Cavaleiro Andante
e
O Herético
por
Artur Tomé
arturgtome@hotmail.com
 


Por falecimento do nosso querido colaborador, Artur Tomé, o autor desta página, ela fica suspensa, mas sempre disponível.



15 - TREZE SIGNOS

E, de repente, quando a gente ainda tem esperança de que vive num mundo de seres racionais, surge a notícia de que o zodíaco, afinal, não sei quê, não é como se pensava e coisa e tal.
No Facebook, uma mãe de família comenta que voltou a ser virgem.
A minha filha, que tem conhecimentos na matéria, é assaltada com mails e sms de amigas e conhecidos, alarmados "O que é que se passa?!". O tema dá origem a debates nas redes sociais que ultrapassam as asneiras sobre o assassinato de Carlos Castro.
Perdeu-se a confiança nos mercados, na Bolsa e nos banqueiros. Tudo bem. Mas a astrologia?
Quais ameaças de entrada do FMI, quais debates sobre as eleições ou negociações da dívida portuguesa, a grande angústia é, saber, qual é agora o nosso signo.
Para descanso de todos os alarmados: a maneira de calcular o tema astrológico criado na Mesopotâmia há uns milhares de anos, mantém-se a mesma. A tal mãe de família continua a não ser virgem e as pessoas que alinham nisto podem continuar a sugestionar-se do mesmo modo que o faziam até aqui.
Se tomassem a vida nas suas mãos já não era má ideia. Mas é capaz de ser pedir demais.


14 - Fome de fartura

Andei umas semanas afastado daqui por não saber muito bem sobre que falar. Não por falta de temas, mas sim por excesso de notícias e evoluções sociais a comentar..
O Luis insinua que está a repensar os objectivos do Truca. Estamos em boa companhia,
O grupo de Pinto Balsemão promoveu um debate sobre os media - novos e antigos - insinuando, sem o dizer, que nesta área os profissionais andam a apanhar bonés.
O Diário de Notícias iniciou uma revolução mediática de qualidade informativa e vai promover um debate alargado sobre a matéria.
O "briefing" todos os dias publica notícias sobre empresas de que nunca ouvi falar que ganham campanhas de produtos que desconheço, em áreas de comunicação que não sabia que existiam. E eu gabo-me de continuar a manter-me a par do que sucede no que foi a minha área de actividade.
Só que, se the media is the message, os media são hoje tantos que a message está caótica. Rádio, imprensa, TV, internet, redes sociais, telemóveis inteligentes, pads e pods, lá se vai a capacidade de concentração e de análise no mundo que nos rodeia.
Cada vez se torna mais difícil saber quem é o protagonista de um acontecimento noticiado - o governante que anunciou uma nova medida, a agência de comunicação que a sugeriu ou as firmas de rating que o obrigaram.
Bom, mas se vamos ficar à espera do fim desta civilização e do recomeço de uma nova para o ano, segundo as previsões dos astrólogos e dos maias, então vamos todos ficar em silêncio ou a comentar o tempo que faz.
Por mim, vou arrumar as ideias e prometer textos minimamente coerentes a partir da próxima semana - isto se o Luis não acabar com o Truca ou se a alteração do eixo magnético da Terra, para lá de matar a bicharada, não nos limpar também a nós.
Mas estamos todos a viver tempos giros, não estamos?


13 - Esta civilização terminou o seu prazo de validade

Vamos lá começar por definir de que civilização estamos a falar.
Seres humanos organizados em famílias, reunidas em países, geridos por governos representativos. Trocas comerciais baseadas em dinheiro, papel moeda avalizado pelos governos que o imprime. Governos esses que detêm o exclusivo da segurança e das regras de distribuição da riqueza produzida.

Bom, vamos saltar por cima de grandes teorias e definições e passar aos factos.
Facto 1 - A economia (trocas comerciais de bens e serviços) era baseada numa estrutura financeira que deu o bafo. Por todo o lado.
Facto 2 - As autoridades que detinham o exclusivo da segurança (tribunais, polícia, exercitos) perderam esse exclusivo. Em parte por crescimento das redes criminosas (vide tráfico de droga na América do Sul, com exércitos próprios, ou extremistas religiosos e exércitos privados que atacam com potencial e saber militar fora do controle dos governos)
Facto 3 - a individualização crescente levada a cabo com a ajuda das novas tecnologias diluiu qualquer dependencia individual de modus vivendi socialmente impostos.

Claro que isto tem muito pano para mangas. È disso que iremos tratar nos próximos posts.

Mas um comentário inicial se impõe. The times they are a'changing e cada vez mais depressa. O que não quer dizer que a nova civilização que se irá criar sobre os escombros desta, seja necessariamente melhor. Diferente, sim. Sem muitos dos vícios desta, com outras qualidqdes que faziam falta. Mas com outros defeitos e outros vícios, mesmo os que, por serem novos, nos parecem hoje aliciantes.

A civilização está a mudar. Mas continua a ser criada por seres humanos.


12 - Procedimento concursal

Há qualquer coisa de muito errado na maneira como as pessoas colectivas estão a comunicar com a sociedade.
Não é mal exclusivo dos portugueses. Drayton Bird, no seu blogue, farta-se de mandar vir com a linguagem usada por empresas, Estado e políticos nas várias comunicações que fazem à sociedade.
O mal assume duas facetas convergentes:
a) uso de vocabulário pseudo grandiloquente para referir coisas muito simples
b) uso do mesmo tipo de vocabulário para esconder um vazio de ideias

Comecei-me a passar com esta situação ao tropeçar nos anúncios de Procedimento Concursal que vários organismos do Estado inserem nos seus jornais de referência para publicitar vagas de empregos para os quais ninguém tem interesse em conseguir cunhas.
Numa conferência Internacional que se realizou recentemente em Portugal sobre as potencialidades do Mar para a nossa economia, os seus resultados foram resumidos no claim "Temos de olhar para o futuro".
Tanto dinheiro que aquela iniciativa deve ter custado, tanta coisa interessante que foi dita, para se chegar àquela conclusão?

