José de Matos-Cruz
 

IMAGINÁRiO26
01 MAR 2005 · Edição Kafre · kafre@mail.telepac.pt

PRONTUÁRiO

SANDMAN
- O SENHOR DOS SONHOS

 

Uma das sagas primordiais e fascinantes do universo onírico/fantástico, entre os quadradinhos em língua inglesa, Sandman constitui uma alternativa de vanguarda, sofisticada e complexa, na literatura figurativa para adultos, tendo consagrado o génio artístico de Neil Gaiman. Em exploração, um imaginário volúvel, prodigioso ou aterrador, estilizado na imponderabilidade sobre o tempo e o espaço - pelo perfil latente do enigmático, mas providencial Sandman, o Senhor dos Sonhos.

Tudo é configurável - do Oriente às Arábias, das trevas ao Paraíso. Cruzando lendas e mitos, deuses e ciclos - do culto ancestral ao nexo futurista - pela família Endless, na qual sobressaem a bela mas fatal Death, irmã mais velha de Sandman; e o seu filho único, Orpheus. Quanto ao Ocidente, privilegiar-se-ia a Europa do Século XVIII. Virtualmente, os limites épicos confinam-se por Hades. Sandman recorre, eventualmente, à subtil Lady Johanna Constantine, em missões extraordinárias...

Obra-prima simbólica e sarcástica, Sandman principiou em 1989, sob chancela DC Comics pela vertente Vertigo, como The Sound of Her Wings. Uma experiência maravilhosa, e afinal reincidida em edição portuguesa, sob chancela Devir, com Prelúdios - cabendo a ilustração a Sam Keith & Mike Dringenberg, seguindo-se outros notáveis talentos gráficos - como Simon Bisley, P. Craig Russell, Malcolm Jones III, Dick Giordano, Charles Vess ou Barry Windsor-Smith.

Um dia, Gaiman comentou: «Todas as histórias têm fim. Seria absurdo que o Capitão Acab perseguisse Moby Dick para sempre. Sandman é uma história real. Há-de, também, chegar a um termo». Aparentemente, tal ocorreu em Janeiro de 1996, ao Número 75 da revista titular, com o capítulo The Tempest - evocando William Shakespeare (Acto IV, Cena I), também protagonista, pois «Nós somos a matéria/de que os sonhos são feitos»; e «Aquele que morre, paga todas as suas dívidas».

OBSERVATÓRiO

FRANKENSTEIN (2003) - Algures no tempo, um mundo gelado. Um navio suspenso, um trágico sobrevivente. Um homem e a sua história. Estudante de medicina em Ingolstadt, Alemanha, Victor Frankenstein obceca-se em dar vida, laboratorial, a uma ser feito de pedaços humanos. Um ser extraordinário, assustador aos padrões comuns, pelos quais acaba sucumbindo... Com lançamento em DVD sob chancela Castello Lopes/Lusomundo, Kevin Connor avassala o fascínio reiterado de um tema imortal, quanto às virtualidades da ressurreição e do sobrenatural, em radical opção perante os clássicos da literatura ou do cinema: fiel ao romance (1816) de Mary Shelley; além do filme (1931) por James Whale. Em contracenação inquietante, Alec Newman, William Hurt, Donald Sutherland.

RESGATE NO TEMPO (2003) - Se o futuro é um destino admirável, na expectativa de viagens no tempo, a probabilidade das incursões no passado reveste-se de insuspeitáveis aliciantes - malgrado o preceito convencional, entre os potenciais exploradores, de não se provocar qualquer feito que possa afectar a posteridade... Esse não é, porém, o problema do Professor Edward Johnston - quando, durante uma expedição arqueológica no Vale da Dordonha, fica estranhamente aprisionado em 1357 e, pior ainda, pode ser precária vítima da Guerra entre Inglaterra e França... Com lançamento em DVD sob chancela Paramount/Lusomundo, Paul Walker e Frances O’Connor protagonizam uma aventura fantástica e trepidante de Richard Donner, cuja irreversível exposição na actualidade transfigura o romance Timeline de Michael Crichton, quanto aos desafios virtuais da sobrevivência humana.

CALENDÁRiO

6JAN2005 - Historiadores italianos descobrem um atelier de Leonardo Da Vinci (1452-1519) no Convento de La Santissima Annunziata, em Florença, onde o mestre da Renascença esteve alojado em 1500-01, quando era engenheiro militar do Papa Alexander VI.

1923-18JAN2005 - Jesus Rafael Soto: «Pretendo dar à pintura o nível de linguagem universal que possuem a música e as matemáticas».

1936-25JAN2005 - Orlando Neves: «Procurei-me entre as palavras do mundo».

VISTORiA

 

 

Até ao oito de Abril do ano de 1583, o Ilustríssimo e Excelentíssimo senhor Don Carlo d’Aragon, Príncipe de Castelvetrano, Duque de Terranuova, Marquês d'Avola, Conde de Burgeto, grande Almirante, e grande Condestável da Sicília, Governador de Milão e Capitão Geral de Sua Majestade Católica em Itália, plenamente informado da intolerável desdita em que viveu e vive esta cidade de Milão, por causa dos arruaceiros e vagabundos, publica uma banição contra eles. Declara e define todos aqueles a compreender nesta banição, e que devem ser detidos os arruaceiros e os vagabundos... Os quais, sendo forasteiros ou da região, não têm ofício algum ou, tendo-o, não o exercem... Mas, sem salário, ou mesmo com um, apoiam-se em qualquer cavaleiro ou gentil-homem, oficial ou mercador... Para guardar-lhe as costas e fazer favores, ou verdadeiramente, como se pode presumir, para estender ciladas aos outros... A todos estes ordena que, no final do dia seis, tenham deixado o território, intima os renitentes à prisão, e confere a todos os agentes da justiça as mais amplas e indefinidas faculdades, para executarem esta ordem.
Alessandro Manzoni - I Promessi Sposi (1827)

MEMÓRiA

03MAR1455-1495 - D. João II: «E o homem do leme disse, tremendo: / «El-Rei D. João Segundo! » (Fernando Pessoa - O Mostrengo  - Mensagem - 1934).

06MAR1475-1564 - Michelangelo: «A boa pintura aproxima-se de Deus, e une-se a Ele».

1458-1525 - Rainha D. Leonor: «A mais Perfeita Rainha que nasceu no reino de Portugal» (Frei Jorge de São Paulo).

07MAR1785-1873 - Alessandro Manzoni: «Os homens e os anos me dirão quem sou».

21JAN1905-1957 - Christian Dior: «Quero construir vestidos, moldá-los sobre as curvas do corpo. A própria mulher definirá o contorno e o estilo».

1900-04MAR1945 - Mark Sandrich: «O musical é a coreografia das imagens».

1874-24JAN1965 - Winston Churchill: «A democracia é a pior forma de governo, se exceptuarmos todas as outras que já foram tentadas».

BREVIÁRiO

 Escola Superior de Teatro e Cinema edita, com Associação de Imagem, Métodos e Procedimentos do Assistente de Imagem de Tony Costa.

Campo das Letras lança a colecção A Novela Popular, com a série Aventuras Extraordinárias d’Um Polícia Secreta; organização de Joel Lima.

Caixotim Edições lança Viajar Com… Ferreira de Castro de Ricardo António Alves.

Oficina do Livro edita, com Público, Hugo Pratt - Corto Maltese no Público, Guia de Leitura por Carlos Pessoa.

Plátano Editora lança A Donatária - Um Romance nos Finais do Século XVII de Sérgio Ferreira.

