José de Matos-Cruz


IMAGINÁRiO77
01 ABR 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

 PRONTUÁRiO

 EXPRESSÕES

 

No Museu Nacional da Imprensa, decorreu o VII Porto Cartoon em 2005, com uma evocação do pioneiro e primordial caricaturista português Raphael Bordallo Pinheiro (1846-1905). Humor e Sociedade foi o tema que, aliando distintos autores a nível internacional, congregou trabalhos notáveis e marcantes - obras curtas, segundo as regras em causa, mas de apelo  irresistível - pela qualidade gráfica ou estética, a volúvel ou firmada expressão, a importância dos testemunhos, tão distintos do recorte político à sátira social. E, se as manifestações são efémeras, o seu significado persiste nos catálogos alusivos, como a propósito assumiram as Edições Asa - constituindo um significativo memorial de referência, e para os leitores um sugestivo documento. Galeria de esgares e sorrisos, a escala deste mundo estilizada no mero traço artístico...

MEMÓRiA

1805-1883 - Antonia Gertrudes Pusich: «Os nossos antigos e honrados portugueses temiam até ensinar suas filhas a ler e escrever, receando que lessem livros perigosos ou escrevessem a seus amantes…».

1902-1985 - Ercília Costa, a Santa do Fado: «Nunca quis fazer festa de despedida, porque pensei sempre que algum dia podia precisar de voltar...»

FEV1766-1834 - Thomas Malthus: Economista e demógrafo britânico, autor da teoria segundo a qual o crescimento da população tende sempre a superar a produção de alimentos, o que torna necessário o controle da natalidade.

1921-04FEV1995 - Patricia Highsmith: «Gosto de contar uma história fascinante. Mas cada livro é uma discussão comigo mesma…»

17FEV1836-1870 - Gustavo Adolfo Bécquer: «É um sonho esta vida, / mas um sonho febril de um instante único. /Quando dele se acorda, / vê-se que tudo é só vaidade e fumo...»

1948-01ABR1996 - Mário Viegas: «É irrepetível e absolutamente efémero. Isto é fantástico, é o mistério do teatro. Não fica nada, só a memória do público».

04ABR1926-1990 - Carlos Wallenstein, actor e encenador, escritor: «A Vida que Carlos Wallenstein viveu, dispersa, múltipla, pródiga de talentos generosamente disseminados, terá ocultado a muitos a notável qualidade da sua poesia» (Pedro Tamen).

5ABR1916-2003 - Gregory Peck: «Por detrás da maquilhagem, da personagem e da composição, estamos nós, e é isso que realmente interessa ao público».

07ABR1506-1552 - Francisco Jasso d’Azpilcueta y Javier, aliás São Francisco Xavier: «Os braços cansavam-se-lhe e a voz enrouquecia com tanto repetir o Credo e os Mandamentos» (José Leite - Os Santos de Cada Dia).

CALENDÁRiO

1918-25DEZ2005 - Birgit Nilsson: «As aves tristes não cantam».

1926-12JAN2006 - Maria José Salavisa: «Era uma mulher com uma vida extraordinária e uma personalidade muito forte, que foi pioneira da decoração em Portugal» (Jorge Salavisa).

17JAN2006 - No jornal oficial do Vaticano, L’Osservatore Romano, Monsenhor Fiorenzo Facchini, professor de Antropologia na Universidade de Bolonha, Itália, defende que a «concepção inteligente do mundo» - a qual põe em causa a teoria de Charles Darwin - não é ciência e, por isso, não deve ser ensinada nas escolas a par com o evolucionismo, acrescentando que «o projecto divino da criação pode ser levado a cabo através de causas secundárias no curso natural dos acontecimentos, sem que seja necessário pensar em intervenções miraculosas que apontem numa ou na outra direcção» IMAGINÁRiO74.

1928-19JAN2006 - Anthony Franciosa: «Céus! Sou uma estrela, não um actor!»

1942-20JAN2006 - Wilson Pickett: «Quando se deixa Deus e se escolhe o Diabo, está-se condenado ao Inferno».

26JAN2006 - Atalanta Filmes estreia Lavado em Lágrimas de Rosa Coutinho Cabral; com Ana Rita Martins e João Cabral.

MAR-OUT2006 - No âmbito do Programa Gulbenkian Criatividade e Criação Artística, decorre - na Fundação Calouste Gulbenkian - o Curso de Argumento Para Cinema, em colaboração com The London Film School.

Até 16ABR2006 - No Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis expõe Artistas Viajantes e o Brasil do Século XIX; parte do acervo da Colecção Brasiliana/Fundação Estudar, constituída por cento e vinte e duas obras, escolhidas pelos comissários Carlos Martins e Valéria Piccoli.

TRAJECTÓRiA

GREGORY PECK

 

Elegante, sóbrio, versátil, insinuante, Gregory Peck será sempre um actor de referência, nos principais géneros sagrados por Hollywood - drama, comédia, aventura, guerra e, naturalmente, o western - tendo produzido The Big Country (1958). Nasceu Eldred Gregory Peck em La Jolla (Califórnia), a 5 de Abril de 1916. Filho de um farmacêutico de origem irlandesa, graduou-se no San Diego State College, de onde seguiu para a University of California em Berkeley. Depois, obteve uma bolsa de estudos para frequentar aulas de representação na Neighborhood Playhouse School of Dramatics, Nova Iorque. Em 1942, apresentou-se pela primeira vez na Broadway, acabando por impor-se como profissional de teatro. Nesse mesmo ano, casou com Greta Konen (até 1954). Estreou-se no cinema em 1944, contratado pela Fox, e aproveitando a ausência de muitas vedetas masculinas a combater na II Guerra Mundial. Ele fora considerado incapaz, devido a uma lesão na espinha, provocada durante uma prova de remo, nos seus tempos do liceu.

Em 1947 e 1952, Peck destacou-se entre os dez primeiros campeões de bilheteira do cinema americano. Em 1955, contraiu novo matrimónio com Véronique Passani, do qual nasceram dois filhos actores - Tony (1956) e Cecilia (1958) Peck. Em 1962, logrou o Óscar ao Melhor Actor, pelo seu desempenho em Na Sombra e No Silêncio (To Kill a Mockingbird, Robert Mulligan), como advogado benemérito, após quatro nomeações falhadas: As Chaves do Reino (The Keys of the Kingdom, 1944, John M. Stahl), O Despertar (The Yearling, 1946, Clarence Brown), A Luz É Para Todos (Gentleman’s Agreement, 1947, Elia Kazan) e Almas em Chamas (Twelve O’Clock High, 1949, Henry King). Em 1965, tornou-se membro do National Council on Arts e, no ano seguinte, director da American Cancer Society. Distinguido com a Medalha da Liberdade pelo Presidente dos Estados Unidos, Hollywood concedeu-lhe, em 1967, o Jean Hersholt Humanitarian Award.

Tendo limitado as suas actuações, para se dedicar de preferência à produção, Peck ocupou outros cargos relevantes em organizações de 7ª Arte - como a chefia do American Film Institute (1967-69) e a presidência da Academia das Artes e das Ciências Cinematográficas de Hollywood (1967-70). Em 1978, publicou a autobiografia An Actor’s Life, e interveio em Os Comandos da Morte (The Boys From Brazil, Franklin J. Schaffner), com rodagem em Portugal. Em 1989, o American Film Institute concedeu-lhe o Life Achievement, tendo ainda recebido os galardões do New York’s Museum of Modern Art (1990), do John F. Kennedy Center e da Film Society do Lincoln Center (1991).  Já em Fevereiro de 2000, com 83 anos, Peck fez a sua última representação em palco no Salem Elsinore Theatre, onde muitos anos antes interviera, durante a sua primeira digressão artística; declarou, então: «Sinto que já fiz o suficiente. Ultrapassei o recorde de Cary Grant». Faleceu em Los Angeles, no ano de 2003, de causas naturais.

DOCUMENTÁRiO

MÁRIO VIEGAS
EM IMAGENS VIVAS

 

Um dos actores mais versáteis dos últimos três decénios, qualidades que se repercutiram como declamador, Mário Viegas (1948-96) tem patente esta intervenção em Palavras Ditas (1984 - Nuno Teixeira). Também autor, seis anos depois voltou à RTP - onde dera voz aos Filmezinhos de Sam (1988) - com Palavras Vivas (1990); antes participara em O Funeral do Patrão (1975 - Eduardo Geada) ou Ninguém (1976 - Artur Semedo), tendo Maria João Rocha testemunhado Mário Viegas... E Tudo (1997). Ainda em imagens animadas, para o grande ecrã, chegando a participar na concepção do argumento, Viegas foi dirigido por Semedo (O Rei das Berlengas - 1978), António Victorino d’Almeida (A Culpa - 1980), José Fonseca e Costa (Kilas, o Mau da Fita - 1980, Sem Sombra de Pecado - 1982, A Mulher do Próximo -1988, Os Cornos de Cronos - 1990), José de Sá Caetano (Azul, Azul - 1983), José Nascimento (Reporter X - 1986), Manoel de Oliveira (A Divina Comédia - 1991), Margarida Gil (Rosa Negra - 1992), Roberto Faenza (Afirma Pereira - 1995) e Jom Tob Azulay (O Judeu - 1995). Oriundo do palco amador (Santarém, 1965), frequentou a Faculdade de Letras e o Conservatório Nacional (Lisboa, 1966), fez parte do Teatro Universitário de Lisboa (1967, actor e encenador), começou como profissional no Teatro Experimental de Cascais (1969), integrou no Porto a Faculdade de Letras e o Teatro Universitário do Porto (1969). Em 1977, frequentou o Curso de Actores e Dramaturgia. Responsável por uma Auto-Photo Biografia (Não Autorizada) em Formato A3 (1995), Mário Viegas divulgou também a sua arte em disco (desde 1969) e na rádio (1976).

ANTIQUÁRiO

1956 - Durante a última corrida da temporada de Fórmula 1, no circuito de Monza, o britânico Peter Collins cede o seu carro D 50 - em 1955, oferecido pela Lancia à Ferrari - ao companheiro de equipa, Juan Manuel Fangio. Tal gesto - que ficaria entre os mais galhardos na história da alta competição automobilística - permitiu ao corredor argentino conquistar o título mundial. À época, só eram pontuados os cinco primeiros classificados, mais um ponto para a volta mais rápida. No caso de um piloto terminar a prova com o veículo de outro, repartiam os pontos entre si.

EXTRAORDINÁRiO

O INFANTE PORTUGAL
Folhetim aperiódico

 Capítulo Dois
O VULCÃO DE VOLTA À LIÇA - 17

 Aliás, e no seu íntimo, Nero Faial conservava uma rara experiência breve e nítida da adolescência, certa vez em que a vagabundagem solitária, pela Lisboa periférica lhe impusera, enfim, o descanso prazenteiro sob o alpendre de uma das hortas lá para Sete Rios. Algo de efusão estética, matricial. As patas dos pombos volteando, vistas debaixo e através daquele telheiro transparente, fosco, já calcinado pelo sol abrasador, pareciam estigmas impressionistas, móveis, a que alguma cagadela de ocasião conferisse uma pontuação psicadélica que, a partir de então, logo permanecesse em vão, e marcada para sempre.