Consultando a Revista da Qualidade, um suplemento gratuito dos jornais DN e Sol, encontramos os seguintes títulos:

"Perspectivando o futuro em conjunto"
Associação de Reguladores de Comunicações e Telecomunicações da CPLP (Comunicações e Telecomunicações?)

"Validar e certificar para o futuro"
Centro das Novas Oportunidades

"Estarreja: o caminho para o futuro"
Câmara Municipal de Estarreja

Vão por mim: sempre que alguém faz uma declaração onde surge a palavra "futuro" é porque esse alguém não faz a mínima ideia de qual o caminho a seguir.
(1-11-10)


11 - Gostar de causas

Em tempos idos, ou seja, na era pre-net, lutar por uma causa era complicado. Envolvia marcar manifestações onde fazer discursos, seduzir jornalistas para que nos entrevistassem. Na pior das hipóteses, arranjar um balde de tinta e um pincel e desenhar slogans nas paredes às escondidas da polícia.
Lutar por uma causa envolvia dar o corpo ao manifesto, arriscar-se a ser preso, ter problemas no emprego se alguns colegas e alguns patrões soubessem da nossa militância.
Hoje é tudo muito mais fácil. Cria-se um grupo no facebook em defesa da causa A ou B (grupo esse que pode ser constituído apenas por um promotor) e envia-se para os amigos que indicarão se gostam ou não da ideia.
A partir de x aderentes (um número definido a priori, segundo bases de marketing ignoradas) o grupo promotor da caausa embandeira em arco. "Já temos 2.455 aderentes".
Claro está que tal vitória numérica não altera em nada a situação denunciada, seja a violência doméstica, o tratamento desumano dos animais em touradas ou laboratórios ou os níveis de pobreza de um povo. Mas toda a gente que clicou "Like" acha que deixou uma marca no mundo e o tornou um pouco melhor com o seu gesto.



10 - Não ter pressa de crescer

Estava vai não vai para parar com os textos desta página. No fundo é uma mera exibição de gostos infantis de que eu faço uma certa gala, mas que me cria uma quase que vergonha por nunca ter sabido ser um "adulto responsável".
Bom, acontece que acabo de tropeçar, na Pública, com um texto entusiamente  de Hélia Correia que me fez perder tal vergonha.
O texto da Hélia é um dos depoimentos de várias figuras mais ou menos notáveis sobre qual o melhor conselho que receberam na vida.
 
Transcrevo os tópicos fundamentais da resposta de Hélia Correia.
 
"O conselho que a mãe lhe deu, foi seguido à risca, extrapolado. A minha mãe disse-me que nunca tivesse pressa de crescer porque, mesmo numa vida que durasse 60 anos eu teria 20 anos para ser menina e 40 para ser mulher, e a menina estaria sempre em posição de perda."
"O importante é o não aprender" diz Hélia que tem hoje 61 anos cronológicos "Não aceitar as regras da convenção social, os valores do bom senso, a medição dos ganhos e perdas nas relações. Não adquiri nada disso, nem sequer a aprendizagem da experiência. Tudo é sempre novo, não tiro lições"
Com isto manteve o que só conhecemos nas crianças, o pensamento mágico, as crenças, o animismo. que diz ser a sua verdadeira religião. Onde tudo é vivo, onde tudo fala...
 
(Estou bem acompanhado. Até para a semana)

09 - Para meter na ordem a porcaria dos incêndios

Estava eu amodorrado com o calor e a cogitar no esforço heroico do Luis em manter o Estúdio Raposa e este Truca, a preparar-me para lhe mandar uma mensagem a dizer que não tinha matéria para colaboração esta semana, quando me chega um mai
Fico já com a papinha feita.

"A televisão acaba de informar que "este ano" e até ao momento, há, em Portugal, 58 mil hectares de floresta ardida".
Como diria Agostinho da Silva, VAMOS AO PRÁTICO:
A partir de 1 de Outubro, e todos os anos a seguir a esta data, com eventual apoio logístico das câmaras municipais, se necessário, proponho que TODAS as freguesias do país onde haja floresta (pequena ou grande) promovam, na área da sua influência directa, uma assembleia geral (por convite DIRECTO. Não por edital...) de TODOS os proprietários locais de zonas arborizadas susceptíveis (as freguesias sabem quem são...) de incêndio, para, um por um, lhes solicitar, em público, uma lista das dificuldades e/ou lhes dar, simplesmente, um prazo para limparem o que é seu - mas de todos...
A Junta acolitada, nessa reunião magna anual, pelas autoridades que possa considerar importantes para fiscalizar "os terrenos" em causa (GNR, polícias, bombeiros, etc) entregará na hierarquia que supervisiona a matéria, no início de Dezembro seguinte, o mais tardar, um relatório circunstanciado dos resultados, apontando, se necessário, os eventuais faltosos à assembleia - eventualmente aberta à Comunicação Social.
A entidade supervisora do assunto em causa actuará em conformidade, de preferência, com conhecimento público, o mais tardar, até aos primeiros dias de Março de cada ano.
O resultado terá que ser MATA LIMPA. Com o Estado, pois então, a não fugir à assembleia e a dar o exemplo na limpeza do que, localmente embora, for de todos.
Custos da acção para as finanças públicas? Certamente menores do que os resultantes da situação actual que tem vindo a arrastar-se.

Cara/o Amiga/o, se concorda com a sugestão, REENCAMINHE-A HOJE, se possível.
Esqueça os partidos, esqueça argumentos menores. Portugal É SEU.
Se o presidente da Junta for "mole ou indeciso" - demita-o! Não se queixe da situação apenas à mesa do café ou em surdina.
Um abraço do Marcial Alves.
(fonte: ruadojardim7.blogspot.com ) <http://ruadojardim7.blogspot.com/>


