entanto, ele é acima de tudo um mindelense. Não no sentido de ser um produto, mas antes no sentido de ser um revelado pela cidade do Mindelo, no sentido de, sem qualquer esforço ou estudo particular, ele ter apreendido e interiorizado a vivência deste povo brincalhão, satírico, mundano e festivo, que depois devolve em forma de composições musicais onde a ironia, o bom humor, o deixar andar, marcas individualizadas de Mindelo, são presença e componente mais importantes» (Germano Almeida).

1935-04OUT2009 - Mercedes Sosa: «Ela viveu plenamente, como quis, e creio que não deixou nada por fazer, foi uma guerreira, não conheceu nenhum tipo de obstáculo ou de medo» (Fabián Matus).

MEMÓRiA

1892-16ABR1970 - Richard Neutra: «Uma casa bem concebida afecta toda a nossa noção do espaço… Cheirar, sentir, ouvir, aperceber a temperatura, ver…»

1706-17ABR1790 - Benjamin Franklin: «Há que ter cuidado com o médico jovem e com o barbeiro velho».

1899-20ABR1980 - Alfred Hitchcock: «A televisão é como as torradeiras: carrega-se num botão, e sai sempre a mesma coisa». IMAG.3-4-14-19-26-29-44-48-49-51-71-85-111-112-142-146-163-168-179-188-191-238

1835-21ABR1910 - Samuel Longhorne Clemens, aliás Mark Twain: «O barulho não prova nada... Muitas vezes, uma galinha, simplesmente porque pôs um ovo, cacareja como se tivesse expelido um asteróide». IMAG.60-193-248

ANTIQUÁRiO

18ABR2009 - Em Coimbra, no Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, é reaberto ao público o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha - mandado construir por D. Isabel de Aragão em 1314, considerado Monumento Nacional desde 1910, e comprado pelo Estado em 1976 - incluindo Núcleo Museológico e Interpretativo da Ruína. Salvo das águas do Rio Mondego, o Mosteiro começou, em 1991, por ser alvo de um projecto de recuperação que o transformou no «maior estaleiro de arqueologia medieval europeia», segundo o coordenador da equipa, Artur Côrte-Real.

NOTICIÁRiO

O Conimbricense lembra à Câmara Municipal de Coimbra a necessidade de se construir ali um novo bairro, pois crê que com as sucessivas inundações e com o alargamento do Rio Mondego, há-de ir pouco a pouco ficando soterrada a cidade baixa. Lembra também a conveniência da construção de um passeio público.
17FEV1872 - Diário de Notícias

OBSERVATÓRiO

www.jcfernandes.carbonmade.com - CarbonMade - Um mini-portfolio sobre a arte e a obra de José Carlos Fernandes em ilustrações e em quadradinhos, incluindo comic books, drawings, illustration e sketches. IMAG.4-31-53-89-97-98-138-192-235