 Continua


IMAGINÁRiO76
24 MAR 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

 CINEMA

 

Aliando uma peculiar marca de autor entre a informação crítica e o comentário pessoal, Jorge Leitão Ramos consuma em Dicionário do Cinema Português 1989-2003 (2005) um paradigma excepcional sobre as obras, os nomes e os factos que constituem tanto a aventura precária, como a fascinante manifestação de sétima arte entre nós: forjando um olhar único, um imaginário singular mas facetado - que assim evolui em flagrante parceria como reflexo consistente, após Dicionário do Cinema Português 1962-1988 (1989), ao firmar a obsessão e a maturidade de quem o observa, analisa, referencia e divulga. Pela intervenção matricial de um Dicionário do Cinema Português, sob chancela da Editorial Caminho, Leitão Ramos fornece uma fonte imprescindível de conhecimento a leitores e cinéfilos, a qual em si mesma constitui um marco fundamental na sua mais criteriosa bibliografia.

CALENDÁRiO

1913-06JAN2006 - Ilse Lose: «Apresentar também coisas tristes é catártico, faz a criança sentir que não está só. E há poucos meninos que nunca conheceram um desgosto».

1935-06JAN2006 - Lou Rawls: «Tem o canto com mais classe e suavidade» (Frank Sinatra); Love Is a Hurtin' Thing (1966), o seu maior hit.

06JAN2006 - No Instituto Camões, é apresentado o Centro de Informação da Música Portuguesa/CIMP, projecto de que é principal mentor Miguel Azguime, e disponível em www.mic.pt

1913-08JAN2006 - Helena Sá e Costa: «Na sua vida, tudo foi lógico: como pianista, como pedagoga, como mulher» (Fausto Neves).

20NOV1926-09JAN2006 - Artur Ramos: «Nunca conheci ninguém com um mínimo de responsabilidade (professores, artistas, agentes culturais - e até críticos) que não saiba, sem grandes elucubrações, o que é um bom livro, uma boa peça de teatro, um bom concerto (mesmo pop, porque não?), um belo palácio, uma bela paisagem, um bom filme, uma boa série de televisão ou uma excelente reportagem».

1918-14JAN2006 - Jacques Faizant: «Um dilema é uma proposta filosófica cujo enunciado agrada às boas consciências e cuja prática põe em perigo as democracias».

1920-14JAN2006 - Shelley Winters: «Em Hollywood, todos os casamentos são felizes. Os problemas apenas surgem, quando as pessoas tentam viver juntas».

14JAN-24JUN2006 - Videoteca Municipal de Lisboa apresenta Ler Cinema - cruzando imaginários distantes à partida, como uma enorme montagem de que os filmes são a unidade básica; para tornar mais claro o conceito de programação, propõe-se O Nosso Caso (2002-2005) de Regina Guimarães/Corbe & Serge Abramovici/Saguenail - série onde se usam, (des)montam, estudam, relacionam imagens, apresentando uma proposta de leitura do pós Novo Cinema português.

15JAN2006 - Após percorrer 4630 milhões de quilómetros numa viagem de ida e volta, em missão da NASA, a sonda Stardust desce no deserto do Utah, com partículas de poeira cósmica do cometa Wild 2, cuja cauda tocou há sete anos, as quais podem revelar segredos sobre as origens do sistema solar e desvendar outros mistérios quanto à formação do Universo.

01MAR2006 - No Toyotabox, estreia o musical Sexta-Feira 13, com texto de Eduardo Madeira e encenação de António Feio; inclui música, e homenagem ao grupo de rock Xutos & Pontapés, que nesse dia da semana se estrearam, a 13JAN1979.

Até 19MAI2006 - Na Amadora, Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem/CNBDI expõe Em Traços Miúdos; quadradinhos portugueses para os mais jovens, com retrospectiva de artistas clássicos e mostra de autores contemporâneos.

VISTORiA

 SOBRE SUA PRÓPRIA FACE NUM ESPELHO

Oh face estranha aí no espelho!
Companheiro libertino, sagrado anfitrião,
Oh meu bufão varrido pela dor,
Que responder? Oh vós miríade
Que labutais, brincais, passais,
Zombais, desafiais, vos contrapondo!
Eu? Eu? Eu?

E vós?

Ezra Pound - Personae (1909)

COMENTÁRiO

 ARTUR COSTA DE MACEDO

 

Em actividade determinada pela vertente documental, pela versatilidade técnica e pela multiplicidade de realizações ou desafios, há que assinalar - na carreira de Artur Costa de Macedo - alguns dos aspectos mais significativos, para a história do cinema português e na especificidade da sua indústria artística. Desde logo, a intervenção por Costa de Macedo foi importante, para Leitão de Barros se afirmar em filmes mudos: operando a imagem dos seus originais ensaios de ficção (Malmequer, Mal de Espanha e O Homem dos Olhos Tortos em 1918); produzindo e/ou fotografando as notáveis vivências testemunhatórias (Nazaré, Praia de Pescadores - 1929 e Lisboa, Crónica Anedótica - 1930). Entretanto, Costa de Macedo deu também expressão plástica ao melhor de Rino Lupo, para quem se tornou imprescindível, entre nós (Mulheres da Beira - 1921 ou Os Lobos - 1923; O Diabo em Lisboa - 1926). Um carácter experimentalista, imprimiu-o o cinegrafista n’O Bicho da Serra de Sintra (1926), cuja autoria partilhou com João de Sousa Fonseca; realçando o apuro estético d’O Afilhado de Santo António (1928) - além das expectativas académicas/amadoras de Afonso Lopes Vieira. Assim também contribuiu para Alfama, Velha Lisboa (1930) do nóvel João de Almeida e Sá, a ponto de a Grande Exposição Internacional de Lisboa (1932) lhe atribuir uma Medalha de Prata. Apenas provável, a colaboração de Costa de Macedo ter-se-ia revelado ainda decisiva nos valores cénicos de Aventuras de Agapito/Fotografia Comprometedora (1923) de Roger Lion/Maurice Mariaud ou, através deste, do notável O Fado (1923). Merecendo a confiança de António Lopes Ribeiro desde o lançamento em 1928, com Uma Batida em Malpique, Costa de Macedo foi seu colaborador constante - «sempre com as melhores provas de seriedade, disciplina, educação e competência profissional» - como expressivamente comprova A Exposição do Mundo Português (1940). Enquanto realizador de ficção, o nome de Artur Costa de Macedo ficou assinalado em tentativas como Confusão de Narizes (1919); ensaio bizarro, O Bicho da Serra de Sintra (1926) sobrevive ainda, para estimar virtualidades narrativas e de entretenimento. O tempo fez esquecer Beatriz Costa, Memorialista (1932); porém, foi como documentarista que o talento criativo do cineasta melhor se fixou e evoluiu, tal como consta em fitas durante muito tempo obscuras, mas exemplares - logo a Festa da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de São Pedro do Sul (1927).

ANTIQUÁRiO

1946-1958 - Detido em Pisa por suspeita de traição, com os seus testemunhos à rádio italiana durante a II Grande Guerra, e transferido para os Estados Unidos em NOV1945, Ezra Pound (1885-1972) é submetido a um exame médico pelo Governo americano, declarado fisicamente incapaz, e encarcerado no Hospital de Santa Isabel em Washington, por razões de saúde mental, aí permanecendo treze anos. Após petições de escritores de todo o Mundo, e posto em liberdade, exilou-se depois em Veneza, vindo a ser considerado por Ernest Hemingway «o poeta mais maldito do nosso século».

REPOSITÓRiO

 MUPPETS

 A partir de 1976, a saga dos Marretas - um prodígio de animação mecânica em que se representa, com uma furiosa corrosão, o universo social americano em suas múltiplas vertentes - logrou idêntico sucesso pela via da televisão ou nas salas de cinema. Trata-se de um salutar envolvimento de humor e recriação artística - que sobreviveu ao primordial autor, Jim Henson, cuja aliança com Frank Oz culminara a história fundamental dos Marretas. Este e Henson tinham-se conhecido em 1963, durante uma Convenção sobre os (originais) Muppets. Quanto a fitas, e após As Aventuras dos Marretas (1978) por James Frawley, o próprio Henson dirigiu Os Marretas Contra-Atacam (1981). Depois, Oz realizou Os Muppets Conquistam Nova Iorque (1984), e produziu O Conto de Natal dos Marretas (1992) - a cargo de Brian Henson, e dedicado à memória de seu pai. Em Os Marretas no Espaço (1998), Tim Hill conciliou as virtualidades de uma segunda geração de manipuladores, com a vitalidade tradicional de aliciamento e culto. Tudo, graças à imaginação delirante do veterano argumentista Jerry Juhl... Em paródias de pequeno e grande ecrãs, ou em flagrantes bizarrias dos bastidores, há trinta anos, contracenando com notáveis... de carne e osso, destacam-se entre os imortais na hilariante Companhia dos Muppets: o Cocas (aliás, Kermit the Frog), Miss Piggy, Rizzo, Gonzo, Fozzie Bear, Animal, Cookie Monster, Bert e Grover.

MEMÓRiA

1894-28MAR1966 - Artur Costa de Macedo: «Um hábil fotógrafo-operador cinematográfico, com trabalhos executados de grande valor artístico, mostrando grande competência no seu métier.» (Raul Lopes Freire - 1930)

1899-30MAR1986 - James Cagney: «Avança decidido, põe os pés firmes na terra, olha o sujeito bem nos olhos... e diz-lhe a verdade!»

NOTICIÁRiO

Imagens - O ilustre fotógrafo-amador, e nosso amigo Senhor Carlos Relvas, mandou um hábil preparador do seu atelier às províncias espanholas que mais sofreram com os terremotos para tirar fotografias dos pontos mais notáveis dessas espantosas ruínas. Vimos ontem as duas primeiras provas em fototipia, e pareceram-nos primorosas como todas as que saem do afamado atelier do Senhor Relvas; à perfeição artística reúnem a excelente escolha dos pontos de vista. Há-de ficar uma colecção notável.
14MAI1855 - Diário de Notícias

BREVIÁRiO

Assírio & Alvim edita Os Cantos e Fenda edita Camões; de Ezra Pound.

Artemágia lança, com o Patriarcado de Lisboa, triplo CD com as obras sacras de Frei Manuel Cardoso (1566-1650), incluindo na íntegra Livro de Vários Motetes... e Outras Cousas (1648) dedicado a El-Rei D. João IV.

Atari Europa lança Astérix & Obelix XXL2: Mission Las Vegum, videojogo desenvolvido por Étranges Libelules, e a explorar nas versões de PC ou PlayStation 2; a inevitável luta com os romanos, envolvendo outros heróis do território virtual, como Pac-Man, Mário e Sonic.

 Ésquilo edita Nós, a Partícula e o Universo de Basarab Nicolescu; tradução de Isabel Debot.


IMAGINÁRiO75
16 MAR 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

 

FANTASIAS

 

Uma imaginação sofisticada. Uma ilustração deslumbrante. Um jogo de artifícios. Uma tensão reveladora. Eis o talento perverso de Giovanni Barbieri e o fascínio sensual de Vittorio Giardino - argumentista e desenhador que assumem Eva Miranda, sob chancela das Edições Asa, sagrando em quadradinhos o fenómeno nostálgico e sublimador da soap opera. Pessoas que se intrigam e representam, personagens que se entregam e desvendam. Episódios de aparência banal, conspirações da realidade inócua, compõem o destino ultrajado e a opção trágica para todos os anseios e apetites, entre eventuais comparsas masculinos e femininos... Transitando com uma elegância surpreendente do enleio gráfico por Giardino ao jogo das palavras por Barbieri, o insólito mistério de Eva Miranda paira por atmosferas pomposas, por cenários miseráveis, que contrastam o romance do herdeiro rico com a menina pobre, derramado entre gente errática, que se entrega aos prazeres e aos conflitos, aos preconceitos às prepotências, assumindo afinal as facetas mais ocultas ou aparentes do ser humano. O olhar intenso, a mentira insinuante, a traição banal, a ambição funesta, corrompem pela ironia cáustica a pose virtual destes homens e mulheres, em sua teia inexorável de cumplicidades e vitimações.

