José de Matos-Cruz


IMAGINÁRiO96
24 AGO 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

FELICIDADES

 Colaborador da revista Rolling Stone aos dezasseis anos, e antigo jornalista motivado pelos privilégios da ficção, numa perspectiva pessoal e romântica, Cameron Crowe distinguiu-se com duas nomeações aos Oscars por Jerry Maguire (1996), aliás Tom Cruise que reincidiu em Vanilla Sky (2001). Numa perspectiva pessoal, o desafio determinante processou-se quando ainda havia ídolos, Quase Famosos (2000). Voltando a tempos de crise, o escritor/cineasta acentua as alternativas de um mancebo envolvido pelos dilemas da maturidade e do desenraizamento, até à viragem casual mas decisiva, durante uma viagem às origens em circunstâncias penosas. Eis Elizabethtown (2005) - com edição em DVD, sob chancela Lusomundo - a cidade natal, no Sul, onde Drew Taylor, um estilista de sapatos desportivos recém despedido, regressa para assistir ao funeral do pai. No avião, conhece Clare, hospedeira de bordo, divertida e optimista, que logrará inspirar o seu rumo entre as vivências do coração... Orlando Bloom e Kirsten Dunst encarnam, com sugestivo ensejo de emoções e peripécias, as virtualidades do casal modelo ao conjugar os desígnios humanos, sob a expectativa de um epílogo feliz.

CALENDÁRiO

MAI-15OUT2006 - Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão da Fundação Calouste Gulbenkian expõe Dominguez Alvarez - 770, Rua da Vigorosa, Porto.

1932-18MAI2006 - Ema Paul: Actriz de teatro, cinema e televisão, a sua carreira esteve ligada à Emissora Nacional, onde fez teatro radiofónico.

24MAI2006 - Entre a Biblioteca Nacional e a Fundação Calouste Gulbenkian é assinado um protocolo tendente à recuperação de um conjunto de livros escritos entre os Séculos XVII e XX, e pertencentes ao acervo da primeira instituição. A iniciativa visa financiar o restauro de trezentas e setenta e cinco obras «que constituem marcos na história da tipografia e da criação cultural portuguesas» - entre as quais Insulana (1635) de Manuel Thomaz e a colectânea poética O Régulo (1886) de Alfredo Timira & Arthur Trampolina.

25MAI2006 - Atalanta Filmes estreia Natureza Morta de Susana de Sousa Dias. Castello Lopes estreia X-Men 3 - O Confronto Final de Brett Ratner.

03JUN2006 - Na Amadora, Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem/CNBDI apresenta a Tertúlia O Mosquito - 70 Anos - 1936-2006, com homenagem ao novelista José Padiña preparada por José Ruy.

MEMÓRiA

1846-1917 - Buffalo Bill: «Esta senhorinha é Miss Annie Oakley, a única mulher branca no nosso espectáculo. Quero que todos a tratem bem e a protejam» (1883).

24AGO1916-1993 - Leo Ferré: «Bem-aventurados os palermas, que acreditam que tudo tem uma explicação».

1898-24AGO1956 - Kenji Mizoguchi: «Recriei em cinema coisas impossíveis neste Mundo, como se realmente pudessem acontecer».

1711-25AGO1776 - David Hume: «A mente humana mostra uma tendência maravilhosa para oscilar entre diferentes tipos de religião: eleva-se do politeísmo para o monoteísmo, para voltar a afundar-se na idolatria».

1894-25AGO1956 - Alfred Kinsey: «O único acto sexual não natural é aquele que nós não conseguimos realizar».

PARLATÓRiO

 AGO1976 - A riqueza do novo cinema português reside na sua diversidade e audácia. Quem teve o privilégio de descobrir autores tão secretos e pessoais, como António Reis e António Campos, deve preservar esses monstros sagrados.
Jean Rouch

OBSERVATÓRiO

Artistas Unidos apresenta a Folha Informativa Mensal - com Programação, Publicações, Arquivo, Pessoas, Filmes, Contactos; solicitar a geral@artistasunidos.pt, ou consultar www.artistasunidos.pt

GALERiA

BUFFALO BILL
O MITO E OS ÍNDIOS

 Em 1879, era publicada, nos Estados Unidos, The Life of Hon. William F. Cody, uma autobiografia lendária, que consagrava um jovem batedor de fronteira - graças ao escritor de novelas populares Ned Bluntine - como herói mítico por excelência da conquista do Oeste selvagem. Tudo começara dez anos antes, nas páginas de The New York Weekly, onde foi divulgado o folhetim serial Buffalo Bill, the King of the Boarder Man. Aproveitando tal celebridade, Cody (1846-1917) viria a desenvolver fabulosas e espectaculares representações, sobre a Epopeia da Civilização - através da sua companhia Wild West Exhibition, tendo-se-lhe juntado - a partir de 1883 - o seu sócio Nate Salsbury.

Eis a realidade de que partiu Robert Altman em Buffalo Bill e os Índios (Buffalo Bill and the Indians, or Sitting Bull’s History Lesson, 1976), baseado na peça Indians de Arthur Kopit. Mas a personalidade fantasista e egocêntrica de William Frederick Cody - exemplar na História americana e seus arquétipos - fora já abrangida ou especulada em clássicos como Annie Oakley (1935, Georde Stevens), Uma Aventura de Buffalo Bill (The Plainsman, 1936, Cecil B. DeMille), As Aventuras de Buffalo Bill (Buffalo Bill, 1944, William Wellman) e Buffallo Bill, o Indomável (Pony Express, 1953, Jerry Hopper). Reconfigurando a sua própria proeza literária, Bluntine comentaria com azedume, muito tempo depois, que ele inventou Buffalo Bill, mas a criatura separou-se do autor, para viver a sua lenda - que só teria existência e justificação no recinto sagrador do circo. Aí, cercando Cody, e além da dominadora presença de Salsbury, movimentava-se uma corte de artistas e acrobatas - colonos, pistoleiros, peles-vermelhas, vaqueiros - como a atiradora Annie Oakley e o seu partenaire Frank Buttler. Eles sobressaíam entre as atracções positivas, enquanto o papel perverso, ameaçador, era reservado aos índios - no espectáculo, seres traiçoeiros e cruéis, a quem os brancos pacificadores tinham ido oferecer o dom da Civilização.

Neste contexto, para Altman, em Buffalo Bill e os Índios, a subversão surge com Sitting Bull - o carrasco do General George Armstrong Custer, o orgulhoso chefe que aceita as regras de uma representação fantoche, para Cody e Salsbury, enquanto lhe permitirem ser ouvido pelo Presidente dos Estados Unidos, Grover Cleeveland, que assistirá a uma das exibições. Porém, Sitting Bull perceberá a inutilidade dos seus rogos, em favor da Nação Índia. Por isso se ausenta, e será morto. Então, Buffalo Bill - numa impressionante composição de Paul Newman - mergulha em delírios crepusculares, sobre a pessoal e formidável glorificação. Transtornado, invocará mesmo o fantasma austero de Sitting Bull - afinal, o seu único mas sobrenatural adversário.

ANTIQUÁRiO

 

1806 - Relojoeiro do Connecticut, EUA, Eli Terry participa no que foi, provavelmente, o mais importante contrato na história da manufactura, ao assumir um compromisso para fornecimento de quatro mil mecanismos de madeira, mostradores, ponteiros, pêndulos e pesos para aparelhos de trinta horas, por encargo de Levi & Edward Porter de Waterbury. Posteriormente conhecida por Contrato Porter, esta incumbência ficou concluída em 1810, e só se tornou possível, graças à intercambiabilidade de todas as componentes, algo que nunca fora antes tentado e, significativamente, assinalou o nascimento da produção em série. O contrato de Eli Terry suscitou o subsequente aparecimento de uns duzentos artífices no Connecticut ocidental, fazendo anualmente centenas de milhares de relógios, em todos se aplicando mecanismos de madeira semelhantes aos que Terry havia inventado. Tal aconteceu até à década de 1830, quando se tornou possível a utilização do bronze em plaqué, o qual substituiu a madeira.

1936 - Em São João da Madeira, é instalada a Fábrica de Lápis Viarco - antiga Portugália, fundada em 1907 pelo Comendador Francisco Xavier de Castro Faria em Vila do Conde, e entretanto comprada pelo industrial Manoel Vieira Araújo que, a partir de 1941, introduziu diversos desenvolvimentos tecnológicos, os quais permitiram o aperfeiçoamento do lápis de grafite e de cor.

24AGO1840 - Por Carta Régia de D. Maria II, inicia oficialmente actividade o Montepio Geral, tendo como ícone o pelicano - símbolo do altruísmo pois, segundo a lenda, esta ave alimenta os filhos com o próprio sangue. Em Assembleia Geral de 04OUT1840, liderada por Francisco Manoel Alvares Botelho, é criada a Sociedade do Monte Pio dos Empregados Públicos, como Associação de Socorros Mútuos.

31AGO1976 - A rodagem principal de 007 O Agente Irresistível/The Spy Who Loved Me de Lewis Gilbert, sendo protagonista Roger Moore, principia em estúdio no complexo Pinewood, próximo de Londres. Só a construção dos cenários interiores do Liparus - capaz de albergar três submarinos nucleares - demorou sete meses, no que se designaria 007 Stage.

BREVIÁRiO

Ésquilo edita Esoterismo da Bíblia de António de Macedo.

Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem/CNBDI lança o BD’6 - Boletim D’Informação relativo a Maio, com destaque para Revisitar a Banda Desenhada por Helena Santos.

Edições 70 lança Diálogos Sobre a Religião Natural com tradução de Álvaro Nunes, e Gulbenkian edita Obras Sobre Religião com tradução de Francisco Marreiros & Pedro Galvão; ambos de David Hume.

Emi Music edita em CD, Maria Teresa de Noronha; gravações dos anos ‘50-1971, pela aristocrata do fado (1918-1993).

Publicações Dom Quixote edita O Cavalo da Noite de Urbano Tavares Rodrigues, com ilustrações de Raffaello Bergonse.

Editorial Caminho lança O Bico do Tentilhão - Uma História da Evolução nos Nossos Tempos de Jonathan Weiner.

Com edição Columbia, Sony BMG lança We Shall Overcome de Bruce Springsteen; gospel, folk e blues, com The Seeger Sessions Band.

Livros Horizonte edita Ordens Religiosas em Portugal - Das Origens a Trento - Guia Histórico; direcção de Bernardo Vasconcelos e Sousa.


IMAGINÁRiO95
16 AGO 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

MAIS TREVAS

 Três anos após os trágicos eventos que durante 30 Dias de Noite abalaram no Alasca, pelo sangrento ritual dos vampiros entretanto disseminado a Los Angeles em Dias Sombrios, o terror sobrenatural torna a ameaçar a cidade fantasma e os seus precários sobreviventes, com o Regresso a Barrow - sob chancela Devir - de Brian Kitka, irmão do antigo xerife sacrificado entre as vítimas duma orgia macabra. Uma vez mais, através da tundra gelada e desolada, está-se em vésperas de o sol, a 17 de Novembro e até 17 de Dezembro, não voltar a nascer. Tal como não se põe, entre 10 de Maio e 2 de Agosto. Rumores, memórias. Atrocidades, vinganças. O frágil equilíbrio que sublima realidade e alucinação, existência e devastação, rompe-se ainda pelo prenúncio das sombras, expandindo sempre o ímpeto de seres mutantes, predadores - os funestos heróis de Steve Niles (argumento) & Ben Templesmith (ilustração), cuja tenebrosa saga avassalaria uma tendência já consagrada em quadradinhos, alvoroçando leitores comuns e amantes do género, até repercutir-se em filme produzido por Sam Raimi... Enquanto, ao lusco-fusco dum imaginário em transe, se consumam pactos e fracturas ancestrais.

CALENDÁRiO

19MAI2006 - O escritor angolano José Luandino Vieira é distinguido com o Prémio Camões, que recusou.

20/28MAI2006 - No Solar dos Zagallos, decorre a 22ª Jornada Internacional de Banda Desenhada da Sobreda/Almada - Sobreda-Bd 2006.

MEMÓRiA

23FEV1906-1942 - José Cândido Dominguez Alvarez: «Um artista com uma obra diversificada que não se espartilha em estilos» (Luísa Soares de Oliveira).

1868-1946 - Alberto Osório de Castro: Poeta, autor de Calado Navio a Arder!: «Na cintilação da água o navio / Passa todo, todo incendiado!...»

1889-1956 - Alves da Cunha: «Hei-de ir até ao fim. Hei-de morrer de pé - como as árvores de Casona - à espera de melhores dias!»

1956-1980 - Ian Curtis «é o mito, o morto precoce da minha geração» (Nuno Galopim).

1908-1986 - George Nelson: «O design não é mais do que um processo de relacionar tudo com tudo».

1915-1986 - Rui Cinatti: «Quero ter / viagem paga, um fim que dignifique, / uma toga, um palácio… tudo o que / justifique / minha precária existência…».

