José de Matos-Cruz


IMAGINÁRiO60
24 NOV 2005 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org

PRONTUÁRiO

 RE-CRIAÇÕES

 

Em 1974, um excepcional autor de banda desenhada, Jean Giraud/Moebius fundava com os seus pares - Jean-Pierre Dionet, Etiènne Rabal e Philippe Druillet - Metal Hurlant, um dos projectos europeus em quadradinhos mais impressionantes e virtuais. Dois anos depois, passou a colaborar Enki Bilal, forjando-se uma convergência de expressões e imaginários que culminaria em Exterminador 17 por Dionet & Bilal, lançado entre nós sob chancela das Edições Asa. Algures no futuro, evolui um extraordinário fenómeno de extermínio e ressurreição, entre uma das unidades cibernéticas a abater após servirem a civilização, e o mestre humano que lhe deu origem com a sua própria matriz. No instante em que morre o ancião criador, o seu espírito transfere-se para o andróide em causa, gerando um elã místico e cósmico cujos dilemas sobre a vida e a morte, a natureza e a consciência, se precipitarão num desígnio épico, de implicações libertárias e estelares... Ao fascinante testemunho em quadradinhos, acresce a simbólica ironia do pacto original - sobre uma reivenção do western ao estilo de Giraud, ou numa estratégia de ataque com Poder de Exterminação 7 Moebius!

VISTORiA

Onde porei meus oihos que não veja
A causa, donde nasce meu tormento?
A que parte irei co pensamento
Que pera descansar parte me seja?

Já sei como s’engana quem deseja,
Em vão amor firme contentamento,
De que, nos gostos seus, que são de vento,
Sempre falta seu bem, seu mal sobeja.

Mas inda, sobre claro desengano,
Assim me traz est’alma sogigada,
Que dele está pendendo o meu desejo;

E vou de dia em dia, de ano em ano,
Após um não sei quê, após um nada,
Que, quanto mais me chego, menos vejo.

Diogo Bernardes - Onde porei meus oihos que não veja

MEMÓRiA

1520-1605 - Diogo Bernardes: «Só pera mim nem flor nem erva verde, / Nem água clara tem, nem doce canto, / Que tudo falta a quem falta ventura.»

25NOV1845-1900 - Eça de Queiroz: «Olha para tudo, umas vezes maliciosamente, como faz a lua, outras alegre e robustamente, como faz o sol».

30NOV1835-1910 - Mark Twain, aliás Samuel Langhorne Clemens: «A palavra certa pode ser eficaz, mas nenhuma palavra é tão eficaz como o silêncio no momento exacto».

CALENDÁRiO

 SET2005 - Um dos mais conceituados especialistas do cinema de animação, Giannalberto Bendazzi elabora um Top Ten of the Best Adaptations and Animated Films Inspired by Literature in the History of the Cinema, incluindo Os Salteadores (1993) de Abi Feijó, adaptação de um conto de Jorge de Sena (1919-1978).

29SET2005 - A editora Random House anuncia o aparecimento do manuscrito de Summer Crossing, primeiro romance de Truman Capote (1925-1984) perdido em 1966, após o sucesso de A Sangue Frio, e encontrado numa caixa com papéis do escritor leiloada em 2004. O respectivo lançamento concretizou-se nos EUA em 25OUT2005, embora - segundo Gerald Clarke, biógrafo de Capote - «o livro não deveria ser publicado, para respeitar a vontade do autor».

27OUT2005 - Lusomundo estreia O Crime do Padre Amaro (2005) de Carlos Coelho da Silva, com Soraia Chaves e Jorge Corrula; sobre a obra de Eça de Queiroz.

26NOV2005 - No Espaço Memória dos Exílios (Estoril), inaugura a exposição Portugal e Cascais no Final da Segunda Guerra Mundial; um lugar de acolhimento de refugiados, assinalando os sessenta anos sobre o fim do conflito.

Até 16 DEZ2005 - No Celeiro da Patriarcal (Vila Franca de Xira) decorre Um Tempo e Um Lugar. Dos Anos 40 aos Anos 60. Dez Exposições Gerais de Artes Plásticas; organização da Câmara Municipal e do Museu do Neo-Realismo, sendo comissário Rogério Ribeiro.

VISTORiA

Portugal, não tendo princípios, ou não tendo fé nos seus princípios, não pode propriamente ter costumes. Fomos outrora o povo do caldo da portaria, das procissões, da navalha e da taberna. Compreendeu-se que esta situação era um aviltamento da dignidade humana: e fizemos muitas revoluções para sair dela. Ficamos exactamente em condições idênticas. O caldo da portaria não acabou. Não é já como outrora uma multidão pitoresca de mendigos, beatos, ciganos, ladrões, caceteiros, que o vai buscar alegremente, ao meio dia, cantando o Bendito; é uma classe inteira que vive dele, de chapéu alto e paletó. Este caldo é o Estado. Toda a nação vive do Estado. Logo desde os primeiros exames do liceu a mocidade vê nele o seu repouso e a garantia do seu futuro. A classe eclesiástica já não é recrutada pelo impulso de uma crença; é uma multidão desocupada que quer viver à custa do Estado. A vida militar não é carreira; é uma ociosidade organizada por conta do Estado. Os proprietários procuram viver à custa do Estado, vindo a ser deputados a 2$500 réis por dia. A própria indústria faz-se proteccionar pelo Estado e trabalha sobretudo em vista do Estado. A imprensa até certo ponto vive também do Estado. A ciência depende do Estado. O Estado é a esperança das famílias pobres e das casas arruinadas. Ora como o Estado, pobre, paga pobremente, e ninguém se pode libertar da sua tutela para ir para a indústria ou para o comércio, esta situação perpetua-se de pais a filhos como uma fatalidade.
Eça de Queiroz - As Farpas (Mai 1871)

NOTICIÁRiO

Os Maias - Foi-nos ontem oferecido o novo romance do notável escritor Eça de Queiroz, obra editada pela Livraria Internacional de Ernesto Chardron, de que são sucessores Lugan & Genelioux. Devemos a estes cavalheiros a valiosa oferta, que compreende dois grossos volumes com 900 páginas e custa 2$000 réis. Já está à venda em Lisboa.
03JUL1888 - Diário de Notícias

França - O senhor Eça de Queiroz tomou posse do cargo de Cônsul de Portugal em Paris no dia 20 do mês passado.
07OUT1888 - Diário de Notícias

ANTIQUÁRiO

1875 - A Revista Ocidental publica O Crime do Padre Amaro de Eça de Queiroz; um ano mais tarde, editado em romance pela Tipographia Castro Irmão.

1935 - Paramount produz Hopalong Cassidy, o primeiro de 66 filmes, protagonizados por William Boyd.

BREVIÁRiO

Almedina edita Eça de Queirós, a Europa e a Faculdade de Direito de Coimbra no Século XIX de Rui de Figueiredo Marcos; prefácio de Aníbal Pinto de Castro.

Caixotim edita Diários de Jorge de Sena; organização de Mécia de Sena.

GALERiA

HOPALONG CASSIDY
UM HERÓI IMPECÁCEL

 

Em 1912, Clarence Edward Mulford iniciou as novelas sobre Hopalong Cassidy, tendo publicado 25 títulos. Em 1935, a Paramount produzia o primeiro de 66 filmes, protagonizados por William Boyd até 1951. Foram realizadores Howard Bretherton (1935), Nat Watt (1936), Lesley Selander (1937), David Selman (1937), Edward D. Venturino (1938), Derwin Abrams (1941), George Achainbaud (1943) e Joseph Henabery (1943); em 1942, a saga tinha passado para a United Artists. Boyd era um actor dos anos ’20, cuja estrela declinara e, assim, voltou a cintilar; atlético e cavalheiresco, tendo-se aprimorado como cavaleiro, imprimiu a sua personalidade ao sólido e amável Cassidy, capataz do rancho Bar 20, propriedade de um nobre inglês; como seu assistente, o característico California Carlson, desempenhado por Andy Clyde - que, com Boyd, interveio num folhetim radiofónico; e, em 1949-52, interpretaram 52 episódios (de meia hora cada) numa série televisiva. Responsável pela gestão do herói, em 1944-48, Boyd perdeu e fez fortuna, assumiu outros papéis (1935-36, 1952), abandonando a carreira em 1953, tendo falecido em 1972. No grande ecrã, começou por trajar de claro, sobre um garanhão negro; depois, optou pelo inverso - de roupa escura, e montando o branco Topper. Galante, mas sem importantes aventuras românticas, maduro e de cabelo prateado, eis a imagem de Hopalong Cassidy estilizada em quadradinhos, pelos jornais, com tira diária e prancha dominical - em 1949-55 - do excelente artista Dan Spiegle, segundo guiões de Royal King Cole; entre os parceiros de acção - além de California, e como no ecrã - destacam-se Mesquite, Red Connors ou Lucky Jenkins. Previamente, surgiram - em 1942-59 - 135 números com Hopalong Cassidy em comic-book, por diversos autores e de nível variável; mas o expressivo êxito editorial levou a Fawcett Publications a 23 lançamentos, em 1950-52, da revista Bill Boyd Western, que confirmaram uma idiossincrasia paladínica. No entanto, nada se compararia - mesmo no historial da banda desenhada, deste popular género - ao labor épico de Spiegle: fiel aos traços fisionómicos e à figura de Boyd, transpondo a natureza rústica, o rude quotidiano laboral, explorando as tensões e peripécias do bem contra o mal; mas, simultaneamente, fascinando com um traço elegante, denotando o cinza através do preto-e-branco, enquadrando a paisagem prodigiosa, em seus inexoráveis signos telúricos. Em 1998, Christopher Coppola dirigiu O Pistoleiro (The Gunfighter), sobre as aventuras de Hopalong Cassidy, no rancho Bar 20.

OBSERVATÓRiO

23SET2005 - No Pavilhão do Conhecimento em Lisboa, durante a Noite Europeia dos Investigadores 2005, é apresentada a Lista da Fauna (Mollusca e Arthropoda) e Flora (Bryophyta, Pterydophyta e Spermathophyta) Terrestre dos Açores, em edição da Universidade dos Açores/UA com a Secretaria Regional do Ambiente e do Mar. Primeira obra com a lista exaustiva das plantas e dos animais dos Açores, incluindo 4487 espécies e subespécies, nove das quais endémicas dos Açores e novas para a ciência: oito aranhas e um escaravelho cavernícola. Análises científicas e estatísticas complementam a listagem.


IMAGINÁRiO59
16 NOV 2005 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org

PRONTUÁRiO

 HUMORES

 

Não é o fantástico Capitão Nemo a percorrer Vinte Mil Léguas Submarinas (Jules Verne), nem o Capitão Acab a perseguir Moby Dick (Herman Melville) para sempre... Trata-se de Steve Zissou, excêntrico e obcecado oceanógrafo que anda à caça de Jaguar - um tubarão muito raro, e que talvez nem exista - o qual teria devorado o seu melhor amigo quando filmava um documentário. O vingador Zissou - supostamente inspirado no Comandante Jacques Cousteau - viaja a bordo do submarino Belafonte, tendo por tripulação a própria e bizarra família. Ora, entre proezas e azares, Zissou e companhia terão ainda que... escapar às garras do arqui-inimigo Alistair Henessey! Estilizando a sua carismática caricatura, Bill Murray é Um Peixe Fora de Água - em DVD, sob chancela Lusomundo - uma comédia insolente com assinatura de Wes Anderson, cruzando a extravagância cromática com a navegação irónica e heróica.

MEMÓRiA

1545 - Fernão Lopes de Castanheda (1500-1559) é nomeado bedel do Colégio das Artes, assim como guarda do cartório e da livraria da Universidade de Coimbra. Nessa altura, conclui a História do Descobrimento e Conquista da Índia Pelos Portugueses, começada a publicar em 1551.

1925-1964 - Daniel Filipe: «Jaz morto de cansaço, de pobreza, de fome / (sobretudo, de fome). Jaz morto sem remédio. /É apenas, sobre um papel azul, um nome».

1870-1935 - António Xavier Trindade: pintor de Goa, retratou a paisagem, o quotidiano e a cultura indiana de finais do Século XIX e inícios do Século XX, de forma elucidativa e tocante (Diário de Notícias).

1871-1935 - António d’Oliveira Soares: «Só se morre de não amar, / Mas o navio irá só, deixando pelo mar, / Um desfolhar de rosas brancas».

1887-1985 - Marc Chagal: «Na arte, como na vida, tudo é possível, desde que seja feito com amor».