08 - Da política portuguesa aos condomínios de Sto. António dos Cavaleiros

A sarrafusca que se instalou na área da Justiça deu origem a uma enxurrada de depoimentos para jornais, oriundos de cidadãos escandalizados com o estado-a-que isto-chegou, com o controlismo que o Poder exerce sobre esta pobre sociedade, com o pi-pi-pi do Sócrates e seus boys.
Curiosamente, acho que a situação que se vive na gestão do prédio onde vivo ajuda muito a explicar o que se passa e as causas do descalabro a que o nosso país chegou.
Vivo num prédio de 100 condóminos. Há 30 anos, quando se iniciou a venda de andares, todos os moradores compareciam à Assembleia Geral, debatiam as duas ou três listas candidatas à administração e mantinham-se a par de todos os problemas de limpeza, câmara, obras, etc.
A cada ano, procurava-se sempre que novos moradores entrassem como vogais para irem conhecendo a rotina da gestão do condomínio.
Depois, a vida melhorou para alguns, por sinal os mais intervenientes, que se mudaram para habitações de maior qualidade. Os novos moradores encontravam um comboio já em andamento e tinham maior renitência em se envolver na gestão.
Passou-se à fase em que uma dada administração mudava integralmente para o ano seguinte por falta de alternativas. Depois foram rareando os candidatos a vogal para dar apoio ao administrador. As Assembleias Gerais eram adiadas por falta de quorum.
Por fim, considerou-se mais cómodo recorrer ao outsourcing e contratar uma empresa de gestão de condomínios.
O  desastre foi-se agravando mês a mês, com a lentidão na tomada das decisões, meses de consulta a empresas para reparar infiltrações no telhado ou combate a ratos que chamam um figo aos cabos externos de electricidade.
E de quem é a culpa? Da empresa de outsourcing que tem outros condomínios a gerir e interesses em conseguir fornecedores únicos para os vários clientes, de forma a conseguir melhores preços? Ou de nós todos, que nos fomos marimbando para cuidar do que é nosso e deixámos que as coisas chatas fossem tratadas por pessoal que ninguém conhece?


07 - “Silence is the language of God,
all else is poor translation.” – Rumi
Elogio do silêncio

Com os amigos em férias e os pontos de venda de jornais fechados pelo mesmo motivo, as leituras têm andado estranhas cá por casa. Descobri um livro sobre a História Secreta do Mundo, que pretende explicar e expor tudo, desde as religiões do antigo Egipto à actual Maçonaria, passando pela astrologia, alquimia, Illuminati, Rosacruzes, e a maioria das variantes religiosas.
A confusão que tanta cabecinha alimentou ao longo da História sobre o que pode haver para além da realidade visível, do como e porquê de estarmos aqui, fazem a Humanidade parecer uma casa de doidos.
Dando o desconto de que, até há 300 anos atrás, Alquimia e Astrologia era o que se podia arranjar como ciência e que foi a partir dos seus tropeções que se entrou na Química e Física de Partículas modernas, o que se escreveu e interpretou sobre relatos de experiência "místicas", textos religiosos e "ocultismos" diversos, cria uma imagem muito negra daquilo a que, à falta de melhor termo, se poderá chamar o espírito humano.
Mas, aos poucos, a civilização avança. Pedrito de Portugal compara a sua profissão de matador ao saber de um cirurgião e a Ministra da Educação quer acabar com os chumbos. Nos EUA há quem aponte Obama como o Anti-Cristo. A Polícia Judiciária não teve tempo, em 2 anos, para interrogar o 1º ministro.
Mas a civilização avança. devagarinho, mas avança.


06 - Sintomas do bicho

Falemos então das razões para se temer o reaparecimento do fascismo.
Não é só o facto de partidos de extrema-direita conquistarem cada vez mais votos em eleições.
É a crescente visibilidade de fenómenos que costumam ser ensaios para voos mais sérios.
Os hooligans no futebol, desde a agressão entre claques até aos saques e destruições de cafés e postos de abastecimento ao longo do percurso das camionetas dos adeptos das equipas visitantes.
Há ainda o recrudescer das empresas de segurança privadas, desde porteiros de discotecas até ao mais alto escalão de tropas privadas.
Os ingredientes estão prontos para a omoleta.
E com a autoridade democrática a esboroar-se face à crise económica, isto ainda pode acabar mal.


05 - Que é isso de fascismo?

O Luis levantou a lebre no Facebook, de que o bichinho anda por aí a rondar.
Pouca gente ligou.
Talvez porque conversas  antigas sobre fascismo e social-fascismo acabaram por cansar e anestesiar as pessoas para tal ameaça.
Eu, que acho haver perigo da coisa ficar preta, gostaria de expor as minhas razões.

1.A democracia dá muito trabalho e as pessoas não estão para se maçar.   
 Vai-se à mesa de voto cada vez menos, participa-se cada vez menos em assembleias das Juntas de Freguesia. Comissão de Moradores, viste-las.  Os mais engagés aderem a causas no Facebook porque só custa fazer um clic.

2 Perdeu-se o respeito à Justiça
De parte a parte. As escutas que não podem ser tornadas públicas são-no, quer nos jornais quer na net. Os processos engonham meses a fio e, quando são arquivados, o anúncio do facto faz-se no sábado ao fim do dia, mesmo quando a decisão tenha sido tomada a meio da semana.

3 Há cada vez mais gente que limita a sua cidadania a fazer forward de mails que denunciam  as prepotencias dos ganhos do gestor A, as cunhas do político B e os carros em que eles andam. Algumas vezes verifica-se que tais denúncias são falsas, mas, que se lixe, faz bem ao fígado.

4. As pessoas pensam cada vez menos.
Não há convívio, não há debates, não há conversas. a filosofia saiu dos curricula do ensino, a matemática tem o ensino cada vez mais facilitado, as pessoas refugiam-se cada vez mais nos jogos de computador. Jogar seja o que for contra parceiros humanos é cada vez mais raro.

Ah, e a Biblioteca Nacional vai fechar um ano para obras ...