FNAC prossegue a edição em vídeo de 4 Curtas Portuguesas, com FBF Filmes, projecto apoiado pelo Ministério da Cultura através do ICAM/Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia; títulos do actual lançamento: Crónica Feminina (2001) de Gonçalo C. Luz, Naquele Bairro (2002) de Madalena Miranda, Não Me Cortes o Cabelo Que Meu Pai Me Penteou (2003) de Margarida Gil, e Undo (2004) de José Filipe Costa.

Sony Music edita Cinema de Rodrigo Leão; participação especial de Beth Gibbons, Rosa Passos, Helena Noguerra, Sónia Tavares e Ryuichi Sakamoto.

Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema edita King Vidor - Um Romance Americano; organização de Manuel Cintra Ferreira.

Warner edita em DVD, Colecção Cary Grant, incluindo Rumo a Tóquio (1943 - Delmer Daves), O Mundo É Um Manicómio (1944 - Frank Capra), Fantasia Dourada (1946 - Michael Curtiz) e Intriga Internacional (1959 - Alfred Hitchcock).

Publicações Dom Quixote edita Ruy de Carvalho - O Grande Senhor do Teatro de Palmira Correia.

Editorial Caminho lança O Espectáculo Desvirtuado - O Teatro Português Sob o Reinado de Salazar (1933-1968) de Graça dos Santos.

Lusomundo edita em DVD, Balas & Bolinhos (2001) e Balas & Bolinhos - O Regresso (2004) de Luís Ismael.

Tradisom edita O Fado Operário no Alentejo. Séculos XIX-XX de Paulo Lima.

TRAJECTÓRiA

MICHELANGELO
- O RENASCENTISTA

 

Pintor, escultor, poeta, arquitecto do Renascimento em Itália, Michelangelo di Ludovico Buonarroti Simoni nasceu em Caprese, Toscânia, a 6 de Março de 1475. Órfão de mãe aos seis anos, o marido da sua ama de leite era cortador de mármore em Settignano. Descendente dos Duques de Canossa, e canhoto, cresceu em Florença. Foi discípulo em pintura de Domenico Ghirlandaio (1488-90) e da escola de escultura mantida por Lorenzo de Medici (1490-92). Em 1492-94, trabalhou em Bolonha, refugiando-se em Veneza em 1494. Em 1496, partiu para Roma, a convite do Cardeal San Giorgio, tendo ali criado Baco e a Pietà. Em 1501, voltou para Florença, de então datando David. Em 1503, o Papa Julius II chamou-o a Roma para construir o seu túmulo, obra interrompida ao longo de quarenta anos. No Vaticano, pintou o tecto da Capela Sistina (1508-12). Após a morte de Julius II em 1513, concluiu Moisés. Em 1527-28, apoiou em Florença a construção das fortificações militares da cidade. Em 1536-41, por encargo do Papa Paulus III, executou os frescos do Juízo Universal na Capela Sistina. Em 1547, foi designado arquitecto da Basílica de São Pedro, tendo concebido a sua cúpula. Faleceu em Roma, a 18 de Fevereiro de 1564. Deixou escrito: «Vivo para o pecado, morrendo para mim mesmo; não é mais a minha vida, mas uma vida de pecado; meu bom céu, meu mal por mim mesmo me foi dado, pelo meu livre arbítrio, do qual fui privado. Ó carne, ó sangue, ó madeira, ó extrema dor, apenas por ti é justificado o pecado no qual nasci e também meu pai. És o único bem; que sua suprema piedade me salve de minha iníqua condição; tão perto da morte e, no entanto tão longe de Deus».


IMAGINÁRiO25
20 FEV 2005 · Edição Kafre · kafre@mail.telepac.pt

PRONTUÁRiO

JOHN CONSTANTINE
- HELLBLAZER

 

          

Uma tremenda viagem aos infernos está prevista e prometida aos cinéfilos corajosos e aos admiradores de Hellblazer: esta série fantástica, consagrada sob chancela Vertigo, dos DC Comics, transfere-se para grande ecrã com Constantine (2005) de Francis Lawrence, sendo protagonista Keanu Reeves assombrado por Los Angeles... Tudo remonta a 1985, quando Alan Moore, abalando a realidade em quadradinhos, decidiu agitar as águas pantanosas de Swamp Thing, atribuindo-lhe um misterioso manager. Três anos mais tarde, John Constantine - aliás JC, aliás Mr Constantine - era já proprietário de Hellblazer (Clive Barker roubou-lhe o título Hellraiser), por Jamie Delano & John Ridgeway. Garth Ennis tornou-se regular argumentista, cabendo a Neil Gaiman ou Grant Morrison sondar-lhe uma ancestralidade mágica, porém equívoca. Em Burnt Toast (1992), Ennis & William Simpson requintaram o (anti)herói improvável, com o vício de fumar, em existencialismo errático por um reino fantástico entre o Céu a Terra. Desafiando a morte na eterna juventude, como um demónio de vida precária, fatal com um requinte irónico, estilizado em estranho culto aristocrático, esquivo a prodígios e exorcismos, Constantine - que em 2025 se tornará um bastardo candidato ao trono de Inglaterra, em Bad Blood por Delano & Philip Bond - é, afinal, um proscrito angélico, uma criatura sobrenatural de Hellblazer, pervertida da inspiração mais prodigiosa, grotesca e trágica em que se perpetuou William Shakespere.

OBSERVATÓRiO

CRAZY KAMASUTRA - Humor e sexo são uma proposta excitante - que em quadradinhos, além dos preconceitos e das convenções, se destina aos leitores adultos. Muitos destes, também apreciadores, há em Portugal - apesar da escassa tradição artística, e de ainda mais rara ousadia editorial. Tendo assumido tal propósito desde a sua criação, a BookTree diversifica a oferta, através de coordenadas com agrado certo - como Crazy Kamasutra de Roberto Mangosi, recriando uma história de sucesso desde os tempos primordiais de Adão e Eva, mais a inevitável Serpente, passando pelo famoso livro do erotismo, segundo a filosofia indiana por Vatsyayana... Um álbum ousado, colorido, provocador e, sobretudo, irresistível - em situações ou comparsas... Ou, como todas as posições possíveis são também imagináveis, por alguns gemidos de prazer sem tradução em palavras ou signos gráficos, com estilo na acrobacia e umas ginásticas gargalhadas!

GIPSY - AS CHAMAS DA SIBÉRIA - Planeta Terra. No Círculo Ártico. A Fortaleza de Zigansk. Numa era glaciar. Uma invasão mongol, uma revolução nacionalista... A banda desenhada de expressão franco-belga explora distintos horizontes e protagonistas. Aos aliciantes da aventura correspondem os temas virtuais. Por tais parâmetros sobressai Thierry Smolderen, cuja notoriedade como argumentista se firmou no século passado, durante a década de ’90, em Nombre ou Hybrides. Após A Estrela do Cigano e O Dia do Czar, este ex-cineasta de fértil engenho regressa com o perturbador sortilégio de Gipsy, sob chancela das Edições Asa. A sofisticada ilustração de Enrico Marini - um nóvel artista suíço, revelado com Rapaces - evoca a mangà nipónica, pelas atmosferas duma saga imaginária e transgressora, propagando As Chamas da Sibéria, à beira do caos. Gipsy é estilizado como um herói do nosso tempo, ousado e romântico - assumindo uma proposta para leitores ávidos de emoções fortes, cuja ressurreição se precipitará, irreversivelmente, em quadradinhos...