VISTORiA

No decair da tarde anelada de opalas.
É amorosa, a Ceifeira:
Tudo são festas e galas,
Ainda não chegou a hora derradeira,
Mas eu leio o destino em meus anéis de opalas,
E ninguém sabe mais da vida que a Ceifeira...

 Bom tempo em que eu cortei espigas loiras na seara
Da tua alma melancólica!
Turvaram já a tua fronte clara,
Ah! Quem fizesse refluir a seara
Da tua alma melancólica!
António de Oliveira Soares - [A Ceifeira] (1891-92) - Poema XV de Paraíso Perdido (excerto)

CALENDÁRiO

09SET2005 - No Festival de Cinema de Veneza, o mestre japonês da animação Hayao Miyazaki é galardoado com o Leão de Ouro à Carreira; criador dos Ghibli Studios e realizador de O Castelo Andante, estreado por NewAge em 13OUT2005.

 

SET-DEZ2005 – Assinalando o sétimo aniversário, o Museu do Fado expõe O Fado por Stuart de Carvalhais, uma mostra de ilustrações do artista para a capa de partituras musicais.

05OUT2005 - Ao Campo Grande, reabre o Museu Bordalo Pinheiro; ver www.museubordalopinheiro.pt IMAGINÁRiO22.

OUT2005-MAR2006 – No Palácio Fronteira, decorre a série de Concertos Comentados de Guitarra Portuguesa Tradicional de Lisboa, em organização da Academia da Guitarra Portuguesa e do Fado com Fundação das Casas de Fronteira e Alorna.

18NOV2005 - No Instituto de História Contemporânea, decorre o Colóquio Internacional Revoluções Científicas, Artísticas e Políticas no Início do Século XX; organização da Universidade Nova de Lisboa, sob uma perspectiva interdisciplinar, por ocasião do Ano Mundial da Física.

26NOV2005 - Em Évora, decorre o Fike 2005, 5º Festival Internacional de Curtas Metragens; a consultar em www.fikeonline.net

TRAJECTÓRiA

 
MARC CHAGAL

Moyshe Segal nasceu em Julho de 1887, em Vitebsk, Bielorússia, sendo o mais velho de oito filhos duma modesta família judia de comerciantes. Após a educação religiosa e os estudos secundários, em 1906 obteve uma bolsa para estudar Desenho com Yehuda Pen. No Inverno de 1907, logrou autorização para fixar-se em São Petersburgo, recebendo aulas de Arte na Escola Superior e lições privadas de Léon Bakst, cenógrafo dos Ballets Russes de Diaghilev. Em 1910, com o patrocínio de Maxim Vinaver, deputado da Duma, chegou a Paris, vivendo no Vaurigard e mudando o nome para Marc Chagal. A sua criação plástica foi influenciada pelo Cubismo e o Fauvismo, aliada ao lirismo pessoal de inspiração russa, em Eu e a Aldeia de 1911. Apoiado por Guillaume Appolinaire, fez uma primeira exposição em Berlim, regressando à Rússia em 1914. Retido em Vitebesk pela Guerra na Europa, casou com Bella Rosenfeld em 1915, nascendo a filha Ida em 1916. Aderiu à Revolução de Outubro de 1917, e em 1919 transferiu-se para Moscovo. Mas, decepcionado com a situação no País, mudou-se para Berlim com a família em 1922, no ano seguinte voltando para Paris. Em 1931, publicou a autobriografia Ma Vie e visitou a Palestina. Em 1938, denunciou a perseguição pelos nazis, pintando Cristo como um judeu crucificado. Em 1941, a pretexto de uma exposição no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, radicou-se nos Estados Unidos. Falecida Bella em 1944, em 1948 optou por Paris e a Côte d’Azur. Em 1952, desposou Valentina Brodsky e radicaram-se em St. Paul-de-Vence. Passou a dedicar-se a frescos e vitrais, mosaicos e esculturas. Distinguido com a Légion d’Honeur, em 1983 visitou a Rússia a convite oficial. Mantendo-se activo, em St. Paul-de-Vence, faleceu em 28 de Março de 1985.

VISTORiA

Concertadas as naus de todo o necessário, Vasco da Gama tornou a seu descobrimento e partiu-se um sábado, vinte e quatro de Fevereiro, e aquele dia foi na volta do mar, e assi a noute seguinte, por se afastar da costa, que toda era mui graciosa. E uma quinta-feira à tarde, que foi o primeiro de Março, viu quatro ilhas, duas perto da costa e duas ao mar, e por não ir de noute dar nelas se fez na volta do mar, porque determinava de ir por entre elas, como foi, mandando diante Nicolau Coelho, por ser o seu navio mais pequeno que os outros. E, indo ele à sexta-feira por dentro de uma angra que se fazia entre a terra e hüa das ilhas, errou o canal e achou baixo, o que foi causa de virar atrás para os outros navios que iam após ele; e, em virando, viu que saíam daquela ilha sete ou oito barcos à vela.

A gente que vinha dentro eram homens baços e de bons corpos, vestidos de panos de algodão listrados e de muitas cores, uns cingidos até o giolho e outros sobraçados como capas, e nas cabeças fotas com vivos de seda lavrados de fio de ouro, e traziam terçados mouriscos e adagas. Estes homens, como chegaram aos navios, entraram dentro mui seguramente, como que conheceram os portugueses, e assi conversaram logo com els, e falavam aravia, no que se conheceu que eram mouros. Vasco da Gama lhes mandou dar de comer, e eles comeram e beberam; e, perguntados por um Fernão Martins, que sabia aravia, que terra era aquela, disseram que era hüa ilha do senhorio dum grande rei que estava adiante, e chamava-se a ilha Moçambique, povoada de mercadores que tratavam com mouros da Índia, e que traziam prata, cravo, pimenta, gengibre, anéis de prata, com muitas pérolas, aljôfar, e rubis, e que doutra terra, que ficava atrás, lhe traziam ouro; e que, se ele quisesse entrar pera dentro do porto, que eles o meteriam, e lá veria mais largamente o que diziam. Ouvido isto por Vasco da Gama, houve conselho com os outros capitães que seria bom que entrassem, assi pera verem se era verdade o que aqueles mouros diziam, como pera tomarem pilotos que os guiassem dali por diante, pois os não tinham, e que Nicolau Coelho fosse sondar a barra: e assi se fez.
A povoação é de casas palhaças, povoada de mouros, que tratavam dali pera Sofala em grandes naus e sem coberta nem pregadura, cosidas com cairo, e as velas de esteiras de palma, e algüas traziam agulhas genoíscas, porque se regiam por quadrantes e cartas de marear. Com estes mouros vinham tratar mouros da Índia e do Mar Roxo, por amor do ouro que ali achavam. E, quando eles viram os nossos, cuidaram que eram turcos por a notícia que tinham de Turquia pelos mouros do Mar Roxo. E aqueles que foram primeiro à nossa frota o foram dizer ao Sultão, que assim chamavam ao governador do lugar que o governava por el-rei de Quíloa, de cujo senhorio era esta ilha.
Fernão Lopes de Castanheda - História do Descobrimento e Conquista da Índia Pelos Portugueses (excerto)

ANTIQUÁRiO

 

 

1865 - Estudante de Direito em Coimbra, e presidente da Sociedade do Raio, organização secreta de oposição à tradição académica, Antero de Quental publica Odes Modernas e Bom Senso e Bom Gosto, folheto em que reagia contra a Carta-Prefácio de António Feliciano de Castilho ao Poema da Mocidade de Manuel Pinheiro Chagas. A polémica assim gerada entre os defensores do lirismo ultra-romântico, e os jovens apóstolos da literatura com uma função social, fundamentou a Questão Coimbrã, demarcando os nóveis autores contestatários em relação à Geração de 70
IMAGINÁRiO39-52.

BREVIÁRiO

Assírio & Alvim edita Rafael Bordalo Pinheiro - Fotobiografia de João Paulo Cotrim; patrocínio de Câmara Municipal de Lisboa/Museu Rafael Bordalo Pinheiro.

Edições Mortas lança Numa Avenida de Merda de Ivar Corceiro.

¸Neil Gaiman (autor de Sandeman) e Roger Avary (guionista de Pulp Fiction - 1994 de Quentin Tarantino) escrevem o argumento de Beowulf, inspirado no poema épico (Séculos VII/X) fundador da literatura inglesa. Robert Zemeckis assina a realização, com recurso às tecnologias realista e digital, sendo protagonistas Anthony Hopkins e Angelina Jolie IMAGINÁRiO26.


IMAGINÁRiO58
08 NOV 2005 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano II · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

 FUTUROS

 

Thorinth foi concebido por Amodef, senhor da consciência, para descobrir os segredos do cérebro humano. Porém, tudo se complica sob os labirínticos desígnios do poder, ao deflagrarem o ciúme e o fanatismo... Subvertendo a realidade, eis os parâmetros criativos de Nicolas Fructus, formatados aos quadradinhos para gerar Thorinth - um ente prodigioso mas paradoxal, aparecido em Les Humanoïdes Associés (2001) e revelado entre nós pelas Edições Asa, com O Louco Sem Nome. Um envolvimento barroco e futurista, de acção trepidante, humor, monstros e exotismo, que se expande em Tomo 2, envolvendo Os Guardiães de Sogrom. Além das referências místicas ou sociopolíticas, sobressai uma efusão épica ao delírio - sofisticada pelo talento de Fructus, aplicando a sofisticação gráfica, segundo uma estética e um estilo cibernéticos - em que a dialéctica do bem e do mal se repercute nos caprichos singulares e desaires colectivos, sob um intenso signo de heroísmo trágico. Em conjugação com as vivências actuais, a intranquilidade sobre o que nos espera. A sociedade que por aí estará a acontecer. Tendencialmente. Entre os dilemas e os desafios.

ANTIQUÁRiO

  CHARLOTIN E CLARINHA

 Uma das figuras marcantes da arte e da cultura portuguesas durante o Século XX, com uma intervenção primordial entre as décadas de ’30 e ’50, Roberto Nobre (1903-1969) aliou o espírito íntegro, intransigente, incisivo e entusiasta, ao talento versátil, ecléctico, pessoal e vanguardista. Jornalista e pintor, escritor e cineasta, teórico e ilustrador, é sobretudo na vertente crítica e analítica, por todas estas áreas fecundas da criatividade, que Roberto Nobre assumiu uma autoridade indiscutível e intemporal, valorizando a isenção do intelectual e o compromisso do cidadão. Entre 1923 e 1925, Roberto Nobre realizou, em Olhão, a sua única experiência cinematográfica, para Gharb Film. Trata-se de Charlotin e Clarinha, uma farsa cómica em curta metragem, que apresenta alguns aspectos singulares - desde logo, o facto de apenas ter sido revelada em 1972.
Apreciando a fita, e embora despretensiosa, sobressai uma carga expressiva de total irreverência - repartida por diversos quadros não inteiramente formulados, que ficam em suspense ou se misturam entre si. Tudo gira em volta de quatro personagens: a Tia Aspérrima e Clarinha, o Rapaz Gordo e o pequeno Charlotin. Irrequieto como todos os garotos, e uma réplica casual de Charlot, o Charlotin entretém-se como jazzbandista, «já que não o deixam, como ao Ruy Coelho, reger ópera portuguesa em São Carlos»; outras vezes, «como discípulo de Rosa Brito e Tavares Crespo», entrega-se a verdadeiros massacres de boxe. A referência a personalidades artísticas e desportivas da época é, expressamente, citada nos intertítulos do filme, e dá sinal da amável ironia que Roberto Nobre, de um modo versátil e inteligente, gostava de sugerir na sua actividade crítica ou criatividade.

BREVIÁRiO

Relógio D’Água edita Mulheres Apaixonadas de D.H. Lawrence; tradução de Cabral do Nascimento.

Imprensa Nacional lança Tratado da Glória de D. Jerónimo Osório, Bispo de Silves; pela primeira vez publicado em 1549, em cinco livros, teve vinte e nove edições na integral versão latina.

Teorema edita Viagem Com Quino e Mafalda de Joaquin Salvador Lavado, aliás Quino IMAGINÁRiO11.

Campo das Letras edita Ubu de Alfred Jarry; tradução de Luísa Costa Gomes IMAGINÁRiO30.

Assírio & Alvim edita Flor Brilhante de Hildegard Von Gingen (1098-1179); tradução de Joaquim Félix de Carvalho e José Tolentino Mendonça.