04 - Preso por crer em Deus, preso por não crer

Foi uma semana filosoficamente confusa com a morte do Saramago.
De tudo o que o homem escreveu, a guerra dos prós e contras baseou-se na sua suposta heresia e iconoclastia sobre o conteúdo da Bíblia. Como se ele fosse o primeiro que teve tal ousadia, como se, para não sairmos de Portugal, e como lembra Vasco Pulido Valente este domingo no Público, "A Relíquia" e "O crime do Padre Amaro" não fossem igualmente provocantes.
Mas que muita gente não consegue ser objectiva quanto à atitude dos outros face à variedade de experiência religiosa, prova-o a Visão através desta reportagem: AQUI

A  reportagem visita e fotografa um encontro de seguidores de Osho. A reportagem tem o título de "A seita do sexo" porque Osho é conhecido pelo guru do sexo. Por ser contra os condicionamentos que a sociedade cria sobre tal matéria.
De Osho folheei alguns livros e conheço pessoas que seguem a sua filosofia. Nada nos seus livros justifica a focagem em nada que se pareça com apelo a libertinagem sexual. Nada do que os jornalistas viram e fotografaram apoia tal ideia.
O jornalista fala de um acampamento dumas duzentas pessoas no Algarve, com cuidados de reciclagem, ecologia e sossego.
Há meia dúzia de pessoas a tomar banho num rio. Despidas...
Se aquilo é uma seita do sexo, Vilar de Mouros ou qualquer outro festival de Verão é Sodoma e Gomorra.
É muito difícil sermos imparciais sobre sexo e religião. Talvez porque a promiscuidade entre ambas é grande.


03 - Religião versus Igrejas

Perto da minha casa estaciona agora uma carrinha que tem, no vidro traseiro, uma imagem de Nossa Senhora de Fátima com o coração rodeado por uma coroa de espinhos.
 Via um coração desses, a pingar sangue e tudo, quando era miúdo, a representar o Sagrado Coração de Jesus. Uma das muitas razões que me afastou da Igreja.
Entraram agora na moda crónicas de figuras eclesiásticas, cheias de boa vontade ecuménica, comentando os que se dizem comungar com a força e beleza da Natureza, mas recusam um Deus exterior ao homem. E citam exemplos de autores que se dizem religiosos e ateus.
 Mas há outro tipo de pessoas com espírito religioso que acreditam em Deus. Só que num Deus que se encontra dentro, faz parte do nosso ser mais íntimo. Para essas pessoas, como eu, uma igreja - qualquer igreja - afasta o ser humano de Deus (desse Deus íntimo). Para uma igreja - qualquer igreja - Deus é algo que está fora de nós, no Céu, a quem nós apelamos, que nos julga e promete um Reino dos Céus depois da morte. Os seus santos são normalmente mártires, que sofreram muito.
 Esse modo de sentir é causa ou consequência das novas modas de gurus e Reiki. Também, mas não só. " Se te disserem que o Reino dos Céus está aqui ou ali...O Reino dos Céus está dentro de ti". Esses cronistas eclesiáticos sabem, de certeza, que esse modo de sentir não e uma onda destes dias. Já assumiu várias formas e nomes ao longo dos tempos e que as igrejas em geral não foram muito simpáticas para com elas.
 E todas essas tentativas de lançar a boia de salvação às almas transviadas se perdem no folclore dos segredos de Fátima, nos paramentos e na moral que qualquer igreja tenta impor à sociedade em que se instalou.


02 (O Herético) - No meu tempo não era assim

O revivalismo que vai pelas redes socias, com a redescoberta dos slows das festas de garagem e músicas da década de 80, tinha que me fazer recordar os meus primeiros tempos da publicidade.
E, gente, como era diferente a publicidade aqui há uns anos atrás!
Não estou a falar do período Mad Men, passado na década de 60, quando até os criativos usavam fato e gravata, e o whisky e o fumar como chaminés era in. Foi por essa altura que Frederic Pohl e C.M. Kornbluth escreveram "Os Mercadores do Espaço", um exercício de futurologia em que os publicitários eram a classe política e económica dominante (acima dos membros do governo) e os consumidores eram a ralé.
Pois... Bom, adiante.
Falo das décadas seguintes, 70-80-90. As mulheres já começavam a aparecer como redatoras e accounts (mais raras no departamento gráfico), já se tolerava a ausência de gravata num criativo. Alcool no local de trabalho é que nem pensar...
Bom, nesses tempos, para anunciar um produto, tinhamos que o associar a um benefício específico para o consumidor. O velho consumer's benefit, idealmente uma Unique Selling Proposition, era a pedra base de qualquer projecto criativo e campanha publicitária.
Hoje a coisa fia mais fino. Você é convidado para comprar uma bebida porque a empresa que o comercializa irá plantar X árvores por cada Y garrafas vendidas, ou porque promove um concerto com os grupos A, B e C... Ou você deve-se abastecer de diesel nos postos da Galp porque eles vendem vuvuzelas.
O carro topo de gama que pode dar mais de 300 km à hora e é todo em  alumínio e forrado a pele, terá o máximo em tecnologia, mas o que o construtor destaca é que o seu escape polui menos.
Tenho por mim que tais promessas ajudam a encher o espaço imenso do anúncio mas não trarão benefícios que se vejam quanto a aumento de vendas. Que a existir se deverá a outros factores estranhos à campanha de publicidade. Um consumidor não escolhe a marca da cerveja pelos concertos que ela patrocina (a não ser no local do concerto onde não tem alternativa)
Mas, ao contrário do que sonhavam Pohl e Kornbluth, os estagiários da publicidade é que são agora o lumpen da sociedade de consumo.
A futurologia já não é o que era.


O Herético

01 - O Herético

Há condicionamentos culturais muito fortes. Crenças de multidões que a razão nos diz serem idiotas e que, no entanto, parece mal atacar.
Nestas últimas semanas sucederam-se vários movimentos que me fizeram engalinhar. A visita do Papa a Fátima, Fátima ela própria, as carpetes que o Papa pisou cortadas aos bocados e vendidas aos fieis como recordação, o apoio à Selecção com as vuvuzelas, discursos do nosso alpinista e treino com as Forças Armadas (!!)...
A terminar com a Marcha Contra a Fome, à qual aderiram amigos que respeito.
OK, vou mandar vir com tudo isso e muito mais. Não vou dizer nada que as pessoas não saibam. Mas vou dizer coisas que as pessoas não gostam de ver em letra de forma.
A partir da próxima semana podem contar com textos irritados e iconoclastas.  Espero que não se choquem muito e se divirtem um pouco.
Um abraço a todos.

Nota da redação: "Dá-lhes, Artur!" Nós próprios, comprámos um dos quadradinhos da carpete, vamos emoldurá-la e promover um leilão à porta da Igreja de S. Domingos. Falida a Bolsa, é altura de nos voltarmos para a Igreja. Católica, de preferência.