ANTIQUÁRiO

1856 - Renunciando ao cargo de Vice-Presidente da Academia Real das Ciências, Alexandre Herculano inicia a publicação de Portugaliae Monumenta Histórica; trabalho elaborado desde 1853, tendo percorrido o País, e concluído até 1873.

1866 - Hans Christian Andersen (1805-1875) visita Portugal, hospedando-se em casa da Família O’Neill; estadias em Lisboa, Sintra, Setúbal, Palmela e Serra da Arrábida IMAGINÁRiO45.

AGO1916 - O actor Cardo as Charlot visita Portugal, intervindo em palco e exibindo-se ao cinematógrafo.

1988 - Noémia Delgado realiza e produz, com Radiotelevisão Portuguesa/RTP e Secretaria de Estado da Cultura/SEC, Quem Foste, Alvarez? para a série Artes & Letras.

OBSERVATÓRiO

O mundo e a acção do Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem/CNBDI na Amadora, além de destaques e novidades editoriais, estão em www.amadorabd.com

http://ideiasfeitasemlugarescomuns.blogspot.com/ - José Abrantes faz crítica e análise de banda desenhada, livros ilustrados e cinema.

NOTICIÁRiO

O Xarope do Tenente-Coronel Pemberton

A primeira dose do «remédio estimulante» depois imortalizado como Coca-Cola foi vendida por cinco cêntimos pelo seu criador, John S. Pemberton, ao balcão da Jacob’s Pharmacy em Atlanta, na Geórgia, em 8 de Maio de 1886. O ex-tenente-coronel do Exército transformado em farmacêutico chamou-lhe Pemberton’s French Wine Coca. Explique-se: a sua inspiração foi uma invenção do colega corso Angelo Mariani, que em 1863 serviu em França o seu Vin Mariani, uma mistura de vinho tinto Bordéus e extracto de folhas de coca (a bebida foi proibida, em meados de 1910, mas Mariani já estava rico). 07MAI2006 - Público - Kathleen Gomes

DOCUMENTÁRiO

 

 A DOBRAGEM
UMA APOSTA PERDIDA

Opção com significativos reflexos industriais, artísticos e comerciais - porventura aquela em que, dum ponto de vista histórico ou mesmo na actualidade, o fonocinema continua a suscitar as maiores e mais radicais controvérsias - é a dobragem. Ela chegou até nós na época de 1935/36, quando os filmes portugueses, dirigidos por nova e talentosa geração de realizadores aqui nascidos, logravam já - a partir de A Severa (1931), de Leitão de Barros, ou de A Canção de Lisboa (1933), de Cottinelli Telmo - estimulantes resultados.

O primeiro dubbing efectuou-se sobre Son Excellence Antonin (1935), de Charles-Felix Tavano, produzido em França pela Lux, a que foi dado o título O Grande Nicolau. Associaram-se no projecto a distribuidora Filmes Império e a Tobis Portuguesa, com o apoio da congénere gaulesa, através dum registo no sistema patenteado Tobis Klang Film. Para o arrojado empreendimento, o administrador-delegado da Tobis, Campos Figueira, deslocou-se previamente a Nova Iorque, onde estudou as possibilidades, comprou equipamento e contratou técnicos. Na mira do negócio, estava ainda a colocação, desta e de próximas adaptações, no mercado brasileiro.

Quanto a O Grande Nicolau, a autoria dos diálogos pertenceu a José Galhardo e Alberto Barbosa, com base no original de Jean Deymon e René Pujol. A responsabilidade da sonorização coube a Paulo de Brito Aranha. Vasco Santana cedeu voz a Raymond Cordy em Nicolau, envolvendo-se ainda Hortense Luz, Rafael Marques, Filomena Lima, Alberto Ghira, Francisco Ribeiro/Ribeirinho e Armando Machado. A estreia decorreu no Odeon e no Palácio (Lisboa) e no Águia d’Ouro (Porto), em Janeiro de 1936, com assinalável sucesso de público. No entanto, porque a publicidade - referindo, embora, tratar-se de dobragem - salientava a participação daquelas populares vedetas, parte da assistência, incauta, protestaria por não os ver em acção... De qualquer forma, a modalidade não vingou, sobretudo por incapacidade tecnológica e por deficiências de sincronização, além da escassa rendibilidade económica.

Afinal, viriam a ensaiar-se outras potencialidades - circunstanciais algumas, mas com peculiar significado, quanto às referências criativas no meio lisboeta. É exemplo O Chapéu Florentino (1939), ou Der Florentiner Hut - filme alemão produzido pela Terra (Berlim), com realização de Wolfgang Liebeneiner. No elenco, destacavam-se Heinz Ruhmann, Herti Kirchner, Christl Mardayn ou Paul Henckels. Estes e mais elementos, normalmente constantes num genérico inicial, tiveram insólita divulgação para o público da capital - aquando da estreia de O Chapéu Florentino no Politeama, em Fevereiro de 1940.

De facto, a distribuidora Lisboa Filme produziu um prólogo em substituição das legendas de entrada, apresentado pelo popular Manuel Santos Carvalho. Disfarçado de homem-do-realejo, e - ao que se promocionou - «com a sua costumada graça e à-vontade», cabia-lhe citar o título, nome dos artífices e intérpretes, segundo uma indicação literária, em verso, concebida pelo escritor teatral e cinematográfico João Bastos. Embora anónima, a direcção deste sketch preambular - exposta por total ineditismo - terá pertencido ao prestigiado Arthur Duarte, com fortes e antigas ligações à indústria germânica. Aliás, fora a Terra Film a concretizar, em 1930, Amor no Ring, de Reinhold Schunzel - onde apareciam Duarte e José Santa (Camarão), levando ao ecrã as primeiras cenas faladas em português.

REPOSITÓRiO

CARDO AS CHARLOT
EM PORTUGAL

Actor cómico e sósia da criatura popularizada por Charles Chaplin, Cardo as Charlot esteve em Portugal com a sua troupe, em 1916, conforme registos fílmicos da época, Chegada de Cardo as Charlot a Lisboa e Uma Conquista de Cardo as Charlot no Jardim Zoológico de Lisboa, manivelados por Ernesto de Albuquerque, e Cardo as Charlot no Politeama, com motivos promocionais àquele Teatro. Mas, quem era Cardo as Charlot? Personalidade arredia de qualquer enciclopédia, encontra-se abundante material nos jornais referenciando a sua permanência na capital, entre Agosto e Novembro de 1916, seguindo depois para a província.

Muitos desses elementos estão deturpados, chegando-se mesmo a designá-lo como «o célebre cómico inglês Chaplin». Cardo sempre os rejeitou,  colocando a ênfase da sua protagonização sobre a própria figura de Charlot, que afirma ter apresentado em palco doze anos antes de Chaplin o levar ao cinema, em números com que percorreu a Inglaterra, Alemanha, França ou Rússia. Finamente, por 1914, debutou no Salão Doré em Barcelona, onde se converteu em primeiro comediante excêntrico da empresa Studio Films.

Reivindicando Charlot, Cardo pretenderia os sinais exteriores da personagem, em histrionia e truques fisionómicos - que explora habilmente, usando o bigode, modo de andar, colete, chapéu de coco, casaca e bengala, estilizados por Chaplin. Quanto a Cardo as Charlot, com Dorita Ceprano, Annie & Dick Panto, actuou no Teatro República, transitando em princípios de Setembro para o Politeama. Aqui estrearam Uma Conquista de Cardo as Charlot no Jardim Zoológico de Lisboa e Cardo as Charlot no Politeama, tal como a Chegada de Cardo as Charlot a Lisboa se exibira em Agosto no República.

BREVIÁRiO

Na colecção E Agora Algo Completamente Diferente, Gradiva edita Histórias Curtas e Grossas de Grouxo Marx (1895-1977) IMAGINÁRiO24.

EXTRAORDINÁRiO

 

O INFANTE PORTUGAL
Folhetim aperiódico

 Capítulo Três -
COMO OS EXTREMOS COLIDEM - 25

 Foi assim que, nesse instante, já o Fado se perdia à distância, solto e embrenhado para dentro, tão só tramado pela promiscuidade dos seus apetites e atribulações. Quando uma aura glacial lhe cativou, então, a argúcia sorrateira, sussurrando ao seu ouvido, qual tágide enfeitiçante:

- Por que te esquivas? Temes a companhia? Ou preferes experiências mais carnais? Receias vacilar? Nesse caso, eu para ti… Serei a sereia?

Continua


IMAGINÁRiO94
08 AGO 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

 PRONTUÁRiO

 ASELHICES

 

Tendo recriado a conquista do Oeste em aventuras e desventuras que mitificaram Lucky Luke, o poor lonesome cowboy, a long long way from home, consagrando o humor aos desafios da saga americana, o talentoso criador Morris - aliás, Maurice de Bévère (1923-2001) - deixou os fãs rendidos e conquistou muitos outros leitores, para além dos círculos privilegiados da escola franco-belga em quadradinhos, quando fez irromper, em 1962, as graças e desgraças de Rantanplan, em todo o mundo o cão mais estúpido do que a própria sombra! Tanto e mais irresistível que, cinco anos depois, tal animal tão simpático quão imbecil era já titular de série própria - agora, em relançamento sensacional, sob chancela das Edições Asa: entre os álbuns mais recentes, Morris desenhou, com M. Janvier, O Fugitivo (1994) e O Mensageiro (1995) de Xavier Fauche & Jean Léturgie, O Camelo (1997) de X. Fauche & E. Adam, e O Aselha 3 (2000) concebido e co-ilustrado por Vittorio Leonardo. Até o 7º de Cavalaria entra em depressão, enquanto Buffalo Bill dá espectáculo entre os índios...

CALENDÁRiO

MAI2006 - Iniciado pelo Ministério da Defesa britânico em 1996, e concluído quatro anos depois, é divulgado o relatório confidencial Fenómenos Aéreos Não Identificados no Reino Unido. Tendo analisado mais de dez mil relatos de testemunhas, muitas delas militares, sobre ovnis, o documento com mais de quatrocentas páginas - que veio a público por requerimento de David Clarke, da Sheffield Hallam University - considera não haver provas «que sugiram que os fenómenos observados são hostis ou estão sujeitos a qualquer tipo de controlo que não o das forças físicas naturais», eléctricas e magnéticas, na atmosfera, mesosfera e ionosfera.

13MAI/30SET2006 - Em Lisboa, decorre a CowParade - evento internacional iniciado em Zurique, Suíça, em 1998, como manifestação de arte pública já em mais de vinte e cinco cidades de todo o mundo - na capital portuguesa por Desejo Sem Limites, com 101 vacas de fibra de vidro, pintadas e espalhadas pela cidade e, no final do evento, objecto de um leilão cujos fundos reverterão para instituições de solidariedade social. 

1905-14MAI2006 - Stanley Kunitz: «Estou já meio-morto que chegue, / desviado da minha própria natureza / e da minha força de viver. / Se pudesse chorar, chorava. / Mas sou velho demais para ser / a criança de alguém.»

19MAI/16JUL2006 - Centro Cultural de Cascais mostra Zz Mais Tudo Muito, exposição de pintura de Sofia Areal.

VISTORiA

Há homens que lutam um dia e são bons.
Há outros que lutam um ano e são melhores.
Há outros, ainda, que lutam muitos anos e são muito bons.
Há, porém, os que lutam toda a vida, estes são os imprescindíveis.
Bertolt Brecht

MEMÓRiA

15AGO1886-1945 - Adelina Abranches: «Filha do Povo, aprendeu no seu seio a sofrer, a amar, a chorar, a exteriorizar toda a gama tantalisante da dor mais acerba» (Jornal dos Teatros - 1917).

15AGO1886-1971 - António Silva: «É um cómico a sério. Não faz palhaçadas nem caretas para obter efeitos fáceis» (Imagem - 1933).

21SET1866-13AGO1946 - W.G. Wells: «Se tudo é possível, então nada é interessante» IMAGINÁRiO44.

1916-1941 - Álvaro Feijó: «E ninguém conta a história do menino / que não teve / nem magos a adorá-lo, / nem vacas a aquecê-lo, / mas que há-de ter / muitos Reis da Judeia a persegui-lo.»

14AGO1926-1977 - René Goscinny: «Quando e porquê teve Astérix um tal sucesso? Mistério total!» IMAGINÁRiO5-21-34.

1898-14AGO1956 - Bertolt Brecht: «Quem ainda está vivo nunca diga: nunca. / O que é seguro não é seguro. / As coisas não continuarão a ser como são.»