Livros Horizonte edita Os Painéis de D. Afonso V - Proposta de Interpretação Geral da Obra, Datação e Identificação das Personagens de José Tudella.

Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema edita François Truffaut - A Vida Era o Écran; organização literária de António Rodrigues.

Casa das Letras edita Passeios Pelo Porto de Outros Tempos de Germano Silva.

Difel edita A Misteriosa Chama da Rainha Loana de Umberto Eco; tradução de Simonetta Neto.

Imprensa Nacional edita O Essencial Sobre Adolfo Casais Monteiro (1908-72) de Carlos Leone.

VISTORiA

 

Todos os contentamentos
da minha vida passaram,
e, em fim, não me ficaram
senão descontentamentos,
que de mim se contentaram.
Destes, pelo meu pecado,
– inda que nunca pequei
a quem amo e amarei –,
nunca desacompanhado
me vejo, nem me verei.

Faz-me esta desconfiança
ver meu remédio tardar;
e já agora esperar
não ousa minha esperança,
por me mais não magoar.
Se por isso desmereço,
dê-se-me a culpa assim,
e seja lá com a fim
– que há muito me conheço
aborrecido de mim.
Cristóvão Falcão - Écloga Chamada Crisfal (excerto)

TRAJECTÓRiA

HERMÁN CORTÉS

 

Conquistador espanhol, Hermán Cortés nasceu em Medellin, Badajoz, em 1485. Originário duma família nobre mas desfavorecida, estudou Leis em Salamanca. Porém, aborrecido, partiu para as Índias em 1504, a fazer fortuna. Prestou serviço como notário em Santo Domingo, Hispaniola, sob governo da Família Colombo. Optando pelo mister das armas, em 1511 acompanhou Diego Velázques de León numa expedição a Cuba. Tendo-se distinguido, e enviado para a costa de Yucatán nos finais de 1518, de lá Grijalva mandou-o, em 1519, a descobrir e conquistar Anahuac, o país dos Aztecas e suas riquezas. La Malinche, aliás D. Marina, uma rebelde índia que falava a língua maia, tornou-se sua influente amante. Em 1520, capturou sem resistência Moctezuma II, na cidade do México. No ano seguinte, após a rebelião da Noche Triste, derrubou o império autóctone. Em 1522, Carlos V nomeou-o Governador da Nova Espanha, distraindo-se entre a administração e a missionação. Em 1528, visitou a Corte e, sete anos depois, abriu a rota para a Califórnia. Investiu os seus recursos próprios a financiar a colonização - mas quando regressou à pátria, em 1540, Carlos V ignorou-o e foi-lhe recusado um reembolso. Continuando a participar em incursões militares à Argélia e Norte d’África., faleceu em Castilleja de la Cuesta, próximo de Sevilha, em 1547.

MEMÓRiA

1485-1547 - Hermán Cortés: «Enterraremos os que morrerem de noite, para que os nossos inimigos julguem que somos imortais».

1515? -1557? - Cristóvão Falcão: «...Depois de assi viver / nesta vida e neste amor / depois de alcançado ter / maior bem pera mor dor...»

1925 - Em Olhão, Roberto Nobre (1903-1969) conclui Charlotin e Clarinha, para Gharb Film.

CALENDÁRiO

1914-28AGO2005 - Jacques Dufilho: «Sou um actor-camponês, [respeitador] da humildade que todos deveríamos ter neste mundo».

SET2005 - Parlophone/EMI edita Chaos and Creation In the Backyard de Paul MacCartney.

1927-09SET2005 - Albano Taborda Curto Esteves, aliás Tarzan Taborda: bailarino do Lido de Paris, duplo em Hollywood, penta-Campeão do Mundo e tetra-Campeão da Europa de luta livre.

15SET2005 - Edições Asa lança Asterix L Goulés, primeira aventura do herói de René Goscinny & Albert Uderzo em mirandês, a segunda língua oficial de Portugal, sendo responsável pela tradução Amadeu Ferreira. Três dos quatro mil exemplares são certificados e numerados, integrando-se nas comemorações dos 45 anos de Astérix - cujo 33º álbum, Le Ciel Lui Tombe Sur la Tête/O Céu Cai-lhe Em Cima da Cabeça, foi lançado em 14 de Outubro, a cargo titular de Uderzo. Em paralelo, decorrem diversas manifestações internacionais, a partir de Bruxelas, incluindo o baptismo pictórico de dois aviões, uma emissão de selos, uma cunhagem de moeda, várias conferências e exposições.

06OUT2005 - Atalanta Filmes estreia Alice (2005) de Marco Martins; com Nuno Lopes e Beatriz Batarda.

10NOV2005 - O ciclo Falar de Blogues prossegue, na Livraria Almedina (Atrium Saldanha), com Percursos e Perspectivas por António Granado, Catarina Rodrigues, Joana Amaral Dias e Rogério Santos. Organização de José Carlos Abrantes.
13NOV2005 - No Centro Cultural de Cascais, o Festival Raízes Ibéricas apresenta A Música do Barroco nas Sonoridades do Cravo e do Violino, com obras de J.S. Bach, Carlos Seixas, François Couperain e J.M. Leclair.

 

EXTRAORDINÁRiO

 

O INFANTE PORTUGAL
Folhetim aperiódico

 Capítulo Dois

O VULCÃO DE VOLTA À LIÇA - 9

 Vulcão deteve-se em mais uma das suas formidáveis gargalhadas, à beira da combustão apoplética, logo absorvida pelo controlo sobre-humano e com a ajuda de saliva, que lhe permitiu refrigerar a garganta calcinada e humedecer os lábios. Tinha atingido, pois, os seus ínvios desígnios, ao inquietar o insuportável Infante Portugal - surpreendendo-o no seu quotidiano vulnerável, desfeiteando-o no próprio leito burguês em que se refugiava, sob a identidade de Rui Ruivo.

Continua


 IMAGINÁRiO57
01 NOV 2005 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano II · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

 CORPO, ACTOR

 

Um filme perturbador, uma exposição frugal, que insinua fenómenos actuais como a paranóia e a conspiração numa abordagem de tese, pelas referências/aparências enquanto tragédia individual ou ameaça colectiva. O drama de um operário metalúrgico, e a estranha insónia que o condiciona. Não dormindo há mais de um ano, marcado no equilíbrio físico e mental, Trevor Raznik obceca-se numa vertigem da irrealidade - agravada pela culpa de acidente que afecta um colega, com a suspeita de ser vítima de perseguição. Tudo seria, afinal, um processo de loucura ou um projecto de demolição... Reivindicando as matrizes do thriller psicológico, pelo rigor exploratório, estético e estilizado, O Maquinista (2004) de Brad Anderson - em DVD sob chancela Lusomundo - resulta numa tremenda incidência, essencial e existencial, sobre o corpo de Christian Bale - como actor, submetido a regime em que emagreceu trinta quilos, fracturando a obscura identidade entre um homem perdido e seu pervertido fantasma. Pelo olhar em causa, a denúncia da representação.

OBSERVATÓRiO

SET2005 - O Simpósio Internacional de Joalharia do Museu Turnov, da República Checa, decorre em Travassos, no concelho da Póvoa de Lanhoso. A iniciativa inclui uma Exposição de Ourivesaria Checa no Século XX, desde a arte nova à actualidade, e a presença de dez designers de sete países, laborando ao vivo em várias oficinas da aldeia minhota - com tradições centenárias na arte da filigrana, e onde se desenharam e produzem as contas e os corações usados pelas mulheres de Viana do Castelo. Ali, o antigo ourives Francisco Carvalho e Sousa fundou o Museu do Ouro, cuja colaboração com a Escola Superior de Artes e Design, de Matosinhos, levou ao projecto Leveza: Reanimar a Filigrana - o qual, além de exposição itinerante em Portugal e pela Europa, inclui a concepção de pequenas séries de peças que reinventam o modo ancestral de trabalhar o ouro.

SET2005 - Após a decifração do genoma humano em 2001, a comunidade científica logra descodificar o código genético do chimpanzé e, de uma comparação, conclui que primatas superiores e seres humanos partilham 99% do seu património genético - segundo dados do Instituto Nacional da Investigação Sobre o Genoma, com sede nos Estados Unidos. Neste estudo, participaram 67 peritos de 23 centros de investigação dos EUA, Alemanha, Itália, Israel e Espanha.

Entretanto, o Departamento Ambiental e de Conservação da Natureza das Nações Unidas considera que algumas espécies de gorilas, chimpanzés e orangotangos poderão desaparecer durante o período de uma geração. Ao apresentar o primeiro Atlas Mundial dos Grandes Símios, a UNEP aponta, como principais ameaças à existência de símios em África e na Ásia, a destruição da floresta, a caça aos primatas superiores, a fragmentação dos habitates, as doenças e a pobreza humana.

BREVIÁRiO

Assírio & Alvim edita Poemas de Pier Paolo Pasolini; tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo.

 Imagine Entertainment prepara um filme sobre a vida e a lenda do artista norte-americano de soul e funk James Brown, actualmente com setenta e dois anos, para quem o protagonista deverá «saber dançar e cantar, ser humilde e educado e, claro, ter algum potencial de atracção junto das senhoras».

MEMÓRiA

1825-1880 - João Brandão: «Na Beira contava-se de muitos assassínios, que ele praticara por perversidade; mas eram afirmações sem provas, e vinham de fontes suspeitas» (Bulhão Pato, 1890).

02NOV1925-2001 - Artur Semedo: «O cinema é a minha paixão de sempre».

1922-02NOV1975 - Pier Paolo Pasolini: «É graças à morte que a nossa vida consegue exprimir-se».

05NOV1905-1990 - Joel McCrea: «Sou um actor, não um herói de westerns».

1871-05NOV1915 - António França Borges: Jornalista e político republicano, membro do Partido Democrático.

VISTORiA

 

 «Vou contar a história de um intelectual» - começou o narrador, como nas Mil e Uma Noites, não omnisciente mas humildemente intencionado a «contar» só o que ele mesmo tinha sentido - «vou contar a história de um intelectual, mas avisa-se que selecção e eleição dominarão o meu conto, e que serei linguistacamente pobre: universal e portanto genérico!
Para começar, não direi sequer o nome deste intelectual; tal como não direi o seu trabalho preciso, a sua idade, os seus hábitos, a cidade onde viveu; poderia até não ter nascido no nosso país.
O que em contrapartida me é necessário tratar - como rigorosa função do conto - é o seu quadro clínico. Neurose. E talvez mais que neurose, loucura.»
Pier Paolo Pasolini - Petróleo (excerto)

 

 João Victor da Silva Brandão nasceu a 1 de Março de 1825, no Casal da Senhora e foi baptizado na Igreja de Midões. Casou em 1863 com D. Ana Eugénia de Jesus Correia Nobre. Envolvido em lutas eleitorais, julgado e condenado em Tábua a 3 de Junho de 1869, por um crime infamante, que foi o assassinato do Padre Portugal. Em 1870 foi desterrado para Angola, onde morreu em Setembro de 1880. João Nunes (o Ferreiro da Várzea) era natural da aldeia do Casal dos Povos da Moura, freguesia de Avô. O seu pai, António Nunes, era ferreiro. Os seus quatro filhos foram ferreiros. O João, filho mais velho, veio a casar em Várzea de Candosa, perto da Percelada, concelho de Tábua. A sua divisa era: «Morrer ou matar João Brandão». Em Pomares, havia um amigo de João Brandão, que era o Dr. António Pinto de Abreu Ferreira, que vivia onde foi mais tarde a casa do saudoso Aníbal Campos. Na noite de 4 para 5 de Novembro de 1854, o destacamento de Infantaria 14, estava em Midões e era composto por 30 praças e mais de 200 bandoleiros armados, sob o comando de João Brandão. Atravessaram o rio Alva. As serras do Açor estavam cobertas de homens armados, para matarem o Ferreiro. No dia 6 de Novembro, desse ano, era a feira de Lourosa, mas o Ferreiro não apareceu. Partiu em direcção ao Casal de São João, Luadas, Ribeira de Parroselos, Mata da Margaraça, Pardieiros e Benfeita, acompanhado pelo irmão Miguel, para depois seguir para a Covilhã e Espanha. Aqui vivia o sapateiro António Quaresma, que era seu conhecido. O Ferreiro, nesta viagem, ainda recebeu uns tiros na Catraia da Fonte de Espinho. Na noite de 9 de Novembro de 1854, à meia-noite, José de Brito e José de Matos entraram no palheiro e mataram o Ferreiro e prenderam o irmão. Depois apareceu João Brandão. Trazia uma bolsa com 29 pintos em prata e uma libra em ouro. Como estava na jurisdição de Arganil, teve receio e pediu ao irmão Miguel para levar o Ferreiro para junto da Cruz de Anceriz, que pertencia ao julgado de Avô. Foram até ao lugar de Adeclarigo ou Declarigo (Anceriz). João Brandão seguiu para Pomares, levando preso o Miguel. O corpo do Ferreiro, depois foi trazido para a Capela de Santo António de Anceriz, onde se fez o exame do cadáver, representando o Ministério Público o regedor de Anceriz, José Maria da Rocha, com o perito Dr. José da Costa Mesquita e o barbeiro José Pinto. Dia 10 de Novembro de 1854, ao amanhecer. Para proceder a exame do corpo de delito, no cadáver que diz ser do João Nunes, casado ferreiro, natural do lugar da Percelada e morador na Várzea de Candosa, por o terem achado morto com ferimentos no tronco, no sítio de Adeclarigo (ou Declarigo), na freguesia de Anceriz. O João Brandão é condenado e o Povo da Beira, quando ele foi desterrado para Moçâmedes, Angola, a 9 de Outubro de 1870, cantava: «Já lá vais para o degredo, / Adeus, ó João Brandão! / A morte daquele padre / Foi a tua perdição!»
J.M. Dias Ferrão - João Brandão (1928, extractos)