MEMÓRiA

1232-1316 - Ramon Llull: «O Déus qui has home servit / en quant en home és unit, / tu sies llausat e bendit! / Home és creat per Déu servir, / amar, honrar e beneir, / no pas per parents enrequir.»

1826-1860 - Soares de Passos: «Vês este peito? Reina a morte aqui... / É já sem forças, ai de mim, gelado, / Mas inda pulsa com amor por ti».

1909-1966 - António Pedro: «Apetecia-me ser de seda e chagas, como os santos, / Que me brocassem de oiro a dobra do vestido, / E me coroassem de mitras e me espetassem flechas».

CALENDÁRiO

Até 30MAR2006 - Centro Cultural de Belém/CCB apresenta Secret, espectáculo pelo Cirque Ici.

Até 19ABR2006 - Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva apresenta A Poética do Traço - Paris 1927-1940; exposição sobre o trabalho do Atelier 17 e do gravador Bill Hayter, que reuniu todos os artistas contemporâneos, sobretudo os Surrealistas.

OBSERVATÓRiO

A fervilhar desde 1998, Bife Newsletter de Vítor Sá é partilhada por amigos, melómanos, filotécnicos, ecologistas, editoras, bandas, agentes, promotores and so on, aceitando subscrições por infoline 966862294.

Em especial para os apreciadores de banda desenhada, O Cuco Informativo Bd aparece em plena página no Diário do Sul por Dâmaso Alonso, podendo ser solicitado em correio electrónico a datelier@sapo.pt

VISTORiA

 

Vai alta a lua! Na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila! Dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.

Que paz tranquila!... Mas eis longe, ao longe,
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma, semelhante a um monge,
Dentre os sepulcros a cabeça ergueu.

Ergueu-se, ergueu-se!... Na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmórea cruz.

Ergueu-se, ergueu-se!... Com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por entre os campos, arrastando o manto,
Com passos lentos caminhou além.
Soares de Passos - O Noivado do Sepulcro (excerto)

ANTIQUÁRiO

1886 - Entre o Porto e Vila Nova de Gaia, sobre o Rio Douro, é inaugurada a Ponte D. Luiz I, descendente da trágica Ponte das Barcas e da Ponte Pênsil. Concebida pela casa Eiffel. Portagens: gente de pé, porcos e cabras, cinco réis; à noite, preço a dobrar.

1906 - A totalidade do rosto do bilhete-postal converte-se numa grande imagem, e o reverso divide-se em duas partes: uma para o texto e outra para a direcção. Além disso, o formato rectangular que, a princípio, era obrigatório, mesmo nas suas dimensões, foi variando. O primeiro bilhete-postal apareceu na Áustria em 1894. Daí, a colocar-se uma imagem no lado livre, ia só um passo que não tardou a ser dado.

DOCUMENTÁRiO

A NEVE CAINDO
SOBRE OS CEDROS

Uma fascinante síntese entre cinema e literatura, pela recorrência das leituras às representações, eis a proposta de Scott Hicks - o fenomenal realizador de Shine,  Simplesmente Genial (1996) - com A Neve Caindo Sobre os Cedros (1999), em que transpõe um romance de David Guterson, inspirado por circunstâncias autobiográficas. O escritor elaborou durante dez anos esta obra que, publicada em 1995, e traduzida em trinta línguas, superara já os quatro milhões de exemplares, num cúmulo de tiragens.

Entre os parâmetros épico e romântico, eis a abordagem dramática de um dos eventos mais anómalos e escamoteados da vivência americana durante o Século XX, embora com repercussões nacionais que, excepcionalmente, afectaram os princípios da democracia e liberdade: o internamento imposto, em 1942-1944, a quase cento e vinte mil cidadãos ianques de origem ou ascendência nipónica, em áreas militarmente controladas, abandonando assim lares, famílias, profissões, e interrompendo uma inserção social.

Tal provocou irreversíveis dramas singulares e conflitos comunitários, que se aludem através de um pequeno aglomerado populacional - simbolizado na ilha imaginária de San Piedro, polo emigracional a norte de Puget Sound - onde convivem descendentes de judeus, nipónicos, alemães ou nórdicos. Aí evolui, também, o amor clandestino entre Ishmael, filho de um jornalista liberal; e Hatsue, a cujos pais agricultores era interdito ter terras. Afinal, ela renuncia a essa relação que contraria as afeições naturais.

A família Imada é deslocada para Manzanar, deserto da Califórnia, até ao fim da Grande Guerra - na qual participa Ishmael Chambers, que perde um antebraço; outro combatente, voluntário, Kazuo Imamoto casa com Hatsue. Mas o regresso a San Piedro culmina em tragédia, quando Kazuo é acusado de ter morto um amigo de infância, em conflito de propriedades. As suspeitas, os enredos, os preconceitos enovelam-se na sala de tribunal - em que, singularmente, uma certa América será exposta e julgada.

Por capricho supremo do destino, ou por sublimação ao sentimento em renúncia, a intervenção de Ishmael - também ele repórter - torna-se decisiva, para a ilibação de Kazuo e o seu retorno aos braços de Hatsue... A Neve Caindo Sobre os Cedros estiliza, a par com os perturbadores desempenhos, uma impressionante paisagem emocional - pela composição plástica de Robert Richardson, que a música composta por James Newton Howard compenetra de atmosferas corais.

 Cruzando-se com esta saga pessoal, transparecem os contrastes de cultura e civilização, os valores éticos e heróicos, ou os dilemas de traição e patriotismo. A par de um enquadramento ficcional, com recorrência à infância dos protagonistas, e até 1950, Hicks estigmatiza os reflexos da vivência numa comunidade piscatória. Para além do testemunho sobre as transformações operadas, após Dezembro de 1941 - com o ataque a Pearl Harbor e a declaração de guerra dos EUA contra o Império do Sol Nascente.

Considerada uma opção política de segregação interna, sob decreto governamental pelo Presidente Franklin Roosevelt, historicamente infundamentável por questões de lealdade, fica porém latente o clima de angústia, rancor ou histeria culminante no êxodo, que avassalou entre a população civil. A evocação das circunstâncias paradoxais, mas emocionantes, pela monstruosa cisão - dos fantasmas individuais, ao espectro colectivo - eis a proposta que A Neve Caindo Sobre os Cedros encerra, subtil mas violenta.

CALENDÁRiO

Universal edita em DVD, A Neve Caindo Sobre os Cedros (1999) de Scott Hicks; com Ethan Hawke, Youki Kudoh.

Editorial Caminho lança As Intermitências da Morte de José Saramago.

Relógio d’Água edita Hugo Pratt, O Desejo de Ser Inútil de Dominique Petitfaux; sobre o criador (1927-1995) de Corto Maltese.

EMI Music edita Aerial de Kate Bush, doze anos após The Red Shoes.

Publicações Dom Quixote edita Dom Duarte de Bragança - Um Homem de Causas / Causas de Rei de Palmira Correia; prefácio de Teresa Costa Macedo.

 

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL
Folhetim aperiódico

 Capítulo Dois
O VULCÃO DE VOLTA À LIÇA - 16

 Era alma de criador - fantasista, vulcânica. Como um vampiro do fogo, que se materializasse sem consciência pessoal. Ou apenas impersonando estigmas pictóricos das suas fulvas telas, sempre avidamente disputadas nas principais galerias de uma galáxia impressionista, petulante mas efémera.

Em abono da verdade, havia uma memória oculta, incrustada nos recônditos mais humilhados da sua filiação original: ser gerado por pai incógnito, a mãe era uma modesta modista em atelier de baixa costura, lá para os lados do Calhariz. Também, pouco interessaria, pois a criatura foi exposta na rua, e recolhida pela Santa Casa da Misericórdia. Porém, Nero Faial sabia de tudo, e apenas selou para si o invólucro da decepção, após investigar até aos primeiros sinais de haver nascido.

Continua


IMAGINÁRiO74
08 MAR 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

LOKI

 

A alternidade bárbara e heróica de Thor foi gerada em quadradinhos, no universo Marvel, por Stan Lee & Jack Kirby em 1966, inspirada na prodigiosa mitologia nórdica do deus-trovão. Ao civilizado estilo ianque, este extraordinário paladino loiro, olvidando a passagem para Valhalla, acaba tocado pela humildade humana, assumindo a personalidade obscura do médico Donald Blake... Quarenta anos depois, e subvertendo as referências virtuais entre eternidade e ancestralidade, tudo se assombra e põe em causa - por Robert Rodi (argumento) & Esad Ribic (ilustração), com chancela Devir - sob o signo da perfídia, quando Loki, filho de Laufey e adoptado por Odin, submete Asgard e humilha o garboso irmão com as masmorras, onde jazem também o todo-poderoso, a sensual Lady Sif, Balder o magnífico. Glória e vacuidade, sacrifício e vergonha, esplendor e decepção - até à irreversibilidade, ao contínuo volúvel do ludíbrio derradeiro e expiatório... Especulando uma inversão da saga em seus fundamentos primordiais, pela exacerbação do mal e os tormentos do bem, o engenho perturbador de Rodi subjuga um desafio de coragem, adversidade, vingança e companheirismo. Ribic sagra um fascinante imaginário plástico e soturno, abalando a aura e o porte de comparsas intemporais, avassalados no desígnio do triunfo ou da iniquidade, ao transfigurar uma provação maior sobre a imortalidade.

CALENDÁRiO

6DEZ2005 - Uma equipa de astrofísicos holandeses, que observa a estrela IRS48 da constelação Ophiuchus, a 375 anos-luz, com o telescópio espacial Spitzer da NASA, na banda dos infravermelhos, descobre cianeto de hidrogénio e acetileno. Detectados sob a forma de gases quentes, em zona onde se presume existirem corpos rochosos potencialmente idênticos ao nosso planeta, tais compostos orgânicos encontram-se entre os elementos precursores do ADN. A descoberta científica em causa ocorre pela primeira vez, nas circunstâncias referenciadas e, segundo Fred Lahuis, do Observatório de Leiden, no centro de um sistema solar ainda em formação, que «poderá assemelhar-se a este, há milhares de milhões de anos, muito antes de a vida eclodir na Terra».

6DEZ2005 - O juiz americano John E. Jones III, do Tribunal de Harrisburg, considera que «o ensino da concepção inteligente, como alternativa à teoria evolucionista de Darwin, nas aulas de Ciências das escolas públicas, é inconstitucional». Tal determinação, conforme à decisão do Supremo Tribunal em 1987, surge após controvérsia, em OUT2004, do Conselho Directivo da Escola de Dover, no Estado da Pensilvânia, que impôs uma evidência sobre a tese do criacionismo, segundo a intervenção divina. Historicamente, assinalam-se nos EUA manifestações alternativas, entre o processo educativo e o sistema judicial. Em 1925, um professor de Biologia do Tenessee foi condenado a pagar cem dólares, por «ensinar ilegalmente as teorias de Charles Darwin» IMAGINÁRiO16.