VISTORiA

A Célebre Rã Saltadora
do Condado de Calaveras

Atendendo ao pedido de um amigo, que me escrevera de Leste, fui visitar Simon Wheeler, bom homem, sem outro defeito que uma grande loquacidade. Ia pedir-lhe notícias de um tal Leonid W. Smiley, amigo do meu amigo, como este me recomendara. Cumprida a missão, venho relatar aqui o resultado da visita. Tenho uma vaga desconfiança de que Leonid W. Smiley não passa de um mito e de que o meu amigo não o conheceu senão em pensamento. Penso que ele tenha feito apenas conjecturas, pois falando com o velho Simon Wheeler, este naturalmente lembrar-se-ia do infame Jim Smiley, aborrecendo-me com alguma incrível reminiscência dele, não somente longa e fastidiosa, como também inútil para mim. Se foi essa a intenção, não há dúvida de que foi bem sucedido.
Encontrei Simon Wheeler a dormir confortavelmente, junto ao fogão da sala comum, numa velha e arruinada taverna do antigo campo mineiro de Angel. Observei que ele era gordo e calvo, possuindo uma expressão de urbanidade insinuante e de tranquila simplicidade na fisionomia. Levantou-se e deu-me os bons dias. Disse-lhe então que um dos meus amigos me encarregara de lhe fazer algumas perguntas acerca de um querido companheiro de infância chamado Leonid W. Smiley - o Reverendo. Leonid W. Smiley, jovem ministro evangélico que, segundo ele ouvira dizer, residira durante algum tempo no campo de Angel. Acrescentei que se Mr. Wheeler me pudesse dizer alguma coisa sobre ele, os meus agradecimentos e os do meu amigo seriam eternos.
Simon Wheeler colocou-me de costas a um canto da sala e aí me bloqueou com uma cadeira; fez-me então sentar e desenrolou a monótona história que se vai ouvir. Simon Wheeler não sorriu nem se alterou uma única vez; manteve, até o fim, o mesmo tom de voz manso e fluente com que iniciou a narrativa. No entanto, através do interminável raconto, transparecia a seriedade com que ele encarava o assunto. Pude convencer-me de que, longe de ver qualquer coisa de ridículo na sua história, ele considerava-a realmente importante, e admirava os seus dois heróis como homens geniais, sobretudo, quanto à delicadeza de maneiras. Para mim, o espectáculo de um homem deslizando tão serenamente em meio a tão extravagante enredo, sem sorrir uma vez sequer, era perfeitamente absurdo. Como já disse, pedi-lhe que me informasse o que sabia a respeito do Reverendo Leonid W. Smiley. Deixei-o falar, sem interrompê-lo uma única vez:
Havia aqui um indivíduo conhecido pelo nome de Jim Smiley, no Inverno de 1849 - ou talvez na Primavera de 50 - não posso recordar exactamente, pois o que me faz crer numa ou noutra data é a lembrança de que o grande canal ainda não estava concluído quando ele apareceu pela primeira vez. Mas, em 49 ou 50, o facto é que ele era o homem mais notável que se pode imaginar. A propósito de qualquer coisa, estava sempre disposto a fazer uma aposta. Era a sua mania. Se não podia levar o adversário para o lado contrário, mudava de opinião. O que ele queria era apostar. Tinha uma sorte extraordinária: ganhava sempre. Não se podia falar no objecto mais isolado sem que o tal sujeito logo sugerisse uma apostazinha, pró ou contra. Se se tratava de uma corrida de cavalos, o nosso homem enriquecia ou ficava a zero. Se era luta de cães, apostava; se uma briga de galos, apostava; se estavam dois pássaros pousados numa árvore, queria logo apostar qual dos dois voaria primeiro; se havia reunião no campus era certo apresentar-se a apostar pelo Padre Walker, que ele afirmava ser o melhor pregador das redondezas. Se visse uma barata encaminhar-se para qualquer parte, queria logo apostar para saber quanto tempo ela levaria para chegar ao ponto do seu destino, e se pegassem nas suas palavras iria atrás da barata até o México, sem pensar na distância ou no tempo que iria perder...
Mark Twain (1867 - excerto)

BREVIÁRiO

Relógio D’Água edita As Aventuras de Hucklberry Finn de Mark Twain; tradução de Sara Serras Pereira. IMAG.60-193-248

MDL edita em CD, sob chancela AE, Guitolão por António Eustáquio, com o Quarteto Ibero-Americano.

Antígona edita Sobre o Teatro de Marionetas e Outros Escritos de Heinrich Von Kleist (1777-1811); tradução de José Miranda Justo. IMAG.32

Harmonia Mundi edita em CD, Franz Joseph Haydn [1732-1809]: Quartetos de Cordas - Volume 2 pelo Jerusalém Quartet. IMAG.40-219-228-240-269

Teorema edita O Visconde Cortado ao Meio de Italo Calvino (1923-1985); tradução de José Manuel Calafate. IMAG.51