       

21 - Dinossauros excelentíssimos

Para terminar esta viagem por formas a que alguns chamarão infantil  de literatura alternativa, gostaria de prestar homenagem a duas das maiores glórias da bd mundial. Qualquer deles ilustrou, e muitas vezes criou os argumentos, durante mais de 50 anos de actividade imparável e que marcou tendências e criativos mais jovens

Will Eisner







Autor de Spirit, um heroi mascarado, supostamente morto e ressuscitado, que vive num cemitério e namora a filha do inspector com quem trabalhara enquanto oficialmente "vivo".
Confuso e idiota? Tudo o que quiserem. Mas infantilmente delicioso, msiturando a sensualidade de criminosas más ( mas "boas") com a companhia de um miúdo mulato, viciado em chupa-chupas.
Após anos e anos de aventuras do Spirit, Eisner vira-se para histórias mais adultas, nem sempre necessariamente de natureza policial, mas sempre transbordando do seu muito especial amor pela natureza humana, com um humor judaico um pouco à la Woody Allen, mas menos palavroso e mais optimista que os trabalhos daquele realizador.
O Oscar de ilustração em bd chama-se Prémio Will  Eisner e foi criado ainda durante a sua vida.

Jack Kirby

O mais puro e duro dos ilustradores de super-heróis, Jack Kirby começou a produzir por altura da 2ª Guerra Mundial, sendo o Capitão Américaa sua criação mais famosa. Seguiu-se uma década de decadência da bd americana, durante a qual Kirby criou obras menores, com monstros que ameaçavam a Humanidade em tom de Godzilla.
Com a guerra do Vietname dá-se um renascer da corrente de super-heróis, principalmente devido aos argumentos e criações de Jack Kirby. Homem-Aranha, Thor, Quarteto Fantástico, e dezenas de outros bons, maus e assim assim, relançam as vendas deste tipo de literatura. Jack Kirby está presente em quase todos os nascimentos desses heróis.
O Capitão América, de que não se ouvia falar há mais de 10 anos, é encontrado congelado num glaciar e volta à activa, sempre sob a pena de Kirby. Pessoalmente, o que mais me fascina neste autor, é a sua fértil criatividade na criação de fardas, armas e uniformes. Kirby podia desenhar um exército  de Asgaard (nas histórias de Thor) sem que se vissem dois guerreiros com o mesmo fato ou as mesmas armas.
Duas gerações de americanos ( e de alguns europeus) tiveram a sua juventude marcada pela imaginação destes dois génios.


20 - Arthur Clarke, o engenheiro visionário

O que mais me fascina nas literaturas paralelas em que estou viciado é na criação de conceitos revolucionários sobre modos  de ver o mundo.
Nesse campo, Arthur Clarke produziu relativamente pouco mas bom.
Há o 2001, claro - leiam o livro para perceber o filme - mas qualquer dos outros dos seus livros é uma manancial de ideias thought provoking.

Por exemplo, Childhood's End (em português A Idade do Ouro, na Argonauta) onde a explosão de mediunidade é o prenúncio de uma mutação suicida da espécie humana. Ou Rendez Vous com Rama, uma visita de astronautas a uma nave que se aproxima da Terra. Trata-se de um cilindro com 50 km de comprimento e 10 km de raio, que gira sobre o seu eixo, aparentemente vazio. Daí que os visitantes se encontrem numas condições de passeio fora do vulgar. Caminham como formigas pelo interior das paredes do cilindro, com gravidade na parede e sem gravidade no eixo. Quando umas luzes automáticas se acendem, é de apanhar um ataque de vertigens ao ver aquele abismo todo à nossa volta...

Mas as ideias revolucionárias podem surgir em situações mais "normais". Na Sexta Parte do Mundo, passado dentro de 100 anos na Terra, Clark propõe pastores de...baleias! Baleias que são ordenhadas e pastoreadas por pilotos de mini-submarinos, fornecendo uma nova fonte de alimento para uma população mundial crescente.

Sempre baseado na mais sólida realidade física, com problemas que exigem soluções de engenharia inovadoras mas lógicas, Arthur Clarke foi um visionário que fascinou gerações, no cinema, na TV, mas, principalmente, nos seus livros.


19 - Isaac Asimov - Um escritor para o Guiness

Há escritores que começam a escrever e nunca mais param. Normalmente na área do policial. Erle Stanley Gardner escreveu dezenas de lvros com Perry Mason, Bertha Cool e Donald Lam, para além de outros com detectives sortidos.
George Simenon é outro exemplo onde a qualidade não é prejudicada pela quantidade.

Mas Isaac Asimov é um xcaso especial. Para além de dezenas de livros e centenas de contos, este doutorado em Bioquímica produziu centenas de artigos de divulgação científica sobre as áreas mais variadas do saber, da matemática à física de partículas, da História à Astronomia... Sempre com uma clareza espantosa que tornava acessíveis ao leitor comum as descobertas mais abstrusas da ciência.

Dos seus livros, quase todos de ficção científica, há duas obras que se destacam da qualidade geral das suas obras.

A primeira é a serie sobre Robots. Dezenas de contos, compilados em livros ( I, Robot, Sonhos de Robot...) todos baseados nas 3 leis da Robótica, da sua criação:
1.- Um robot não pode fazer mal a um ser humano e deve tentar savar qualquer humano de qualquer perigo
2 - Um robot deve obedecer a um ser humano, a não ser que vá contra a primeira lei (se um humano der ordem a um robot para matar ou lesar outro humano de qualquer forma, o robot não lhe obedece)
3. - Um robot  deve cuidar da sua sobrevivência, a não ser que vá contra a primeira ou segunda lei.

Criadas as leis, Asimov entreteve-se a criar uma serie de situações em que os robots fazem coisas doidas ou perigosas, exactamente por obedecerem a tais leis.