MEMÓRiA

1689-10FEV1755 - Montesquieu: «O homem como ser físico, e tal como os restantes corpos, é regido por leis invariáveis».

25FEV1855-1896 - Cesário Verde: «Se eu não morresse, nunca! E eternamente / Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!».

BREVIÁRiO

Círculo de Leitores edita, com Galexia Gutenberg, Dom Quixote de la Mancha (1605) de Miguel de Cervantes.

VISTORiA

 

 

Num lugar de La Mancha, de cujo nome não quero lembrar-me, vivia, não há muito, um fidalgo, dos de lança em cabido, adarga antiga, rocim fraco, e galgo corredor. Passadio, olha seu tanto mais de vaca do que de carneiro, as mais das ceias restos de carne picados com sua cebola e vinagre, aos sábados outros sobejos ainda somemos, lentilha às sextas-feiras. Algum pombito de crescença aos domingos, consumiam três quartos do seu haver. O remanescente, levava no saio de velarte, calças de veludo para as festas, com seus pantufos do mesmo; e para os dias de semana o seu vellorí do mais fino. Tinha em casa uma ama que passava dos quarenta, uma sobrinha que não chegava aos vinte, e um moço da poisada e de porta afora, tanto para o trato do rocim, como para o da fazenda. Orçava na idade o nosso fidalgo pelos cinquenta anos. Era rijo de compleição, seco de carnes, enxuto de rosto, madrugador, e amigo de caça. Querem dizer que tinha o sobrenome de Quijada ou Quesada, que nisso discrepam algum tanto os autores que tratam da matéria; ainda que por conjecturas verosímeis se deixa entender que se chamava Quisana. Isto porém, pouco faz para a nossa história; basta que, no que tivermos de contar, não nos desviemos da verdade nem um til.

 É pois de saber que este fidalgo, nos intervalos que tinha de ócio (que eram os mais do ano), se dava a ler livros de cavalarias, com tanta afeição e gosto, que se esqueceu quase de todo do exercício de caça, e até da administração dos seus bens; e a tanto chegou a sua curiosidade e desatino neste ponto, que vendeu muitos trechos de terra de semeadura para comprar livros de cavalaria a fim de ler, com o que juntou em casa quantos pôde apanhar daquele género. De entre todos eles, nenhuns lhe pareciam tão bem como os compostos pelo famoso Feliciano de Silva, porque a clareza da sua prosa e aquelas intricadas razões suas lhe pareciam de pérolas, e mais, quando chegava a ler aqueles requebros e cartas de desafio, onde em muitas partes achava escrito: «A razão da sem-razão que à minha razão se faz, de tal maneira a minha razão enfraquece, que com razão me queixo da vossa formosura». E também como lia «... os altos céus que de vossa divindade divinamente com as estrelas vos fortificam, e vos fazem merecedora do merecimento que merece a vossa grandeza».
Miguel de Cervantes Saavedra (1547 - 1616) - O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha

 

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O céu parece baixo e de neblina
O gás extravasado enjoa-me, perturba-me;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina


E evoco, então, as crónicas navais
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!
Cesário Verde - Avé Marias - Sentimento dum Ocidental

ANTIQUÁRiO

1575 - Após participar na Batalha de Lepanto - em que a armada de Filipe II de Espanha tentou deter os Turcos pelo Mediterrâneo - na qual perdeu a mobilidade do braço esquerdo, Miguel de Cervantes Saavedra é apresado pelos corsários, quando regressava a Espanha,  e encarcerado em Argel. Cinco anos depois, foi libertado e começou a escrever - primeiro poesia e, mais tarde, a parte inicial de El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de la Mancha.

CALENDÁRiO

1923-15JAN2005 - Victoria de los Angeles: «Ela era a personificação do bom gosto » (Josep Caminal).

18-23FEV2005 - Teatro Nacional de São Carlos apresenta Dionisio, Re di Portogallo de Handel, com libreto de Antonio Salvi; Alain Cartis dirige o agrupamento Il Complesso Barocco.

21FEV-07MAR2005 - No Rivoli e no AMC Arrábida (Porto), decorre o Fantasporto 2005 - 25º Festival Internacional de Cinema do Porto. 

27FEV2005 - No Kodak Theatre de Los Angeles, Sidney Lumet recebe um Óscar honorário atribuído pela Academia de Hollywood.


IMAGINÁRiO24
10 FEV 2005 · Edição Kafre · kafre@mail.telepac.pt

PRONTUÁRiO

DICK TRACY
- DIÁRIO VIRTUAL

 

A saga de Dick Tracy foi lançada em 1931, sob os auspícios do Chicago Tribune, prestigiando-se entre as obras-primas do policial urbano. O autor, Chester Gould contempla a realidade social, em suas margens pervertidas e violências rituais - uma vivência radical, selvática, sob os desígnios da lei e da ordem. Além da justiça, Tracy personificou a vingança original, após o assassínio do pai de Tess Trueheart. Ao longo de décadas, expôs-se ao eterno confronto contra o mal - renascido da ambição, do vício, da paranóia, do sadismo. Os facínoras são monstros estigmatizados, com deformações físicas e anímicas, tendo nomes e alcunhas que denunciam a sua aberração. Sem idealismo, mas fiel às instituições, Tracy casou com Tess em 1949, preservando a noção de família. Gould colhia inspiração nos jornais, definindo Dick Tracy - que enveredou por uma parafernália futurista - como «produto simbólico» da conjuntura ianque: nas sequelas da Grande Depressão, após o crack de Wall Street, contemporâneo à condenação de Al Capone. Teatro, rádio e televisão recriaram Dick Tracy, que o cinema imortalizou: logo em serial (1937-41) de William Whitney & John English, com Ralph Byrd, e filmes clássicos com Morgan Conway (1946-47). Enfim, Warren Beatty dirigiu e protagonizou um feérico Dick Tracy (1989). Actualmente, a tira diária de Dick Tracy é revelada em www.ucomics.com/dicktracy/, a cargo de Dick Locher & Michael Killian.

RELATÓRiO

SIN CITY
- CIDADE EM PECADO

 

Os criminosos controlaram sempre Sin City, sejam mafiosos, jogadores ou políticos. Até que Dame logrou assentar praça em Old Town, e as ruas da parte velha, na cidade em pecado, passaram a ser dominadas por essa vigilante criatura da noite. Os líderes marginais organizam-se, então, para alterar tal situação, e recuperarem Old Town. Para tanto, assalariam rudes mercenários e um sujeito de nome Dwight. De facto, este sabe algo que os seus patrões aprenderão da pior maneira. É que, por vezes, proteger um amigo significa liquidar uma série de gente... Sob insígnia da Dark Horse, assim o lendário Frank Miller re-apresenta Sin City, com nova perspectiva da pulsão urbana, violenta e inexorável. A partir de 1991, cada capítulo desta saga pós-moderna constitui um flagrante virtual do complexo imaginário, em estilizado preto e branco, que tantos imitadores granjeou. A par com A Cidade do Pecado e Mulher Fatal - entre nós, sob chancela Devir - eis a inspiração de Robert Rodriguez - centrado «nas diferentes histórias morais e numa história de amor» - para a transposição de Sin City ao cinema, da qual são protagonistas Josh Hartnett e Marley Shelton, contracenando Mickey Rourke, Bruce Willis, Michael Madsen. Quentin Tarantino dirige uma cena, por um dólar de salário. Segundo Miller, The Big Fat Kill «é o lance mais tenso» do seu épico negro. Desde as primeiras aparições, o anti-herói Dwight «passou por várias mutações. Agora é um sem-lei, com novo rosto, receando apenas que, pelas impressões digitais, a polícia o identifique, procurado por assassínio. Mas, simbolicamente, tornou-se o protector de Sin City».