EPISTOLÁRiO


12SET2009

Por coincidência, o Imaginário faz referência ao maestro venezuelano Gustavo Dudamel, e precisamente esta semana terminei a actualização da História da Amadora em Bd, Levem-me Nesse Sonho... Acordado!, onde falo dele. É que na Amadora criou-se uma orquestra à semelhança da que existe na Venezuela, e o próprio Dudamel esteve cá a reger as crianças. Esta nossa Orquestra Geração tem sido um êxito e já tocou na Gulbenkian. Por esta via da música, as crianças têm conseguido um melhor aproveitamento escolar e uma mais saudável relação entre alunos, pais e escola. IMAG.261
José Ruy

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

MANCHA NO PEITO,
CRAVO NA ANCA - 1

 17 de Outubro de 1890

Hilda Diamantino analisou, tristemente, os caracóis a desfazer-se, e soltou um suspiro de desalento. Tinha de conformar-se. Agora, nem com um ferro em brasa poderia reconstituir o seu belo cabelo, ondulado, ao natural, que o tempo caprichara em desmaiar. Sim - e acentuou o pensamento com um assentimento da cabeça - a idade só nos restitui ideias negras e madeixas brancas. Que sorte mais desvairada!

Nem olhou para o rosto, para não se compungir com o caos de rugas e verrugas. Pôs de lado a resina elástica que, quase por encanto, lhe tirara os calos no espaço de uma noite, e guardou o resto num pedaço de jornal. Ali, entre os anúncios do Diário de Notícias, chamou-lhe a atenção uma promessa da Pharmacia Almada, sobre as Pílulas Pink: «Meninas de beiços rapados ficam com os lábios adoráveis e rosados»... Será que um tal milagre sortiria efeito sobre ela? Não, não era leviana, mas havia de experimentar.

 – Continua


  

IMAGINÁRiO270

08 ABR 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

(TRANS)LÚCIDOS




Em raros casos será possível designar - com mais propriedade, em contraponto ou sintonia com os chamados filmes de autor - uma experiência tão fecunda e fascinante como o cinema de Éric Rohmer. Entre as décadas de 1960-1970, marginando a série Contos Morais, são indeléveis os vestígios duma estratégia narrativa e estética, individual e social, ética e psicológica, etológica e estilística em que, relativamente aos quadros e processos convencionais da ficção em grande ecrã, Rohmer explora uma dupla incidência - cuja ambiguidade não deve, todavia, interpretar-se como equivocação. Quanto aos sujeitos, não estamos perante simples personagens; trata-se de modelos que evoluem num espaço virtual - que não corresponde, igualmente, ao estrito envolvimento de uma encenação. Tal acção assume, como contrapartida, um risco de naturalismo, que Rohmer repudia por um total e minucioso controlo de materiais humanos e factuais - segundo uma estratégia inversa à espontaneidade. O jogo dos intérpretes é, pois, duplo e fatal: eles projectam-se, desde logo, entre si e o público, sem que o olhar de cada um seja mais do que o reflexo de uma íntima exibição e de uma expectante vulnerabilidade.

CALENDÁRiO

05OUT2009-02FEV2010 - Teatro de São Luiz e os Museus Berardo, do Fado e da Electricidade expõem Amália, Coração Independente - homenagem a Amália Rodrigues (1920-1999). IMAG.20-33-226-239-245

09OUT2009 - Em Lisboa, Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro promove O Mistério da Palavra, em comemoração do centenário do escritor e jornalista Adolfo Simões Müller (1909-1989). IMAG.131-234

26FEV-06MAR2010 - Decorre a 30ª edição do Festival Internacional de Cinema do Porto - Fantasporto 2009.

MEMÓRiA

1762-17FEV1830 - Marcos Portugal: Compositor e organista celebrado de música erudita, com carreira e sucesso internacional - em 1792,  partiu para Itália, graças à  protecção do príncipe regente e futuro Rei D. João VI. IMAG.169

1893-14ABR1930 - Vladimir Maiakovski: «Eu / à poesia / só permito uma forma: / concisão, / precisão das fórmulas / matemáticas. / Às parlengas poéticas estou acostumado, /eu ainda digo versos e não factos».