REPOSITÓRiO

 

Entre as décadas de 20 e 30 do Século XX, a crise - social, económica, cultural e de identidade - da Civilização Ocidental fez renascer um novo interesse pelos horizontes exóticos e longínquos. O apelo da aventura, a curiosidade científica, outras fontes de exploração estimularam um tal desígnio. Inevitavelmente, tudo se expandiu em grande ecrã, e sobreviveria sob o signo mítico de King Kong (1933) - realizado por Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack - ao transfigurar, em filme de baixo orçamento e com fenomenal engenho, medos ancestrais em articulação aos modernos mecanismos. Em valores tecno-criativos, sobressaem os efeitos especiais de Willis O’Brien, para a animação (stop-motion, ilusão do movimento recriada fotograma a fotograma) de um ente mastodôntico, através da acção em tensão, pontuada - nos estímulos românticos e trepidantes - pela música de Max Steiner. King Kong estreou em Nova Iorque, nas duas maiores salas do Mundo - o Roxy e o Radio City. Em 1938, foi relançado sem várias cenas chocantes (como aquela em que Kong mastiga uma vítima), cumprindo as normas do Production Code, em vigor desde 1934.

Um cineasta de Hollywood, Carl Denham organiza uma expedição à Malásia, acompanhado pela vedeta Ann Darrow, para rodar um filme em Skull Island, a misteriosa região onde vivem gigantescos animais pré-históricos. Entre eles, o lendário gorila King Kong, que os indígenas adoram como um deus, oferecendo-lhe sacrifícios humanos. Os selvagens ficam fascinados com o cabelo louro de Ann, e a própria criatura se apaixona pela jovem, esta suspensa entre o pânico e o deslumbramento. Os nativos sequestram Ann, e atam-na a um altar. Porém, Kong leva-a com terno cuidado para a floresta, onde a protege de outros colossos, que pretendem devorá-la. Por fim, Denham logra capturar Kong, que chega a Nova Iorque, para ser exibido. Ora, Kong liberta-se dos seus grilhões, enfurecido com as ruidosas manifestações públicas a que o expõem. Em desespero, Kong procura Ann, causando o caos em Manhattan - até ser abatido, ao escalar o Empire State Building... A protagonista Fay Wray - falecida em 2004 - esperava contracenar com Cary Grant, quando lhe falaram no parceiro mais alto e mais moreno de Hollywood! A rodagem decorreu em zona recôndita dos estúdios da RKO - usando os cenários luxuriantes de O Malvado Zaroff (1932 - Irving Pichel, Schoedsack), com a sensual Wray - para sempre conhecida por Queen of Scream.

Épico do terror-fantástico, e um dos clássicos primordiais de culto, em toda a história da sétima arte, King Kong mantém um sortilégio essencial: em magia, exotismo, aventura, suspense, pulsão erótica em que se transcende o mito entre a bela e o monstro. Eis o espectáculo virtual por excelência - no prodígio dos efeitos especiais, na glória recorrente da iconolatria americana. Pela inspiração de Mary Shelley, também Frankenstein (1931 - James Whale) expunha um ser extraordinário, assustador aos padrões comuns, pelos quais acaba sucumbindo. Contudo, King Kong - sobre uma ideia original de Cooper, escrita com Edgar Wallace pouco antes de morrer - contrasta, ainda, o sortilégio primitivo com os excessos e os paroxismos da civilização, culminante no simbolismo ritual do Empire State. Estigmatizando os signos culturais por uma efabulação folclórica, subjacente aos ambíguos contrastes sexuais. As receitas de King Kong - dois milhões de dólares, salvando a RKO da crise financeira - suscitaram múltiplas sequelas, logo O Filho de King Kong (1933 - Schoedsack). Em 1976, John Guillermin dirigiu uma réplica em superprodução e, em 2005, Peter Jackson consumou um mais genuíno King Kong - herói trágico do cinema, a oitava maravilha do Mundo!

ANTIQUÁRiO

01MAI1886 - Em Chicago, há uma paralisação das fábricas, do comércio e dos transportes públicos. Os grevistas reivindicam um regime de oito horas laborais. Dias depois, durante a repressão policial morreram seis pessoas e, após a explosão duma bomba na Praça Haymarket, que vitimou vários agentes, a reacção das autoridades provocou dezenas de mortos, centenas de feridos e de presos. Em 9 de Outubro, cinco dirigentes operários foram condenados à pena capital. O 1º de Maio ficaria assinalado como Dia do Trabalhador.

01MAI1931 - Em Nova Iorque, é inaugurado o Empire Sate Building, com 381 metros - o edifício mais alto do Mundo, projectado pelos arquitectos Arthur Loomis Harmon, Richmond Harold Shreve e William Frederick Lamb. Actualmente, tem 448 metros incluindo as antenas e, após a destruição das Twin Towers em 11SET2001, é o ponto mais elevado da Big Apple, com acesso público até ao 86º Andar, além do Observatório no 102º, pela porta principal na 5ª Avenida, entre as Ruas 33 e 34.

TRAJECTÓRiA

 

António Silva

António Silva nasceu em Lisboa, em 15 de Agosto de 1886. De origens humildes, estreou-se no teatro profissional em 1910. Em 1913-21, actuou no Brasil, realizando a fita Convém Martelar (1920). Logrou sucesso em A Canção de Lisboa (1933 - Cottinelli Telmo), prosseguindo com incomparáveis figuras características. Exuberante, graças ao expressivo jogo fisionómico ou gestual, e a uma voz inconfundível, o seu processo cómico evoluiu por Maria Papoila (1937 - Leitão de Barros) ou João Ratão (1940 - Jorge Brum do Canto). O Pátio das Cantigas (1941 - Francisco Ribeiro/Ribeirinho) e O Costa do Castelo (1943 - Arthur Duarte) consagraram-no; em Amor de Perdição (1943 - António Lopes Ribeiro) provou emoção dramática. Notável em O Leão da Estrela (1947 - A. Duarte) e Fado, História d’Uma Cantadeira (1947 - Perdigão Queiroga). Teve longa e prestigiosa carreira, destacando-se O Grande Elias (1950 - A. Duarte), Os Três da Vida Airada (1952 - P. Queiroga) ou Perdeu-se Um Marido (1956 - Henrique Campos). Faleceu em Lisboa, a 3 de Março de 1971.

BREVIÁRiO

Século XXI edita King Kong, em romanesco de Delos W. Lovelace sobre o argumento cinematográfico concebido por Edgar Wallace & Merian C. Cooper

Lusomundo edita em DVD, O Crime do Padre Amaro de Carlos Coelho da Silva; actualização da obra literária de Eça de Queiroz.

Publicações Dom Quixote edita O Mar de Madrid de João de Melo.


IMAGINÁRiO93
01 AGO 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

 RANCORES

 

Um dos autores mais prestigiados do cinema espanhol, que se arrebataria há uns quarenta anos para a consagração internacional, Carlos Saura ritualiza um clímax de tensões e ódios durante O 7º Dia (2004) - ao Domingo, no Dia do Senhor, inspirado em sangrento caso verídico, ocorrido por 1990, em Puerto Hurraco. Eis o país profundo, entre rivalidades familiares e disputas de terra, entre rancores pessoais e amores frustrados. O germe duma vingança em que tantos sucumbem, outros estiolando num sorvedouro da raiva animalesca. Até a actualidade em transe, quando uma adolescente em causa decide deslindar os segredos e os preconceitos que mistificam tal cominação brutal, de feridas mantidas em carne viva, marcando e supurando o coração duma mulher desapiedada e manipuladora... Victoria Abril e Juan Diego protagonizam esta obra perturbadora, este drama dilacerado - no limite do testemunho convencional, no limiar da tradição realista - com edição em DVD, sob chancela Lusomundo. Desígnio e expiação - signos intemporais que, entre as luzes e as trevas, transfiguram um assombro humano, trágico e minimal.

CALENDÁRiO

1924-30ABR2006 - Jean-François Revel: «As ideologias não desapareceram, o que desapareceu foram os regimes fundados sobre as ideologias».

13MAI2006 - Em Melgaço, o Museu do Cinema Jean-Loup Passek expõe A Idade de Ouro do Cinema Francês (1930-1960).

MEMÓRiA

19ABR1886-1968 - Manuel Bandeira: «Assim eu queria o meu último poema / Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais / Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas / Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume / A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos / A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.»

23ABR1936-1988 - Roy Orbison: «Para um barítono, cantar em tons altos, como eu faço, pode parecer ridículo».

1890-02AGO1976 - Fritz Lang: «Sinto-me profundamente fascinado pela crueldade, pelo medo, pelo terror, pela morte. Os meus filmes reflectem essa preocupação pela violência, pela patologia da violência».

07AGO1876-1917 - Mata Hari, aliás Margaretha Geertruida Zelle: «Sou uma mulher que em si mesma se desfruta: umas vezes ganho, outras perco» IMAGINÁRiO35.

07AGO1916-1990 - Óscar Acúrcio: «As pessoas falam de mim de forma muito leviana, e referem-se à minha carreira muito superficialmente; parecem esquecer que eu trabalhei do teatro ao cinema, passando pela televisão».

VISTORiA

 

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
Manuel Bandeira

BREVIÁRiO

New Age edita M - Matou (1931) e O Testamento do Dr. Mabuse (1933) de Fritz Lang.

Legacy/Sony BMG edita em CD, Roy Orbison - The Essential.

Relógio d’Água edita Antologia de Manuel Bandeira.

Electronic Arts lança O Padrinho, videojogo inspirado em The Godfather - trilogia cinematográfica (1972-1974-1990) de Francis Ford Coppola, sobre o clássico de Mario Puzo; disponível em versões para PC, para as consolas PS2 e Xbox, e para a portátil PSP.

REPOSITÓRiO

Alemanha, Anos ‘30

Obra-prima de Fritz Lang em 1931, M - Matou é, simultaneamente, o primeiro filme sonoro do cineasta austríaco, e um primoroso exemplo sobre a nova técnica. Continuam a surpreender a essência de linguagem, o tratamento expressionista, a profundidade e a subtileza temáticas, a premonição e o sarcasmo subjacentes. A acção baseia-se em factos reais, recriando as trágicas façanhas do chamado Vampiro de Dusseldorf - que, em meados da década de ‘20, estarrecera o grande público com a violação e o estrangulamento de dezenas de crianças. Lang traça um retrato incomum do sádico, enquadrando-o numa estrutura social bem determinada, histórica e politicamente: a Alemanha onde o nazismo era gerado, e se desenvolvia impune.

No ano seguinte, Lang escreveu com Thea Von Harbow, a partir duma novela de Norbert Jacques, O Testamento do Dr. Mabuse (1933) - expondo uma perversa arquitectura sobre o poder absoluto e demencial, em que se reflectia a própria ascensão por Adolf Hitler. Num hospício, o criminoso Mabuse logra influenciar, através de estranha hipnose, o director da instituição - o qual cumpre as suas ordens para organizar uma elite sem escrúpulos, à conquista da hierarquia social. Tal libelo foi proibido na Alemanha por «decadente, provocatório e niilista». Pouco depois, Lang partia para Londres e, em 1934, para a América, só pisando solo germânico em 1957 - onde faria O Diabólico Dr. Mabuse (1960), sua despedida como realizador incómodo e genial.

Poder e Perversão

Para além dos sucessos e dos fracassos que pontuaram uma carreira ambiciosa, e por vezes genial, Francis Ford Coppola ficará assinalado, no cinema americano, a partir da saga de O Padrinho - em transposição de um romanesco literário, original, por Mario Puzo. Nas últimas décadas, apenas dois outros trípticos alcançariam uma tal amplitude visionária, ou espectacular, sob o signo virtual de Hollywood: A Guerra das Estrelas (1977-1980-1983) - épico cósmico segundo George Lucas, com expansão subsequente; e Indiana Jones (1981-1984-1989) - série aventurosa por Steven Spielberg, cujo regresso se auspicia. Ao passado mítico, ao futuro fantástico, contrapõe Coppola um denso tecido humano, através de transparência histórica e realista.O Padrinho (1972) sagra um retrato convulso e sangrento dos anos ‘40, através de uma das mais proeminentes famílias da Mafia, de que é patriarca Don Vito Corleone: orgulhoso e arrogante - com o seu código de honra e protecção, de preconceito e expiação - reflexo abastardado duma sociedade corrupta, inexorável, forjado entre a impunidade juvenil dos pioneiros e a constituição dum império maligno. Trata-se de um registo excepcional de contenção, espectaculosidade, na melhor tradição do thriller... O seu enorme sucesso comercial levou Copolla a concretizar O Padrinho - Parte II (1974) - concebida, no entanto, de forma a que a anterior funcione como «metade do filme», nos termos convencionais de uma leitura sequencial.

A partir de finais dos anos ‘50, relata-se como o sucessor de Don Vito, Michael Corleone, luta pela manutenção da família, em vias de desagregação, quando o poder da Mafia evolui para novos cenários da política e da economia, sem que os seus métodos se alterem. Paralelamente, evocam-se as origens dos Corleone, desde a Sicília... Em moldes clássicos, O Padrinho converter-se-ia, pois, em grande fresco sobre a emigração, ocupação dum território, Nova Iorque, seu domínio (italianos, judeus, irlandeses), diversificação (sindicatos, droga?, jogo) e expansão até Cuba. Tudo isto, segundo os códigos do Novo Mundo: crime e violência, honra e preconceito, traição e vingança - encenados de uma forma perturbante, mas vibrátil.