RELATÓRiO

Mataram-no Duas Vezes - A Lei do Trabuco e do Punhal - Pedro Massano, Luís Avelar - Europress (1987)

João Brandão de Midões - Fernando Santos Costa - série Bandoleiros Portugueses - O Bandarra, Almanaque Anuário de Trancoso - Câmara Municipal de Trancoso

Apontamentos da Vida de João Brandão: Por Ele Escritos nas Prisões do Limoeiro Envolvendo a História da Beira Desde 1834 - João Brandão - Editorial Vega (1990)

João Brandão - Sangue e Balas Na Beira Trágica - João MacDonald - Notícias Magazine (10JUN2001)

João Brandão - O Terror das Beiras - José Manuel de Castro Pinto - Plátano Editora - Ontem & Hoje (2004)

Quem Foi João Brandão? - série A Alma e a Gente – José Hermano Saraiva - Videofono/RTP-2: (2005)

INVENTÁRiO

 

 Uma das convenções tradicionais da banda desenhada respeita à função corporativa dos heróis, sujeitos a uma exposição pública, que os solidariza perante todos os perigos e as piores ameaças. Tal estimula os autores às mais empolgantes especulações - as quais, muitas vezes, remontam a territórios privilegiados da aventura, em épocas culminantes do devir histórico e civilizacional. Imaginem-se os Estados Unidos, pelo início do século passado. Agosto de 1901. Dos bastidores da Casa Branca, em Washington, às ruas fervilhantes de Nova Iorque, dissemina uma sinistra conspiração, que poderá pôr em risco todo o futuro do Ocidente, tal como o viemos a conhecer. Um destino à guarda de quatro homens indomáveis, conhecidos pela sigla W.E.S.T. - em lançamento pelas Edições Asa - aliás, Weird Enforcement Special Team... Com a marca actual da escola franco-belga, num intrincado argumento de Xavier Dorison & Fabien Nury, o estilo gráfico de Christian Rossi - originalmente inspirado por Jean Giraud - ganha sobriedade e expressão, ao estigmatizar uma acção volúvel, entre o mistério e a aventura, de contornos políticos - em flagrantes de espionagem, sob implicações fanáticas - em que o poder absoluto se insinua, irreversível, pairando entre referências sociológicas ou proezas criminais. Eis A Queda da Babilónia - talvez próxima da verdade, uma realidade instável…


IMAGINÁRiO56
24 OUT 2005 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano II · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

 SONHOS VENCIDOS

 

Hoje em dia, Clint Eastwood é o último dos dinossauros, sobreviventes em Hollywood. Conservando, ao longo de décadas, enorme popularidade; mantendo-se fiel a dois ou três modelos, como paladino ou vilão; explorando, sedutor, a consagração e a maturidade; alternando aventuras de garantido sucesso comercial, com o maior e genuíno compromisso de autor. Privilégios que volta a gerir com garra, como director/protagonista de Million Dollar Baby - Sonhos Vencidos, em DVD sob chancela Lusomundo. Um melodrama de adversidade e solidariedade, envolvendo uma jovem empregada de bar, cuja ambição de se converter em campeã de boxe exaspera e compromete um velho treinador de pugilistas famosos. Ambos obstinados, reassumem entre as suas máscaras e fantasmas uma cumplicidade que os resgatará, para além dos sacrifícios do passado, dos desafios íntimos, dos trágicos dilemas que juntos enfrentarão... Além dos Oscars aos melhores filme e realizador, outros distinguiram o empolgante desempenho de Hilary Swank, e Morgan Freeman em sóbria composição, como velho atleta e zelador do ginásio. Incólume à corrosão dos tempos, guerreiro obstinado, Eastwood consolida como criador/intérprete uma personalidade enigmática, impenetrável, traída - no entanto - por subtil sensibilidade, ou uma acção emocionante. Sem que tal afecte a imagem do astro - afinal reavaliada, nos Estados Unidos, a partir dos padrões europeus: graças aos críticos que o reabilitaram, e aos espectadores que lhe renderam culto.

OBSERVATÓRiO

KOKINO WORLD

 

Ao tratar a realidade e seus reflexos, as vivências e as pessoas, persistem na banda desenhada códigos e convenções que, perante o olhar de gerações, assumem virtualidades ou motivam mutações artísticas, sagrando o culto dos leitores entre obras clássicas e novas criatividades. O elã intemporal da aventura sobre as paisagens do mundo, uma profissão com notáveis tradições como o jornalismo, contrastam Os Dossiers de Olivier Varèse - na actualidade duma intriga trepidante pelos palcos internacionais, em que um corajoso repórter persegue as suas investigações e seduz as mulheres... Assalto a Kokino World é o terceiro álbum, sob chancela das Edições Asa, desta saga vertiginosa, intrigante, com que o talento de Thierry Smolderen & Enrico Marini reinveste a emoção flagrante em quadradinhos de expressão europeia. Negócios obscuros, compromissos políticos, perigosas diversões, desafios românticos, forjam o pleno sucesso de um herói meio azaradoLIMAGINÁRiO8.

MEMÓRiA

1261-07JAN1325 - D. Diniz I, o monarca/trovador: «E queria mha mort’e non mi vem, / senhor, porque tamanh’é o meu mal / qeu non vejo prazer de min nen d’al».

1592-24OUT1655 - Pierre Gassendi: «É revoltante suprimir tantas coisas boas /por causa de algumas más».

24OUT1925-1999 - Teixeira da Fonseca: «Inspiro-me numa sátira construtiva, de quem luta por uma vida melhor».

CALENDÁRiO

1909-31AGO2005 - Joseph Rotblat: Cientista, físico, galardoado com o Prémio Nobel da Paz (1995) com a Pugwash, organização de luta contra as armas nucleares, da qual foi um dos fundadores.

1923-03SET2005 - Fernando Távora: «Uma grande personalidade da arquitectura e da cultura portuguesa, que deixou uma marca única, não só pelas obras que realizou, mas também pela sua actividade docente junto de várias gerações» (Álvaro Siza Vieira).

BREVIÁRiO

Publicações Dom Quixote edita As Perturbações do Pupilo Törless de Robert Musil; direcção de obra de João Barrento.

Presença edita Guerra e Paz de Lev Tolstoi; tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra.

VISTORiA

 

Levantou-s’a velida,
levantou-s’alva
e vai lavar camisas
eno alto:
vai-las lavar alva.

Levantou-s’a louçãa,
levantou-s’alva
e vai lavar delgadas
eno alto:
vai-las lavar alva.

E vai lavar camisas;
levantou-s’alva;
o vento lh’as desvia
eno alto:
vai-las lavar alva.

E vai lavar delgadas;
levantou-s’alva;
o vento lh’as levava
eno alto:
vai-las lavar alva.

O vento lh’as desvia;
levantou-s’alva;
meteu-s’alva en ira
eno alto:
vai-las lavar alva.

O vento lh’as levava;
levantou-s’alva;
meteu-s’alva en sanha
eno alto:
vai-las lavar alva.
El-Rei D. Diniz - Cantiga de Amigo

REPOSITÓRiO

MATT DILLON
- GUNSMOKE

 

Uma das sagas mais celebradas entre a televisão e os quadradinhos, Gunsmoke ocupa um espaço privilegiado de emoção e nostalgia, para os espectadores ou os leitores fascinados pelas façanhas do Oeste, sobretudo nas passadas décadas de ’60 e ’70. Embora muitos orientem o seu código de referências, em especial, pelo nome do herói - Matt Dillon. O certo é que as suas proezas se iniciaram, em pequeno ecrã, pela série Gunsmoke em 1955 - produzida sob chancela CBS, sendo responsáveis Marquis Warren, Norman McDonnell & John Mantley. E teve tal popularidade, que o jornal britânico The Dayly Telegraph incumbiu o artista Harry Bishop - prestigiado por westerns para a revista Eagle, sobre o cowboy Rex Keene - de recriar a história no papel, como Gun Law, aparecendo entre nós cerca dos anos ’60, sob o título de Matt Dillon, no Mundo de Aventuras. Entretanto, na América do Norte, após 150 episódios emitidos até 1960,  a CBS investiria em mais 350 já a cores, numa segunda fase em 1961-75. Bishop desenhou o seu Matt Dillon à semelhança do protagonista em película, James Arness - com quase dois metros de altura, de olhos claros, natural do Minneapolis. Durante a II Guerra Mundial, servira em Itália, na Divisão de Infantaria. Ferido na batalha de Anzio, Arness passou um ano em convalescença, num hospital militar. Em 1947, tentou a sorte em Hollywood, aparecendo em A Filha do Lavrador (The Farmer’s Daughter, 1948, H.C. Potter), ao lado de Loretta Young. Por essa altura, casou com a actriz Virginia Chapman, foi carpinteiro, vendedor, fez teatro, e serviu de duplo a John Wayne em vários westerns. Quando os executivos da CBS propuseram a Wayne intervir em Gunsmoke, o astro recusou por falta de tempo, mas recomendou-lhes Arness - que, assim, liderou um elenco efectivo com Amanda Blake, Dennis Weaver (nos primeiros tempos), Milburne Stone, Ken Curtis e Glenn Strange.

A acção centrar-se-ia em Dodge City - onde o marshal Matt Dillon, quando não consegue impor a autoridade com as suas estatura e insígnia, recorre infalivelmente à lei da bala... Os aliados e adversários são a mistura do costume - comerciantes, colonos, pregadores, assassinos, jogadores, vigaristas, cowboys insolentes, índios em pé de guerra, além das forças vivas ou da dama do saloon, para o descanso do justiceiro. Entretanto, já na reforma, a estrela mítica de Arness voltou a brilhar em Gunsmoke, embora em proezas esporádicas - como O Regresso do Pistoleiro (The Long Ride, 1992, Jerry Jameson), quando a sua reputação é posta em causa, por uma aparente troca de identidades.

TRAJECTÓRiA

PIERRE GASSENDI

 

Pierre Gassendi nasceu em Oise/Champtercier, a 22 de Janeiro de 1592. Estudou Latim e foi regente de Retórica em Digne, e mais tarde nas Universidades de Aix-en-Provence e Avignon, onde se doutorou em Teologia (1614) e foi professor de Filosofia (1617-22), especializando-se ainda em Biografia, Literatura grega e hebraica, Física e Anatomia. Ordenado sacerdote em 1616, tornou-se reitor da Catedral de Digne (1626). Fez uma viagem à Holanda, determinante para a sua evolução intelectual. Em Paris, conviveu com Marin Marsenne, frequentou os Libertins Érudits e correspondeu-se com Cassini, Galileu, Hevel, Hobbes, Kepler, Scheiner, Vallis ou Wendelin. Adepto do Atomismo Epicuriano, criticou as teorias de Aristóteles. Por recomendação do Cardeal Richelieu, tornou-se professor de Matemática do Colégio Real (1645). Em 1648, retirou-se do ensino, prosseguindo como Naturalista, com trabalhos de Cartografia e uma observação atenta em Astronomia. Faleceu em Paris, a 24 de Outubro de 1655. A sua Opera Omnia, como sábio e cientista, foi editada em 1658. Num legado erudito, sagrou-se por uma via intermédia entre o Cepticismo e o Dogmatismo, inspirando o Empirismo Moderno de Bayle e Locke.