Para além dessa obra, Asimov criou a moda das trilogias, com a sua obra Fundação.
Inspirada na Queda do Império Romano, Asimov descreve a queda do Império Galáctico, perante a qual uma associação de psico-historiadores propõe a criação de uma Fundação, uma sociedade que funciona como uma Arca de Noé de todo a ciência e tecnologia, de modo a perservar esse conhecimento da hecatombe civilizacional que se avizinha.
O leitor nunca ouviu falar em psico-história? Não é para admirar. Faltam uns milhares de anos para que se estabeleça as suas bases. Com uma população humana contada em milhares de biliões espalhada pela Galáxia, as estatísticas económicas cruzam-se com perfis psicológicos e sociais da humanidade, permitindo uma previsão fiel da forma  como a civilização irá evoluindo.

Estendendo-se por 3 volumes que abarcam os primeiros milénios da Queda ( Fundação, Fundação e Império e Segunda Fundação) esta obra é uma sucessão de aulas de teoria política, mais fascinante que Maquiavel.

Independentemente da qualidade geral dos seus trabalhos e da sua espantosa e versátil capacidade produtiva, só o facto de ter criado as Leis da Robótica e a Psico-história coloca este autor entre as maiores glórias da FC.


18 - Uma escola de gestão impagável

Nem toda a bd é destinada aos mais jovens. Dilbert é uma serie de cartoons com edição regular em revistas de economia, que desmonta os principais disparates do mundo da gestão empresarial, a desumanidade e vícios do ambiente de trabalho em todo o lado.

Compiladas em diversos livros que se vendem como pãezinhos quentes,estes cartoons desmontam a conversa de chacha das buzzwords que invadem publicações especializadas e brainstorms nas empresas.


      






Publicado em 2000, "O futuro segundo Dilbert" (ed. Notícias) é talvez o mais marcante desses livros. Previsões loucas que se vão tornando realidade, trata-se da mais admirável obra de futuroloigia económica que chegou às livrarias. Pessoalmente, acho delicioso a sua previsão dos confusopólios, empresas de serviços sem nada que as distinga dos seus concorrentes, e que inventam diferenças mediante planos de preços confusos e enganadores - seguros, comunicações, energia.
O seu autor, Scott Adams, viveu o mundo que critica e dispara sobre tudo o que mexe nas novas tecnologias, no outsourcing, na revolução do marketing... Um autor a não perder.


17 - Um livro de dois génios


Já aqui se falou no humor de Terry Pratchett (post nº 2, aqui no C. Andante ) e da sua série sobre Discworld.
Vamos mantê-lo, por agora, em stand by e apresentar outro autor inglês de literatura fantástica, Neil Gayman.
Gayman ganhou fama com a sua serie Sandman, editada principalmente em bd, para além de ser autor de outros livros de contos para crianças.
Desculpem. Livros sobre crianças. Tudo o que Cayman escreve é sinistro, mórbido e inquietante. Adulto que o leia à noite, tem garantida uma noite muito mal dormida.
Não deixe os seus filhos pegarem num livro deste homem, a não ser que tenham forte estrutura psicológia e seja numa tarde de Verão. Enquanto o seu conterrâneo Alan Moore, também aqui já referido, é um mestre do terror, Cayman é um mestre em pesadelos.  Claro que, um e outro, são escritores fora de serie.
Bom, acontece que Terry Pratchett e Neil Cayman se juntaram e escreveram um livro a meias. Tema: a chegada do Apocalipse. Herois: um anjo e um demónio que andam por aqui há séculos e se tornaram amigos. Curiosamente, nenhum deles está interessado no Apocalipse, porque só um dos lados é que ganhará e, no dizer do demónio, em nenhum desses lados há quem saiba preparar um Martini como deve ser...
Como o tema é de Cayman, para além do anjo e do demónio, as personagens principais são o anti-cristo e os quatro cavaleiros do Apocalipse. Como o tratamento do tema é de Pratchett, os 4 cavaleiros são motoqueiros, a Peste despediu-se quando foi inventada a penicilina e foi substituída pela poluição.
A  base da história começa com uma troca de crianças, como no argumento daquele filme "The Omen", com Gregory Peck e Lee Remick. Só que há uma segunda troca inesperada e tudo corre mal - até para o pobre Cérebro, que quando treina o seu rugido assustador, leva uma patada de um gato que lhe arranha o fochinho e o deixa com lágrimas nos olhos.

Um conselho de amigo: não percam este livro.


16 - Dois criativos camaleónicos

Tal como há várias fases em grandes pintores, há ilustradores de banda desenhada que nos oferecem vários estilos de grafismo, quer por mimetismo com o tema da história em que colaboram, quer devido a uma evolução pessoal da forma como exprimem o seu talento.
Hoje queria chamar a vossa atenção para dois dos meus desenhadores favoritos.

Mazzuchelli








Mazzucheli tornou-se popular pela realismo e cor que trouxe a algumas graphic novels de Batman e Demolidor. Com uma simplicidade de traço e limpeza de desenho, consegue transmitir as emoções mais íntimas das personagens e os pormenores mais ínfimos do cenário. Elegante e quase infantil, é um ilustrador perfeitamente camaleão, mudando de registo conforme o tipo de história que trabalha. Pessoalmente, prefiro de longe essa elegância de traço ao jogo de altos contrastes do mais conhecido Frank Miller.

Frank Miller




Frank Miller começou como um tarimbeiro quase normal em histórias do Demolidor, mas foi contribuindo para o aumento progressivo das vendas deste produto da Marvel Comics. Em parte porque foi acumulando a ilustração com o argumento, sendo, a princípio, melhor argumentista que desenhador.
A rival da Marvel, a Detective Comics, vendo a subida de vendas do Demolidor, contratou-o para relançar o seu principal produto editorial, em queda imparável: Batman.
E Miller transfigurou-se criativamente. O Regresso do Cavaleiro das Trevas apresenta um Bruce Wayne pesado e cinquentão que, face ao recrudescer da violência em Gotham, sai da reforma e volta à activa.
Dark Knight Returns está para a bd americana como Kind of Blue de Miles Davies está para o jazz. O album mais vendido nos States e uma nova era para o mkercado dos super-herois.
A partir daí, Miller torna-se imparável em criatividade gráfica e redactorial. Ronin e 300 são duas novelas totalmente diferentes entre si, com estilos visuais e ritmo de acção totalmente diferentes e obras primas qualquer delas.
Depois, depois veio a obra que lhe deu fama fora do mundo da bd, que o lançou nos píncaros da fama, e que eu pessoalmente abomino. Sin City, primeiro em album, depois em filme, leva ao exagero o seu gosto pelo alto contraste branco-preto e a violência da acção. Mas aqui, como se dizia antigamente dos filmes porno, sem qualquer redeeming social value.
Apesar disso, Miller é, sem qualquer dúvida, um dos maiores expoentes da arte visual.