Eis, também, uma fábula dramática sobre a civilização americana, ao longo de várias décadas determinantes, neste século... Em 1977, Francis Coppola apresentou O Padrinho - O Épico - uma série televisiva em nove episódios, mais completa (cerca de uma hora), incluindo materiais inéditos que se inserem na versão primordial. Coppola ocupou-se pessoalmente da supervisão, de modo a que tal remontagem - por ordem cronológica - salvaguardasse uma fidelidade ficcional e testemunhatória, quanto às transformações operadas num submundo perverso, sórdido, garantindo ainda todas as virtualidades estéticas e narrativas, adaptadas embora a um (des)envolvimento em pequeno ecrã.

Em 1990, tal panorama de infâmia, paixões, ignomínia e sucesso culminou com O Padrinho - Parte III, explorando - através de Michael Corleone, entre as memórias, os remorsos e a solidão - dois objectivos essenciais, para a família pelo final dos anos ‘70: resgate dos negócios, e institucionalização dentro da legalidade pública (investimentos bancários, influência da Igreja); os dilemas para assegurar um sucessor (virtualmente Sonny, filho bastardo do seu irmão mais velho)... Perante um tal epílogo suspenso, quanto ao destino ou ao futuro, e com a visão dos lances precedentes, emerge - na plenitude de O Padrinho - o talento excepcional dos quatro protagonistas: Marlon Brando, Al Pacino, Robert De Niro, Andy Garcia.

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL
Folhetim aperiódico

Capítulo Três
COMO OS EXTREMOS COLIDEM - 24

 E a ela, que lhe seria tão fácil atingi-lo com umas chispas de plasma no coração, ou retrovertê-lo na idade até ao colo materno...

Contudo, tudo se tornaria possível entre aberrações tão rutilantes. Por náusea ou sensatez, havia que conter-se, em uma vulgaridade de comezinha conquistadora, embora lá por dentro - qual bailarina frígida em pirueta graciosa - sentisse o jejum cósmico das estrelas que a devoravam... Ofélia Luna sabia, por natureza ôntica, que as mentes fortes vacilam, na sofreguidão de intuições lamechas e portanto, ante o Fado, impunha-se uma reacção neutra - propícia a quem, fúria encantada, estivesse disposta ao que fosse para não lhe cheirar mal - excepto, levar com alguma estratégica pancada em pleno septo nasal!

Sem uma genealogia matricial com a nobreza dos inexoráveis paladinos, ela safava-se como podia. Alusiva, ilusória. Desde cedo que, vaporosa, se elevara da dimensão brejeira e achincalhada das simples mulheres de sua igualha… Isso mesmo a tornava tão fatídica e casta.

 Continua


IMAGINÁRiO92
24 JUL 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

 EXUBERÂNCIA

 

Uma família de super-heróis alvoroçada pelos conflitos domésticos, pelas diferenças de carácter e poderes, pela gestão dum império tecnológico e paladínico, pelos desafios duma grande metrópole como Nova Iorque, pelas ameaças dos inexoráveis adversários e dos perigos mais extraordinários. Eis o Quarteto Fantástico em Imaginautas - sob chancela Devir - que o argumentista Mark Waid recria numa aventura insólita, de rotinas e emoções, estilizada na ilustração figurativa/caricaturesca de Mike Wieringo & Karl Kesel, para a exuberância cromática por Paul Mounts e Avalon’s Mark Milla. Elástico, o líder Reed Richards/Sr. Fantástico enfrenta o seu alter-ego matemático, a protectora Susan Storm/Mulher Invisível arrisca a integridade física, ao irmão Johnny Storm/Tocha Humana custa a assumir a própria maturidade, o amigo Ben Grimm/Coisa arrasa os desaires grotescos da natureza humana... Além da realidade, nos limites da exploração em quadradinhos, suspende-se uma actualidade massificada, em transe, subjugando o entretenimento pela lógica radical dos artifícios e das convenções.

CALENDÁRiO

ABR2006 - Investigadores da Universidade da Califórnia concluem que os estorninhos reconhecem frases complexas, na sua linguagem de chilreios e trinados. Observação que contraria a tese de Noam Chomsky, um dos mais prestigiados teóricos de linguística do Século XX, segundo a qual a capacidade de enriquecer a comunicação com a inserção de novos elementos e palavras sem perder a coerência, ou estrutura recursiva, seria exclusiva dos seres humanos. Para tal, a equipa liderada por Timothy Gentner treinou onze estorninhos para que estes distinguissem, e praticassem, outros conjuntos de sons em cantos a cuja distribuição eram acrescentadas, em exposição alternativa, distintas sequências no final da construção musical - revelando-se, assim, susceptíveis de aprenderem gramática. Segundo Gary Marcus, psicólogo da Universidade de Nova Iorque, cabe agora perceber se esta virtualidade é partilhada por todos os animais propensos a adquirir novas estruturas de vocalização, como as aves canoras e os cetáceos.

1918-13ABR2006 - Muriel Sparks: «Depois de ler Proust, descobri que gostava de escrever prosa».

1921-22ABR2006 - Alida Valli: «O cinema italiano perdeu um dos seus vultos mais intensos e significativos» (Walter Veltroni).

25ABR2006 - No Porto, a Associação Para o Estudo e Protecção do Gado Asinino/AEPGA entrega à Fundação de Serralves o Bugalho, um burro de Miranda do Douro que, doravante, se juntará às vacas e ovelhas do Parque de Serralves - segundo o Director Vítor Dinis, «na nossa tradição de proteger raças autóctones do nosso Portugal associadas à agro-pecuária».

1922-28ABR2006 - Victor Palla: Fotógrafo e «arquitecto do Século XX que tinha uma capacidade de criação e de controlo a vários níveis» (Jorge Figueira).

1924-28ABR2006 - Glicínia Quartin: «A vida ensinou-me a andar, a falar, a olhar, a comer, mas acho que, depois disso, já não me ensinou mais nada. De certa maneira, acho que quem ensinou a vida fui eu».

1921-04MAI2006 - Karel Appel: «Ícone nas artes visuais holandesas do pós-guerra, expôs o seu trabalho durante mais de meio século» (Jan Peter Balkenende).

04MAI2006 - FBF estreia Pele (2005) de Fernando Vendrell; sobre a obra homónima de Henrique Galvão.

21-22JUL2006 - Em Sintra, o Centro Cultural Olga Cadaval apresenta Daqui em Diante pela Companhia Olga Roriz.

MEMÓRiA

1547-1616 - Miguel de Cervantes Saavedra: «É a figura mais importante desde o Renascimento, não só das letras espanholas, mas também um ícone universal, como Shakespeare» (Sergio Pitol)LIMAGINÁRiO25.

24JUL1886-1965 - Junichiro Tanizaki: «Os escritores actuais são demasiado simpáticos para os leitores - é necessário pensar e interpretar o que nos estão a exprimir».

28JUL1866-1943 - Beatrix Potter: «Graças a Deus, nunca me mandaram estudar; teria perdido alguma da minha originalidade».

1811-31JUL1886 - Franz Liszt: «O amor salvou-me de mim próprio, a arte salvou-me do amor, a religião salvou-me da arte, porque tudo provém através de Deus».

1896-1966 - Heimito Von Doderer: «Uma tradução não deve seguir o original com amor e cuidado: deve precedê-lo».

16ABR1906-1971 - João Guilherme Faria da Costa: «O primeiro urbanista português com formação moderna e internacional» (José Manuel Fernandes).

1906-1972 - Alberto de Serpa: «A noite caiu sobre o cais, sobre o mar, sobre mim... / As ondas fracas, contra o molhe, são vozes calmas de afogados».

1946-2003 - José Camacho Costa, actor e crítico de cinema: «Ficar parado é uma coisa que me deita abaixo, desmoraliza-me e faz-me perder o humor».

TRAJECTÓRiA

FRANZ LISZT

 

Compositor húngaro, nascido em 1811, Franz Liszt criou o recital para piano como modalidade de concerto, sendo o mais importante autor para o instrumento em causa. Estudou em Paris e Viena com Czerny e Salieri, mas a sua facilidade para a execução deu-o a conhecer entre os colegas quando era, ainda, aluno de composição na capital francesa. Em Paris, onde esteve doze anos, conviveu com notáveis personalidades musicais e literárias, de Chopin a Victor Hugo, de Lamartin a Heine. O músico que mais o influenciou foi Niccolò Paganini - que, em 1831, dava concertos de violino em Paris, e nele despertou uma paixão pelo virtuosismo que jamais o abandonaria. Em 1839, iniciou digressões pela Europa como concertista, visitou todas as grandes cidades, e executou tanto a obra pessoal como a de outros famosos. Actuando nos melhores teatros do Continente, adquiriu um prestígio que nenhum músico conhecera até então. Em 1847, passou a dedicar-se exclusivamente à composição e ao ensino. Aquando de sua morte, em 1886, tinha formado mais de 400 músicos, composto mais de 350 obras e escrito oito volumes de teoria musical, além de desenvolver uma volumosa correspondência com as mais ilustres personalidades do seu tempo.

NOTICIÁRiO

Cientistas norte-americanos liderados por Ted Daeschler, da Academia de Ciências Naturais de Filadélfia, descobriram fósseis com 350 milhões de anos, cujas características os colocam entre os peixes e a transição para animais de quatro patas terrestres (tetrápodas). Num artigo publicado hoje pela revista Nature, é descrita a nova espécie, Tiktaalik Roseae, e os autores mostram, com esta descoberta, que a evolução da vida na água para a vida na terra aconteceu gradualmente em peixes que viviam em águas pouco profundas. 
06ABR2006 - Maria Ana Colaço - Público (excerto)

BREVIÁRiO

Nova Vega edita Portugal e os Judeus de Jorge Martins.

Publicações Dom Quixote edita Fotobiografia de Natália Correia [1923-1993] de Ana Paula Costa.

A Esfera dos Livros edita Frases Que Fizeram a História de Portugal de Ferreira Fernandes e João Ferreira.

Universal distribui em CD, sob chancela NPG Records, 3121 de Prince.

Caminho edita Histórias Tradicionais Portuguesas de Alice Vieira; ilustrações de Bela Silva.

Tribuna da História edita Guerra Peninsular - Novas Interpretações (Século XIX) por iniciativa do Instituto de Defesa Nacional.

Quetzal edita A História do Homem de Robin Dunbar; tradução de Manuel Leite.

Presença edita José e os Outros - Almada e Pessoa - Romance dos Anos 20 de José-Augusto França.

Capitol/Emi edita em CD, Fictions de Jane Birkin.

Guerra e Paz edita Fama e Segredo na História de Portugal de Agustina Bessa-Luís; ilustrações de Luís Miguel Castro.

Cavalo de Ferro edita O Segredo do Bosque Velho de Dino Buzzati; tradução de Margarida Periquito.

Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema edita Rouben Mamoulian; organização de Manuel Cintra Ferreira.

Bertrand Editora lança Super-Heróis II da História de Portugal de António Gomes de Almeida & Artur Correia.

ANTIQUÁRiO

19/21ABR1506 - Em Lisboa, entre duas e quatro mil pessoas - homens, mulheres e crianças, a pretexto de heresia - são perseguidas, violadas, torturadas e mortas. Encontrando-se a Corte em Abrantes, por causa da peste que lavrava, oriunda de Itália, além da seca e da fome, e avisado El Rei, mandou D. Manuel I pôr fim à matança, instigada por dois frades dominicanos, após um alegado cristão-novo ter questionado um sinal milagre por clarão na Capela de Jesus no Mosteiro de São Domingos, em Domingo de Pascoela, pois um crucifixo que estava no altar ficaria iluminado por uma vela ou um raio de sol. Arrastado por um grupo de mulheres para fora do recinto sagrado, o homem foi espancado até ao último suspiro e esquartejado. Inflamadas por Frei Bernardo e Frei João Mocho, com uma cruz processional nas mãos, e sob notícia de cem dias de absolvição dos pecados, turbas de populares amotinados - a que se juntaram marinheiros holandeses, alemães e franceses, de naus ancoradas no Tejo - espalharam-se pela cidade à caça de judeus e conversos, eliminando-os ou arrastando-os até ao Largo de São Domingos, ao Rossio ou ao Terreiro do Paço, onde os queimaram vivos em grandes piras. Outros que se ocultaram em casas, foram aí descobertos, desmembrados, esborrachados e chacinados. Também se saquearam moradias e destruíram bens. Apenas ao terceiro dia chegaram as tropas com o Prior do Crato e o Barão de Alvito, e puseram fim ao massacre, que já ia em exaustão, punindo e restabelecendo a autoridade - cujos representantes inda haviam tentado intervir mas, poucos e receosos, tinham afinal debandado.

2004 - Jorge Silva Melo realiza Conversas Com Glicínia [Quartin], documentário produzido por Artistas Unidos, com Rogério Ceitil Audiovisuais.

 

VISTORiA

Vi que em Lisboa se alçaram
povo baixo e vilãos
contra os novos Christãos,
mais de quatro mil mataram
dos que houveram às mãos.