MEMÓRiA

10FEV1895-1977 - Groucho Marx: «Há cineastas que não sabem inglês, e outros que nada percebem de humor».

BREVIÁRiO

Âncora Editora lança O Deserto Habitado de Júlio Conrado; nova versão dum romance cuja primeira edição foi distribuída uma semana antes do 25 de Abril de 1974.

A revista Empire elege Robert De Niro a maior estrela viva do cinema; em segundo lugar, Al Pacino e, terceiro, Jack Nicholson.

Like a Rolling Stone (1965) de Bob Dylan foi considerada a melhor canção de todos os tempos, por artistas inquiridos pela revista Rolling Stone.

A organização do Turner Prize indica Fonte (1917) de R. Mutt - aliás, Marcel Duchamp - como a mais influente peça da arte moderna; escolha entre quinhentos artistas, críticos, historiadores e conservadores de museus.

VISTORiA

 

Agora, paro um pouco de escrever; apenas um pouco. De seguida escrevo três frases, que irei aproveitar, mais adiante, certamente irei aproveitar mais adiante, neste romance: «Foi uma vida tão desgraçada que faria vacilar qualquer fé.» «Já custa muito dizer adeus e não queria torná-lo mais difícil.» «E porque um homem chegou ao fim não quer dizer que terminou.» E logo depois ponho Francisco José Conde a escrever: «Deves pensar no que sabes fazer e não no que não sabes.» De que estava eu a falar? Ah!, já me lembro: de amor, estava a falar de amor. E procedo de forma a Francisco José Conde escrever por mim: «O amor torna a vida difícil àqueles que a têm fácil.» Sabe-se: os melhores presentes são os não desejados, os que não esperamos. Sei, e faço com que Francisco José Conde saiba, que a actividade de escrever é demasiado natural, e de certa forma transcendente, para se reduzir às consequências de um ofício.
Baptista-Bastos - O Cavalo a Tinta-da-China (1995)

 

 Através dos vitrais e das janelas coa-se uma luz sanguínea e laranja, oscilante, por vezes intensa, semelhante ao reflexo dalgum incêndio que lavrasse em ruas próximas.

O oratório que se avantaja de modo ostensivo numa das zonas do aposento tem abertas, de par em par, as enormes portas escuras, trabalhadas. Os reflexos de luz avermelhada penetram no seu interior e iluminam a estátua de Nossa Senhora que se evidencia ao centro, tingindo-a com cambiantes de fogo; a mesma luz ardente realça os dois círios a cada lado da estátua, bem como os ramos de flores a seus pés.

Jusino acende os círios com lenta e compenetrada devoção, e vai buscar uma vassoura e uma pá com que recolhe os restos das vidrarias que ficaram partidas e espalhadas pelo sobrado. Em seguida deita-as para dentro dum caixote.
António de Macedo - As Furtivas Pegadas da Serpente (2004)

 

Nasce, algures no céu, o sol, não que eu os veja, ao céu e ao sol, mas é como se os visse ao reparar na mudança da cor dos vidros das janelas, brilhando em clarões de alegria. O homem da poluição do ar continua à espera de um rasgo que o imobilize no mundo de papel escrito, o ressonar da Velha vem agora acompanhado de um silvo de locomotiva, o tempo urge porque a manhã ganha, aos poucos, a sua luminosidade empolgante. Escrevo como se fosse um pássaro a roçar proas arrogantes e delas partisse para um voo planado, rente às águas da enseada amena, tornando depois não às proas mas aos cascos flutuando na culpa morna do medo que se apossa de embarcações tão velhas e tão podres que só mesmo as proas ignoram o perigo de afundamento por serem de natureza altiva e nessa prosápia congénita justificarem a índole complacente e também o desconhecimento do seu próprio, próximo, destino.
Júlio Conrado - O Deserto Habitado (1974-2004)

ANTIQUÁRiO

1845 - Alfred Vail (1807-1859) edita o panfleto The American Electro Magnetic - Dots, Lines and Spaces Created on Board the Packet Sully, By Prof. Samuel F.B. Morse. Mecânico e inventor, Vail fez parceria com Morse após a sua demonstração pública do aparelho telegráfico, em Setembro de 1837, contribuindo para melhorar os instrumentos, em especial o relé.

A intervenção de Vail foi, ainda, decisiva no aperfeiçoamento do Código Morse - cuja autoria, após a sua morte, a filha Amanda reclamou para o progenitor.

1985 - Frank Miller recupera de Denny O’Neill e Klaus Johnson as façanhas esparsas de Daredevil, aliás Matthew Murdock, aliando-se a David Mazzucchelli, Bill Sinkiewicz ou John Romita Jr. Tendo por signo nefasto A Queda de Murdock, agiganta-se Wilson Fisk, ou Kingpin, o pérfido Rei do Crime - que, após acesso à personalidade secreta do Demolidor, desenvolve uma meticulosa conspiração para abatê-lo pela desonra.

NOTICIÁRiO

O Primeiro Telégrafo - O Governo americano deseja comprar o aparelho telegráfico, como curiosidade histórica. Esse aparelho foi construído por Alfred Vail, e deve custar nove contos de réis.
21JUL1888 - Diário de Notícias

CALENDÁRiO

27JAN-25MAI2005 - No Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem/CNBDI (Amadora), decorre a exposição Desenhar a Música de Mestre José Garcês.

12FEV2005 - Festival de Cinema de Berlim/Berlinale 2005 apresenta O Couraçado Potemkine (1925) de Sergei Eisenstein; restaurado, sem cortes nem censura, com intertítulos em russo e as palavras de abertura de Leon Trotsky.

VISTORiA

A escala social de Hollywood é alta e causa vertigens e, precisamente abaixo do degrau do fundo, encontrará, se olhar bem de perto... Ora, continue a ler.

São vinte e três horas, e estou sentado na cama com as obras completas de Sir Walter Scott e um copo de leite quente. Não pense que tenho estado toda a noite na cama. De facto, acabei de chegar de um jantar. Encontravam-se lá seis pessoas, incluindo a anfitriã e o marido. Antes de comer, bebemos um copo de xerez cada um e, depois da refeição, tomámos um licor e conversámos durante duas horas. Às dez e meia, os bocejos generalizaram-se e, cerca das onze, já estava na cama.

Após trinta anos em Hollywood, cheguei à conclusão, lenta e relutantemente, de que sou um autêntico falhado social.

Groucho Marx - Memórias de Um Pinga-Amor (1963)


IMAGINÁRiO23
01 FEV 2005 · Edição Kafre · kafre@mail.telepac.pt

PRONTUÁRiO

 RANTANPLAN
- LOUCURA & AVENTURA

 

Por um Oeste sempre aventuroso, irónico e remitificado, o que pode ser pior para um inexorável e feroz pistoleiro, do que enfrentar o homem que dispara mais rápido do que a própria sombra? Sem dúvida, é cair nas graças e desgraças de Rantanplan, em todo o mundo o cão mais estúpido do que a própria sombra! Os incondicionais de Lucky Luke ficaram embasbacados e logo rendidos - quando, em 1962, um animal tão simpático quão imbecil surgiu no imaginário do poor lonesome cowboy que, a long long way from home, seguia A Pista dos Dalton. Os efeitos foram de tal modo devastadores e histriónicos, que o talentoso criador Morris - aliás, Maurice de Bévère - optou por emancipá-lo em 1987. Entretanto, a saga de Rantanplan - agora, em lançamento pelas Edições Asa - passou da Dargaud para as Lucky Productions e reaparece, com a assinatura referencial de Morris, nos álbuns A Mascote (1987) de Xavier Fauche & Jean Léturgie, Os Génios (1996) e O Aselha 2 (1998), por Bob de Groot & Vittorio Leonardo. Enfim, tudo começa num regimento de elite do 7º de Cavalaria, representante máxima da civilização em território hostil. Continua numa bela noite de 1875, com o rapto de Averell Dalton da prisão. E acaba nas pradarias do Oeste selvagem, expondo a natureza ao risco animal... O resto é manha, glória e matreirice, porque há uma menina que gosta, mesmo, do Jolly Jumper!