       

15 - A infância de todos nós





A banda desenhada cria heróis e personagens que se embebem em todos nós, por vezes sem que nos apercebamos de tal. Mas deixam marcas, moldam sonhos, criam modelos de comportamento que nos acompanham pela vida fora. Mesmo quando pensamos que não ligamos àquela forma de expressão.

A Mafalda contestatária, Calvin e Hobbs, A Turma da Mónica, um universo de figuras que vão alimentando a nossa alma, por muito que tal literatura não nos pareça séria, na altura. Mas é.
Errata:
No post anterior atribui a Vítor Palla a autoria de contos e novelas inspirados no Pai Natal e nos 7 anões. Erro meu, a sua autoria é de Francisco Branco que surgiu em muitas edições de Vítor Palla, daí a confusão.
As minhas desculpas.


14 - Mais autores portugueses

Dick Haskins

Com uma produção mais clássica do que a de Ross Pynn, este autor português conquistou certo renome internacional para além de ter coordenado uma colecção DH, com obras de vários autores na área do policial e ficção científica. As suas antologias de contos são também interessantes
Embora reeditado recentemente pela ASA, os seus livros só são encontráveis num ou noutro alfarrabista.

Vitor Palla

Coordenou a melhor revista de contos policiais que este jardim à beira mar plantado já viu: a Vampiro Magazine. Aí publicou alguns contos da sua autoria, com deliciosas adaptações de figuras da literatura infantil, como os 7 anões. Um dos seus contos trata de um crime na noite de Natal, cuja solução é deixada pelo Pai Natal, o qual resolveu o mistério através da análise dos sapatos deixados na chaminé.
A sua actividade editorial levou-o a lançar os Livros das 3 Abelhas, em sociedade com Cardoso  Pires
Mas, muito mais do que isso, foi arquitecto e fotógrafo, com importantes trabalhos numa e noutra área, mas sempre imerecidamente esquecido pelos seus pares.


13 - Autores portugueses em BD

Com o filme do Tim Burton que vem aí, lembrei-me que só conheci Alice no  País das Maravilhas através da BD de Fernando Bento no Cavaleiro Andante. O entusiasmo foi tal que perdi para sempre o interesse em ler o livro.
Fernado Bento foi um desenhador incansável, dando a conhecer grandes obras aos mais novos como Beau Geste, por exemplo. Claro que há o Garcês, com desenho mais à Harold Foster do Príncipe Valente, mas a produção e qualidade de Bento sempre foi mais da minha simpatia.
Bem me esforcei por encontrar algo sobre ele no Google, mas debalde.

Atrás do F Bento veio-me à memória outro grande nome da BD portuguesa, neste caso argumentista. Trata-se de Edgar Caygill, que trabalhou várias series para o Mundo de Aventuras como Tomawak Tom, sempre em parceria com o ilustrador Vitor Peon


Se não conhecem o nome de Edgar Caygill, talvez o nome de Ross Pynn vos diga alguma coisa. Autor de policiais mais duros que Spillaine e autor de excelentes antologias policiais, é um autor polífero facilmente encontrável em qualquer alfarrabista.
Ross Pynn e Edgar Caygill são alter egos do jornalista Roussado Pinto, um autor prolífero, que nunca será estudado nas academias. Mas um incansável  criador de sonhos para os mais jovens e menos jovens, durante várias gerações.


12 - A Fantasia já não é o que era

Circunstâncias que não vêm para o caso levaram-me a rever as primeiras 100 edições da Argonauta. Para mim e para muitos da minha geração, trata-se da maior concentração de obras de qualidade que qualquer editora deu à luz neste país. Ideias provocantes que passavam ao lado do lápis azul da Censura que a devia considera literatura menor. Conceitos revolucionários e estimulantes, tanto na área da sociologia como no das prospectivas da tecnologia. Para já não se falar nas fascinantes capas de Cândido Costa Pinto.
Estão entre esses 100, dois dos melhores livros que li até hoje.










"Crónicas Marcianas" de Ray Bradbury (o autor de Fahreneit 451) é uma colectânea de contos ligados pela epopeia da colonização de Marte. Uma obra-prima de prosa poética, com pouca verosimilhança científica, com marcianos telepatas que vivem num tempo paralelo ao dos humanos, canais, mesmo quando já se sabia que não existiam, flores de cristal num maravilhoso mundo onírico...







"City", de Clifford Simak, é também uma colectânea de contos mas estes são fragmentos de uma lenda segundo a qual teria havido uma civilização de seres chamados homens antes da actual civilização canina. Teriam sido os homens que ensinaram os cães a falar e criaram os robots que os apoiam. Evolução amarga da decadência da civilização humana ao longo de 10.000 anos, City tem das maiores concentrações de conceitos inovadores já reunidos num livro. Desde o mutante que cria estufas para os formigueiros, para obstar à hibernação das formigas e permitir assim a sua evolução civilizacional e tecnológica, à ética que os cães instauram entre os outros animais proibindo que se matem uns aos outros, à fuga dos humanos para o paraíso de Jupiter através de transferência para os corpos de seres que lá vivem, ao estilo de Avatar, "City" é uma viagem bucólica a uma utopia onde o ser humano não deixa saudades

Curiosamente, tanto Bradbury como Simak foram autores de 3 ou 4 livros muito bons mas têm uma produção mediana e sensaborona de muitos outros com que não vale a pena perder tempo. Mas isso são outros contos.