Uns deles vivos queimaram,
mininos despedaçaram,
fizeram grandes cruezas,
grandes roubos, e vilezas
em todos quantos acharam.

Estando só a cidade,
por morrerem muito nela
se fez esta crueldade;
mas El rey mandou sobre ela
com muy grande brevidade.

Muitos foram justiçados,
quantos acharam culpados,
homens baixos e bragantes
e dois frades observantes
vimos por isso queimados.
Garcia de Rezende - Miscelânia (excertos)



IMAGINÁRiO91
16 JUL 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

 RESGATES

 

Além das peripécias aventurosas que popularizaram os paladinos juvenis, através de gerações, a escola franco-belga adquiriu maturidade por distintas vertentes, em que se virtualizam outros horizontes do imaginário. Assim contribuíram artistas como François Bourgeon - cuja inspiração histórica culminaria com Os Companheiros do Crepúsculo ou Os Passageiros do Vento. Lançadas entre nós pela Meribérica-Liber, estas séries tiveram uma fascinante alternativa em 1993, com a apresentação de A FOnte da SOnda - iniciando a saga fantástica O Ciclo de Cyann, graças à colaboração entre Bourgeon e o argumentista Claude Lacroix - a que Seis Estações em Il¤ deu continuidade em 1998. Enfim, as Edições Asa assumem a revelação deste épico impressionante, sensual, prosseguindo com Aïeïa de Aldaal - mais um estranho planeta onde a indómita Cyann buscará o precioso antídoto, para as terríveis «febres amarelas» que vitimam o seu povo, num outro mundo a anos-luz de distância... Imprevisível, surpreendente, tal jornada heróica - sob meticulosa concepção/exploração por Bourgeon & Lacroix - simboliza também a aprendizagem íntima e afectiva, de uma mulher em resgate da própria humanidade.

CALENDÁRiO

ABR2006 - Uma equipa internacional - constituída por cientistas dos EUA, Etiópia, Japão e França, e liderada por Tim White da Universidade da Califórnia em Berkeley - descobre no deserto de Afar, a Nordeste de Addis Abeba, fósseis (dentes e ossos de oito indivíduos) de Australopithecus Anamensis (que precederam os Afarensis), uma espécie primitiva de hominídeos que, há 4,1 milhões de anos, andavam erectos sobre as duas pernas e, como nossos primordiais antepassados, preenchem uma lacuna na história da evolução humana, estabelecendo ligação às formas mais antigas de Ardipithecus.

ABR2006 - PedranoCharco lança BD Jornal número 12, sendo director J. Machado-Dias; entre críticas e notícias, sobre festivais e edições, em foco Banda Desenhada em Portugal Hoje - Uma Visão de Mercado por Pedro Silva de VitaminaBd e BdMania.

ABR2006 - Os membros da Writers Guild of America, agremiação constituída por 9.500 guionistas de cinema e televisão, escolhem o labor de Julius J. Epstein, Philip G. Epstein & Howard W. Koch para Casablanca (1943 - Michael Curtiz) como o melhor argumento de sempre, a partir de uma lista que incluía 101 obras técnico-ficcionais.

20ABR2006 - Atalanta Filme estreia Lisboetas de Sérgio Tréfaut.

27ABR2006 - Atalanta Filme estreia A Rapariga da Mão Morta de Alberto Seixas Santos. Lusomundo estreia O Veneno da Madrugada de Ruy Guerra.

ABR-25JUN2006 - Na Cordoaria Nacional em Lisboa, Ângelo de Sousa expõe Ainda Mais Esculturas - incluindo quarenta obras inéditas em aço e tiras de pvc, o vídeo de uma instalação de 1993 e nova série de desenhos.

04MAI2006 - Lusomundo estreia Movimentos Perpétuos - Cine-Tributo a Carlos Paredes de Edgar Pêra.

JUN2006 - A cumprir dez anos de programação, Onda Curta de João Garção Borges apresenta na Radiotelevisão Portuguesa/RTP-2: Arzak Rhapsody (2002) de Moebius, aliás Jean Giraud.

EPISTOLÁRiO

Hoje ao serão em casa da Morgada vimos duas mulheres casadas, uma há três anos e que agora tem catorze anos, outra casada há seis meses e que tem treze anos. Embora a sua natureza seja aqui precoce, abusa-se demais, a maior parte das mulheres vêem a sua saúde arruinada por terem sido mães muito jovens ou porque o foram demasiadas vezes. A Marquesa de Penalva teve trinta partos ou falsos-partos e não é a única.
Marquês de Bombelles - Journal d’Un Ambassadeur de France au Portugal (1786-1788)

Em Portugal, os homens e as mulheres dão a impressão de não serem da mesma origem: os homens são baixos, mal proporcionados, mal medrados, sem dignidade nas maneiras nem nobreza no porte - antipáticos; as mulheres são bem feitas, bem proporcionadas, elegantes, brancas de pele, vivas, cheias de graças e encantos... A sua educação, porém, é totalmente desleixada, e, não recebendo nenhuma, ficam entregues a si próprias.
J.B.F. Carrère - Panorama de Lisboa, no ano de 1796

REPOSITÓRiO

 

 

Durante os anos da II Grande Guerra, todos os que tentam escapar aos nazis acabam, um dia, por desembarcar em Casablanca, reencontrando-se na boîte de Rick Blaine, um americano que se bateu contra as tropas do Négus e, depois, com os republicanos espanhóis. Ali vão ter Victor Laszlo, responsável pela resistência checa, e a sua mulher Ilsa Lund. Esta conhecera Rick em Paris, antes da ocupação, quando julgava o marido morto. Agora, suplica a Rick para a ajudar a sair de Casablanca, levando consigo Laszlo, mas aquele recusa, pois pretende que fujam juntos. Os acontecimentos tomarão, porém, um rumo inesperado...

Um dos grandes clássicos do cinema americano, Casablanca (1943) de Michael Curtiz - baseado em peça de Murray Burnett & John Alison - funde conflitos de sentimentos, aventura e espionagem, tendo arrebatado três dos oito Oscars para que foi nomeado: melhores filme, realização e argumento. Integralmente rodado em estúdio, sagrando o casal romântico com Ingrid Bergman e Humphrey Bogart, Casablanca converter-se-ia em lugar mítico de refúgio, tensões e rotura. Oito dias após a estreia nos EUA, ali se reuniram - efectivamente - Roosevelt, Churchill e De Gaulle, para debaterem o processo de invasão da Europa pelos aliados, suscitando um astronómico acréscimo de receitas.

ANTIQUÁRiO

1605 - Em Lisboa, e com o patrocínio do rei Filipe I, Pedro Casbeeck edita Rimas de Lope de Vega.

20JUL1969 - O Homem chega à Lua, sob o signo da NASA, com os astronautas da Apollo XI. O norte-americano Neil Armstrong pisa o solo selenita, seguido de Edwin Aldrin. Em 20SET2005, a NASA anuncia que, em 2018, quatro astronautas voltarão a pisar o solo selenita, seguindo a bordo da nave CEV - Crew Exploration Vehicle, que ficará pronto em 2012 - a lançar num foguetão propulsor. A missão durará uma semana, quatro vezes mais do que as expedições da série Apollo à Lua, durante as décadas de ’60 e ’70 do Século XX, que culminaram em DEZ1972, com a viagem da Apollo XVII.

MEMÓRiA

1883-1946 - Gusty L. Herrigel: «Estar vazio de si mesmo, sem pensamentos mesquinhos e perturbadores, em harmonia de corpo e alma, dar espaço ao coração universal, ser despreocupadamente tudo e porém nada, como as flores na pradaria» (Zen e a Arte do Caminho das Flores)

1920-23JUL1966 - Montgomery Clift: «O que é que eu tenho de fazer para provar que sei representar?»

VISTORiA

 
Epitaphio Funebre del Rey
D. Sebastian de Portugal

Dudosa piedra me encierra
Sino es arena africana,
Siendo mi muerte temprana
De un reyno eterna guerra.
Mi vida parece llama,
Mi muerte parece enima.
Pero tierra o mar me oprima,
Yo estoy donde está mi fama.
Lope de Vega - Rimas

PARLATÓRiO

Moebius e Gir correspondem a duas formas de ser que encontramos no nosso íntimo, que em geral coabitam e, no melhor dos casos, se completam; e, no pior, se excluem. Como Moebius, decorram as minhas histórias na actualidade ou no futuro, têm um eco fácil quanto a todo o mundo - seja americano, australiano, indiano, português, israelita, inglês ou escandinavo. Algo que me faz sentir um rosto, o projecto colectivo de uma raça que vai às estrelas, coloca a tecnologia ao seu serviço e tudo sobrepõe. Mas as minhas obras de ficção científica não se fundam apenas nessa base, procedem mais a uma exploração do lado psíquico da assimilação, do poder potencial, do controlo e da projecção, do onírico... De conexão, algo clandestina, com os arquivos do passado e do presente, ou respectivos problemas filosóficos. Tudo aspectos misturados de uma maneira por vezes anárquica, mas é o meu modo de criar.
Jean Giraud, aliás Moebius

BREVIÁRiO

Frenesi edita O Discreto (1646) de Baltasar Gracián y Morales; tradução de Jorge P. Pires.

Fronteira do Caos edita Contos de Oitocentos; inclui autores como Ramalho Ortigão, Conde de Ficalho, Júlio César Machado, Maria Amália Vaz de Carvalho e Pinheiro Chagas.

OBSERVATÓRiO

http://elementarista.blogs.sapo.pt desvenda edgar pêra filmzz, a realidade e o imaginário calendarizados na perspektiva de um artista visionário.

Pedro Ventura convoca - em http://longedelepanto.blogspot.com -personalidades e fenómenos com história pelo enquadramento da actualidade.

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL
Folhetim aperiódico

 Capítulo Três
COMO OS EXTREMOS COLIDEM - 23

 O melhor era não arriscar. Fingindo-se distraído, por uma leve brisa que lhe destapasse a tímida valentia, comum a bravos e a brandos, Fado olhou-a então de frente e concedeu, numa espécie de ricto filosófico:

– Tenho que ir! Já urge! Sabes como é, não sabes?... Em tese, queremos sempre ser os melhores mas, de facto, apenas poderemos vagamente ser melhores.

Com a breca, basta! A rapariga fátua estava farta de tantas falácias e facécias com que aquele dito cujo teimava em baratiná-la. Um tipo de tal envergadura não passaria de uma torpe cavalgadura? Ou, em explícita finura e souplesse, será que a emergência híbrida do Fado lhe havia enfraquecido a masculinidade, ou a afectação maníaca de Deodato Roble lhe robustecia o intelectualismo?

 Continua



IMAGINÁRiO90
08 JUL 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

ASCESE

 

De tempos a tempos, filmes há que nos reconciliam com os elementos primordiais do cinema: fascínio e entretenimento, por uma feliz fusão entre a arte e a tecnologia. Na voragem actual dos audiovisuais, sob sortilégio do Oriente, tal distingue Sete Espadas (2005) de Tsui Hark - um popular realizador/produtor de Hong-Kong, prestigiado em Hollywood, cujo estilo dinâmico transfigura acção, humor, agravos e emoções, uma expressão deslumbrante, efeitos espectaculares e uma sugestiva banda sonora. Por finais do Século XVII, quando o clã Manchu assume a soberania na China, constituindo a dinastia Ching, sete guerrilheiros espirituais do Monte Tian, em missão de resgate duma comunidade ameaçada, forjam uma sagração lendária e existencial, trágica e libertária, sob o signo dos heróis prodigiosos - que, pelas artes marciais, se transcendem numa ascese mística... Editado em DVD com a chancela Lusomundo, Sete Espadas consuma um exorcismo feérico - entre as luzes e as trevas, a bravura e o sacrifício, a aparência e a perversão.

CALENDÁRiO

FEV2006 - Há decénios descoberto numa caverna de Al-Minya, no Egipto, onde terá permanecido mil e setecentos anos, o Evangelho de Judas é revelado em Nova Iorque, após restauro a cargo da National Geographic Society. Culminou assim um obscuro processo de aquisição e comercialização do manuscrito, enfim confiado à Fundação Maecenas de Basileia, para conservação e tradução. Entre outros, participaram na recuperação do papiro, que chegou a desintegrar-se, Stephen Emmel (especialista em copta), Tim Jull (datação), Florence Darbre (conservador) e Rodolphe Kasser (chefe-tradutor). Segundo os especialistas, o documento foi elaborado no Século III da Era Cristã, sendo a versão copta de um texto escrito cem anos antes em grego. Este códice permitiria reavaliar Judas Iscariotes, de traidor a discípulo dilecto de Jesus Cristo, de quem terá recebido instruções secretas, para uma actuação que o tornou amaldiçoado por gerações.