RELATÓRiO

HOMEM-ARANHA
- RAÍZES

 

No Universo ritual dos Marvel Comics, uma autêntica revolução artística entre super-heróis e hipervilões, a partir de 2001, deixou o Homem-Aranha à beira dum ataque de nervos, enquanto ia celebrando quarenta anos de aventuras. Concebido pelo genial Stan Lee, Spider-Man apareceu em 1962, na Amazing Fantasy, logo se emancipando no ano seguinte, ao estremecer a teia com um toque feminino. Entretanto separado de Mary Jane, o corajoso trepa-paredes assenta agora Raízes - por J. Michael Straczynski (argumento) & John Romita Jr (ilustração) - sob chancela Devir, para enfrentar o intolerável Ezequiel, que parece rivalizar em proezas com Spider-Man e, mantendo um pérfido mistério, conhece a sua identidade secreta de Peter Parker! Sempre em mais dilemas e adversidades, este volta como Homem-Aranha 2 de Sam Raimi - editado em DVD, por Columbia TriStar - sendo protagonista Tobey Maguire. Um desafio múltiplo, a partilhar por leitores e cinéfilos!

MEMÓRiA

05JAN1805-1862 - Manuel da Silva Passos, aliás Passos Manuel: «Um bom principio vale mais do que um homem».

18JAN1925-1995 - Gilles Deleuze: «Não há uma diferença quantitativa entre memórias recentes e antigas».

01FEV1895-1973 - John Ford: «Adoro fazer filmes, mas detesto falar sobre eles».

1900-08FEV1985 - José Gomes Ferreira: «Devia morrer-se de outra maneira. / Transformarmo-nos em fumo, por exemplo. / Ou em nuvens.»

BREVIÁRiO

Autora edita 1, 2, 3… de Lucia Vasconcelos; a fotografia em germinal álbum de família.

Lusomundo lança em DVD, A Filha de Solveig Nordlund.

Assírio & Alvim edita A Imagem-Movimento - Cinema I de Gilles Deleuze; tradução de Rafael Godinho.

Preâmbulo Edições lança Contos Fantásticos, com Fantasporto 2005; colaboração de António Pascoalinho, António Rebordão Navarro, Beatriz Pacheco Pereira, Edgar Pêra, Elmiro de Sousa, Helder Pacheco, José de Matos-Cruz, José Viale Moutinho, Lauro António, Nuno Markl, Pedro Bandeira Freire, Pedro G. Rosado, Rui Reininho e Rui Zink.

Universal edita em DVD, Um Assassino Pelas Costas (1971) de Steven Spielberg.

Bertrand e FMR (Franco Maria Ricci, Itália) editam a Bíblia dos Jerónimos (Século XV) do franciscano Nicolau de Lira.

TRAJECTÓRiA

JOHN FORD
- O CINEMA ESSENCIAL

 

«Sou irlandês de origem, mas de cultura western. O que me interessa é o folclore do Oeste, mostrar o real, ser quase documentarista. Já fui cowboy. Gosto do ar puro e dos grandes espaços. O sexo, a obscenidade, os degenerados e outras coisas desse tipo, não me interessam» - assim falava John Ford, sintetizando uma personalidade forte, autêntica, características de que impregnou os seus próprios filmes. Mais de cento e trinta, ao longo de cinquenta anos, numa carreira que culminaria em 1966. Concensual, prodigioso, eis um dos grandes mestres e monstros do cinema. Além das virtualidades estéticas e dramáticas, sobressai a dimensão épica de um autor, que alia a simplicidade clássica ao poder do espectáculo, o elã da aventura ao rigor do humanista. Expressão formal estilizada pela emoção, o envolvimento colectivo, o culto e o mito, o lirismo e a transfiguração do imaginário.

Sean Aloysius O’Fearna (O’Feeney) nasceu com o cinema - a 1 de Fevereiro de 1895, em Cape Elizebeth (Maine). Os progenitores eram irlandeses, proprietários de um saloon. O mais jovem de onze filhos, estudou num Colégio em  Portland, sendo chumbado no exame de admissão à Academia Naval de Annapolis. Trabalhou numa loja de calçado e, por 1913, frequentava a Universidade do Maine. Então, decidiu partir para Hollywood, juntando-se a um irmão mais velho treze anos, o realizador Francis Ford. Começando como actor-duplo, aderecista e assistente, em 1917 - contratado por Carl Laemmle, para a Universal - lançou-se como director, sob o nome artístico de Jack Ford, em especial de curtos westerns com Harry Carey. Seis anos depois, mudou para John Ford - em homenagem ao dramaturgo elizabetiano, e porque John era a expressão inglesa de Sean. Entretanto, estalou a II Guerra Mundial. Já com um estatuto prestigiado, John Ford foi mobilizado em 1942, para a Marinha dos Estados Unidos. Finalmente, cumpria a sua grande paixão pelos oceanos, chefiando ainda os Serviços Cinematográficos no Pacífico - e recebeu Oscars por dois dos seus quatro documentários, The Battle of Midway e December 7th. Durante a Batalha de Midway, em 1943, perdeu o olho esquerdo. Terminado o conflito com o posto de Contra-Almirante, recebeu as mais altas condecorações. Em 1954, o guerreiro-cineasta foi promovido a Almirante.

Ao tempo do mudo, sobressaem as suas relizações O Cavalo de Ferro (1924), Três Patifes (1926) e Quatro Filhos  (1928). Amadurecido pelo sonoro, Ford deixou indeléveis - na história do cinema - A Patrulha Perdida (1934), O Denunciante (1935 - Oscar), Tormenta a Bordo (1940), O Meu Vale Era Verde (1941 - Oscar) ou A Paixão dos Fortes (1946). Os seus heróis são mais propensos à acção do que à conversa, apreciam a camaradagem, possuem uma ingenuidade inata, embora instintivamente atraídos para o bem, mesmo em causas perdidas. Nos filmes que assumiu, empolga um fascinante engenho narrativo, sagrando a natureza, na qual o desafio humano se integra entre o desígnio e a sobrevivência. Era sua predilecção rodar no Monument Valley, na zona entre Utah e Arizona. Uma visão aparentemente populista sagra, afinal, o envolvimento de massas no qual se recorta o vulto solitário dos protagonistas, o carácter estimulante dos seus secundários. Entre os actores favoritos, distinguem-se John Wayne, Ward Bond, James Stewart ou Henry Fonda.

Tendo falecido aos 78 anos (em 31 de Agosto de 1973), vítima de um cancro, John Ford foi ainda galardoado com o Oscar por The Grapes of Wrath [As Vinhas da Ira] (1940) e O Homem Tranquilo (1952), embora os seus filmes se tornassem no pós-guerra - enquanto a lenda crescia, entre cinematecas e cine-clubes - menos bafejados pelo êxito junto do público ou o sucesso comercial. No entanto, o cineasta íntegro, coerente e arrebatador ressalta ainda em Homens para Queimar (1945) ou O Homem Tranquilo (1952), além da imprescindível saga western - por Forte Apache (1948), Os Dominadores (1949), A Caravana Perdida (1950), Rio Grande (1950), A Desaparecida (1956) ou O Homem que Matou Liberty Valance (1961).