­1761-15ABR1850 - Marie Grosholtz, aliás Marie Tussaud: Modelista francesa de figuras de cera, fundou em Londres o Museu Madame Tussaud’s, com filiais em Paris, Nova Iorque, Hong-Kong, Las Vegas, Amsterdão, Hollywood e Berlim.

¨1905-15ABR1980 - Jean-Paul Sartre: «A vida apenas tem sentido no momento em que perdemos a ilusão de sermos eternos». IMAG.39-183-267

1905-15ABR1990 - Greta Louisa Gustaffson, aliás Greta Garbo: «Há muitas coisas no nosso coração que não podem ser contadas a outras pessoas. Coisas que nos pertencem, as nossas alegrias particulares e as nossas próprias tristezas, e nunca poderemos falar sobre elas». IMAG.35-51-181-230

1925-15ABR2000 - Edward Gorey: «Parte de mim é genuinamente excêntrica, outra parte é um bocado a armar. Mas sei o que estou a fazer».

VISTORiA

A Flauta Vértebra

A todos vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.

Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balázio.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.

Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um leque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verte a alegria.
Esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.
Vladimir Maiakovski

 VISTORiA

Nunca Se Escreve
Para Si Mesmo

O escritor não prevê nem conjectura: projecta. Acontece por vezes que espera por si mesmo, que espera pela inspiração, como se diz. Mas não se espera por si mesmo como se espera pelos outros; se hesita, sabe que o futuro não está feito, que é ele próprio que o vai fazer, e, se não sabe ainda o que acontecerá ao herói, isto quer simplesmente dizer que não pensou nisso, que não decidiu nada; então, o futuro é uma página branca, ao passo que o futuro do leitor são as duzentas páginas sobrecarregadas de palavras que o separam do fim.
Assim, o escritor só encontra por toda a parte o seu saber, a sua vontade, os seus projectos, em resumo, ele mesmo; atinge apenas a sua própria subjectividade; o objecto que cria está fora de alcance; não o cria para ele. Se relê o que escreveu, já é demasiado tarde; a sua frase nunca será a seus olhos exactamente uma coisa. Vai até aos limites do subjectivo, mas sem o transpor; aprecia o efeito dum traço, duma máxima, dum adjectivo bem colocado; mas é o efeito que se produzirá nos outros; pode avaliá-lo, mas não senti-lo.
Proust nunca descobriu a homossexualidade de Charlus, uma vez que a decidiu antes de ter começado o livro. E se a obra adquire um dia para o autor o aspecto de objectividade, é porque os anos passaram, porque a esqueceu, porque já não entra nela, e seria, sem dúvida, incapaz de a escrever. Aconteceu isto com Rousseau ao reler o Contrato Social no fim da vida.
Não é portanto verdade que se escreva para si mesmo: seria o pior fracasso; ao projectar as emoções no papel, a custo se conseguiria dar-lhes um prolongamento langoroso. O acto criador é apenas um momento incompleto e abstracto da produção duma obra; se o autor existisse sozinho, poderia escrever tanto quanto quisesse; nem a obra nem o objecto veriam o dia, e seria preciso que pousasse a caneta ou que desesperasse.
Mas a operação de escrever implica a de ler como seu correlativo dialéctico, e estes dois actos conexos precisam de dois agentes distintos. É o esforço conjugado do autor e do leitor que fará surgir o objecto concreto e imaginário que é a obra do espírito. Só há arte para os outros e pelos outros.

Jean-Paul Sartre
Situações II (excerto)

BREVIÁRiO

Atalanta Filmes edita em DVD, 6 Contos Morais de Éric Rohmer; inclui A Padeira de Monceau (1962), A Profissão de Suzanne (1963), A Coleccionadora (1967), A Minha Noite Em Casa de Maud (1969), O Joelho de Claire (1970) e O Amor às 3 da Tarde (1972).IMAG.51-238

Zéfiro edita Viriato - A Epopeia Lusitana de Teófilo Braga (1843-1924). IMAG.214-263

Libri Impressi edita Lance - Volume 2, saga em quadradinhos de Warren Tufts. IMAG.191-209

Numérica edita em CD, Dancing Fiddle - Danças por Luís Pacheco Cunha.