MAR2006 - Com uma idade estimada em duzentos e cinquenta anos, a tartaruga Addwaita morre no Jardim Zoológico de Calcutá, onde terá chegado em 1875. Originária das Ilhas Seicheles e oferecida por marinheiros a Lord Robert Clive da Companhia das Índias Orientais, com quem passou algum tempo, sucede-lhe em longevidade Harriet, de cento e setenta e seis anos, originária das Galápagos e, no Século XIX, retirada de Santa Cruz por Charles Darwin, que inspirou na teoria da evolução das espécies, e a residir actualmente num Jardim Zoológico da Austrália.

ABR2006 - Em oposição à postura da Motion Pictures Association, reivindicando um direito de expressão artística, Paul Newman manifesta apoio à Lei de Protecção da Imagem do Estado do Connecticut, a qual proíbe a utilização não consentida da figura e da voz de alguém, até setenta anos após o seu falecimento. Em causa, está a salvaguarda de património dos actores, que podem ser digitalmente recriados ou objecto de montagem tecnológica, para aparecerem em novas produções de cinema e televisão, ou com fins comerciais e publicitários IMAGINÁRiO81.

ABR2006 - Culminando as cerimónias do octogésimo aniversário, Winnie the Pooh - nascido em 1925 nas páginas do London Evening News, pela imaginação de A.A. Milne, e estrela de cinema desde 1966, sob chancela Walt Disney - tem direito ao seu nome inscrito no Passeio da Fama de Hollywood, correspondendo ao assento número 2.308 IMAGINÁRiO30.

MAI-SET2006 - O pianista Arrigo Cappelletti apresenta o concerto Mozart Project em digressão, celebrando os duzentos e cinquenta anos desde o nascimento do compositor austríaco; em três variantes sobre a música clássica ao sabor do jazz, com interlúdios de improvisação para trio e quarteto, participam Haemi Haemmerli, Ferdinando Faraò, Ralph Alessi e Flavio Minardo IMAGINÁRiO68.

BREVIÁRiO

 Fronteira do Caos edita Os Vencidos da Vida; sobre as onze personalidades que, entre 1887 a 1889, se reuniam semanalmente para jantar e conversar no Hotel Bragança, no café Tavares ou em residência de um dos membros: Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, António Cândido, Eça de Queiroz, Conde de Ficalho, Conde de Sabugosa, Conde de Arnoso, Marquês de Soveral, Carlos de Lima Mayer e Carlos Lobo de Ávila.

Prisvídeo edita em DVD, Twin Peaks - Os Últimos 7 Dias de Laura Mars (1992) de David Lynch.

Nova Vega edita O Cilindro de Crísipo de António Faria.

Eagle Vision/Edel lança em DVD, James Brown - Live at Montreux 1981 IMAGINÁRiO57.

TRAJECTÓRiA

REMBRANDT

 

Rembrandt Harmensz Van Rijn nasceu a 15 de Julho de 1606, filho de um moleiro, em Leiden - onde frequentou a Escola Latina (1613) e se inscreveu na Universidade (1620). Estudou com Jakob Van Swanenburch e, em Amesterdão, com Pieter Lastman (1620-1623). De regresso a Leiden, abriu um Estúdio como professor (1625) e logrou fama com A Lição de Anatomia do Dr. Tulp (1625). Em 1631, fixou-se em Amesterdão, residindo em casa do negociante de arte Hendrick Van Ulyenburgh e casando com a sua sobrinha Saskia (1634). Convertido num dos pintores com maior renome, concluiu A Ronda da Noite em 1642 - ano da morte de Saskia após parto, tornando-se amante de Geertje Dircx, ama do filho Titus e, em 1649, da governanta Hendrickj Stoffels. Ameaçado pelas dívidas, como coleccionador de objectos valiosos e exóticos na mansão que adquirira em 1639, um tribunal declarou-o falido em 1656. Em 1660, Titus e Hendrickj fundaram uma sociedade de comércio, para empregar Rembrandt - que assinou Os Síndicos em 1662, e A Noiva Judia em 1666. Prestigiado internacionalmente, em 1667 recebeu Cosimo de Medici, depois Grão-Duque da Toscania. Faleceu a 4 de Outubro de 1669, sendo sepultado em campa rasa.

ANTIQUÁRiO

11JUL1533 - Henry VIII, é excomungado pelo Papa Clemente VII, por ter voltado a casar. Em consequência, o Rei de Inglaterra rompeu com a Igreja Católica Romana, fundando a Igreja Anglicana.

MEMÓRiA

1927-1996 - David Mourão-Ferreira: «Não perguntem nada: nós estamos dentro / Do aro de frio, no frio do muro, / Tão longe da feira do Tempo!»

1898-12ABR1976 - Berta Rosa-Limpo: Cantora lírica e mãe do cineasta Jorge Brum do Canto, co-autores de O Livro de Pantagruel (1950).

15JUL1606-1669 - Harmensz Van Rijn, aliás Rembrandt, pintor holandês símbolo do estilo barroco.

VISTORiA

É varina, usa chinela,
tem movimentos de gata.
Na canastra, a caravela;
no coração, a fragata.

Em vez de corvos, no xaile
gaivotas vêm pousar.
Quando o vento a leva ao baile,
baila no baile co’o mar.

É de conchas o vestido;
tem algas na cabeleira;
e nas veias o latido
do motor de uma traineira.

Vende sonho e maresia,
tempestades apregoa.
Seu nome próprio, Maria.
Seu apelido, Lisboa.
David Mourão-Ferreira - Maria Lisboa

NOTICIÁRiO

Morte de Uma Rapariga

Saiu ontem de uma casa da Rua da Barroca para o Cemitério Oriental, o cadáver de uma d’essas infelizes de baixa condição, seguido de um modesto séquito de companheiras no mesmo infortúnio, e alguns rapazes que a conheciam todos vestidos de preto e com os olhos marejados de lágrimas.
A defunta chamava-se Lucinda e sucumbira a uma tísica pulmonar.
Foram sem dúvida os tristes efeitos das repetidas orgias, em que essa rapariga se tornara notável, na última sociedade em que vivia há muitos anos.
O enterro foi feito por subscrição aberta entre algumas das suas amigas.
Lucinda foi bonita e elegante. Sabia ler e escrever o seu idioma e um pouco de espanhol e francês. Era também uma exímia guitarrista.
O seu corpo depois de ser encomendado na sacristia da Igreja da Encarnação, foi conduzido, à mão, para o cemitério.
25AGO1885 - Diário de Notícias

Escola de Arte Rupestre
Encontrada em Foz Côa

O maior especialista português em arte rupestre, António Martinho Baptista, coloca a hipótese de ter havido uma «escola de arte» no Parque Arqueológico do Vale do Côa [há 10.000/40.000 anos]. Esta hipótese, que o historiador leva muito a sério, surge após a descoberta de placas de xisto gravadas, do tamanho da palma da mão, encontradas às dezenas no local do Fariseu.
«Ninguém sabe exactamente para que servem estas placas a que chamamos arte móvel. Já eram conhecidas em locais de grutas. Tínhamos em Portugal duas ou três. Mas aqui achámos imensas, umas 65, todas no mesmo sítio. Porque estavam ali tantas acumuladas? Ou era um pequeno santuário onde se depositariam tipo ex-votos, ou seria uma pequena escola de belas artes do Paleolítico Superior, onde os artistas ensaiariam».
18MAR2006 - Diário de Notícias - Leonor Figueiredo (excerto)

REPOSITÓRiO

 

 

O brutal assassinato de duas jovens (Theresa Banks, Laura Palmer) pelo mesmo homem (ser múltiplo, entre o pesadelo demoníaco e a alucinação expiatória), com ténues vínculos, temporais e realistas, enleia - em ritual terrífico - uma narrativa sensual, fragmentária, fascinante, sobre a malignidade e o sobrenatural, a culpa e a morte, o assombro e o tormento, a inocência e a redenção... Eis o preâmbulo de Twin Peaks (1989-91) - uma série televisiva que subverteu todas as convenções, e estilhaça em grande ecrã, sobre Os Últimos 7 Dias de Laura Mars (1992), pela ironia macabra e estilizado requinte de David Lynch. Um inclemente transe de tensões e perversão, cuja latente inexorabilidade paira, paradoxal, até à própria sublimação pelo imaginário. Como transfiguração, entre as luzes e as trevas - onde, para sempre, há-de consumir o fogo dum inferno em que, volúvel, avassala a existência mais precária. Fragmentos do quotidiano, a iminência da tragédia, os estigmas do horror - na mesma distorcida pulsação duma paisagem, interior e cósmica - cujo envolvimento limítrofe, mas virtual, se explora sobre pequena comunidade, seus mundos insólitos e zonas ocultas.



 

IMAGINÁRiO89
01 JUL 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

 PRONTUÁRiO

 TRASTES

 

Um título irónico mas sugestivo, no que a alusão formal contraria o fascínio narrativo, A Pior Banda do Mundo virtualizou o apreço entre nós e o prestígio além fronteiras de José Carlos Fernandes, cuja assunção da criatividade prolífica e versátil, em quadradinhos, tem correspondência num estilo pessoal e coerente ao talento como argumentista e ilustrador. Assim, O Depósito de Refugos Postais culmina o acesso ao grande público - sob chancela Devir - de uma série complexa mas aliciante, após O Quiosque da Utopia, O Museu Nacional do Acessório e do Irrelevante, As Ruínas de Babel e A Grande Enciclopédia do Conhecimento Obsoleto, esperando-se Os Arquivos do Prodigioso e do Paranormal. Aliás, a banda em título essencial é uma noção ambígua e exploratória - pois, além de insinuar falsas valências em banda desenhada, refere ainda uma pretensiosa banda musical, constituída por precários protagonistas com outras profissões... secundárias: o líder e saxofonista Sabastien Zorn, também serrilhador de selos; o contrabaixista Ignacio Kagel, fiscal municipal de isqueiros; o pianista Idálio Alzheimer, verificador meteorológico; e o baterista Anatole Kopek, criptógrafo de segunda classe. Rotinas e rituais quotidianos, irrisórios sob os paradoxos da memória e da cultura...

CALENDÁRiO

MAR2006 - Lançado pela NASA em 2001, para medir os padrões de polarização na radiação cósmica de fundo, fóssil do Big Bang, quando o Universo tinha 380.000 anos, o satélite Wilkinson Microwave Anisotropy Probe/WMAP desvenda as principais conclusões de observação, com as medições da luz mais antiga que se consegue ver, registando os primeiros instantes. Assim foi possível saber que, antes do primordial bilionésimo de segundo, a partir de um tamanho subatómico, o Universo teve um surto brutal de crescimento, convertendo tais variações de energia, ou flutuações quânticas, em diferenças regionais na densidade da matéria, que foram as sementes das estrelas e das galáxias.

02ABR2006 - Sediada no Palácio do Contador-Mor, aos Olivais, a Bedeteca de Lisboa comemora dez anos de existência - com ateliers de ilustração e banda desenhada, lançamento de livros infantis, exposições, visita guiadas, performances e concertos.

1924-09ABR2006 - Vilgot Sjöman: «É difícil dizer se existe um sistema de classes na Suécia. Depende das pessoas. Despidas, são todas iguais. Vestidas, sim, há diferenças entre elas».

VISTORiA

Um dia
quando já não vieres dizer-me  Vem
jantar

quando já não tiveres dificuldade
em chegar ao puxador
da porta  quando

já não vieres dizer-me  Pai
vem ver os meus deveres

quando esta luz que trazes nos cabelos
já não escorrer nos papéis em que trabalho

para ti será o começo de tudo

Um outro dia haverá talvez para os teus sonhos
um outro mundo acolherá talvez enfim a tua oferenda

Hás-de ter alguma impaciência enquanto falo
Ouvirás com encanto alguém que não conheço
nem talvez ainda exista neste instante

Mas para mim será já tão frio e já tão tarde

E nem mesmo uma lembrança amarga
ou doce ficará
desta hora redonda
em que ninguém repara
Mário Dionísio - Para Ser Lido Mais Tarde (1953)

ANTIQUÁRiO

1926 - Rino Lupo dirige O Diabo em Lisboa, sendo também argumentista. Uma fantasia explorada sobre o mito da Severa (Maria Emília Castelo Branco), para «mostrar aos olhos de estranhos as excelsas belezas naturais da capital portuguesa»... Lúcifer (Manuel Baptista) vem observar e frequentar o ambiente boémio e dramático da Mouraria, onde decorreu a existência da afamada cantadeira. Em 1930, o filme foi destruído pelo produtor Artur Costa de Macedo IMAGINÁRiO8-76.