ANTIQUÁRiO

1955 - CBS inicia a produção da série Gunsmoke, em pequeno ecrã.

AGO2005 - É tornado público um manuscrito de Cesare Pavese (1908-1950), encontrado no quarto de hotel em que se suicidou, entre as páginas do seu Dialoghi Con Leucò, o livro que tinha à cabeceira. A «mensagem mais do que profética» - segundo Franco Vaccaneo, director do Centro de Estudos Cesare Pavese - tem uma asserção inédita: «Andei à minha procura».


IMAGINÁRiO55
16 OUT 2005 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano II · Semanal · Fundado em 2004

 PRONTUÁRiO

 GOSCINNY & UDERZO

 

Nostalgia e ressurreição virtualizam a actualidade sobre os clássicos da banda desenhada, fomentando uma reavaliação de obras significativas que em perspectiva histórica, sobre a criatividade e a indústria, sucessos ou fracassos à época de publicação, geraram tendências, intuíram géneros, marcaram experiências fundamentais, na obra maior dos respectivos autores. O elã artístico que forjou uma dupla lendária como René Goscinny & Albert Uderzo, a partir de 1959 com Astérix o Gaulês, foi prenunciado por expedições em territórios ainda a desbravar - logo a saga de pirataria, com João Pistolão, aparecido em 1952; ou Humpá-Pá, na América pioneira, lançado em 1958. Precários mas nunca esquecidos, desde as páginas das revistas periódicas, perdidas as pranchas originais mas resgatados graças às matrizes tipográficas, ei-los de regresso - sob chancela das Edições Asa - em colecções próprias, imprescindíveis: o Corsário Prodigioso revela João Pistolão, pelos mares do Século XVIII; O Pele-Vermelha distingue Humpá-Pá, o mais bravo da tribo dos Sávánás... Para reviver tempos e sonhos de ousadias e proezas, de prodígios e maravilhas.

VISTORiA

Chamou-se Portucale o burgo antigo.
À flor das ondas, a cismar consigo,
é terra ainda e já pertence ao mar!

Nasceu depois um reino pequenino.
E porque herdou do burgo o seu destino,
tomou-lhe o nome, ao ir-se baptizar.

António Sardinha - Portucale

MEMÓRiA

1887-27AGO1965 - Charles-Édouard Jeanneret, aliás Le Corbusier: «Por norma, todos os edifícios deveriam ser brancos».

17OUT1895-1982 - Arthur Duarte: «Não sou artista, sou um operário do cinema a fazer fitas com intuito comercial».

 

1445-1515 - Afonso de Albuquerque: militar e político, nomeado Governador da Índia por El-Rei D. Manuel I (1508-15); Capitão-mor do Mar da Arábia (1506), conquistador de Omã e Ormuz (1507), de Goa (1510) e Malaca (1511).

1765-1807 - Anton Eberl: Compositor vienense, aluno e amigo de W.A. Mozart, foi ainda maître de chapelle, intérprete e compositor.

1888-1925 - António Sardinha: «Tu és o luxo do pobre, / pompa de quem mais não tem. / Quanta miséria se encobre / com o valor dum vintém!».

¨1925-1964 – Flannery O’Connor: «Livre vontade não quer dizer só uma, mas muitas vontades em conflito na mesma pessoa».

1898-1975 - Leopoldo de Almeida «é um escultor de forte marca classicizante temperada por alguma emoção, que sabe com eficácia responder à encomenda particular de gosto naturalista, bem como ao discurso do modernismo histórico e encapotado do SNI» (José Luís Porfírio).

CALENDÁRiO

AGO2005 - Eurico Gonçalves é distinguido com o Grande Prémio da XIII Bienal Internacional de Artes de Vila Nova de Cerveira.

1938-21AGO2005 - Horst Tappe: «Depois de viver na Alemanha de Adenauer, tão pesadamente materialista, sinto-me reviver perto do Lago Léman».

01SET2005 - Sony Computer Entertainment lança o sistema de entretenimento portátil pessoal PSP PlayStation Portable; segundo David Reeves, Presidente da SCEE, «irá revolucionar o mundo do entretenimento portátil, ao proporcionar ao utilizador a oportunidade de jogar videojogos em três dimensões, ver filmes, ouvir música e ligar-se a uma rede sem fios, quando e onde quiser».

1914-15SET2005 - Robert Wise: «Não tenho um tipo de filme favorito. Prefiro optar pelo que me apetece, escolher projectos que me conduzam aos géneros mais diferentes».

Até 26OUT2005 - No Auditório da Biblioteca Museu República e Resistência - Espaço Cidade Universitária, decorre o Ciclo Jacques Tourneur.

VISTORiA

 

Até aqui não me atrevi de escrever a Vossa Alteza tão compridamente como eu  desejava porque não ousava das cousas que se fazem contra serviço de Vossa Alteza e agora por ver passar tanto mal como se passa e por descargo de minha consciência  vos dou conta  beijando-vos  as mãos não dando conta a ninguém disto que por este medo  não esperei a Vossa Alteza  mais cedo e assim que faço saber a Vossa Alteza que Lopo Soares  veio à Índia  em hora minguada assim ele como quantos capitães  com ele vieram e assim outros homens de valia porque o seu cuidado e o seu imaginar não é outro senão chatinar... 

... E matam-nos e roubam quanto acham e disto dizem que o leva alguma fazenda e vai para Calecute  ou para Canenor é espiado em tal maneira como desaparece de Cochim logo é tomado destes  macúas, porém, sempre ouvi dizer que semear trigo em ruim terra que não pode dar bom fruto...

… A Vossa Alteza e estes que dele esperam se gabou ele, que dera a cada um de ganho sete ou oito mil pardaos e ele é  um grand ladrão descarado porque qualquer fazenda que ele pode achar de Vossa Alteza apanha-a e recolhe-a para si e com os favores que ele tem com os alvarás de Vossa Alteza  com o proveito que faz ele isto porque nele não há fé nem lei senão quanto me parece que é agora mais gentio que dantes  e por aqui saberá Vossas Alteza e mais Lopo Soares o que requereu que fosse com ele a Ceilão e ele fugiu... 

... Porque andam cá uns poucos fidalgos mamões que nunca viram nada nem nunca sairam das abas de suas mães e cá são capitães de naus e de galés e assim que estes homens que Vossa Alteza houver de mandar sejam como disse que sejam de boa raça cavaleirosos e que folguem de ganhar honra e que tenham e que tenham medo de Vossa Alteza lhe mandar cortar a cabeça porque os fidalgos dizem todos que não vieram à Índia ganhar honra que com eles nasceu senão dinheiro e assim não trazem o sentido senão em comprar e vender e como mandaram para a China e para Ormuz e para outras quaisquer partes...

... Em Cochim disseram que aquela mercadoria que a compraram de seu dinheiro que el Rei não teverá dinheiro para a comprar e assim que vo-la tornaram a vender sendo ela vossa e assim que como com o vosso dinheiro vos pagavam e guardavam o ganho para si e se alguma mercadoria vossa vem misturada com as das partes dizem que é da Vossa Alteza e assim tomam outra tanta da vossa são para si e fica a podre para vós e assim que nunca se perde tudo é de Vossa Alteza e o seu sempre fica...

Autor Desconhecido (1516-28) - Carta Para El-Rei Com Notícias da Índia (excerto) - Documento incompleto, arquivado na Torre do Tombo

ANTIQUÁRiO

 1515 - Larga do Tejo em nome de D. Manuel I, rumo à Abissínia, uma embaixada de treze naus sob o comando de Lopo Soares de Albergaria, o substituto de Afonso de Albuquerque no governo da Índia. A bordo segue o padre Francisco Álvares (1490-1540), oriundo de Coimbra e capelão de El-Rei, cronista que deu a Verdadeira Informação das Terras do Preste João, vinda à estampa em Lisboa, pelo ano de 1540.

 

21FEV1925 - É lançada The New Yorker, sendo fundador e director (até 1951) Harold Ross. Considerada a revista mais snob do mundo, teve entre os colaboradores - artistas, escritores, críticos - Peter Arno, E.B. White, Charles Addams, Dorothy Parker, Sylvia Plath e Vladimir Nabokov.

16OUT1925 - Em Hollywood, é apresentado A Quimera do Ouro/The Gold Rush de Charles Chaplin, para United Artists.

REPOSITÓRiO

 

A QUIMERA DO OURO

 - AVENTURA E AMBIÇÃO

 

¸Entre a multidão de emigrantes atraídos às regiões do Alasca pela miragem do ouro, cerca de 1898, um pesquisador solitário, valente apesar de débil, tenta também a sua sorte. Apanhado por uma tempestade de neve, acaba por
encontrar a cabana de Black Larsen, bandido procurado pela polícia. Sem piedade, Larsen decide pô-lo fora e enviá-lo para uma morte certa, quando o destino que protege os fracos surge na pessoa de Jim McKay. O bandido é vencido por McKay, num corpo-a-corpo. Charlot e o seu salvador ocupam o abrigo, enquanto o forçado anfitrião, resignado pela sorte, parte à procura de comida...
O mais famoso dos filmes de Charlie Chaplin, que ele próprio considerava a sua obra-prima, A Quimera do Ouro (1925) foi um estrondoso sucesso artístico e financeiro. Assim, nele encontramos, de um modo coerente e homogéneo, pelo fulgor épico-cómico, uma extraordinária síntese entre o bem e o mal, o burlesco e o drama, sobressaindo - em toda a sua amplitude, trágica e fatalista - o isolamento do ser humano (que Charlot simboliza) confrontado, já não apenas com os vícios dos outros homens, mas ainda com os desígnios caprichosos da própria Natureza. 

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL
Folhetim aperiódico

Capítulo Um
CONTRA AS FORÇAS DO DEMO - 8

 Solteiro inveterado e por intervenção apologética, Rui Ruivo apreciava as mulheres, mas a transcendência daquela como Fada constrangia-o, embora se respeitassem - em tal cumplicidade inevitável, enquanto raça de paladinos. Por sua vez, Ofélia Luna admirava o homem de leis, enternecia-se com o lutador, porém o seu coração batia em máxima aceleração era quando entrava em ritual o Fado - um outro batalhador da noite, sempre donairoso e neurasténico que, à luz do dia, se prestigiava no intelectual de nome Deodato Roble.

Em certo crepúsculo, durante uma quimérica mutação na qual juntos se galvanizaram, Ofélia Luna ganhou até coragem para lhe propor que se juntassem, e bem coerentemente.

Cínico, o Fado arriscou:

– Para sempre, um final feliz?

Logo desolada, e com melancolia, respondeu-lhe a Fada:

– Não... Podemos sempre ser felizes, mas não podemos ser sempre felizes.

Continua


IMAGINÁRiO54
08 OUT 2005 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano II · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

FÁBULAS

 

Ao comemorar-se o segundo centenário de nascimento de Hans Christian Andersen (1805-1875), decorrem em Portugal - onde esteve de visita em 1866, a convite da Família O’Neill - diversas iniciativas que, além do âmbito histórico ou celebrando o talento e a modernidade do autor dinamarquês, evocam a intemporalidade da sua obra, pelo privilégio de um registo infantil sublimado ao nível dos adultos. Entre os seus contos, Publicações Dom Quixote privilegiam O Soldadinho de Chumbo numa edição valorizada pelas ilustrações de Teresa Lima - alusivas ao imaginário tradicional, mas estilizando as incidências narrativas, de uma ironia trágica, com um grafismo minimal, configurando a insolitude romântica. A personalidade alegórica é biografada em O Nosso Amigo Andersen, um amável prefácio de José Jorge Letria - que, afinal, contemporiza o génio criativo à efusão efabulada: «Nesse instante, o escritor viu a sua fada protectora, num círculo de luz, afastar-se devagarinho» LIMAGINÁRiO45.