VISTORiA

 

ALGUÉM

Para alguém sou o lírio entre os abrolhos,
E tenho as formas ideais de Cristo;
Para alguém sou a vida e a luz dos olhos,
E, se na Terra existe, é porque existo.

Esse alguém, que prefere ao namorado
Cantar das aves minha rude voz,
Não és tu, anjo meu idolatrado!
Nem, meus amigos, é nenhum de vós!

Quando, alta noite, me reclino e deito,
Melancólico, triste e fatigado,
Esse alguém abre as asas no meu leito,
E o meu sono desliza perfumado.

Chovam bênçãos de Deus sobre a que chora
Por mim além dos mares! esse alguém
É de meus olhos a esplendente aurora;
És tu, doce velhinha, ó minha mãe!
Gonçalves Crespo - Miniaturas (1870)

REPOSITÓRiO

 

 

FENÓMENO

 

Além do território tradicional de exploração, em grande ecrã, o cinema logra o maior desafio, ritual e exploratório, pelo fenómeno videográfico: repercutir uma especificidade, em alternativa ao domínio original - a pureza e a plenitude do imaginário. Assim persistem na memória, e se virtualizam os filmes primordiais - como O Homem-Elefante (1980) com John Hurt, um testemunho fascinante e rigoroso, pelo complexo de emoções ante o horrível, paralelamente à revelação de um espírito amável, sofredor e corajoso. Em início de carreira, David Lynch partiu de factos históricos verídicos, exibindo a aberração com uma dignidade de processos que Tod Browning consagrara para A Parada dos Monstros (1932).

Estamos em Inglaterra, pelo ano de 1884. Um médico descobre numa feira um indivíduo cuja disformidade física é exibida como se fosse um homem-elefante, na galeria de excentricidades. Movido pelo interesse científico, expõe-no durante uma conferência no London Hospital. Mais tarde, descobre que o infeliz possui qualidades intelectuais fora do comum, rara sensibilidade e uma grande resignação, quanto à adversidade e aos maus-tratos a que é sujeito. Entre ambos, estabelece-se uma relação singular e, não podendo curar-lhe a anormalidade, o clínico alivia os seus padecimentos, franqueando-lhe uma excepcional convivência com a melhor sociedade victoriana, até à morte - apenas com vinte e seis anos.

NOTICIÁRiO

Excentricidade - Está em exposição na Rua de São Bento, Número 252 - 1º Andar, um anão de 70 centímetros de altura. Tem 70 anos de idade.
16JUL1881 - Diário de Notícias

Exposição - Tem chamado concorrência ao Gabinete Chinês o gigante que ali está em exposição. Hoje aparece a mulher dele, tocando alguns instrumentos orientais. 01SET1881 - Diário de Notícias

MEMÓRiA

11MAR1846-1883 - Gonçalves Crespo: «Era um homem de bem; uma alma arejada e sadia; um elevado e primoroso talento!» (Bulhão Pato).

1895-1956 - António Ferro: «Quem vê um filme ou uma peça de teatro preocupado com os bastidores, com o buraco do ponto, com os subterrâneos da criação, com a miséria que se esconde atrás do pano de fundo, há-de ter, forçosamente, impressões tristes e negras...»

1956 - Júlio dos Reis Pereira, aliás Júlio (1903-1983) participa na I Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian que, em 1980, acolheu a sua grande retrospectiva - cinquenta anos depois de ter participado no I Salão de Independentes.

ANTIQUÁRiO

1965 - Manoel de Oliveira produz e realiza As Pinturas do Meu Irmão Júlio. A nostalgia de um poeta - José Régio - ausente da terra natal, Vila do Conde, anima as imagens duma memória: as pinturas de seu irmão - Júlio Maria dos Reis Pereira, também poeta Saul Dias - albergadas na velha casa onde nasceram. Assim desfilam em longa panorâmica, como na imaginação - sendo José Régio autor dos poemas e participante.

BREVIÁRiO

Publicações Europa-América edita A Origem das Espécies de Charles Darwin; tradução de Dora Baptista.

Universal lança em DVD, O Homem-Elefante (1980) de David Lynch.

Editorial Caminho lança As Vozes da Rádio 1924-1939 de Rogério Santos.

EMI edita em DVD, Chico Buarque - os três primeiros de uma colecção de dez, sobre a vida e a música do artista brasileiro, com os títulos Meu Caro Amigo, À Flor da Pele e Vai Passear.

Reichenberger edita Cantus Coronatus - 7 Cantigas d’El Rei D. Dinis (1261-1325), sendo autor Manuel Pedro Ferreira; em Introdução, «o mais antigo documento conhecido com música profana de origem portuguesa» LIMAGINÁRiO56.

Publicações Dom Quixote edita Os Dias Contados (Uma História) de José Sasportes.

DOCUMENTÁRIO

 ANTÓNIO FERRO
MARCAS NO CINEMA

 

Autor de livros como As Grandes Trágicas do Silêncio (1917), sobre as vedetas do cinema mudo em Hollywood, António Ferro (1895-1956) escreveu (com o pseudónimo de Jorge Afonso) o argumento de A Revolução de Maio (1937), com o realizador António Lopes Ribeiro; elaborou ainda o texto para Uma Revolução na Paz (1949 - A.L. Ribeiro) e, sobre ideia sua, Fernanda de Castro fez o guião de Rapsódia Portuguesa (1958 - João Mendes). Esteve em foco na Visita de Escritores Estrangeiros a Portugal (1935 - Secretariado da Propaganda Nacional/SPN) ; em Festas do Trabalho em Guimarães (1938 - Salazar Diniz); ou em Artes Gráficas (1967 - Manuel Guimarães), pela acção renovadora do SPN. Nas actualidades do Jornal Português sobressaem: nº 28 (1941) - tomada de posse como Director da Emissora Nacional/EN; 30 (1942) - visita ao Rio de Janeiro e Acordo Cultural Luso-Brasileiro; 41 (1943) - insígnias de Grande Oficialato da Ordem de Cristo (dez anos como Secretário do SPN); 61 (1946) - entrega dos Prémios do Secretariado Nacional da Informação/SNI, discursando sobre a Missão do Cinema Português.


IMAGINÁRiO73
01 MAR 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

 

AVENTURAS

 

As mutações deste mundo, entre a precaridade e o totalitarismo, as crises e as pazes, dos compromissos pelo progresso às estratégias em confrontação, estilhaçaram as virtualidades da aventura como imaginário intemporal, ritualizado em quadradinhos sob o signo dos paladinos, nos contrastes entre o bem e o mal. Assim evoluem as proezas de Gipsy - conjugando o engenho do argumentista Thierry Smolderen, após sucessos como Nombre ou Hybrides; com o talento do ilustrador Enrico Marini, estilizando a mangà desde o original Rapaces. Referências e expressões que reactivam, em banda desenhada, o conceito de saga sob as tradições da escola franco-belga - configurando os estímulos de um herói intrépido e romântico, subjugado pelo desafio primordial de um futuro em transe. Planeta Terra. No Círculo Árctico. A Fortaleza de Zigansk. Numa era glaciar. Uma invasão mongol, uma revolução nacionalista... Após A Estrela do Cigano, As Chamas da Sibéria, O Dia do Czar e Olhos Negros, eis A Asa Branca - sob chancela das Edições Asa - com Gipsy e a irmã, Oblívia, partilhando revelações e adversidades, através do Curdistão. Desígnios primitivos, perigos a enfrentar - uma proposta irresistível, para leitores ávidos de emoções fortes.

MEMÓRiA

1296-1299 - Prisioneiro em Génova, Marco Polo dita ao companheiro de cela Rusticello de Pisa o relato das suas viagens: «…E não contei metade do que vi!»

1866-1946 - E. Phillips Oppenheim: «Nos tempos que vamos atravessando, as nossas vidas parecem entrechocar-se permanentemente, num nervosismo constante».

1870-1916 - Carlos de Mesquita: «Os olhos cerram-se em desmaio por momentos, / Ouvindo, respirando o que em silêncio diz / A pérola...»

17DEZ1905-28DEZ1975 - Erico Veríssimo: «Todos aqueles homens e mulheres ali na plateia sombria parecem apagados habitantes dum submundo, criaturas sem voz nem movimento, prisioneiros de algum perverso sortilégio».

01MAR1906-1982 - M. Félix Ribeiro: «Lisboa espera, ansiosa e confiada, que os homens de cinema de todas as latitudes continuem, como até aqui, a olhá-la com amor».

BREVIÁRiO

Parceria A. M. Pereira edita Contos Inéditos e Crónicas de Viagem de Natália Correia (1923-1993).

Publicações Europa-América edita O Verdadeiro D’Artagnan de Jean-Christian Petitfils.

VISTORiA

 

 Começou a escurecer. As luzes da rua entravam pela janela. O ocupante solitário da grande sala nem sequer mexeu uma das mãos para carregar no interruptor da luz eléctrica; continuou sentado, na mesma posição. Apenas os seus olhos tinham, agora, o brilho dum visionário. As cadeiras vazias, arredadas da mesa, já não suportavam nenhum fantasma. Fitava a grande parede, e os seus pensamentos, fossem quais fossem, eram só seus. Quando Tellesom voltou, admirou-se de achar a sala às escuras. Acendeu a luz.
- Os homens estão prontos. Vem?
Rand não respondeu. Tellesom aproximou-se, apressado, já inquieto e horrorizado. Aquele encontrava-se afundado na cadeira, com os olhos abertos fitando o desconhecido. A ironia da situação provocou um soluço na garganta do oficial. Oito homens para protegerem a vida dum cadáver...
E. Phillips Oppenheim (1866 - 1946) - Senhor do Mundo

CALENDÁRiO

1920-13DEZ2005 - John Langstaff: Barítono americano, criador da companhia de espectáculos Revels, em 1971.

Até 17MAR2006 - Cinemateca Portuguesa expõe, no Espaço 39 Degraus, Histórias em Pequeno Formato - as mais prestigiosas câmaras de filmar, projectores e acessórios em pequeno formato da colecção do Museu do Cinema.

TRAJECTÓRiA

MARCO POLO

 

 Marco Polo nasceu em 1254, filho de um abastado mercador de Veneza. Com seis anos, o tio e o pai viajaram até Kambalik (Pequim), convertida por Kublai Khan, neto de Gengis Khan, em capital do vasto Império Mongol. Em 1269, Niccolò e Maffeo rumaram à Europa, tendo prometido ao monarca que tornariam a Cataio (China), com «cem homens sábios que pregassem a lei de Cristo». Aos dezassete anos, Marco acompanhou-os em nova estadia, sendo bem acolhidos pelo Khan em 1275, embora não levassem missionadores. Em 1277, o Khan tomou o serviço de Marco, graças à sua propensão para as línguas, nomeando-o governador de Yangchou, entre outras funções de confiança. Durante quinze anos, adquiriu amplos conhecimentos - ainda sobre a cultura e os costumes, as indústrias e as técnicas da civilização mongol, da Índia e do Japão, além de peripécias de jornada, sobre as paisagens e os povos percorridos. Ansiando voltar ao Ocidente por 1290, só dois anos depois os Polo foram autorizados a escoltar a nobre Kokachin até à Pérsia, sob a promessa de regressar. No entanto, a morte de Kublai Khan libertou Marco desse compromisso. Entretanto, Génova entrara em guerra com Veneza, onde Marco chegaria em 1295. Capturado e prisioneiro em 1296-99, relatou as suas extraordinárias viagens a Rusticello de Pisa. Finalmente livre e na terra natal, Marco Polo - que casou e teve três filhas - foi escarnecido pelos concidadãos como visionário, vindo a falecer em 8 de Janeiro de 1324. Por essa altura, existiam já versões manuscritas sobre A Descrição do Mundo - vulgarmente conhecida por Milione - em franco-italiano, francês, latim, toscano, veneziano, alemão e, a partir de 1477, As Viagens de Marco Polo tiveram contínuas edições impressas por todo o mundo. Em Portugal, datado de 1502, o Livro de Marcos Paulo de Veneza ...das condições e costumes das gentes e das terras e províncias orientais... deveu-se a Valentim Fernandes.