VISTORiA

 

A tua chegada tardia, César de Nostredame, meu filho, fez-me dispor o meu longo tempo em contínuas vigílias nocturnas, para relatar por escrito e te deixar estas memórias, após a corporal extinção do teu  progenitor, e ao comum  proveito dos humanos, aquilo que a divina  essência me fez conhecer. E desde que seja lamentado ao Deus imortal que tu não vieste em luz natural nesta terrena plaga, e não venho dizer os anos que não são ainda acompanhados, mas os teus meses marciais, incapaz de  receber no  teu débil  entendimento aquilo a que eu estarei sujeito após os meus dias se findarem. Ainda que não seja possível deixar-te por escrito aquilo que seria pela injúria do tempo obliterado, pois a palavra hereditária da oculta predição estará escondida no meu âmago; e considerando também os acontecimentos futuros do fim dos humanos  serem incertos, e que tudo é regido e governado pelo poder de Deus inestimável, inspirando-nos nem por bacante furor nem por linfático movimento, mas por afirmações astronómicas, pois a luz solar da vontade divina inspira o presságio, e em particular, o espírito profético. Ainda que por várias vezes eu predisse, muito  tempo antes, aquilo que depois aconteceu e em regiões diversas, atribuo tudo ser feito pela virtude e inspiração divina, e prontamente manifestados outros sinistros ou felizes acontecimentos, que depois ocorreram pelas regiões do mundo. Tendo desejado  calar e desistir,  por causa  da injúria  do tempo presente e também da maior parte do futuro, de colocar por escrito aquilo que os reinos, seitas e religiões farão mudanças tão opostas, e no que têm a ver a respeito do presente isso será diametralmente, que se  eu venho  relatar aquilo que  há-de acontecer, os  governos, as seitas, religião e fé, procurarão encontrar tão  má  concordância conforme a sua auricular fantasia, que eles virão condenar aquilo que acontecerá pelos séculos e será  conhecido, visto e percebido.Nostradamus - Vida e Felicidade - Ao Filho César de Nostradame (Prefácio de As Centúrias - 1555 - excerto)

MEMÓRiA

1916-1993 - Mário Dionísio: «Quando eu continuar na minha marcha eterna, / direito no caixão, sereno e branco, / tu ficarás sozinha. / E talvez só então entendas claramente / que, além de ti, eu era a única pessoa.».

01JUL2004 - Kafre publica o IMAGINÁRiO1, ainda apenas em versão newsletter.

1503-02JUL1566 - Michel de Nostradame, aliás Nostradamus: «Tudo  tem origem no poder divino do grande Deus eterno, de quem toda  bondade procede.»

04JUL1776 - A Declaração da Independência dos Estados Unidos da América é aprovada pelo Congresso Continental; o texto de Thomas Jefferson distinguir-se-ia pelos princípios morais e pela clarividência de conceitos, fundamentando o Dia Nacional dos EUA.

 

1896 - Os jogos da I Olimpíada da era moderna têm lugar na cidade grega de Atenas, por iniciativa de Pierre de Frédy, Barão de Coubertin, centrando-se no recuperado estádio Panathinaiko. Os Jogos Olímpicos contaram com a participação de duzentos e quarenta e cinco atletas, em representação de catorze países, os quais competiram em nove modalidades desportivas. No dia 6 de Abril, o americano James Connolly venceu o triplo salto, convertendo-se no primeiro campeão olímpico em mais de mil e quinhentos anos.

BREVIÁRiO

Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema edita Pier Paolo Pasolini - O Sonho de Uma Coisa; organização literária de António Rodrigues IMAGINÁRiO57.

Archiv/Universal edita em CD, Motezuma (1733) de Giuseppe Verdi, e libreto de Alvise Gerolamo Giusti; com Alan Curtis e Il Complesso Barroco.

Albin Michel edita Les Carnets de Voyages de Georges Wolinski; inclui passagem no VII Porto Cartoon, a que o artista presidiu em 2005.

Mareantes edita Memórias de Um Escravo Americano (1845) de Frederick Douglass.

ELUCIDÁRiO

Cinema Quarteto - O Londres tem mais uns anitos (Jorge Leitão Ramos) IMAGINÁRiO68.

Perdigão Queiroga não morre em Lisboa. Vinha no seu Toyota do Porto para a capital e, em Vila Franca, faz uma manobra que motiva o embate com um pesado. Fica essa noite na casa mortuária de Vila Franca (Luís Pinto) IMAGINÁRiO82.

Allen Ginsberg - 03JUN1926-05ABR1997 IMAGINÁRiO85.

OBSERVATÓRiO

www.renatoroque.com - Renato Roque propõe «uma espécie de blog pessoal, construído a partir de imagens [fotografias] do dia a dia, sem qualquer compromisso de temáticas ou de regularidade».

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL
Folhetim aperiódico

Capítulo Três
COMO OS EXTREMOS COLIDEM - 22

 Deodato Roble susteve-se, intrigado. Aquelas palavras não lhe traziam escárnio, ou insolência, mas uma alusão de chiste, graça que nunca esperaria de alguém, insinuante garça,  que imaginava, apenas, entre círios e ribombares.

Virou-se. E encontrou-a já altiva, em carne e osso, sensual, lasciva, capaz de abalar o lobo mau, em seus humores mais subliminares...

Fado teve vontade de descompô-la, de decompô-la com toda a sua efusiva virilidade - mas com uma charada tão flagrante, feminina e heroina, que surpresas não lhe reservaria Ofélia Luna ao celibato, ou a Fada e a virgindade, numa contenda mais fracturante em seu manto de possessões - entre rendição doméstica e dissidência sobrenatural?

Continua


IMAGINÁRiO88
24 JUN 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

 INTRIGAS

 

Nome maior da escola europeia, a popularidade de Jean Dufaux firmou-se durante a década de ’80 do Século XX, com Jessica Blandy, revelando um argumentista de fértil talento e versatilidade, nascido na Bélgica e actualmente com 57 anos. Correspondendo à fidelidade e ao culto sofisticado dos leitores adultos - de Niklos Koda a Djinn, ou a Rapaces -  ei-lo de volta com Murena, sob chancela das Edições Asa, sendo ilustrador Philippe Delaby, galardoado com o prémio Clio, por Richard Coeur de Lion (1994). Tendo principiado com A Púrpura e o Ouro, em Roma, pelo ano de 54 DC, tudo continua entre A Areia e o Sangue. Ao saber que o tio e marido, Cláudio, pretende repudiá-la para desposar Lolia Paulina, mãe de Murena, a ciumenta Agripina envenena o imperador, elevando ao trono o seu próprio filho, Nero, em desfavor de Britannicus, o herdeiro natural... Em quadradinhos, uma intriga perturbadora, inexorável, perspectivando a história como conspiração suprema.

VISTORiA

E foi então que apareceu a raposa:

- Bom dia, disse a raposa.
- Bom dia, respondeu polidamente o principezinho que se voltou mas não viu nada.
- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...
- Quem és tu? perguntou o principezinho. Tu és bem bonita.
- Sou uma raposa, disse a raposa.
- Vem brincar comigo, propôs o príncipe, estou tão triste...
- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.
- Ah! Desculpa, disse o principezinho.

Após uma reflexão, acrescentou:

- O que quer dizer cativar?
- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?
- Procuro amigos, disse. Que quer dizer cativar?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa criar laços...
- Criar laços?
- Exactamente, disse a raposa. Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativares, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo...

Logo, a raposa voltou à sua ideia:

- A minha vida é monótona. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativares, a minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei o barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros fazem-me entrar debaixo da terra. O teu chamar-me-á para fora como música. E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E, por isso, serás maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento do trigo...

A raposa calou-se, e observou muito tempo o príncipe:

- Por favor, cativa-me! disse ela.
- Bem queria, disse o príncipe, mas eu não tenho tempo. Tenho amigos a descobrir e mundos a conhecer.
- Nós só conhecemos bem as coisas que cativámos, disse a raposa. Os homens não têm tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens já não têm amigos. Se tu quiseres uma amiga, cativa-me! Os homens esqueceram a verdade. Mas tu não a deves esquecer. Tu tornas-te eternamente responsável por aquilo que cativas.
Antoine de Saint-Exupéry - O Principezinho (1943 - excerto)

MEMÓRiA

29JUN1900-1944 - Antoine de Saint-Éxupery: «Se calhar, as estrelas só estão iluminadas para que, um dia, cada um de nós possa encontrar a sua!» (O Principezinho).

1810-29JUN1856 - Robert Schumann: «Cheguei à conclusão de que com trabalho, paciência e um bom professor, em seis anos poderei ultrapassar qualquer pianista. Tenho imaginação e, talvez, talento para a criação artística» (carta à Mãe, Johanna Christiane Schnabel, em 1829).

1906-1954 - Óscar de Lemos: Artista radiofónico, cantor da Orquestra Aldrabófona (1936), actor de cinema desde Aldeia da Roupa Branca (1938).

1906-1972 - Dino Buzzati «leva o romance de volta à epopeia, que foi a sua fonte» (Jorge Luís Borges).

REPOSITÓRiO

JOSÉ MOJICA MARINS
E O ZÉ DO CAIXÃO

 

Personalidade bizarra, entre o kitch e o culto, José Mojica Marins legou ao cinema brasileiro - com inevitável privilégio sobre o nefando alter-ego Zé do Caixão, de que também é protagonista - uma obra mítica, imperdível para os fanáticos do terror/suspense, do sádico/macabro, do erótico-sobrenatural e outras variantes ou perversões. Em 1987, Décio Pignatari saudou «um primitivo alquímico, em plena era espacial».

Na religião antropofágica que os seus filmes representam, Zé do Caixão seria «o grão-sacerdote» terrorífico e medievalizante. Como indiciam os seus apelidos, Mojica Marins tem uma dupla ascendência espanhola. Segundo o lendário americano sobre Coffin Joe/Zé do Caixão, ele-próprio é dali originário; para os brasileiros nasceu atrasado - com onze meses de gestação - em São Paulo numa Sexta-Feira, 13 de Março de 1936.

Os pais tentaram a sorte como artistas de circo; antes, a mãe era cantora de tangos; o marido seria toureiro, originário da Andaluzia; tornou-se, enfim, gerente de um cinema. Para Mojica - que detesta andar de avião, com medo de morrer - Zé do Caixão era «filho das fitas de horror» que assim viu, desde a infância. Aos nove anos, realizou O Juízo Final com uma máquina 8 mm, seguindo-se O Fim do Mundo e O Ano da Besta com trucagens.

Em regime profissional, lançou-o A Sentença de Deus (1956). Os padres condenaram-no por Sina de Aventureiro (1958), onde já apareciam duas mulheres nuas. Zé do Caixão surgiu de uma visão grotesca e satânica, ao preparar a rodagem de Geração Maldita (1963). Assim iluminado, Mojica privilegiou À Meia Noite Levarei Sua Alma (1964), pelo qual Ignacio de Loyola Brandão lhe chamou «um assassino do cinema nacional».

Mojica propôs a personificação de Zé do Caixão a vários actores, que se assustaram ou não pretendiam queimar a sua imagem. Por isso, definindo um estilo e um símbolo, foi o próprio a assumi-lo, como um ente meio mórbido e tenebroso, de cartola, barbudo, unhas compridas, com capa e roupa negras. Glauber Rocha estimava Mojica - em 2005, distinguido pelo presidente Lula da Silva com o grau de Comendador, pelos serviços prestados à Nação - como «um prodígio bruto»

Na sua carreira artística, Mojica Marins dirigiu cerca de trinta e cinco longas metragens (1954-1986), além de várias fitas curtas; participou em cinco documentários (1967-1997) e, como actor, em dezasseis outros filmes (1969-1997); esteve implicado em seis produções televisivas (séries, telefilmes, programas, uma telenovela, 1967-1996); escreveu seis livros (1956-1993); publicou quatro revistas de cinema e fotonovela (1961-1962); motivou cinco peças de teatro e onze álbuns gráficos (1969-1997).

Em 1998, Ivan Finotti escreveu Maldito! - A Vida e o Cinema de Zé do Caixão. Entretanto, Mojica tem privilegiado o vídeo, com seis produções (1992-1997); integrou a equipa técnica de mais quatro (1992-1994), e participou no elenco de outras cinco (1990-1997). Para completar esta panorâmica, há que recordar uma incursão como amador, tendo assinado dezoito fitas (1949-1955). E, entre Deus e o diabo, deixou inéditos ou inacabados trinta e dois projectos (1968-1969)!

Em 1986, Ivan Cardoso - realizador do documentário O Universo de Mojica Marins (1977) - comparou-o a Antônio das Mortes (1969 - Glauber), pois ambos mostram «a gente brasileira, através de uma linguagem demencial, primitiva, bárbara & nossa». A partir dos anos ’60, Zé do Caixão converteu-se em fenómeno idolatrado, provocante e misterioso. Uma geração de universitários e intelectuais procurava avidamente, em jornais ou revistas, as suas filosofias e pensamentos (como «Quem não aparece, desaparece»).

Segundo a lenda marinsana, o verdadeiro nome de Zé do Caixão é Josefel Zanatas, e nasceu num berço de ouro - os pais possuíam uma cadeia de agências funerárias. Josefel deixou a noiva prometida e participou na Grande Guerra em Itália, onde foi dado como morto. Ao regressar, encontrou-a casada com o prefeito da cidade natal, e matou ambos. Não o condenaram mas tornou-se um ser incrédulo, desalmado e obsessivo em seu desígnio - encontrar uma mulher fiel e ter um filho imaculado...