REPOSITÓRiO

OS MOTARDS
- CAVALEIROS DO ASFALTO

 

Percorrem as estradas com um frémito de emoções, na vertigem da velocidade ou em rasgos acrobáticos, e... por vezes, sobressaltando os automobilistas mais parcimoniosos. Diferentes, excêntricos, cumplicia-os o culto, aproximam-nos os rituais. Entre o homem e a máquina, gera-se o fenómeno de Os Motards - que Charles Degotte estiliza em quadradinhos com Moto-Risadas, sob chancela das Edições Asa. Entre múltiplas áreas de afirmação, expressão, reivindicação e recriação, o culto das duas rodas tem na banda desenhada uma manifestação internacional - mesmo por cá, como Luís Pinto-Coelho revelou com As Odisseias de Um Motard. Lá fora, é já um clássico Joe Bar Team, sendo autor Bar2. Quanto a Os Motards, Degotte conta as proezas e desventuras de dez bizarros aceleras - numa fábula exuberante, caricaturada ao desempenho animalista. Para os desatentos ou menos entendidos, há em anexo um Vocabulário motard e não só... Quanto ao resto, é ver como tudo evolui, nesta sátira a todo o gás!

MEMÓRiA

09OUT1835-1921 - Camille Saint-Saëns: «O mais notável músico do seu tempo» (Hector Berlioz).

28ABR1855-1933 - José Malhoa: «Um dos mais genuínos pintores portugueses, qualidade que mais se avulta por se lhe não perceber influência estranha» (Gonzaga Duque).

1920-10OUT1985 - Yul Brynner: «As mulheres possuem uma vantagem, injusta, sobre os homens: se não têm o que pretendem sendo espertas, podem consegui-lo parecendo tontas».

CALENDÁRiO

05SET2005 - Virgin edita A Bigger Bang - o primeiro álbum de The Rolling Stones desde Bridges To Babylon, gravado em 1997. Influenciados «pela teoria científica que explica a origem do universo», Mick Jagger e Keith Richards criaram as dezasseis músicas que integram o mais longo disco da banda desde Exile on Main Street (1972), as quais constituem «uma colecção de rock and blues de grande impacto e potencial».

15SET2005 - Lusomundo estreia Um Rio de José Carlos de Oliveira; com Anabela Moreira e Jorge Mota, sobre Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra de Mia Couto.

Até 16OUT2005 - Museu de José Malhoa (Caldas da Rainha) apresenta Malhoa e Bordalo: Confluências de Uma Geração; exposição antológica, organizada com o Instituto Português de Museus LIMAGINÁRiO22.

OUT2005 - Electronic Arts lança Marvel Nemesis: Rise of the Imperfects, videojogo sobre as proezas duma nova corporação de super-heróis, inspirado a partir do universo dos Marvel Comics, e desenvolvido segundo as implicações lúdicas entre quadradinhos/animatrónica.

Até 05NOV2005 - Exposição Hein Semke, Dez Anos Depois. 1995-2005 (Hamburgo, 1899 - Lisboa, 1995): no Museu Nacional do Azulejo - Os Objectos da Expressão. Cerâmicas, na Biblioteca Nacional - Os Seres Imaginários. Xilogravuras.

INVENTÁRiO

LITTLE NEMO
IN SLUMBERLAND

 

Correspondendo ao culminar fantástico e estético dos comics, no qual Winsor McCay (1867-1934) foi um criador genial, incomparável, Little Nemo in Slumberland expôs-se, inicialmente (1905-11) em The New York Herald, com pranchas dominicais, coloridas, segundo uma prodigiosa arquitectura imaginária, onírica. Estilizando uma convergência fascinante, entre o sortilégio da arte nova e projecções duma realidade aventurosa, avassaladora. Globalmente, esta pioneira e monumental obra-prima constituiu uma referência essencial, mas - durante muito tempo - também mítica, nas enciclopédias de banda desenhada, devido à escassez de matrizes com carácter, disponíveis ao público. Até que em 1989, sob chancela Fantagraphics, The Complete Little Nemo in Slumberland compensou inteiramente - pela qualidade de apresentação, amplitude, integridade e rigor de divulgação. E Richard Marschal comentaria, ilustrando, os horizontes infinitos no talento e na carreira de McCay, sublimados numa síntese épica e exótica, mágica e irónica, adversa e heróica por Little Nemo - numa exploração maravilhosa, simbólica ou surreal. Assim, Nemo e o companheiro Flip viajam pelos telhados de uma grande cidade, e acabam por desaparecer num palácio alucinante. A Princesa procura encontrar Nemo - que, entretanto, transforma um miserável bairro-da-lata em paraíso. Cada vez mais irreverente, Flip transtorna todos os projectos, e ocupa cada vez mais espaço nos sonhos de Nemo... Com intensa actividade artística na Imprensa, e um versátil testemunho social, Winsor McCay foi, ainda, um precursor no cinema de animação, designadamente por Gertie the Dinossaur (1908).

ANTIQUÁRiO

15OUT1905 - No suplemento dominical do The New York Herald, aparece Little Nemo in Slumberland de Winsor McCay.

TRAJECTÓRiA

JOSÉ MALHOA

 

José Vital Branco Malhoa nasceu nas Caldas da Rainha, a 28 de Abril de 1855. Em 1867, ingressou na Academia Real de Belas-Artes em Lisboa e, durante todos os anos, obteve o primeiro prémio. Apesar dos méritos e talentos, não logrou pensão do Estado para prosseguir estudos além-fronteiras. Caixeiro em loja de modas de um irmão, continuou a pintar, a tempo inteiro desde 1881. Vivendo na capital, fez parte do Grupo do Leão, assumindo-se do romantismo ao naturalismo. Entre os seus trabalhos, destacam-se os tectos da Sala de Concertos no Conservatório Real de Lisboa e da Sala do Supremo Tribunal de Justiça. A convite de Simões de Almeida, em 1883 fixou-se em Figueiró dos Vinhos, onde construiu o estúdio Casulo. Em 1888, El-Rei D. Carlos I agraciou-o com o grau de Cavaleiro da Ordem de Cristo. O monarca foi um dos seus modelos como retratista (1905), além do Príncipe Real D. Luís Filipe (1908). Considerado um pós-impressionista, trabalhou em estúdio, embora preferisse o ar livre. Entre os temas favoritos, destacam-se cenas históricas, paisagens pitorescas, costumes de aldeia, flagrantes urbanos e rústicos.
Eleito Presidente de Honra da Sociedade Nacional de Belas-Artes (1901) e distinguido com as mais altas classificações, no país ou no estrangeiro (Liverpool, Madrid, Paris, Rio de Janeiro, São Petersburgo ou Berlim), em 1906 foi artista convidado em exposição no Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro. Académico de Mérito da Academia de Belas Artes, Cavaleiro das Ordens de Malta e de Isabel a Católica (Espanha), ou da Légion d’Honneur (França), Grande Oficial da Ordem de Sant’Iago, faleceu em Figueiró dos Vinhos, a 26 de Outubro de 1933. Entre os seus quadros mais representativos, assinalam-se O Último Interrogatório do Marquês de Pombal (1891), Clara (1903), Os Bêbados (1907), Fado (1910), À Beira-Mar (1921), Vou Ser Mãe! (1923) e Retrato da Rainha D. Leonor (1926).

CAMILLE SAINT-SAËNS

 Camille Saint-Saëns nasceu em Paris, a 9 de Outubro de 1835, de uma família normanda. Precoce, educado por Stamaty e Boëly, deu o primeiro concerto público em 1846. A partir de 1848, completou a formação musical em Harmonia, no Conservatório de Paris, sendo aluno de Bénoist e Halévy. Teve lições com Charles Gounod e, em 1853, compôs a primeira sinfonia. Em 1858-77, foi organista da Église de la Madeleine e, em 1961-65, professor na École Niedermeyer. Em 1871, fundou a Société Nationale de Musique. Distinguido como Cavaleiro (1868) e Comendador (1913) da Légion d’Honneur, percorreu o Mundo, em concertos como pianista e organista, interpretando as próprias obras. Estilizada e formal, de feição lírica, com conotações românticas, dramáticas ou bizarras, a sua variada e extensa produção, também para orquestra, inclui poemas sinfónicos como Le Rouet d’Omphale (1872) e óperas como Sansão e Dalila (1877), além de uma barcarola portuguesa ou da fantasia zoológica Le Carnaval des Animaux (1886). Autor de partitura original para o filme L’Assassinat du Duc de Guise (1908 - Charles Le Bargy e André Calmettes). Alvo das maiores homenagens, o seu comportamento introvertido - motivado pela fatalidade familiar, o casamento com uma mulher vinte anos mais nova e a morte dos filhos pequenos - agravou um comportamento considerado antisocial. Faleceu em Argel, 16 de Dezembro de 1921.


IMAGINÁRiO53
01 OUT 2005 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano II · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

 MARAVILHAS

 

Através de carreira sólida e peculiar, José Carlos Fernandes tem desenvolvido uma criatividade cujos estímulos, a par com a própria evolução técnica e temática, se repercutem em sugestivas recorrências estéticas e narrativas sobre a banda desenhada. Um processo muito original, sensível e inteligente, explorado através de projectos vários ao longo dos anos, e com implicações fascinantes quanto à realidade e ao imaginário. Um manancial latente, que privilegia o insólito ante a memória, o conhecimento ou a cultura, com referências ao passado - instituído por  excessos ou paradoxos, fantasias ou desperdícios - através de uma moldura irónica ou nostálgica no envolvimento da civilização ocidental, seus modelos e alcances, seus objectivos e concretizações. Nesse prolífico desígnio de sagração do efémero, adensando os códigos de incongruência/inteligibilidade, A Última Obra-Prima de Aaron Slobodj consuma um prodígio de originalidade/incoerência, qual desafio radical à própria e propícia disponibilidade dos leitores/observadores: interligando virtualmente as imagens e os textos que se colocam em paralelo, com um número infinito de correlações e recorrências, qualquer uma com um sentido/significado meramente provável, absurdo ou aleatório. Para adensar/expurgar ainda mais uma tal proposta ampla, aliciante, alia-se - em minucioso anexo - a própria identidade/inventariação sobre o suposto cientista/aventureiro Aaron Slobodj, e a presumível inconsequência do abundante potencial que constitui o universo em que se move e reporta...

REPOSITÓRiO

 TRILOGIA NIKOPOL

 

Um dos mais fascinantes criadores da banda desenhada europeia, Enki Bilal converte com excepcional mestria os desígnios duma realidade fantástica, intemporal, cuja actualidade sobre alusões sociais e políticas de violência e crepúsculo, se articulam com uma intriga densa em símbolos ancestrais e implicações futuristas. Entre as suas obras-primas, na plenitude da maturidade artística, sobressai A Trilogia Nikopol - complexa e prodigiosa, envolvendo A Feira dos Imortais (1981), A Mulher Armadilha (1986) - com argumento de Pierre Christin, e substrato imaginário para o filme Imortal (2004); e Frio Equador (1992) - integralmente concebido por Bilal, em plena fusão épico-dramática com a arquitectura onírica. Já revelado cineasta por Bunker Palace Hotel (1989) e Tykho Moon (1996), Bilal culmina em A Trilogia Nikopol - um monumental e oportuno lançamento, sob chancela das Edições Asa - o seu grafismo exuberante, emblemático quanto às problemáticas sempre latentes, obsessivas, sobre opressão e liberdade, o poder corruptor e a perversão humana IMAGINÁRiO11.

CALENDÁRiO

1926-12AGO2005 - Manuel Paião: Com Eduardo Damas, formou «uma das duplas mais importantes da música portuguesa, com êxitos que as pessoas trauteavam na rua» (Arlete Pereira).

1923-16AGO2005 - Tonino Delli Colli: «Sempre trabalhei com o material técnico e humano disponível, com a imaginação e a intuição do momento».

1928-17AGO2005 - Fernando Lima: «Quando comecei a dança era para mim uma brincadeira, uma maneira de passar o tempo, pois eu estava mais direccionado para fazer uma carreira universitária e ser engenheiro».

18AGO2005 - LNK estreia Os Irmãos Dalton de Philip Haim; com Til Schweiger, Eric Judor, Ramzy Bedia, Romain Berger LIMAGINÁRiO15-34.

12SET-16OUT2005 - Na Casa da Animação (Porto), está patente Ilustradores Ilustrados, exposição de fotografia organizada pela Bedeteca de Lisboa. João Francisco Vilhena «cumpriu a sua vocação de repórter de almas», focando «autores consagrados e outros nem tanto, com muito ou pouco trabalho».

07-09OUT2005 - No IPJ (Parque das Nações), Joana Saahirah apresenta, com a banda Al Madam, O Egipto Profundo - espectáculo de canto árabe, música ao vivo e repertório de dança. Em «viagem no tempo, as origens ritualísticas da Dança do Oriente, o antigo Egipto e os seus ritos sumptuosos, o império Otomano dos haréns e das odaliscas, a idade de ouro da Dança do Oriente (Samia Gamal, Tahia Carioca, Naima Akef), a actualidade da dança oriental que se tornou global, entre o vulgar e o Divino!»