Divisa edita em DVD, O Homem da Câmara de Filmar (1929) de Dziga Vertov (1896-1954). IMAG.250-269

¯Emiliano Toste edita em CD, sob chancela Açor, Arnold Franz Walter Schönberg (1874-1951) - Obra ao Piano por Madalena Soveral. IMAG.213

A Esfera dos Livros edita Grandes Momentos da História da Humanidade de Stefan Zweig (1881-1942); tradução de Fernanda Ribeiro. IMAG.32-48-176-204

ANTIQUÁRiO



09ABR1860 - O inventor parisiense Édouard-Léon Scott de Martinville (1817-1879) grava a canção popular francesa Au Clair de Lune, Pierrot Répondit com o fonautógrafo, um aparelho por ele concebido e que desenha representações de ondas sonoras em papel coberto de fuligem, proveniente de uma lamparina a óleo. Encontrada em Paris, na Académie des Sciences, pelo investigador e historiador americano David Giovannoni, e recuperada digitalmente com um grupo de arquivistas e engenheiros do Lawrence Berkeley National Laboratory, na Califórnia, a mais antiga gravação conhecida da voz humana - com dez segundos de duração, por uma mulher de entoação etérea - teve apresentação em conferência da Association for Recorded Sound Collections, na Universidade de Stanford, em 29MAR2008. Segundo Giovannoni, não relega para segundo plano o sucesso de Thomas Alva Edison em 1888, pois este tornou-se, «verdadeiramente, a primeira pessoa a gravar a voz humana e a reproduzi-la», através do seu fonógrafo. O aparelho de Scott de Martinville - homem de letras, tipógrafo e bibliotecário - não foi construído com o intuito de escutar música, mas para gravar em papel as ondas de som e mais tarde decifrá-las, entendendo como objectivo da sua tecnologia «escrever discursos». IMAG.61-64-79-87-118-125-135-181

NOTICIÁRiO





Francesa Fundou em Londres
O Museu de Cera Mais Famoso

Marie Grosholtz nasceu em 1761 em Estrasburgo, França. A sua mãe trabalhava na casa de Philippe Curtius, um médico que tinha como passatempo a criação de figuras de cera, e ensinou esta técnica à pequena Marie. Em 1777, com apenas 16 anos, a jovem cria uma primeira estátua de Voltaire. Durante esta época recriaria outras personalidades, como Rousseau ou Benjamin Franklin.
Quando Curtius morreu, em 1794, herdou a sua colecção, que já tinha sido exibida em várias ocasiões. Em 1795 casa-se com François Tussaud, adoptando o apelido que hoje dá o nome a vários museus em todo o mundo. Passaria os anos seguintes a mostrar a sua colecção pela Europa. Foi esta digressão que a levou a Londres em 1802.
A partir de 1831 começa a alugar um espaço em Baker Street, na capital britânica, durante breves períodos. Seria aí que, passados alguns anos, em 1835, inauguraria o primeiro Museu de Cera Madame Tussaud’s. Uma das principais atracções deste espaço era a Câmara dos Horrores, onde exibia estátuas de vítimas da Revolução Francesa, bem como assassinos e outros criminosos.
Com o passar dos anos, outras caras conhecidas da época, como Horatio Nelson ou Sir Walter Scott, juntaram-se ao seu espólio. Morreu enquanto dormia, no dia 15 de Abril de 1850. As suas obras, bem como o espaço de Baker Street, foram então herdados pelos seus sucessores, que em 1884 mudaram o Museu Madame Tussaud’s para a sua actual morada, em Marylebone Road, Londres.
14JUN2009 - Diário de Notícias