Para Mojica Marins, «quem sabe o Zé do Caixão seja tudo o que eu gostaria de ser e não fui. Hoje, eu sou um homem afectivo, boémio, que acredita no amor. O Zé do Caixão não tem sentimentos, não ama. Só pensa nele, em construir o seu mundo, gerar o seu filho, um ser superior e imortal». No capítulo final da saga, Alguém Deve Morrer Esta Noite (1965), Mojica previa que o «infante magnífico» não era como Zé do Caixão almejara, acabando por executar o pai!

A aura soturna e trágica de Zé do Caixão - que «alguns consideram louco», conclui Mojica Marins, «mas satisfaz as suas frustrações» - reflectiu-se em múltiplos universos ou imaginários - como a televisão, a literatura, a radiofonia, o teatro, a fotonovela e os quadradinhos. Estas duas vertentes fundiram-se na série O Estranho Mundo de Zé do Caixão (1969) - argumento de Rubens F. Luchetti, ilustração de Nico Rosso.

Na generalidade dos seus filmes, este criador bastardo da Série Z dos heróis negros americanos é produtor, argumentista, realizador, protagonista. Aprecia a solidariedade humana e as belas histórias sentimentais; várias vezes, denunciou os financiadores, «por se aproveitarem da minha ingenuidade». Em 1970, Carlos Reichenbach considerou José Mojica Marins «um tarado mental, um génio do escrotismo, o maior homem do cinema já surgido no hemisfério sul». 

CALENDÁRiO

MAR2006 - Em Nova Iorque, o Continuum Centre for Health and Healing, hospital ligado à Universidade de Harvard, anuncia o tratamento da artrite degenerativa com sanguessugas, ou Hirudo Medicinalis, pelas capacidades como anticoagulantes do sangue e calmantes contra a dor, permitindo recuperar a mobilidade até seis meses. Conhecidas e utilizadas em humanos há mais de dois mil e quinhentos anos, as propriedades curativas dos anelídeos são actualmente reaplicadas, segundo Elizabeth Dowling, pela descoberta científica comprovada de que também produzem, e segregam, «uma substância que funciona como analgésico semelhante à morfina».

ANTIQUÁRiO

24JUN1926 - Cerca de um mês após o Golpe de Estado de 28 de Maio, é instituído para a Imprensa portuguesa o regime da inspecção prévia; a chancela Visado pela Comissão de Censura apenas deixará de vigorar com a Revolução do 25 de Abril de 1974.

BREVIÁRiO

Lusomundo edita em DVD, A Guerra dos Mundos (1953) de Byron Haskin e Guerra dos Mundos (2005) de Steven Spielberg IMAGINÁRiO44.

Gatafunho edita Quando a Mãe Grita de Jutta Bauer.

Teorema edita Vida do Capitão Alonso Contreras (1582-1633) de Alonso Contreras; posfácio de Ortega y Gasset, tradução de Manuel Ruas.


IMAGINÁRiO87
16 JUN 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

RETORNOS

 

Em 1994, Alex Proyas realizou O Corvo, filme que logo se converteu numa excepcional obra-prima de luto e culto - sobre um fenómeno underground em quadradinhos, na criação de James O’Barr. Em causa, Eric Draven - por Brandon Lee, tragicamente falecido durante a rodagem - numa transfiguração sobrenatural, após o selvático assassinato, com a noiva Shelley Webster, pelo submundo urbano. Já em 2005, e após várias sequelas funestas, Edward Furlong protagonizou O Corvo - A Reencarnação de Lance Mungia - em DVD, sob chancela Lusomundo - quando o malogrado Jimmy Cuervo é vítima, com a amada companheira Lily, do grupo motoqueiro Quatro Cavaleiros do Apocalipse sob o comando de Luc Crash, que ambiciona tornar-se um demónio imortal. Então, instigado por hipnótico Corvo negro, Jimmy regressa do túmulo e assume a personalidade, paradoxal e assombrada, de um anjo exterminador. Em inclemência expiatória, sobrenatural, contra os que violentam e pervertem, na noite desumana do deserto índio... Sobrepondo o conflito entre o bem e o mal, a elegia fatídica - da feérie cénica, ao gótico crepuscular - sublima o paixão sacrificada, em contraste com a exuberância ritual americana.

CALENDÁRiO

MAR2006 - A leiloeira londrina Bonham licita um manuscrito com 520 páginas, avaliado em 1,5 milhões de euros, da autoria de Robert Hook (1635-1703), contendo as minutas das reuniões realizadas entre 1661 e 1691 pela Royal Society - a mais antiga instituição científica do Mundo - o qual foi encontrado no fundo dum armário em casa particular no Condado de Hampshire, e estava desaparecido há centenas de anos. Entre os tópicos incluídos no volume, estão as teorias de Isaac Newton - durante anos, rival de Hook - sobre a gravidade e o movimento dos planetas, e a descrição de experiências que verificam a descoberta dos micróbios e das células vegetais. Inventor do microscópio composto e pioneiro do relógio moderno, Hook publicou Micrographia, onde defende - quase dois séculos antes Charles Darwin lançar a teoria da evolução - que os fósseis são formas de vida extintas IMAGINÁRiO30.

1918-23MAR2006 - Cindy Walker: «Entre os vivos, é a pessoa que melhor escreve canções na música country» (2002 - Harlan Howard).

08DEZ1916-25MAR2006 - Richard Fleischer: «Era uma autêntica lenda de Hollywood, um homem de grande talento e um extraordinário realizador» (Arnold Schwarzenegger).

1921-28MAR2006 - Stanislaw Lem: «Não resisto ao progresso, mas tenho a sensação crescente de que a humanidade o usa quase sempre com intenções mesquinhas».

30MAR2006 - Atalanta Filmes estreia Vanitas - Vaidade das Vaidades, Tudo É Vaidade de Paulo Rocha; em complemento, A Piscina de Iana e João Viana.

03ABR2006 - Entre o Ministério da Cultura e o Comendador Joe Berardo é assinado um protocolo, tendente a estabelecer o Museu de Arte Moderna e Contemporânea - Colecção Berardo no Centro Cultural de Belém/CCB.

02JUN-17JUN2006 - No Auditório do Hospital Júlio de Matos, Artistas Unidos apresenta Paixão Segundo João de Antonio Tarantino; encenação de Jorge Silva Melo.

VISTORiA

Heróis do mar, nobre Povo, 
Nação valente, imortal, 
Levantai hoje de novo 
O esplendor de Portugal! 
Entre as brumas da memória, 
Ó Pátria, sente-se a voz 
Dos teus egrégios avós, 
Que há-de guiar-te à vitória!  

Às armas, às armas! 
Sobre a terra, sobre o mar, 
Às armas, às armas! 
Pela Pátria lutar 
Contra os canhões marchar, marchar!
A Portuguesa - Versão Oficial

RELATÓRiO

ROBERT W. PAUL
E O CINEMA EM PORTUGAL

 

O chamado electricista de Budapeste, Edwin Rousby foi o introdutor do cinema em Portugal. Tal sucedeu no Real Colyseu de Lisboa, na Rua da Palma, a 18 de Junho de 1896. A iniciativa coube ao empresário António Manuel dos Santos Júnior que, tendo assistido à sensacional novidade em Espanha, decidiu revelar o Animatographo entre nós. Para cumprir a promessa, Edwin Rousby veio de Madrid, chegando a Lisboa em 15 de Junho. A apresentação do Theatrographo de Robert W. Paul - e não do vulgarmente anunciado Kinetoscopio de Edison - decorreu no início da tarde do dia 18, para a Imprensa, seguindo-se à noite a divulgação ao público. Lisboa foi a oitava grande cidade europeia a alcançar tal privilégio. Em 22 de Junho, Rousby concluía os cinco espectáculos para que fora contratado, logrando Santos Júnior retê-lo no Colyseu, embora já estivesse comprometido com sessões em Barcelona. Em 17 de Julho, o Animatographo Rousby exibia-se no Theatro-Circo do Príncipe Real no Porto, em sessões a que assistiu Aurélio da Paz dos Reis. Seguiram-se Espinho e Figueira da Foz. Em 27 de Agosto, reaparecia no Real Colyseu de Lisboa, com novas máquinas e aperfeiçoamentos,  feitos por Robert W. Paul, do Alhambra Theatre de Londres, a que Rousby chamava Animatographo Colossal. Em 9 de Setembro, chegou a Lisboa Henry W. Short - culminando uma digressão ibérica de cinco semanas, para a série que Paul veio a exibir no Alhambra como Tour in Spain and Portugal. Tiradas «fotografias instantâneas de cenas e pontos principais» da capital, incluindo uma corrida de touros no Campo Pequeno, Short e Rousby estiveram dia 13 em Cascais e periferia. A 18 de Setembro, Short partia para Londres, para revelação e duplicação do material impressionado. No dia 29, inaugurava-se no Coliseu a Série de Quadros Portugueses, com A Boca do Inferno em Cascais. A 1 de Outubro, seguiu-se A Praia de Algés na Ocasião dos Banhos, em que se vêem a ginasta Amparo Aguilera e o actor Jaime Silva, artistas do Real Coliseu. Outro exemplo é O Mercado do Peixe na Ribeira Nova, apresentado a 6 de Outubro.

MEMÓRiA

1693 - 1776 - John Harrison: carpinteiro de ofício, exerceu uma enorme influência no desenvolvimento dos relógios de precisão - também conhecidos como cronómetros, reguladores científicos, reguladores de relojoeiro e reguladores astronómicos.

18JUN1896 - No Real Colyseu de Lisboa, Edwin Rousby apresenta o Animatographo em Portugal.

19JUN1911 - A Portuguesa de Alfredo Keil e Henrique Lopes de Mendonça, é consagrada como Hino Nacional. Tocada, pela primeira vez, num Sarau em Lisboa, a 01FEV1890, nasceu como testemunho de exaltação patriótica, em resposta ao Ultimato britânico para que as tropas portuguesas abandonassem as suas posições em África.

22JUN1906-2002 - Billy Wilder: «Alguém que não acredita em milagres não é realista... Só fiz os filmes que gostaria de ver».

ANTIQUÁRiO

 

 1736 - Após seis anos de trabalho, John Harrison (1693-1776) - apoiado pelo George Graham (1673-1751) e Edmund Halley (1656-1742) - conclui o relógio marítimo H-1 e, recusada pelo Conselho da Longitude (criado pelo Parlamento inglês em 1714) a sua petição para o experimentar num percurso oceânico às Índias Ocidentais, promoveu uma viagem entre Londres e Lisboa. O H-1 revelou ao capitão que estava 1,5 graus mais a oeste de onde presumia que se encontrava, demonstrando assim ser uma solução prática para determinar a longitude durante os trajectos sobre as águas.

1946 - 6 TERRÍVEIS - Os jovens Xico, Pedro, Al Capote, Galgo Russo, Alma Negra e José enfrentam perigos sem conta, desta vez um caso de espionagem, pela posse dos planos de uma «máquina que irradia luz sem sombra», tornando as criaturas invisíveis! Aventura concebida por Jayme Cortez, lançada em O Mosquito, e reeditada pelo CPBD/Clube Português de Banda Desenhada, em suplemento no Correio da Manhã.

01ABR1976 - Steve Jobs e Steven Wozniak fundam a Apple Computers para comercializar o Apple 1, ainda uma placa-mãe onde são colocados os circuitos e componentes de computador.

NOTICIÁRiO

Visconde de Correia Botelho - O notável romancista Camilo Castello Branco foi agraciado, por Decreto de 18 do corrente, com o título de Visconde de Correia Botelho, em sua vida. 23JUN1855 - Diário de Notícias

OBSERVATÓRiO

Em especial para os apreciadores de banda desenhada, O Cuco Informativo Bd aparece em plena página no Diário do Sul por Dâmaso Afonso, podendo ser solicitado em correio electrónico a datelier@clix.pt

BREVIÁRiO

Objecto Cardíaco edita Maria! Não Me Mates Que Sou Tua Mãe! (1848) de Camilo Castelo Branco.

Sob chancela Virgin, EMI lança Collected dos Massive Attack; ao vivo em Lisboa, a 08JUL2006.

Núcleo de artes da Faculdade de Letras de Lisboa/Blast, com o apoio de Ar.Co e Fisga Comics, lança Blazt, revista aperiódica.

Teorema edita Uma Recordação Minha de Saul Bellow; tradução de Rui Zink.

Caixotim edita Poesia e Cultura de Jorge de Sena; introdução por Mécia de Sena.

Lusomundo edita em DVD, A Lenda de Zorro (2005) de Martin Campbell; com Antonio Banderas e Catherine Zeta-Jones IMAGINÁRiO71.

Ésquilo edita O Livro Secreto de João e Evangelhos Gnósticos, constituintes da Biblioteca de Nag Hammadi dos Séculos II-IV, a partir da tradução espanhola por António Piñero, José Montserrat Torrents e Francisco García Bazán.

Livros do Brasil edita Histórias Maravilhosas do Oriente de Pearl S. Buck (1892-1973); tradução de Fernanda Pinto Rodrigues.