CALENDÁRiO

29DEZ2004 - Manuel António Pina é distinguido com o Prémio Luís Miguel Nava.

27JAN2005 - Atalanta Filmes estreia O Quinto Império - Ontem Como Hoje de Manoel de Oliveira.

FEV2005 - Casa de Serralves, no Porto, expõe João Penalva em Obras de Carácter Narrativo - com recurso ao vídeo,  texto, fotografia, desenho, som.

 VISTORiA

 
Porque é que este sonho absurdo
a que chamam realidade
não me obedece como os outros
que trago na cabeça?

Eis a grande raiva!
Misturem-na com rosas
e chamem-lhe vida.

José Gomes Ferreira - As Tormentas

ANTIQUÁRiO

1595 - Christolph Margraf sugere ao Imperador Rodolfo II, em Augsburgo, a manufactura de relógios que seriam regulados pelo Princípio de Galileu, segundo o qual qualquer corpo redondo, colocado num plano com a mesma inclinação, percorre uma distância idêntica, rolando durante igual período de tempo. A propósito, explica ao Imperador a impossibilidade de obter, por meio de tais relógios, o movimento perpétuo.

1865 - Em Inglaterra, é fundado o primeiro Alpine Club do Mundo. Os britânicos foram pioneiros, ao converterem o alpinismo num desporto, e inventaram todos os artefactos que, como o piolet e os grampos, tornaram possível o desenvolvimento subsequente do montanhismo. Os originais praticantes eram uma mescla de geólogos, geógrafos e aventureiros que, nas suas mochilas, suportavam pesados instrumentos de medição - como barómetros, termómetros e teodolitos.



IMAGINÁRiO22
20 JAN 2005 · Edição Kafre · kafre@mail.telepac.pt

PRONTUÁRiO

 WILL EISNER
- O ESPÍRITO E A AVENTURA

 

William Erwin - aliás, Will Eisner -  nasceu em Brooklyn, Nova Iorque, a 6 de Março de 1917. Filho de emigrantes judeus, estudou na De Witt Clinton High School, de Bronx. As suas primeiras bandas desenhadas foram publicadas em Wow - What a Magazine!, em 1936, seguindo-se a saga Hawks of the Seas, as aventuras de Sheeena, Queen of the Jungle e de BlackHawk. Em 1940, criou o fabuloso The Spirit, um detective mascarado e desprovido de super-poderes, que combate o crime em Central City. Durante a II Guerra Mundial, fez cartazes e cartoons de propaganda. Em 1946-50, retomou The Spirit, que teria sucessivas reedições. Entretanto, fundou a American Visuals Corporation. Em 1965, Jules Feiffer - seu antigo assistente - considerou-o «um tesouro nacional». A partir de 1977, concebeu e desenvolveu as graphic novels - destacando-se A Contract With God (1978) - que narra a vida dos habitantes em Bronx, próximo da zona onde Eisner viveu; ou, sob chancela Devir, O Grande Jogo (2000) - a história do sonho americano entre a ambição e o pesadelo, o fascínio e decepção. Foi professor na School of Visual Arts em Nova Iorque, e autor das obras Comics and Sequential Art (1985) e Graphic Storytelling (1996). A partir de 1988, o Prémio Eisner tornou-se um dos mais prestigiados galardões da bd nos Estados Unidos - alguns dos quais lhe foram atribuídos, além de vários Prémios Harvey. Em 2002, o magazine Wizard considerou-o «o mais influente artista de quadradinhos de todos os tempos»; e a National Federation of Jewish Culture conferiu-lhe o Prémio Liftime Achievement. Em 1994, esteve em Portugal, no Festival da Amadora. A sua última obra, The Plot: The Secret Story of the Protocols of the Elders of Zion será publicada em Maio de 2005, com prefácio de Umberto Eco. Faleceu em 3 de Janeiro de 2005, na Florida, devido a complicações decorrentes de uma cirurgia ao coração.

BREVIÁRiO

Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema edita D.W. Griffith, com organização de Maria João Madeira e Luís Miguel Oliveira.

RELATÓRiO

 THE SPIRIT
- O MORTO-VIVO

 

Will Eisner criou The Spirit em Junho de 1940, como aventura de sete pranchas num suplemento dominical em quadradinhos, com publicação nos jornais americanos. Meses depois, e durante os quatro anos em que cumpriu o serviço militar, foi substituído por Jack Kirby, Lou Fine, Joe Simon ou Jules Feiffer. Em Janeiro de 1946, assinalou o regresso numa irónica, mas alusiva ressurreição do paladino, pois Spirit - aliás «Denny Colt, famoso combatente do crime» - era considerado morto. Em 1950-52, continuou a saga Wallace Wood. Quatro decénios depois, Eisner confessava: «Tudo o que um autor pode fazer, é colocar o seu herói em determinada situação, e observar como se vai desenvencilhando». Aliás, quando Spirit «apareceu, todas as boas ideias já tinham dono» - lastimou-se, no testemunho Quem É Spirit?. Pelo final dos anos ’60, o artista elaborou alguns episódios e redesenhou o primeiro, cujos originais haviam desaparecido. Mas aquela questão permaneceria obscura - mais sobre o carácter e a tenacidade de Colt, que no mistério duma identidade, tão só resguardada por pequena máscara, ou sob os artifícios do macabro cenário que lhe serve de refúgio: o cemitério Wildwood, próximo de Central City - onde, privilegiadamente, decorrem as proezas de Spirit. Uma acção trepidante, romântica, inexorável, sensual, fantasista, partilhada quanto aos bons pelo Comissário Nolan, sua filha Ellen em secreta paixão, e pelo pequeno negro Ebony White. Segundo a lenda, Colt era um novel criminólogo, que perseguia o perverso Doutor Cobra. Após uma trágica reacção química, voltará como espectro justiceiro, mas com a vulnerabilidade e a afeição humanas. Um grafismo prodigioso, revolucionário, realista ou de expressão onírica; as virtualidades ficcionais e a complexidade psicológica das personagens, típicas do genial Will Eisner, determinaram a modernidade e o culto sobre The Spirit, em sua cruzada trepidante e virtual.

VISTORiA

 

 

Rafael Bordallo foi um artista eminentemente progressivo. Como caricaturista, como ceramista e até como estatuário, satisfez essas condições máximas. Antes de Bordallo, em Portugal, a caricatura não ia muito além duma tentativa infantil. Ele veio, num período de luta e de indecisão para a Arte Portuguesa, quando sobre tabiques românticos erguidos em entulhos clássicos se construíam águas-furtadas naturalistas. Ele veio com a sua cabeleira de romântico e o seu monóculo de observador, e topou no entulho, encostado aos tabiques, toda transida e a tremer, uma caricatura seca, enfezadinha, mal nascida e moribunda. Pegou nela, mirou-a, acariciou-a e sorriu-se. Aquele sorriso luminoso, aquele sorriso superior foi para a pobre enfezadinha, que até ali só vivera de ódios, a ressurreição e a esperança. Ele, então, transformou-a. Deu-lhe forma, deu-lhe força, deu-lhe vida, deu-lhe originalidade; e, pela escolha dos assuntos, pela análise contínua do nosso viver político, pela compreensão das tendências nacionais, pela sua grande confiança no futuro - sempre trazendo a caricatura atenta - contribuiu mais que qualquer tratadista dogmático para que entre nós a crítica social se desenvolvesse, independente, nos espíritos e a esperança nascesse nas almas frouxas. Foi um reformador, não só da Arte, mas dos costumes. Foi reformador... e talvez um precursor.