M. FÉLIX RIBEIRO
A MEMÓRIA DO CINEMA

 

Jornalista e investigador do cinema português, Manuel Nunes Félix Ribeiro nasceu em Veiros do Alentejo, a 1 de Março de 1906; faleceu em Lisboa, a 28 de Abril de 1982. Em 1932, formou-se em Medicina e Cirurgia pela Faculdade de Medicina de Lisboa. Desde muito novo, começou a interessar-se pelo cinema, tendo reunido numerosos elementos, para o estudo e a história da actividade cinematográfica em Portugal. Funcionário público a partir de 1935, no antigo Secretariado da Propaganda Nacional/SPN, esse acervo documental viria a constituir a base da Cinemateca Nacional, de que foi fundador e director desde a sua criação, em 1948; mais tarde, instituição enriquecida com cópias e negativos de filmes, e um outro vasto espólio alusivo. Foi correspondente em Portugal das revistas francesas Cinéa (1923) e Cinémagazine (1926-1928), redactor de Imagem (1928-1931), Cinegrafia (1929), chefe de redacção de Kino (1929-1930), secretário de redacção (1933) e redactor (1940-1942) de  Animatógrafo.
Crítico e redactor cinematográfico do Diário da Manhã (1931-1934), dirigiu a página Espectáculos do vespertino Vitória (1946). Foi colaborador de Filmagem, onde publicou uma História Ilustrada do Cinema Português; do Anuário Cinematográfico Português (1946), de A Maravilhosa História da Arte das Imagens (1949) e da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Foi co-produtor do programa Rádio-Cinema (1941-1956), na Emissora Nacional. Tomou parte na elaboração e redacção definitiva da Lei Nº 2027 (1948), que criou o Conselho do Cinema, de que foi vogal-secretário. Durante quatro anos, exerceu o cargo de chefe de repartição da Secretaria de Estado da Informação e Turismo/SEIT (1968) e da Secretaria de Estado da Comunicação Social/SECS (1974). Em 1980, foi nomeado director da Cinemateca Portuguesa e, mais tarde, seu director honorário. Agraciado com a Ordem de Sant’Iago de Espada e com a Ordem do Rio Branco (Brasil). É autor dos livros, entre outros: Pequena História da Imprensa Cinematográfica em Portugal (1941), Panorama Histórico do Cinema Português (1946), História do Cinema Português (1951), O Cinema Português Antes do Sonoro (1968), Subsídios para a História do Documentário em Portugal (1973), Invicta Film - Uma Organização Modelar 1917-1924 (1973), Jorge Brum do Canto - Um Homem do Cinema Português (1973), Louis Lumière - Vida e Obra de Um Inventor (1976), Os Mais Antigos Cinemas de Lisboa 1896-1939 (1978), Filmes, Figuras e Factos da História do Cinema Português 1896-1949 (1983, edição póstuma).

ANTIQUÁRiO

1336 - O poeta italiano Francesco Petrarca sobe o Mont Ventoux, com 1.910 metros, sendo considerado o original montanhista, e tornando a escalada um divertimento social. A primeira tentativa séria de ascensão foi concretizada em 8 de Agosto de 1786, quando Jacques Balmat e o Doutor Paccard, médico de Chamonix, atingiram o alto do Mont Blanc (4.807 metros), o cume da Europa, nos Alpes (daí, o nome desta categoria desportiva).

1866 - Abade, filósofo, botânico e meteorologista checo, [Johann] Gregor Mendel (1822-1884) - considerado o Pai da Genética - publica Experiências de Hibridação de Plantas, formalizando os seus trabalhos de sete anos sobre os híbridos da ervilha que, em Fevereiro-Março de 1865, havia explicitado perante a Sociedade de Naturalistas de Brün.

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL
Folhetim aperiódico

 Capítulo Dois
O VULCÃO DE VOLTA À LIÇA - 15

 Pelo caminho, ia pois retirando, à pressa mas com souplesse, aqueles trajos carnavalescos, os adereços e os vários apêndices da sua caracterização existencial. Afinal, nada melhor que um duche retemperador, para limpar as impurezas duma vivência tão alucinada, de fúrias e de flagelos, dúbia, em descida aos infernos entre o fausto cosmopolita e a desolação mais irrisória!

Pouco depois, Nero ressurgia em si mesmo, com uma líquida expectativa sobre o que lhe reservariam as horas próximas... Fora do tempo em que languescia na outra exuberância fátua, predestinada, nada apreciava mais do que entregar-se à sorte vária, à própria expressão do acaso, dissolvendo-se integralmente pela espuma dos dias.

 Continua


IMAGINÁRiO72
24 FEV 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

 POSSESSOS

 

Uma das publicações fundamentais em quadradinhos, durante o ano findo, celebra o culto de Hellboy entre os fanáticos do fantástico, envolvendo O Caixão Acorrentado e Outras Histórias sob chancela Devir. Trata-se duma colectânea excepcional que, pontuando aspectos significativos ou determinantes na carreira do mais bizarro agente do Centro Para a Investigação e Defesa Contra o Paranormal, atribui em simultâneo caprichosas referências sobre as suas origem e identidade sobrenaturais. Aliás, o criador Mike Mignola dá ainda nota duma expressiva conjugação entre rigor e talento, quanto à arte da banda desenhada, ao introduzir aliciantes apontamentos que reflectem as motivações e mutações de cada uma das aventuras escolhidas, elucidando a eventual inspiração num vasto lendário histórico e cultural, para assim constituir a extraordinária relevância de Hellboy enquanto saga prodigiosa, e respectivo enquadramento entre as virtualidades de um imaginário mítico e fabuloso. Afinal, tudo contribuindo para realçar a fascinante originalidade e inventiva de Mike Mignola, a par com a insinuante e peculiar essência do seu estilo gráfico.

REPOSITÓRiO

FEDERICO FELLINI
CRIADOR SONHADOR

 

Amado e imortal, Federico Fellini (1920-93) é um fenómeno único, apaixonante, quanto à universalidade do cinema europeu. Embora vinculado nas origens ao neo-realismo italiano, sobretudo persiste o artista singular, individualista - criador íntimo que se distingue quanto a escolas, estilos ou movimentos. Em quarenta anos de carreira, poderiam referenciar-se dois períodos essenciais, cuja delimitação ocorre pela década de ’60, tendo como referência A Doce Vida (1960). A princípio, desde Luci del Varetà (1951) com Alberto Lattuada, Fellini insere-se nas peripécias do quotidiano, reflectindo a condição do ser humano - do qual capta as facetas contrastadas, a exuberância, o modo como as pessoas motivam ou dependem do agregado social. Numa segunda fase, Fellini - sem abdicar dos problemas e dilemas comuns, sobre os seus heróis precários - aborda e modela tal matéria sensível, pelo próprio processo onírico e fantasista, inerente ao privilégio de autor. Existe, pois, uma natureza constante e coerente, na filmografia felliniana. O que se altera, é ao nível da expressão pelo olhar - de certo modo, transitando da linguagem para a escrita. A partir de Fellini 8 ½ (1962), ao notabilizar Marcello Mastroianni como seu alter-ego, e de Julieta dos Espíritos (1965), ao celebrar o mito da actriz/mulher, Giulietta Masina, a magia institui o fascínio. No imaginário tão característico de Fellini, o fantástico sucede ao fabuloso; a luxúria anímica das personagens deriva para a configuração de um delírio estético. E, assim, a inspiração vitalista de Federico Fellini, a sua propensão alegórica, convertem-se numa composição virtual - em obras-primas como O Navio (1983) ou A Voz da Lua (1990), que consagram o mestre na plenitude de uma obsessão barroca.

CALENDÁRiO

1940-10DEZ2005 - Richard Pryor: «Pegarmos fogo a nós próprios, põe-nos sóbrios rapidamente».

DEZ2005 - PedranoCharco lança BD Jornal número 8, sendo director J. Machado Dias; entre críticas e notícias, sobre festivais e edições, em foco Da Ficção Científica à Realidade Virtual.

DEZ2005 - Em inquérito organizado pelo canal britânico de televisão Channel 4, ET - O Extraterrestre (1982) de Steven Spielberg é escolhido, numa lista de cem, como o melhor filme de todos os tempos para a família.

DEZ2005 - Durante a Conferência de Biologia de Mamíferos Marinhos em San Diego, EUA, Martin Nweeia, da Universidade de Harvard, defende que a presa do nerval macho - a qual pode atingir três metros, metade do tamanho do animal, e inspirou mitos e lendas a partir da Idade Média, como o unicórnio - é um órgão sensorial capaz de detectar variações de temperatura, pressão e salinidade nas águas geladas do Árctico.

Até ABR2006 - Centro Cultural de Alcains apresenta, no Museu do Canteiro, Restauro e Conservação: Elos (In)temporais, expondo a pedra para revelar «os processos de transformação e decoração das imagens escultóricas, desde o envelhecimento e degradação ao diagnóstico das patologias, à intervenção conservadora e restauradora».

VISTORiA

Chorai arcadas
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...

De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.

Fundas, soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas, (ouçam!)
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...

Trémulos astros...
Solidões lacustres...
- Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!

Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
- Chorai arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo.
(Camilo Pessanha)

ANTIQUÁRiO

FEV1966 - A Inspecção-Geral dos Espectáculos determina a «suspensão» do filme Catembe (1964 - Faria de Almeida), comunicada à distribuidora Vitória Filme, «por não ser oportuna a sua exibição». Tal sucede a partir de uma ante-estreia no Império, em Dezembro de 1965, sem visionamento prévio, o que fez incorrer em infracção punível. Em concreto, a Censura impôs ao filme 103 cortes, correspondentes a outros tantos planos de negativo, que foram destruídos. Mesmo a segunda versão foi, também, interdita.

JAN1986 - Cinemateca Portuguesa estreia Simpósio Internacional de Escultura em Pedra - Porto 1985 de Manoel de Oliveira e Manuel Casimiro, sobre o processo de execução de escultura em mármores, granitos e ardósias, desde a origem - a matéria arrancada da pedreira - à amostragem da obra acabada numa sala de exposições, no caso o Palácio de Cristal no Porto. No Simpósio que serviu de pretexto ao documentário, participaram dezasseis escultores, tendo sido organizado por Ar.Co/Centro de Arte e Comunicação Visual, e promovido pela Câmara Municipal do Porto.

1986 - Frank Miller re-cria Batman em O Regresso do Cavaleiro das Trevas. Tudo decorre no futuro, dez anos após o Justiceiro da Noite ter desactivado o símbolo do morcego, privilegiando a identidade secreta como excêntrico milionário Bruce Wayne. Até que um execrável gang urbano, os Mutantes, o faz reinvestir - já veterano e mais azedo - em crepusculares proezas a partir da Batcave, dispondo da mais sofisticada tecnologia. Uma espécie de reinventor genial e radical, Miller exorciza o estranho paladino mascarado pela motivação obsessiva numa saga vingadora, após a morte violenta dos pais de Bruce por marginais.