21OUT-06NOV2005 - Câmara Municipal da Amadora promove, através do Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem/CNBDI, o 16º Festival Internacional de Banda Desenhada/Amadora Bd, subordinado ao tema O Sonho.

DOCUMENTÁRiO

REINALDO FERREIRA
E A REPORTER X FILM

 

A grande aventura de Reinaldo Ferreira no cinema concretizou-se no Porto, em 1927, através da empresa Repórter X Film - graças ao financiamento que logrou do comerciante Joaquim Alves Barbosa. Adaptando para título a sigla que o celebrizara, Reinaldo Ferreira tinha como primordial projecto a produção, na ambição duma actividade contínua que, não obstante, ficaria circunscrita a cinco distintas metragens.
Desde logo sobressai O Táxi Nº 9297, com direcção de Reinaldo Ferreira, assistido por Pedro Santos e Maurice Laumann como responsável pela fotografia. A rodagem de interiores decorreu nos antigos estúdios da Invicta Film e os custos ascenderam a setenta e cinco contos.
Embora alertando que não se trata dum «decalque da vida real», pois recorreu à fantasia, Reinaldo Ferreira inspirou-se no misterioso assassinato da actriz Maria Alves, que apaixonara a opinião pública, até à surpreendente descoberta de que o homicida era o seu empresário e amante, Augusto Gomes. Este nefando evento teve a participação de Reinaldo Ferreira nas investigações, como profissional de imprensa e brilhante espírito detectivesco.
Do material que recolheu, partiria para o guião de O Táxi Nº 9297. O então jovem compositor René Bohet propôs sonorizar o filme, através dum «fundo musical», mas a aposta não vingou pelo receio de que não aliciasse os espectadores.
Na sequência de O Táxi Nº 9297 Reinaldo Ferreira realizou, ainda em 1927, Rita ou Rito?..., com base em caso picaresco que, efectivamente, teria ocorrido em Aveiro. De qualquer forma, a acção é deslocada para uma suposta povoação, Rio Tinto Maduro - com humor, eficaz construção e hilaridade, através de encenação movimentada e ágil.

Além destes dois filmes, e sempre em 1927, Reinaldo Ferreira dirigiu duas outras obras de ficção e um documentário, respectivamente Vigario Sport Club, Hipnotismo ao Domicílio e Entrevistas Cinematográficas com Escritores e Jornalistas de Lisboa.
Humor sarcástico, explorando uma moda social da época, e encenado sob o efeito de equívocos, por acções paralelas, é patente em Hipnotismo ao Domicílio - que teve como título previsto Almas do Outro Mundo -, rodado nos estúdios da Invicta Film, sob influência de Mack Sennett ou Harold Lloyd. Reinaldo Ferreira concebeu o argumento deste e de Vigário Sport Club, também designado Vigário Foot-Ball Club, uma paródia ao mundo do desporto-rei. Quanto às Entrevistas, apresentavam o testemunho de Norberto Lopes, Rocha Martins e Norberto de Araújo.
Assim se encerrou a actividade fílmica de Reinaldo Ferreira, que acalentaria outros projectos. Mas, com a saúde arruinada, faleceu viciado em morfina.
Já em 1986, José Nascimento - autor com José Álvaro Morais, Manuel João Gomes, Edgar Pêra - realizou Reporter X, sendo protagonista Joaquim de Almeida, a história de uma personagem criada por Reinaldo Ferreira - jornalista de emoção, novelista de mistério e repórter de acção. Sobrepondo o imaginário à realidade portuguesa da época, faz-se um cruzamento da ficção com a sensação da realidade.

OBSERVATÓRiO

2005 - Alexandre Reina concebe, produz e realiza, com Nuno Vaz, Repórter X Reaparece para BeBop, a cargo de Costa do Castelo. Protagonizado por João Reis, um docudrama sobre a vida, os amores, a obra e o imaginário de Reinaldo Ferreira - escritor, jornalista, cineasta, autor de sensação - o célebre Reporter X. Como linha condutora da narrativa, pela voz de Filipe Crawford, o testemunho autobiográfico das Memórias de Um Ex-Morfinómano, escrito no Porto em 1932.

TRAJECTÓRiA

 JOSÉ CARDOSO PIRES
- RITUAIS DE VIDA E MORTE

 

Poucos entre os escritores nossos, contemporâneos, terão assumido e recriado o signo da palavra, o significado da narrativa, como José Cardoso Pires. Assim evoluem o homem e o autor, que a vida enleia. Tais vectores teriam por sinais - indicativos ou limites - respectivamente a boémia e a escrita, que a tertúlia relaciona. Como nma viagem pelas referências. Incontornável, a rara estima travada com outro parceiro das palavras, Alexandre O’Neill. De uma vasta e diversa carreira literária, sobressaem Cartilha do Marialva (1960), O Delfim (1968), O Dinossauro Excelentíssimo (1972) ou A República dos Corvos (1988) - parte da «paisagem do nosso dia-a-dia».
Beirão nascido em São João do Peso, a 2 de Outubro de 1925, José Cardoso Pires veio cedo para a capital, onde estudou, deambulando «por empregos circunstanciais», além do jornalismo. Em 1958, publicou um primeiro romance - O Anjo Ancorado. Vítima de um acidente vascular cerebral, em 1995, desvendou essa experiência perturbadora em De Profundis, Valsa Lenta: «É uma celebração, é o meu regresso à terra, à vida, à alegria. Aquilo que acabou por ser, para mim, uma morte amável». Tema obsessivo, espelho íntimo ou mórbido, protagonizou-o enfim a 26 de Outubro de 1998. A 18 de Março, recebera o Prémio Pessoa, no Palácio de Queluz.

VISTORiA

Tristeza de ondas de pedra.

Lâminas apunhalam lâminas
Vidros quebram vidros
Lâmpadas apagam lâmpadas.

Tantos laços partidos.

A flecha e a ferida
O olho e a luz
A ascensão e a cabeça.

Invisível no silêncio.
Paul Éluard - L’Amour la Poésie (1929)

MEMÓRiA

1895-1932 - Paul Éluard: «Sim, eu tudo esperei / E desesperei de tudo».

02OUT1925-1998 - José Cardoso Pires: «Escrever é um acto de solidão».

1897-4OUT1935 - Reinaldo Ferreira, o Repórter X: «Sou um homem pobre, e vivo do que escrevo».


IMAGINÁRiO52

24 SET 2005 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano II · Semanal · Fundado em 2004

 PRONTUÁRiO

ODISSEIAS

 

Autor versátil e fulgurante, ao estilizar as potencialidades gráficas ou narrativas da banda desenhada, em que evoluem - pelo signo erótico - a aliciante insurreição ficcional ou uma perversa sofisticação estética, Milo Manara regressa com A Odisseia de Giuseppe Bergman, sob chancela das Edições Asa. Argumentista & ilustrador, Manara leva às origens clássicas uma subversão do seu primordial alter-ego em quadradinhos - virtual náufrago, quando o resgata um iate de viagem para Ítaca, capitaneado por libidinoso professor, tendo uma tripulação de sensuais marinheiras. Então, entre brumas e visões, Bergman propicia um extraordinário contacto com Ulisses, que o adverte: «A minha odisseia não pode ser vivida sem oferecer sacrifícios aos deuses...» Ironia, augúrio - através de peripécias/experiências excitantes, sob uma vertigem obsessiva/exuberante - pontuam ou transgridem, além dos preconceitos e das convenções, este universo fantasmagórico, transfigurado. Sob o signo da luxúria e da tragédia, eis uma saga interminável - com precários humanos e extraordinários comparsas, da mitologia grega à aventura moderna - em reincidências libidinosas ou dissolutas, que se perturbam/transferem ao olhar do leitor. Assim em causa e reexposto - pelo desafio libertino, libertário do imaginário.

REPOSITÓRiO

ALFIE
A DOIS TEMPOS

 

Concebidos para um determinado período de vivência artística e comercial, os filmes continuam a atrair sucessivas gerações de público. E além dos circuitos culturais, da emissão televisiva ou da edição videográfica, mantêm uma mais-valia inestimável para as Companhias de produção: é o fenómeno das remakes - uma nova fita baseada em história que, oportunamente, já tivera transposição no ecrã. Habitual em Hollywood, tal estratégia teve tradicional sucesso sob o signo da comédia romântica. Em 1965, Bill Naughton adaptou a sua peça em Alfie sob a direcção de Lewis Gilbert - uma das inolvidáveis protagonizações de Michael Caine como galã, na categoria de sedutor displicente e obsessivo, tendência emblemática duma época de liberalização dos costumes e permissividade sexual. Quarenta anos depois, entre os reflexos do cinismo moral e da mutação dos costumes, Charles Shyer - que assina o argumento com Elaine Pope - exibe Alfie e as Mulheres (2004) pelo desempenho ambíguo, subtil de Jude Law. Na frivolidade da conquista exercida sobre os compromissos formais, como processo dramático/irónico que avassala uma rotina social de solidões e relações, a perspectiva anglo-americana põe em causa, ao olhar crítico de Alfie directamente para o espectador, a própria reincidência de uma identificação transferencial, pelas implicações virtuais do remorso e da vitimação, da amargura e do resgate. A cotejar em DVD, sob chancela Lusomundo.

MEMÓRiA

26SET1795-1876 - Marquês de Sá da Bandeira, aliás Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo: líder do Setembrismo, fundador do Partido Reformista.

1920-26SET1975 - Ruben A., aliás Ruben Andresen Leitão: «Pretendia construir uma casa onde não existisse relação entre o meu passado e o meu presente, casa livre de sentimentos».

1836-27SET1915 - Ramalho Ortigão: «Emigro sem armas e quase que sem bagagens para o interior da minha velhice, sendo minha única ambição acabar recolhidamente no meu canto sem empachar o caminho nem estorvar ninguém».

1931-30SET1955 - James Dean: «Antes de nascermos não há nada, e depois de morrermos não há nada. E o que nos faz viver, é o medo de nos tornarmos nada».

BREVIÁRiO

Mensagem edita O Mistério da Estrada de Sintra (1879) de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão.

Warner edita em DVD, The Complete James Dean Collection, incluindo A Leste do Paraíso/East of Eden (1955 - Elia Kazan), Fúria de Viver/Rebeld Without a Cause (1955 - Nicholas Ray) e O Gigante/Giant (1956 - George Stevens).

Cotovia edita Rimbaud de Yves Bonnefoy, tradução de Filipe Jarro; sobre Jean-Arthur Rimbaud (1854-91).

Bizâncio edita Pierre-Auguste Renoir, Meu Pai de Jean Renoir (1894-1979); tradução de Francisco Agarez.

TRAJECTÓRiA

 JAMES DEAN
O REBELDE SEM CAUSA

James Byron Dean nasceu em Marion, no Indiana, a 8 de Fevereiro de 1931. Aos seus nove anos, a mãe morreu de cancro e o pai voltou a casar. Educado por uns tios numa quinta do Fairmont, em 1949 mudou-se para a Califórnia, mas desistiu dos estudos na Universidade de Los Angeles. Em Nova Iorque, por 1951, foi aluno do Actor’s Studio, destacando-se em palco a partir do ano seguinte, com Come See the Jaguar ou The Immoralist. Em 1954, estreou-se no cinema e na televisão, com relevo para I Am a Fool, sendo então considerado o melhor actor em ascensão. Amigo e parceiro de Nathalie Wood e Elizabeth Taylor, teve uma relação breve mas dolorosa com a actriz Pier Angeli. Além de aparições secundárias, os escassos quão intensos desempenhos principais estilizaram o mito, em filmes de culto: A Leste do Paraíso e Fúria de Viver em 1955, O Gigante em 1956. Os dois últimos, não chegou a ver em grande ecrã. Fascinado pela vertigem da velocidade, ao volante de um Porsche 550 Spyder, foi vítima dum acidente de automóvel, a 30 de Setembro de 1955, na estrada de Salinas. Introvertido, rebelde, tornou-se o protótipo da juventude sem causa, superando o seu tempo.