O português até ali não soubera rir. Era sorumbático e encolhido, apegando-se à tradição, sem pensamento nem critério, por hábito já inveterado, como uma beata, de cangalhas no nariz, e gato no regaço, se apega ao seu rosário. Com a caricatura política ele libertou-o da melancolia e da tradição, isto é, da instituição. Fazendo-o rir, tornou-o mais agudo, mais liberal, mais independente. Do riso nasceu a liberdade de crítica, a liberdade natural de quem reconhece que tem direito a ser o que é, independentemente do que os outros já foram. Se politicamente em Portugal, isto pode parecer revolução, em Arte é Progresso; e aí está porque digo que Rafael Bordallo foi como artista, eminentemente progressivo.

Logo no Álbum das Glórias a caricatura de Fontes - caro como o oiro - se desenha em linhas sóbrias, mas profundamente sugestivas. Aí se encontra já o poder criador do Artista na figura da Universidade e, sobretudo, na admirável síntese, criação genial de ironia e amor, que enche ao depois toda a obra de Bordallo e é um dos seus melhores títulos de glória: Zé Povinho, o soberano. A sua independência manifesta-se logo na primeira fase da sua obra, que é O António Maria, onde estão talvez as suas melhores composições de detalhe e os seus mais fundos ataques à política arbitrária dos homens-ídolos.

É a fase política, a que se segue a fase que se poderia chamar social: Pontos Nos ii. Aí o seu espírito, já mais sereno, observa a vida portuguesa com mais imparcialidade e mais risonho cuidado. Mas com a vida activa, vem a experiência, vem o cansaço, vem o cepticismo também; o labor aumenta, multiplicam-se-lhe as aptidões. O Artista, na sua oficina das Caldas, continua como louceiro o seu inquérito à vida nacional. Tem um riso de esperança, confia na sua obra, cria jóias de altíssimo valor... Curto instante de renascença artística! O público não compreende ainda, os governos abandonam-no, e o grande homem, com uma lágrima a adoçar-lhe o riso irónico, de cabeleira já grisalha e monóculo suspenso na mão trémula, de novo se volta para a caricatura, vestindo-a, como um bom amante, de novas galas...

É a sua última fase, e o título da obra define ainda o estado de alma do Artista. Se luta e cria, é por dever, por necessidade talvez; porque parece que já não vale a pena, no meio dessa indiferença geral, dessa incompreensão dos dirigentes, desse arremedo da vida nacional, lutar e criar. Não vale a pena...

Isto já nem é vida de confiança nem sequer marcha do progresso. Não há sinceridade nem critério. Isto não é vida real, é uma comédia, é uma Paródia. E o que é a Paródia? Ele mesmo o diz: «é a caricatura ao serviço da tristeza pública, é a dança da Bica no cemitério dos Prazeres».
A.M. - O Círculo das Caldas (20FEV1910)

NOTICIÁRiO

Raphael Bordallo - O distinto artista Raphael Bordallo Pinheiro chegou às Caldas da Rainha no dia 4, com a família, e foi entusiasticamente recebido na estação de caminho-de-ferro por todos os operários da Fábrica de Faianças, os quais iluminaram com archotes a sua passagem até à vila, fazendo estrondear grande número de foguetes.
09JUL1888 - Diário de Notícias

MEMÓRiA

22JAN1875-1948 - David Wark Griffith: «Creio firmemente que chegará o dia em que os grandes filmes poéticos serão comparáveis ao melhor teatro tradicional».

1846-23JAN1905 - Raphael Bordallo Pinheiro: «Nunca cursei academias. Tenho o curso da Rua do Ouvidor... Cinco anos. Canto de ouvido».

CALENDÁRiO

1931-17DEZ2004 - Tom Wesselmann: «Pretendia que uma espécie de movimento fluísse além do quadro, e algumas coisas, especialmente detalhadas, poderiam refrear este movimento».

1933-28DEZ2004 - Susan Sontag: «A depressão é a melancolia menos os seus encantos - a agitação e as crises».

1910-30DEZ2004 - Artie Shaw: «Já fiz tudo o que poderia fazer com um clarinete».

1923-02JAN2005 - Frank Kelly Freas: «Nas suas ilustrações, ele criou o futuro» (Paul Levitz).

1917-03JAN2005 - Will Eisner: «O estilo é o resultado do nosso fracasso para atingir a perfeição».

06JAN-06FEV2005 - No Teatro Paulo Claro, Artistas Unidos apresenta Tão Só o Fim do Mundo de Jean-Luc Lagarce, com encenação por Alberto Seixas Santos.

21JAN-20FEV2005 - No Centro Cultural de Cascais, a Fundação D. Luís I apresenta Exposição de Pintura de Luís Ralha, aprofundando as linhas estéticas da sua obra.


IMAGINÁRiO21
10 JAN 2005 · Edição Kafre · kafre@mail.telepac.pt

PRONTUÁRiO

ASTÉRIX - 45 ANOS

 

Astérix o Gaulês tem-se caracterizado, sob chancela de Les Éditions Albert René, pelo lançamento mundial das novas aventuras deste irresistível épico em quadradinhos - do qual já se venderam 300 milhões de álbuns em 107 línguas e dialectos! Ou seja, mais de duas vezes a volta da Terra, para gáudio e culto de sucessivas gerações. Entretanto, comemorando Astérix - 45 Anos, a saga continua com toda a pompa clássica - em nostálgica evocação dos progenitores René Goscinny & Albert Uderzo - numa apresentação monumental pelas Edições Asa, numerada e certificada com selo branco, registando-se entre os títulos mais recentes: O Grande Fosso (1980), A Odisseia de Astérix (1981), O Filho de Astérix (1983), As 1001 Horas de Astérix (1987), O Pesadelo de Obélix (1996), Astérix e la Traviata (2001), além de Astérix e o Regresso dos Gauleses (2003). Como sempre, estamos numa aldeia da Gália, ainda não dominada pelos romanos, quanto ocorre o que os nativos tanto temiam, mas que até os fanáticos nunca esperavam. E o desafio que se nos coloca, redobrando a atenção e coragem, é participarmos directamente na acção, repetida por distintas peripécias, em múltiplas proezas e situações... Boas leituras, por Toutatis!

RELATÓRiO

OS SUPER-HERÓIS

 

Prenunciando a rotura entre a Disney e a Pixar, após uma aliança de sucesso que, desde os anos ’90 do Século XX, consubstanciou a ressurreição do cinema animado, Os Super-Heróis (2004) de Brad Bird vem culminar uma experiência fenomenal, quanto ao processamento artístico e tecnológico ante os prodígios do imaginário. Com inspiração original em sagas dos quadradinhos, como Fantastic Four ou X-Men, revitalizada pela acção aventuresca ao estilo James Bond, Bird sagra uma alegoria sobre os dilemas da normalidade e da diferença, numa sociedade contrastada quanto aos ideais democráticos. Em causa está um clã com poderes extraordinários - Mr. Incredible possui força sobre-humana, ElasticGirl tem o dom da flexibilidade, a filha Violet torna-se invisível, o filho Dash é rapidíssimo... Porém, os Parr vivem como qualquer família vulgar, incógnitos e sob alçada dum Programa de Protecção de Testemunhas, a que o Governo submeteu os paladinos mascarados, após uma série de processos judiciais movidos por cidadãos comuns que, aparentemente, beneficiaram com as suas proezas! Até que a premente salvação do Mundo reactiva The Incredibles, atraídos a uma ilha remota em missão secreta de ameaças e armadilhas, para combaterem o perverso Syndrome... Acção e humor estilizam esta animação revolucionária gerada por computador (CGI), em sofisticação electrónica e respectivas vanguardas estéticas: uma fusão visionária entre a pesquisa tridimensional, e os efeitos qualitativos de textura, detalhe, luz e cor. 