1996 - É anunciada uma proposta revolucionária em Hollywood, capaz de devolver o esplendor e o fascínio dos espectáculos de outrora. Tudo, conjugando o poder financeiro com uma estratégia artística, e os mais prodigiosos meios tecnológicos. Tal projecto designou-se DreamWorks SKG - iniciais dos três notórios e geniais responsáveis: Steven Spielberg, Jeffrey Katzenberg (vindo da Walt Disney) e David Geffen (fundador da MCA). Pela primeira vez em várias décadas, um estúdio nasceria de raiz - «integralmente electrónico» segundo Spielberg, cuja perspectiva de cineasta delinearia um complexo visionário. Finalmente, a expectativa consumou-se a partir de 1997, com os primeiros filmes da DreamWorks Productions.

NOTICIÁRiO

PRIMOROSO TRABALHO DE ARTE

Acham-se em exposição na Oficina de Canteiro do Senhor Severiano José de Abreu, na Calçada do Combro, número 90 a 94, duas magníficas coroas de alto relevo em mármore, trabalho que revela bem o gosto, paciência e perícia do hábil artista que o desempenha. Obra digna de ser vista pelos amadores.
28MAI1855 - Diário de Notícias

PARAMOUNT COMPRA DREAMWORKS

A Paramount Pictures anunciou ontem que vai comprar a DreamWorks. O gigante de Hollywood estabeleceu um acordo que ronda os 1,6 mil milhões de dólares (1,3 mil milhões de euros) e contempla a aquisição dos direitos de 59 filmes dos estúdios independentes de Steven Spielberg, Jeffrey Katzenberg e David Geffen. «A decisão é uma estratégia-chave para a recuperação do estatuto de líderes da Paramount no cinema», afirmou Brad Grey, da Paramount. O acordo não inclui a aquisição da DreamWorks Animation, mas sim dos direitos de distribuição dos filmes de animação, incluindo os produtos oficiais de Shrek.
12DEZ2005 - Metro

MEMÓRiA

1874-16DEZ1965 - William Somerset Maugham: «Nunca pretendi ser nada mais do que um simples contador de histórias».

1867-1926 - Camilo Pessanha: «Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho, / Onde esperei morrer, - meus tão castos lençóis?»

BREVIÁRiO

Elo edita O Amor de Camilo Pessanha de António Osório; sobre Ana de Castro Osório (1872-1935).

Costa do Castelo edita um Pack Federico Fellini em DVD, incluindo Os Inúteis (1953), O Conto do Vigário (1955), A Doce Vida (1960) e Julieta dos Espíritos (1965).

Editorial Caminho lança Dicionário de Escultura Portuguesa; direcção de José Fernandes Pereira.

Âmbar edita A Terra dos Mezaràt de Dario Fo, Prémio Nobel da Literatura em 1997.

Publicações Dom Quixote lança Viver Com os Outros de Isabel da Nóbrega.

Assírio & Alvim edita Contos da Imagem e Noites de Inês-Constança de Fiama Hasse Pais Brandão.

Cinemateca Portuguesa edita Micheal Cimino - O Último dos Mavericks; organização de Manuel Cintra Ferreira.

Opus Arte edita em DVD, Don Carlo de Giuseppe Verdi; interpretação de Rolando Villazón, em produção da Nederlandse Opera (2004).



IMAGINÁRiO71
16 FEV 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

QUARTETO

 

Na recorrência massiva da banda desenhada americana, por vezes há fenómenos e sucessos que suscitam um inesperado e fascinante culminar artístico, com notáveis implicações no culto e na aura dos clássicos. Em pleno Universo Marvel, entre rotinas e ameaças que marcam a sobrevivência dos heróis fundamentais, Quarteto Fantástico - 1234 consuma um desses lances excepcionais, solitário ou partilhado, aliando a narrativa tensa, intrigante de Grant Morrison (lembrar Batman - Asilo Arkham), ao grafismo realista, subtil por Jae Lee (fiel ao estilo de Al Williamson). Uma concepção evasiva, mutante. Uma aventura volúvel, catártica, que submete a mais bizarra família de paladinos à provação dos seus fantasmas e apelos íntimos, das suas roturas e vulneráveis cumplicidades. Perturbada a estabilidade essencial, ao eclodir a obsessão dos superpoderes, com a subversão dos elementos naturais: a fúria, a calma. Susan Storm/Mulher Invisível no enleio funesto e sensual de Namor, o irmão Johnny Storm/Tocha Humana pueril sob o fastio da normalidade, o amigo Ben Grimm/Coisa em tormento expiatório como ser humano. Fracturas, elipses - numa obra-prima sob chancela Devir. O líder Reed Richards/Sr. Fantástico auto-suspenso num isolamento virtual, prodigioso, sotisficado pelos desígnios cósmicos. E além das máscaras, dos pesadelos, avassala a perfídia suprema, a conspiração grotesca e crepuscular de Victor Von Doom/Dr. Destino. Ambos monstros e títeres, até ao confronto primordial e derradeiro...

OBSERVATÓRiO

FÁBULAS VIRTUAIS

 «A literatura infantil, os contos de fadas, estão estreitamente ligados às sensações e, sobretudo, ao medo» - referia François Truffaut a Alfred Hitchcock, nas célebres Conversas Cinematográficas, motivando um ambíguo comentário ao mestre do suspense: «Mas é esse, precisamente, o sortilégio do imaginário»... Tal poderia simbolizar o apelo primordial, inquietador, sobre o reino dos animais, em sua clássica efabulação humana - de que é exemplar Os Dois Corvos de Aldous Huxley (1894-1963). Experiência única no género, para o celebrado autor de Admirável Mundo Novo (1931), escrita durante o Natal de 1944, em férias no deserto do Mojave, e dedicada à sobrinha Olivia de Haulleville. Em causa, a vingança terrível contra uma Cascavel que, todas as manhãs, se regalava com os ovos da Senhora Corvo como pequeno-almoço. Graças a um plano astuto do Velho Mocho, a prole do Senhor Corvo logo começará a proliferar, e a monstruosa comilona acaba como estendal de fraldas... Longos anos perdido o original, num incêndio em casa de Huxley, uma cópia foi conservada pela Família Yost, de quem era vizinho na Califórnia, e com prévia divulgação em 1967. Agora sob chancela de Publicações Dom Quixote, eis uma auspiciosa ressurreição - de candura e ironia, de inocência e perversidade - em narrativa sempre virtual, e estilizada pelo grafismo soturno, fascinante de Beatrice Alemagna, tendo em vista uma edição a nível mundial.

MEMÓRiA

1759-1805 - Friedrich Schiller: «Não há maneira de tornar razoável a sensibilidade humana, senão revelando-a previamente estética».

1890-1916 - Mário de Sá-Carneiro: «De tudo houve um começo... e tudo errou... / - Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... - / Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim, / Asa que se elançou mas não voou...»

13FEV1906-1994 - Agostinho da Silva: «A questão portuguesa é de ser ou não ser à maneira de ser português».

CALENDÁRiO

16DEZ2005 - Luís Miguel Cintra é distinguido com o Prémio Pessoa, pela primeira vez atribuído a uma personalidade das artes do espectáculo.

18FEV2006 - Centro Cultural de Cascais apresenta Música Inglesa em Temporada da Orquestra de Câmara Cascais-Oeiras, sob direcção do Maestro Nokolay Lalov, interpretando Melodia Inglesa de Fr. Bridge, Suite Brook Green de G. Holst e Tema Com Variação Sobre Um Tema de Fr. Bridge de B. Britten.

REPOSITÓRiO

AS LENDAS DE ZORRO

 Forjado por uma insinuante mescla entre sucesso e sortilégio, o culto dos heróis corresponde aos valores em causa numa época mitificada, e às virtualidades de uma reciclagem em cada período de crise ou nostalgia. Estes vectores, que se afirmaram da memória popular aos clássicos da literatura, lograram uma correspondência alusiva no imaginário cinematográfico, sob o signo de Hollywood.

Assim, raras personagens tiveram tal notoriedade e desempenho como Zorro, ao longo de décadas. Recriado na sua autenticidade, alvo de versões subvertoras, ou suscitando inúmeras interpretações apócrifas. Afinal, esta figura irradiante, sombria, sugere todas as potencialidades para exaltação: como um conceito, entre os desígnios do bem e do mal; como um símbolo, nos desafios da justiça contra a exploração.

Mas Zorro possui, também, os sinais peculiares mais representativos: quanto à sua história, sobre a realidade envolta, através do aspecto e no estigma ritual… Trata-se dum aventureiro romântico, ou dum misterioso vingador? Quanto ao romanesco original, resultou dos talentos do escritor Johnston McCulley - em episódios publicados na revista All Story, desde 1919 - inspirado em The Scarlet Pimpernel.

No ano seguinte, as proezas de Zorro agitavam o ecrã - com Douglas Fairbanks, dirigido por Fred Niblo. Noutras cerca de quarenta transposições, sobressaem John Carroll (1937) em serial de William Witney & John English, Tyrone Power (1940) por Rouben Mamoulian, Frank Langella (1974) por Don McDougall, Alain Delon (1974) por Duccio Tessari, ou George Hamilton (1981) numa paródia de Peter Medak…

No entanto, o filão estava latente há cerca de meio século - quanto ao estímulo genuíno de garbo e bravura, ou às características espectaculares. Até que, por 1992, Steven Spielberg adquiriu os direitos à Família Gertz, que obtivera o exclusivo de McCulley em 1950. Aliando a Amblin à TriStar, Spielberg - apenas produtor - via Andy Garcia como Zorro, privilegiando Mikael Salomon entre os realizadores.

Ora, o preciosista Salomon abdicou e, em 1994, emergiu um fenomenal Robert Rodriguez. Porém, Spielberg optou por um director mais seguro e convencional - Martin Campbell, e como protagonista impôs-se Antonio Banderas - actual sex-symbol latino na América. Este seria o primeiro hispânico a perfilar-se na saga - e logo, caprichosamente, com A Máscara de Zorro numa assunção sucedânea.

Vinte anos se passaram, desde as façanhas do misterioso paladino, contra a opressão e as prepotências na Nueva Aragón do Século XIX. Durante esse tempo, Don Diego de la Vega esteve aprisionado. Porém, agora que o fatídico adversário - Don Rafael Montero, ex-governador espanhol - ambiciona comprar a Alta Califórnia ao General Santa Anna, presidente do México, um debilitado Don Diego abomina tal traição.

Assim, o manto e a mascarilha passarão para Alejandro Murieta - um ladrão jovem e inquieto, em quem Don Diego pressente notáveis habilidades, a refinar nas artes da espada e do chicote. Um pacto abalado pelo afecto de Elena, a bela filha do nobre mentor… Catherine Zeta-Jones é sensual, vitalista, o veterano Anthony Hopkins tem um fascínio vampírico. E até Banderas se supera, entre vítimas e predadores.

Já em 2005, Campbell voltou a reunir Zeta-Jones e Banderas, para A Lenda de Zorro. Passado um decénio, a epopeia reincide, ao desafiar o futuro: quando a Califórnia está prestes a ser anexada, como trigésimo primeiro membro dos Estados Unidos da América; e o casal Alejandro e Elena desfruta em família, com o filho Joaquin. Porém, ciúmes e conspirações determinarão o desígnio individual e o destino colectivo...