PARLATÓRiO

 James Dean morreu, exactamente, no momento certo. Se houvesse vivido mais tempo, não teria conseguido fazer jus à imagem promovida e à lenda criada pelos agentes de publicidade da Warner.
Humphrey Bogart

VISTORiA

Atolados há mais de um século no mais funesto dos ilogismos políticos, esquecemo-nos de que a unidade nacional, a harmonia, a paz, a felicidade e a força de um povo não têm por base senão o rigoroso e exacto cumprimento colectivo dos deveres do cidadão perante a inviolabilidade sagrada da família, que é a célula da sociedade; perante o culto da religião, que é a alma ancestral da comunidade, e perante o culto da bandeira, que é o símbolo da honra e da integridade da Pátria. Em pleno século XX, muito depois de inteiramente refutada pela moderna crítica histórica a supersticiosa lenda da Revolução Francesa, revolucionámo-nos nós para o fim de abolir todos esses velhos deveres e de adoptar como um evangelho novo a estafada, ensanguentada e enlameada Declaração dos Direitos do Homem, como se à frágil e efémera criatura humana fosse lícito invocar qualquer espécie de direitos perante as leis inexoráveis e eternas que implacavelmente regem toda a ordem universal!

E para o fim de pormos em plena evidência essa ilusão retórica aclamamos uma sexta República nova dezenas de anos depois de sucessivamente abolidas as outras cinco a cuja existência deu origem o extinto prestígio da Revolução, e das quais nem sequer já sobrevivem os nomes. Quem se lembra hoje do que foram a Batávica, a Cisalpina, a Ligúrica ou a Partenopeia?
Ramalho Ortigão - Carta De Um Velho a Um Novo

NOTICIÁRiO

Questão Literária - A questão literária coimbrã e olisiponense já produziu sangue. Segundo diz o Braz Tisana, bateram-se em duelo à espada no Porto, no dia 6 do corrente, para os lados de Barca d’Alva, os senhor Ramalho e Ortigão, autor do livro A Literatura de Hoje, e o senhor Anthero de Quental, autor das Cartas ao Senhor Castilho. Diz o citado jornal que o senhor Ramalho e Ortigão ficou ferido no braço direito. Sentimos. A questão não ficou por isto mais ilustrada. L09FEV1866 - Diário de Notícias

ANTIQUÁRIO

30SET1929 - Em Londres, a BBC inaugura as suas emissões regulares de televisão. Significando visão à distância, e permitindo apresentar imagens acompanhadas de som, a primeira e remota versão do invento data do Século XIX, sendo denominada fototelegrafia. Em 1923, o escocês John Logie Baird contribuiu para o seu aperfeiçoamento. Em finais da década de 1920, efectuaram-se os primeiros testes de transmissão televisiva.

AGO2005 - A mais remota cópia completa do Novo Testamento, o Códice Sinaiticus - redigido em grego antigo - estará acessível online, graças a um processo de digitalização por uma equipa de especialistas do Reino Unido, Egipto e Rússia. Uma das cinquenta cópias das Sagradas Escrituras encomendadas pelo Imperador Constantino após a sua conversão ao Cristianismo em 323, actualmente o manuscrito acha-se disperso por quatro instituições, as quais colaboram no projecto: a Biblioteca Britânica, que conserva o essencial e responsável pela tradução e futura divulgação na Internet; a Biblioteca da Universidade de Leipzig na Alemanha, a Biblioteca Nacional da Rússia em Sampetersburgo; e o Mosteiro de Santa Catarina no Monte Sinai, Egipto, onde o códice da Bíblia foi escrito e dali levado, em 1854, pelo cientista germânico Constantin Von Tischendorf, sendo repartido entre a Alemanha e a Rússia.

CALENDÁRiO

 AGO/SET2005 – No Festival de Cinema de Veneza, Stefania Sandrelli é distinguida com o Leão de Ouro pelo Conjunto da sua Carreira, pois «foi a musa de grandes realizadores, ao mesmo tempo encarnando um ideal de mulher tradicional e moderno».


IMAGINÁRiO51
16 SET 2005 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano II · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

 FAZER FILMES

 

Antigo crítico dos Cahiers du Cinéma, já após a licenciatura, Claude Chabrol estreou-se como realizador em finais dos anos ’50. Autor de um ensaio sobre Alfred Hitchcock com Eric Rohmer, actor e produtor, assinou alguns filmes essenciais nas duas décadas subsequentes, em França, focando a solidão existencial, a perversão das relações, a decadência dos compromissos - retalhos de primordial análise e encenação sofisticada, quanto à derrocada burguesa. Assim privilegia uma atmosfera oculta, interiormente ritualizada, cuja fatalidade criminal contamina vivências e afeições, sob os signos do bem e do mal, a um ritmo avassalador, pela patente cínica na fluidez dos diálogos, contrastando as regras convencionais do espectáculo americano. Em teoria e tarefa partilhada com François Guérif, Chabrol assume Como Fazer Um Filme - lançado por Publicações Dom Quixote, na colecção Arte e Sociedade - para aspirantes e diletantes, abordando todas as fases de um processo criativo e técnico, complexo e virtual, em que a vasta experiência coteja a indústria com a mesma displicência que referencia as escolas de cinema. Reflectindo, afinal, o testemunho do engenho sobre o testamento de génio: «Disse, quando era principiante, que não eram precisas mais de quatro horas - mesmo não sendo dotado - para aprender a realização, e ainda o penso».

PARLATÓRiO

Tudo se desenrola numa sala-de-estar, mas eu poderia rodar um filme inteiro numa cabina telefónica. Imaginemos, aí, um par de namorados. As mãos tocam-se, as bocas juntam-se e, acidentalmente, a pressão dos corpos levanta o auscultador. Sem que o casal repare, alguém no outro lado da linha segue a conversa íntima entre os dois. O drama avançou um passo... ?Alfred Hitchcock sobre Chamada Para a Morte (1954). Adaptando a peça de Frederick Knott, Hitch desvenda como um homem sem escrúpulos - com o objectivo de se apoderar de uma fortuna - planeia o homicídio da mulher.

BREVIÁRiO

Edições Duarte Reis lança Poetas do Período Barroco de Maria Lucília Gonçalves Pires.

Colibri edita Textos Dispersos de José Duro; coordenação, introdução e notas de António Ventura (1999).

VISTORiA

Quando o meu corvo, trémulo, doente,
- Como quem sofre as minhas agonias -
Naquela noite veio, amargamente,
Dizer-me, soluçando, que morrias,

Percebi-lhe no olhar as nostalgias
Da noite negra, sem luar, fremente,
Aonde as suas asas luzidias
Tomaram cor misteriosamente...

E à luz medrosa do candeeiro exausto,
Bebendo a minha dor num longo hausto
Mais triste que o soluço das nortadas,

Analisei a mágoa de nós dois
Para ver qual sofria mais... depois...
Céus! Desatei, chorando, às gargalhadas!

José Duro - O Corvo (Antero e Pöe)

MEMÓRiA

1875-1899 - José Duro: «Por isso irei sonhar debaixo dum cipreste, / Alheio à sedução dos ideais perversos... / O poeta nunca morre embora seja agreste / a sua inspiração e tristes os seus versos!»

18SET1905-1990 - Gloria Lovisa Gustafsson, aliás Greta Garbo: «I want to be alone».

1923-19SET1985 - Italo Calvino: «Fui jovem durante demasiado tempo, até que comecei a viver a idade avançada».

VISTORiA

 

 As Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, intimamente convencidas de que as desgraças públicas que tanto a têm oprimido, e ainda a oprimem, tiveram sua origem no desprezo dos direitos do cidadão e no esquecimento das leis fundamentais da Monarquia, - e havendo outrossim considerado que somente pelo restabelecimento destas leis, ampliadas e reformadas, pode conseguir-se a prosperidade da mesma Nação, e precaver-se que ela não torne a cair no abismo de que a salvou a heróica virtude dos seus filhos, - decretam a seguinte Constituição Política, a fim de segurar os direitos de cada um, e o bem geral de todos os Portugueses.

Artigo 1.º: - A Constituição política da Nação Portuguesa tem por objecto manter a liberdade, segurança, e propriedade de todos os Portugueses.
Artigo 2.º: - A liberdade consiste em não serem obrigados a fazer o que a lei não manda, nem a deixar de fazer o que ela não proíbe.
Artigo 3.º: - A segurança pessoal consiste na protecção que o Governo deve dar a todos, para poderem conservar os seus direitos pessoais.
Artigo 6.º: - A propriedade é um direito sagrado e inviolável, que tem qualquer Português, de dispor à sua vontade de todos os seus bens.

Constituição Política da Monarquia Portuguesa (1822 - excertos)

ANTIQUÁRiO

1615 - Sob acusação de assumir e professar ideias contrárias aos ensinamentos da Igreja Católica, Galileo Galilei (1564-1642) é, pela primeira vez, denunciado perante o tribunal da Inquisição. Em consequência, além de uma severa admoestação pessoal, para que deixe de defender a heliocentricidade, os seus livros de âmbito virtual/científico sobre a Teoria Copernicana foram banidos ao público.

23SET1822 - É decretada pelas Cortes Gerais Extraordinárias a Constituição Política da Monarquia Portuguesa, aceite e solenemente jurada por El-Rei D. João VI, em 1 de Outubro do mesmo ano.

 

1905 - Virginia Woolf (1882-1941) inicia carreira, escrevendo recensões críticas no Times Literary Supplement. Assinalando o centenário, em Colóquio na Universidade do Porto (MAR2005), Marilyn Zucker, professora em Stony Brook, EUA, comentou que a autora de Rumo ao Farol (1927) foi influenciada na percepção da realidade em várias obras, quanto à linguagem e à narrativa, por descobertas científicas sobre a Física de início do Século XX, como a Teoria da Relatividade (contracção e distensão do tempo) de Albert Einstein e o Princípio da Incerteza (o desconhecido no mundo profundo) de Werner Heisenberg.

REPOSITÓRiO

Autor versátil, virtual, cujo prestígio se forjou ao revolucionar a essência e a carreira de paladinos tradicionais, logo Batman, Frank Miller consagrou-se como criador ao assinar a saga de Sin City, revitalizando um exorcismo sobre o desígnio negro dos (anti)heróis criminais. Outra vertente radical e coerente de um talento tão peculiar, em sua amplitude clássica, empolgante, consuma-se com o épico 300 - como argumentista e ilustrador, sendo a mulher e colaboradora desde Ronin, Lynn Varley, responsável pelo impressionante colorido. A acção decorre por 480 aC, quando o rei Xerxes - ou Khchayarcha, filho de Dario I - decide consumar as aspirações do pai, derrotado na Batalha de Maratona pelos soldados atenienses, estendendo o Império Persa pela conquista da Grécia. Tendo concentrado o maior exército de sempre - segundo Heródoto, dois milhões e seiscentos mil homens - Xerxes foi desafiado no desfiladeiro das Termópilas por Leónidas, soberano de Esparta, à frente de apenas trezentos bravos da guarda pessoal.

Um povo orgulhoso, disciplinado, sofredor, guerreiro. Enfim, massacrados - após traição de um deles, Ephialtes, que escapara da morte à nascença, segundo a tradição, por defeito congénito - os espartanos superam a lembrança da história, escrevendo com o próprio sangue a sua lenda triunfal... Em original Dark Horse Books, lançado entre nós sob chancela Norma, este álbum excepcional foi distinguido com os Prémios Harvey (Melhores Série e Cor) e Eisner (Melhores Série Limitada, Autor Completo e Cor) em 1999, e do Salão de Barcelona (Melhor Obra Estrangeira) em 2000. Através de uma narrativa cortante, exacerbada, e de uma ilustração contrastada, luxuriante, Miller logra em 300 um fascínio heróico e mártir, em obra-prima intemporal, avassalante, ao consumar uma exaltação da violência mitificadora
IMAGINÁRiO24.

EXTRAORDINÁRiO

O INFANTE PORTUGAL
- Folhetim aperiódico -

Capítulo Um

CONTRA AS FORÇAS DO DEMO - 7

 Com o Verão em sua máxima vitalidade, Rui Ruivo abandonara já bastante tarde, na noite passada, o seu escritório num discreto palacete da Rua de Rufino Picão e Chagas, quase ao virar para o Largo de Camões - após discutir, com Ofélia Luna, alguns pormenores sobre a marcação de férias. Não era tanto uma rotina profissional que os preocupava - mas, tacitamente, o assegurar da segurança à Lisboa cada vez mais bizarra e criminal... Pois a bela assistente repartia-se também, e sem que reciprocamente o desvendassem entre si, como uma denodada vigilante de nome Fada!

Continua