CALENDÁRiO

1919-17DEZ2004 - Natércia Freire: «Nada tive que era meu / e o corpo não quero eu». 

17DEZ2004 - O artista Álvaro Lapa é distinguido com o Prémio EDP 2004.

18DEZ2004 - Mário Cláudio é distinguido com o Prémio Pessoa, uma iniciativa do Expresso e da Unisys.

22DEZ2004 - Radiotelevisão Portuguesa e Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema assinam um protocolo de transferência do acervo em suporte fílmico da RTP, para depósito e tratamento no Arquivo Nacional das Imagens em Movimento/ANIM.

1922-19DEZ2004 - Renata Tebaldi: «Sucessos, satisfação e sacrifícios. Cantar foi o meu objectivo de vida».

19DEZ2004 - Luís Miguel Cintra recebe o grau de Oficial da Ordem das Artes e das Letras, atribuído pelo Governo de França.

13JAN-13FEV2005 - No Teatro Paulo Claro, Artistas Unidos apresenta Marcado pelo Triplex de Antonio Onetti, com encenação por João Meireles.

14JAN-20FEV2005 - No Centro Cultural de Cascais, a Fundação D. Luís I apresenta Exposição de Escultura de Alberto Carneiro, incluindo um conjunto de obras recentes.

VISTORiA

 

Praticamente isolado - até dos próprios condiscípulos, que, prudentes e previdentes, tratavam apenas de conseguir notas altas, de arranjar bons casamentos, de preparar o futuro, sem quererem saber de mais nada -, parecia uma alma penada a caminho das aulas ou a vaguear pelas enfermarias. Nas horas de maior desespero, ia pedir à arte um pouco de alívio. E, em vez de mitigar, exacerbava o sofrimento. A consciência perfurante das minhas limitações, e a dificuldade expressiva, que me fazia quase chorar de raiva sobre cada frase, transformavam o acto criador num auto inquisitorial, onde eu fazia simultaneamente de juiz, de carrasco e de réu. Passada a euforia colectiva do tempo da Vanguarda, o sentimento íntimo, que sempre tivera, e que motivou em parte a cisão, de que o artista era um penitente solitário a enfrentar o absoluto, recrudesceu. Aos levianos e petulantes fogos de artifício de então, opunha agora uma severa, surda e obstinada luta contra as sombras da própria inspiração.
Miguel Torga - A Criação do Mundo - O Terceiro Dia (1938)

INVENTÁRiO

NEIL GAIMAN
E OS SONHOS

 

Quando a série The Sandman principiou em 1989, para sempre revolucionou o universo imaginário. E ao suspender-se, em 1996, os fanáticos não só temeram a morte de Morpheus e lastimaram o termo de uma obra-prima, ansiando pelo despertar do Senhor dos Sonhos, como se inquietaram quanto à expansão duma criatividade tão fascinante, sensível e inteligente. Afinal, o futuro em breve reincidiria a magia virtual de Neil Gaiman - o mais inspirado e versátil autor da banda desenhada pós-moderna - celebrando uma convergência prodigiosa entre mundos visionários, logo através de narrativas curtas, emocionantes, sobre o maravilhoso e o sobrenatural. Assim, Gaiman rompeu todas as convenções romanescas, fundiu arquitecturas ficcionais, aprofundou os etéreos paradoxos de uma alternidade humana, atraindo notáveis talentos gráficos - entre os quais um fabuloso quão versátil Dave McKean,  ilustrador de dois irresistíveis álbuns editados por Vitamina Bd, em que consagra o olhar das crianças com uma piscadela aos adultos: O Dia Em Que Troquei o Meu Pai Por Dois Peixinhos Vermelhos (1997) - sobre um miúdo que prefere Sawnney e Beaney num aquário ao progenitor, pois fala pouco e está sempre a ler o jornal; e Os Lobos Nas Paredes (2003) - que soam à menina Lucy como murmúrios e sussurros, mas os outros não acreditam nela, até que um dia...
Ali de visita, em ambas as aventuras, a Rainha da Melanésia testemunhará o extraordinário momento em que tudo reconverte, entre baldrocas e peripécias, acabando sempre por resgatar a casa e a família. Embora qualquer fim feliz seja, apenas, mais uma ironia matreira e mutante!

MEMÓRiA

1965 – O primeiro satélite espacial de França é baptizado com o nome Astérix.

1907-17JAN1995 - Miguel Torga: «Liberdade, que estais em mim, / Santificado seja o vosso nome».

OBSERVATÓRiO

OS CAMPEÕES - SAD - Continuando a atrair milhares de adeptos aos estádios, o futebol rivaliza o espectáculo clubista, sob a emoção popular, com um culto emblemático, cujo fenómeno colectivo envolve atletas, treinadores, forças de segurança, e convoca analistas, sociólogos ou... autores de banda desenhada. Tanto as fintas e jogadas de arrasar entre as quatro linhas do relvado, como os negócios que ao mais alto nível rendem milhões, tudo é pretexto para humor em quadradinhos, com ampla inspiração entre nós e além-fronteiras. Sob chancela BookTree, Gürsel prolonga Os Campeões num desafio clássico, já em três volumes, quase sem palavras e com muitos esgares; quanto a Gonçalo Garcia, concebe SAD ao estilo Rent-a-Player, para fornecer craques a plantéis e selecções nacionais... No fundo, disputando a singularidade e a universalidade do desporto-rei, tudo culmina entre a derrota e a desforra - que a banda desenhada recompensa com ironia, até à hilaridade!

ANTIQUÁRiO

1865 - Nos Estados Unidos, H.B. Horton obtém a patente de um mecanismo melhorado sobre o Calendário Perpétuo, a qual considerava oito aspectos específicos. Mais tarde, tal conceito foi aperfeiçoado com nove adicionais especificidades. Horton tentou vender a sua patente a Seth Thomas, de Waterbury. Este propôs-lhe comprar os direitos da patente por trezentos dólares. Então, Horton convenceu três outros indivíduos de Ithaca a investirem, cada um deles, duzentos dólares, constituindo assim uma companhia para fabricar o aparelho a partir do invento. Com outros duzentos dólares de Horton, a nova Ithaca Calendar Clock Co iniciou a laboração graças a um capital de oitocentos dólares.

1935 - Para explorar um envolvimento realista, em produções do cinema de animação, os Estúdios Walt Disney dispõem de uma truca multiplana - sistema que facilita a decomposição dos desenhos em espectros independentes, atribuindo ao imaginário uma maior profundidade de campo.

07JAN1985 - Destruídos pelo fogo durante a rodagem de A Lenda de Floresta (1985) de Ridley Scott, conclui-se a recuperação dos estúdios habituais da série James Bond 007 no complexo Pinewood, próximo de Londres, sendo imortalizados como Albert R. Broccoli 007 Stage.


IMAGINÁRiO
Números de 1 a 10
Números de 11 a 20


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