ANTIQUÁRiO

 1936 - A casa indicada como residência de Sherlock Holmes e do Dr. John Watson entre 1881 e 1904, no romanesco de Sir Arthur Conan Doyle, correspondente ao número 221-B de Baker Street em Londres, é habitada pela última vez, convertendo-se em Museu ao estilo vitoriano, onde se conservam os supostos pertences do maior detective do Mundo, e aberto todos os dias, excepto no Natal IMAGINÁRiO17.

BREVIÁRiO

101 Noites edita Crónica de Um Suicídio Anunciado de Mário de Sá-Carneiro.

TriStar edita em DVD, A Máscara de Zorro (1998) de Martin Campbell.

Teorema edita O Regresso do Menino Nicolau de René Goscinny, com ilustrações de Jean-Jacques Sempé; tradução de Luísa Lobão Moniz.

Edições Asa lança os livros Carnaval Negro e Rostos da Índia e Alguns Sonhos de Urbano Tavares Rodrigues.

Editorial Minerva lança O Verdadeiro Almanaque Borda d’Água - Reportório Útil a Toda a Gente - Para 2006 (Comum); contém todos os dados astronómicos, cívicos e religiosos e muitas indicações de interesse geral.

VISTORiA

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro!
Mário de Sá-Carneiro - Fim

EXTRAORDINÁRiO

 

O INFANTE PORTUGAL
Folhetim aperiódico

 Capítulo Dois

O VULCÃO DE VOLTA À LIÇA - 14

 E, num rompante impulsivo, Vulcão abandonou aquele recinto mórbido, sensual, de almas penadas e ambições levianas. Depois, transposto um sinuoso reposteiro entre aparências vivas e naturezas mortas, já na antecâmara matricial, ganhava vulto o pintor Nero Faial que, decisivo, se desprendia dos sinais aleatórios. Era um artista ambíguo, sem mácula, que tanto gostava de captar alusões e emoções, capturando-as na ténue textura plástica com que extasiava aduladores fervorosos ou anónimos admiradores…

– Afinal, o que andamos aqui a fazer? – questionou-se Nero, falando alto para si próprio, enquanto se dirigia, acalorado, até ao banheiro.

Continua


IMAGINÁRiO70
08 FEV 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004


 PRONTUÁRiO

 SELVAGENS

 

Além de Hollywood, Walter Hill distinguir-se-ia, em filmes primordiais, pela peculiar acuidade com que explora temas que estimulam o público e, especialmente, graças ao fascínio que imprime ao respectivo tratamento ritual - virtuosista e espectacular, ou latente e sóbrio. Assim, sob uma insurreição eufórica de conflitos e tensões, irrompem pelo imaginário Os Selvagens da Noite (1979) - em DVD, sob chancela Lusomundo - sagrando uma incursão em transe através da Nova Iorque a ferro e fogo, de Coney Island a Manhattan e ao Bronx. Eis um punhado de guerreiros urbanos desafiando a própria sobrevivência - através de territórios hostis, de nativos à caça e acossados, cuja assombração se transfigura, pletórica e desproporcional, ao sondar o inferno humano. Testemunho de época, exacerbação melódica, tese estética de uma assombrada realidade - primitiva e intemporal, solitária ou insolidária - em que a América, enfim, se confronta e reencontra no crepúsculo da civilização ocidental.

OBSERVATÓRiO

MEMÓRIAS COMUNITÁRIAS

 

Um privilegiado cruzamento entre modos actuais de informação, e métodos artísticos de expressão didáctica, convergem na História de Faro em Bd. Um novo álbum de José Garcês, sob chancela das Edições Asa - como obra publicada ao celebrar-se a Capital Nacional da Cultura 2005. Assim, concretizando outras propostas de revitalização, em incidências memoriais, políticas, e em primordiais implicações comunitárias - sagrando uma cidade moderna, virada para o futuro, apostando nas iniciativas da sua população mais jovem e nas potencialidades da região algarvia. A História de Faro em banda desenhada principia em época anterior ao Século X aC, tendo-lhe os Romanos chamado Ossónoba, até aos Séculos XX e XXI, como terra lírica e de poetas, ou comemorando o centenário da Biblioteca Municipal. Entretanto, há os Árabes em 713 e o nome Xantamaria, a Faarom dos Séculos XIV e XV, a urbe amuralhada em 1662, as Invasões Francesas e as lutas liberais, sobressaindo ainda o património artístico e religioso, as figuras notáveis, o Parque Natural da Ria Formosa... Eis uma aliciante incidência, pela concepção de mestre Garcês, atribuindo à figuração narrativa uma componente interactiva, quanto à função pedagógica e ao entretenimento.

MEMÓRiA

10FEV1996 - Para o King Features Syndicate, George Evans encerra a saga de Secret Agent X-9, iniciada em 1934 por Alex Raymond sobre argumentos de Dashiell Hammett.

29AGO1966 - Pela última vez, The Beatles actuam ao vivo em São Francisco, Califórnia. Tendo revolucionado a música pop anglo-americana, John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr sagraram, com a beatlemania, um fenómeno emblemático e intergeracional do Século XX.

1940-08DEZ1980 - John Lennon, assassinado à entrada de sua casa, no edifício Dakota, em Nova York: «Não me importa onde estarão os monges e onde estarão as auto-estradas. Para mim o importante é fazer o amor, e não a guerra, em todos os lugares do mundo».

CALENDÁRiO

OUT2005 - A partir de uma lista de cem personalidades artísticas, a revista americana Variety elege The Beatles como os ícones do Século XX.

DEZ2005 - A Smithsonian Institution anuncia, para 2007, Encompassing the Globe: Portugal and the World in the 16th and the 17th Centuries - exposição evocativa do encontro das rotas de caravelas lusitanas com várias culturas mundiais, a decorrer em quatro museus de Washington, com seis núcleos temáticos: Portugal, África Ocidental, Brasil, Oceano Índico, China e Japão.

07DEZ2005 - Durante uma viagem do Cais de Sesimbra à Base Naval do Alfeite, onde ficará atracado até 2010, o submarino Delfim efectua a sua última imersão, em companhia do Barracuda, após trinta e sete anos ao serviço da Marinha Portuguesa.

REPOSITÓRiO

 Um dos marcos fundamentais, em quadradinhos, do combate ao crime organizado pelas instituições oficiais, Secret Agent X-9 apareceu em Janeiro de 1934, sob chancela do King Features Syndicate, com ilustração de Alex Raymond, sobre argumento de Dashiell Hammett. Um federal temerário e implacável, que agia no anonimato, combatendo todos os tipos de banditismo. Em 1935, Charles Flanders substituiu Raymond, cabendo o entrecho a Leslie Charteris. A banalidade narrativa suscitou a substituição de Flanders, em 1938, por Martin A. Fonski, com romanesco de Robert Storm. Uma fase violenta e caricatural, que X-9 superou no mesmo ano, graças ao talento palpitante de Austin Briggs, aliado a Storm. Em 1940, sucedeu-lhes Mel Graff, que privilegiou o policial e a espionagem, em envolvimento recorrente. O agente X-9 do FBI passou a ter um nome, Philip Corrigan, e casou com Wilda Dorray. Ao relacionamento familiar e burocrático, corresponderia uma trama mais madura, estimulante, pela qual o universo ritual do Agente Secreto X-9 - já divulgado em Portugal - se consolidou. Uma herança esbatida após 1955, quando Paul Norris assumiu uma continuidade sem fulgor. Em 1960, Bob Lubbers (assinando Lewis) reactivou graficamente X-9, que assim iniciaria a sua fase moderna. Acentuou-se uma motivação política, com Phil Corrigan intervindo além-fronteiras (Vietname, Próximo Oriente).
Porém, seria Al Williamson em 1967, pelo engenho de Archie Goodwin, a instilar uma feição trepidante e sensual que compeliu X-9 até ao fantástico! É o culminar de um épico, sempre revitalizado entre a história americana e a memória dos leitores. Corrigan recuperou um estatuto solitário, com diversas ligações afectivas. Porém, a saturação do ilustrador - que contara com Reed Crandall, Stanley Pitt, Joe Kubert, Gray Morrow ou Neal Adams - levou-o à renúncia em 1980, a favor de George Evans. Um artista veterano, que reformulou Phil Corrigan à sua imagem, até à aventura derradeira, em Fevereiro de 1996. Um dos lances mais emocionantes ocorrera em 1986, com Corrigan de visita ao pai - também um antigo agente do FBI, conhecido por Dexter - emparceirando ambos na resolução de um velho caso de corrupção, que ficara por esclarecer. Evans evoca o estilo de Raymond - e cabe referir, pelo simbolismo, que Dexter era um dos nomes por que X-9 era conhecido, durante as suas proezas dos primórdios! A vivência essencial de Secret Agent X-9 consagrou-se através da imprensa, em banda diária. Não era publicada uma prancha dominical e, em comicbook, sobressaem experiências de Al Williamson, por 1967. Entre nós, coube ao Jornal de Notícias uma divulgação exaustiva, a partir da década de 1950. Produzidas pela Universal, destacam-se, também, duas adaptações cinematográficas,: O Agente Secreto X-9 (1937) de Cliff Smith & Ford L. Beebe, sendo protagonista Scott Kolk, com estreia entre nós no Coliseu em 1939; e Secret Agent X-9 (1945) de Morgan B. Cox, cabendo o desempenho a Lloyd Bridges. Porém, um culto primordial persiste ainda em quadradinhos - privilegiando a matriz heróica, cuja evolução reflecte as transformações sociais e virtuais de uma realidade em causa.

DOCUMENTÁRiO

 O SUBMARINO AMARELO

O Submarino Amarelo (1968) é uma animação psicadélica, realizada por George Dunning e inspirada pela canção de John Lennon & Paul McCartney (Yellow Submarine). No reino de Pepperland, os cidadãos deliciam-se com a Sergeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band, quando são atacados pelos Blue Meanies, para acabarem com a sua música e felicidade. Os invasores congelam os cidadãos e convertem tudo em cinzento e azul, mas o chefe da banda, Old Fred escapa num submarino amarelo, emergindo nas ruas de Liverpool. Então, é socorrido por Ringo (Starr), John, Paul e George (Harrison)... Eis um universo visionário, delirante, colorido, onírico, irracional, fantástico, sob o signo da aventura surreal - em que se contrastam a banda desenhada, o elã melódico, a expressão pictórica. Assim se cruzam art nouveau e pop art, Salvador Dali e Lewis Carrol, Mandrake e Mickey Mouse, Marilyn Monroe e King Kong, John Ford e Roy Lichtenstein. Guerra e paz, liberdade e tirania, caos e harmonia - estilizando The Beatles no País das Maravilhas. Concebido como um espectáculo para crianças, logo este filme surpreendente e mágico se converteu num clássico intemporal, para todas as idades, fascinando gerações.

Primeira animação longa saída dos estúdios britânicos, desde Animal Farm (1955 - John Halas & Joy Batchelor). A versão actual, com remistura em som surrond e imagem restaurada, permite uma apreciação mais perfeita que o original estreado nos cinemas. Apresenta doze composições dos Beatles (Eleanor Rigby, Love You To, All Together Now, When I’m Sixty-Four, Only a Northern Song, No-Were Man, Fool on the Hill, Lucy in the Sky With Diamonds, Sergeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band, With a Little Help From My Friends, All You Need Is Love, It’s All Too Much);  incluindo ainda Hey Bulldog, uma sequência animada nunca vista antes. Em Setembro de 1999, numa parceria entre Lusomundo e EMI-Valentim de Carvalho, O Submarino Amarelo foi projectado, em sessões únicas e exclusivas, em Lisboa, Leiria, Porto e Braga, integradas numa Digressão Mundial; seguiu-se o lançamento videográfico do filme, além da banda sonora. Entretanto, o comboio TGV-Eurostar, que liga Paris a Londres pelo Canal da Mancha, foi pintado com imagens do filme; a viagem repetiu-se três vezes por dia, entre Londres, Paris e Bruxelas, durante meses.

ANTIQUÁRiO

19JAN1935 - Lisboa Filme produziu e submete à Censura o documentário A Chegada do Submarino Delfim - construído nos Estaleiros de Vickers, em Barrow-in-Furness, Grã Bretanha, e entregue à Armada em DEZ1934. Este submersível de alto-mar fez parte de uma encomenda de três - os outros eram o Golfinho e o Espadarte - que vieram substituir uma primeira esquadrilha naval em actividade desde 1917.

BREVIÁRiO

 MGM edita em DVD, O Submarino Amarelo (1968) de George Dunning; com The Beatles.


IMAGINÁRiO69
01 FEV 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

 MAGIAS

 

O passado e o futuro cruzam-se na festiva actualidade de Astérix, um elo entre nós presente sob chancela das Edições Asa - celebrando os 45 anos com a apresentação do  33º álbum, O Céu Cai-lhe Em Cima da Cabeça (2005), em paralelo a um criterioso lançamento de cada título, numerado e certificado com selo banco, além de nova tradução. Um feito primordial é, porém, o desafio assumido e cumprido, aos 76 anos, por Albert Uderzo, num misto de cumplicidades e recorrências. Como sempre, estamos numa aldeia da Gália, cujo chefe Matasétix vê, finalmente, acontecer aquilo que tanto temia, mais que aos piores inimigos: enquanto Astérix e Obelix discutem, na floresta, o estado de saúde dos javalis, uma extraordinária esfera intersideral paira com um emissário da distante estrela Wendalsity - envolvendo os habituais romanos massacrados, a imprescindível poção mágica, e uma homenagem a Walt Disney, transfigurando Mickey Mouse... Astérix consuma, assim, um fabuloso imaginário de heranças e virtualidades - superando o apreço crítico no fascínio de sucessivas gerações, em pacto originário com René Goscinny (1926-1977). Esta iniciativa monumental e primorosa reitera-se, entretanto, com A Volta à Gália de Astérix (1965), Astérix Entre os Bretões (1966), O Combate dos Chefes (1966), Astérix e o Caldeirão (1969) ou Astérix Entre os Helvécios (1970). Parabéns, por Toutatis!

REPOSITÓRiO

OS SAPATOS VERMELHOS

 

Entre a sensação e a controvérsia, Os Sapatos Vermelhos (1948) de Michael Powell e Emeric Pressburger sagrar-se-ia - ao nível do género musical - como um dos grandes clássicos do cinema britânico, renascido das cinzas após um conflito trágico generalizado. Em Portugal, a estreia coincidiu com a inauguração do São Jorge. Uma passagem na Cinemateca, já em 1983, foi acolhida com expectativa - sobretudo por uma camada jovem, ante a oportunidade de apreciar uma obra mítica.

O fascínio e o sortilégio persistem, excessivos e profundos - sublimando Os Sapatos Vermelhos pela sua aura romântica, de que se revestem personagens excepcionais - em conflito limite sobre a morte e a solidão, a paixão e a renúncia. Eis uma bailarina dividida entre um afecto resgatador e a obsessão de uma carreira, gerida por um empresário intransigente, que a ama em segredo. No entanto, esse drama é mero pretexto para um espectáculo de imaginário, em vertigem de emoções e solenes rituais.

Tendo feito tradição na história da sétima arte, através dos Archer Films, Powell & Pressburger revelaram com Os Sapatos Vermelhos - em DVD, sob chancela Lusomundo - uma artística Moira Shearer, sobressaindo ainda o arrojo que presidiu à criação original dum bailado cinematográfico, revolucionariamente libertando a dança para além das fronteiras do palco. A tal propósito, ficam ligados Brian Easdale pela música, Robert Helpmann pela coreografia, e Hein Heckroth na direcção artística.

MEMÓRiA

1796-1875 - Jean-Baptiste Camille Corot: «Do fundo da sua modéstia, agiu sobre uma multidão de espíritos» (Charles Baudelaire).

05DEZ1905-1984 - Ruy Luís Gomes: Matemático e professor universitário, «uma das mais ilustres figuras portuguesas da ciência, da cultura e da política» (Expresso - 03DEZ2005).

07FEV1906-1967 - Hsuan-t’ung aliás, Pu Yi: «Não posso ser julgado, pois sou um imperador e, segundo a cultura oriental, ninguém pode pôr em causa o imperador».

CALENDÁRiO

29NOV2005 - Em O Ambiente na Europa - Situação e Perspectivas 2005, relatório da Agência Europeia do Ambiente, indica-se que o Continente está a sofrer as piores alterações de clima dos últimos cinco mil anos; dez por cento dos glaciares alpinos desapareceram em 2003, e os anos mais quentes - de que há memória - registaram-se em 1998, 2002, 2003 e 2004.

REPOSITÓRiO

O ÚLTIMO IMPERADOR

 

Primeiro cineasta ocidental a realizar, na República Popular da China, um filme dedicado a um tema de ampla actualidade, Bernardo Bertolucci concebeu O Último Imperador (1987) como um espectacular fresco histórico - reflectindo as transformações sociopolíticas que, ao longo deste Século XX, tiveram por protagonista ou marcaram a existência de Pu Yi, derradeiro monarca de uma tradição milenar, profundamente abalada pelo fenómeno revolucionário. Solene e académica, esta superprodução só poderia resultar com a estreita colaboração das autoridades comunistas - que, manifestando um «vivo interesse», permitiram a rodagem na Cidade Proibida de Pequim, e a intervenção dos seus soldados entre a imensa figuração, além do forte apoio em infra-estrururas locais.

A Ocidente, além do envolvimento italiano, com técnicos e actores de seis países, sobressai o britânico Jeremy Thomas, responsável pela supervisão; a Oriente, foram salvaguardados os direitos de distribuição gratuita em território nacional, além de alterações num argumento cuja versão aprovada não pôde ter modificações. Tendo por base uma autobiografia de Pu Yi, De Imperador a Cidadão - escrita com o apoio de Linda Wend, que participou como consultora - O Último Imperador evoluiu numa complexa preparação durante dois anos, com orçamento superior a 25 milhões de dólares.

A rodagem processou-se ainda em Dalian e na Manchúria; os interiores foram reconstruídos nos principais Estúdios de Pequim, por se temerem danos no Palácio Imperial. Para Bertolucci, «nenhuma outra personagem do mundo contemporâneo se encontrou no centro de uma condensada viragem histórica e cultural tão vertiginosa. Todas as minhas obras anteriores eram viagens da luz para as trevas. O Último Imperador segue o caminho inverso, das trevas para a luz...»

Seguindo a existência insólita, paradoxal, de Pu Yi (1906-1967), Bertolucci sagra - sobretudo - a sua capacidade de adaptação e subsistência, além da própria transição entre um isolamento faustoso e a solitária humilhação. Num compromisso entre a realidade evocada e a versão oficial - cujas recorrências Bertolucci assumiria, preferindo as alusões temáticas ou factuais ao enredo cronológico - sobressai um trágico confronto de identidade, segundo o que Pu Yi resumiria com um amargo sarcasmo: «o Partido Comunista obteve um óptimo resultado, ao reformar um ex-imperador».

ANTIQUÁRiO

 

1096 - Após oito anos de estudo, investigação e construção de protótipos, Su Sung - administrador do Governo, escolhido pelo Imperador da China, para construir um relógio astronómico - conclui o magnífico aparelho, fundido em bronze e colocado numa torre com doze metros de altura. Idealizado para reproduzir os movimentos do Sol, da Lua e de algumas estrelas - necessários para o cálculo do calendário chinês e a interpretação dos augúrios ocultos, nos signos astrológicos da mitologia oriental - tinha duas partes principais: uma esfera armilar com anéis que representavam as trajectórias dos corpos celestes vistas da Terra, e um globo celeste. Ambos giravam sobre um eixo polar inclinado em relação ao horizonte, impelidos por um par de árvores de transmissão. Uma delas intervinha num jogo de rodas que sustentavam figurinhas, as quais indicavam as horas, os quartos e as cinco vigílias nocturnas.

Todo este engenho dependia duma roda hidráulica, concebida para actuar de modo regular mas intermitente. Os recipientes montados no seu perímetro accionavam uma alavanca quando ficavam cheios, a qual desbloqueava a roda, até o seguinte ficar na posição correcta. A rotação da roda movia a esfera armilar, o globo celeste e as figuras, imitando o movimento dos corpos celestes e marcando a hora, de dia ou de noite. Para controlar todo o complexo mecanismo, existia uma clepsidra. Esta media o tempo, convertendo o fluxo contínuo de água em quantidades adequadas, mensuráveis. O relógio astronómico de Su Sung serviu o Imperador e o seu povo durante anos, até que os invasores do Norte tomaram a capital e o levaram com eles. Esteve perdido até 1172, quando o livro original - com esquemas e detalhes - surgiu no Sul da China. De novo desaparecido e encontrado finalmente no Século XIX, criaram-se vários modelos operativos em meados do Século XX, a partir das descrições incluídas na obra reeditada. Um encontra-se no Time Museum de Chicago, outro no Science Museum, em Londres.

PARLATÓRiO

Atingir o homem do seu país, até chegar ao homem sem fronteiras, francês, grego ou chinês, o homem simplesmente, eis qual deve ser a ambição suprema do romancista. Acrescentemos algo importante: não podemos atingir o homem de todos os países, sem colher a sua essência no homem do nosso país.
Nikos Kazantzákis (1957)

NOTICIÁRiO

Falecimento - O mais original representante da música tzíngara, o rabequista Raez Pali, morreu em Pesth. No préstito fúnebre contavam-se 10.000 pessoas.
07FEV1885 - Diário de Notícias

BREVIÁRiO

Rés Editora lança A Vontade de Poder de Friedrich Nietzsche (1844-1900); inclui os volumes I - O Niilismo Europeu, II - Crítica dos Valores Superiores e III - Princípios de Uma Nova Valorização, antologia póstuma de textos com tradução de Isabel Henninger Ferreira.

Relógio d’Água edita Bastardia de Hélia Correia.

DECCA edita Opera Proibita de Cecilia Bartoli; árias de George Frederic Handel, Alessandro Scarlatti e Antonio Caldara.

Teorema edita O Livro dos Seres Imaginários de Jorge Luís Borges (1899-1986); tradução de Serafim Ferreira.

Lusomundo lança em DVD, As Aventuras de Corto Maltese, animação inspirada na saga em quadradinhos de Hugo Pratt; inclui A Balada do Mar Salgado, Sob o Signo do Capricórnio, As Célticas, A Casa Dourada de Samarcanda, Corto Maltese e Outras Histórias IMAGINÁRiO1.

Na colecção Grandes Clássicos, Âmbar edita Fábulas de Bocage; introdução de José Jorge Letria, ilustrações de André Letria.