       

11 - Breve história de quase tudo

Por hoje, vamos falar de mais um autor inglês de best-sellers. Só que as suas obras não são argumentos de bd ou ficção científica. São livros de viagens.
Sucede que este autor de best-sellers de livros de viagens escreveu um best-seller de ...divulgação científica. "Breve história e quase tudo" de Bill Bryson é o mais fascinante livro de ciência que consegue tratar de forma concisa, divertida e científicamente correcta toda a evolução do conhecimento humano desde a constituição da matéria até à descoberta dos movimentos tectónicos,do génio de Newton e Einstein às tricas e intrigas de cientistas quanto às suas descobertas.
Desta obra magnífica, destaco dois textos:
 
1. (ao historiar os estudos sobre fosseis animais soterrados em cinza no Nebraska...) O que matara os animais fora uma explosão vulcânica de dimensões até aí inimagináveis - mas suficientemente grande para deixar uma camada de cinza de três metros de profundidade a uma distância de 1600km, no leste do Nebraska.
Descobriu-se então que, no subsolo do oeste dos Estados Unidos, havia um imenso caldeirãao de magma que explodia periodicamente de forma drástica, de 600 mil em 600 mil anos. A última dessas erupções foi há pouco mais de 600 mil anos. A zona de ebulição ainda lá está. Chama-se hoje em dia Yellowstone National Park.
 
2. " cada ser vivo é uma elaboração de um único plano original. Enquanto humanos somos meros incrementos... temos, incrivelmente, muita coisa em comum com as frutas e legumes. Cerca de metade das funções químicas que ocorrem numa banana são iguais às que ocorrem dentro de si.
"Nunca é de mais dizê-lo: a vida é una, isto é, e suponho que provará ser sempre, a declaração mais verdadeira e profunda que existe."


10 - BD Inglesa, a grande esquecida

Por razões devidas a estranhas ligações editoriais, a bd inglesa pouco eco teve na Europa e nos Estados Unidos, apesar da qualidade de muitas das suas obras.
Sexton Blake e Buck Ryan ainda apareceram por aí nos tempos do Mosquito. Já Jeff Hawke, uma das melhores bd de ficção científica, apenas tocou os editores italianos, que publicaram as suas aventuras na revista mensal Linus. A originalidade demonstrada na criação de ETs, o humanismo e a verosimilhança dos seus argumentos, mereciam melhor sorte e aplauso.

Chalcedon, um pirata perseguido pelas autoridades da Federação Galáctica. Mas como a Federação não é flor que se cheire, Jeff Hawke ajuda-o na sua fuga.

Resta Modesty Blaise, publicada em Portugal no Diário de Notícias na década de 60 em páginas semanais e, mais tarde, na Capital em tiras diárias. Ilustrada por Holloway, com um traço realista inimitável, as aventuras de Modesty nasceram em BD, passaram para uma serie de livros e teve uma adaptação desastrosa ao cinama, num filme de Joseph Losey que foi uma estragação do trabalho de três grandes actores: Monica Vitti, Terence Stamp e Dirk Bogard.

Chefe de uma rede criminosa internacional, Modesty Blaise reformou-se aos 25 anos juntamente com o seu braço direito Willie Garvin. Mas acabam sempre por se meter em sarilhos, quer ajudando sir Tarrant, o chefe dos serviços secretos ingleses, quer por sua própria iniciativa. Peritos em todos os tipos de artes marciais (em especial Willie, cujas únicas armas são duas facas de arremesso), com contactos valiosos no meio de antigos colaboradores, forma uma equipe sui generis, com uma ligação afectiva mais forte do que mantêm com qualquer dos amantes. As suas vitórias são conseguidas mais à base de estratégias inteligentes do que pela utilização da força bruta.
Numa boa casa de bd ainda poderão encontrar alguns dos seus albuns. Os livros são mais difíceis de encontrar e os 5 primeiros são os mais interessantes.


9 - À boleia pela Galáxia



E voltamos aos autores ingleses, a propósito de hoje, domingo, passar este filme na TVCINE3.
The Hitchicker Guide to the Galaxy é um trabalho de Douglas Adams que começou como programa de rádio e foi adapatdo a livro (uma trilogia em 5 volumes) e finalmente, a cinema.
É um manancial de humor louco, onde se refere, por exemplo,  a existência de seres com 50 membros que constituiram a primeira civilização a inventar o desodorizante antes da roda.
Mas não divaguemos.
Há muitos séculos atrás, uma certa civilização decidiu construir um computador para responder à grande questão sobre Deus, o Universo e Tudo o Mais.
O sindicato dos psicólogos e psiquiatras não viu o projecto com bons olhos, temendo ficar sem emprego mas, uma vez ligado, o computador disse que precisaria de 7000 anos para encontrar a resposta.
Findo esse prazo, veio a resposta: 42
Foi então que se percebeu que o problema estava no facto de ninguém saber qual a pergunta.
Novo computador, muito muito grande - o planeta Terra -, e uns milhõezitos de anos para encontrar a resposta. Quando o prazo se aproxima, a Terra é arrasada.
Sobrevivem dois terrestres, um rapaz e uma rapariga, que viajam numa nave movida a improbabilidade ilimitada, acompanhados pelo presidente da Galáxia, um ET que passava por terrestre aqui na Terra e Marvin, um robot super-inteligente e ultradeprimido.


8 - A INFANCIA DE TODOS NÓS

Claro que a minha paixão pela bd anglo-saxónica não me faz esquecer o muito que gerações devem ao imaginário dos autores franco-belgas.
Reverenciemos a memória de Hergé e Edgar Jacobs mas passemos a outros dois autores de imaginação delirante e humor irresistível.
Para começar, Goscigny.
Criador de Lucky Luke, o cowboy mais rápido que a própria sombra, e das desventuras do pérfido vizir Iznogoud - o tal que quer ser califa no lugar do califa - Goscigny, foi, acima de tudo, o imortal criador de Asterix e Obelix, mais a parafernalia de personagens impagáveis, entre os irredutíveis gauleses e os doidos dos romanos.

Menos popular mas não menos criativo e louco, FRANQUIN criou a serie Spirou, onde os desenhos adquirem quase uma irriquieta vida própria, que atingem o apogeu com o aparecimento do Marsupilami, primeiro, e de toda a sua família depois.
Mas onde a imaginação de Franquin atinge o máximo de loucura é na criação de Gaston Lagaffe, o paquete da redação do jornal Spirou, inventor de engenhocas mirabolantes, que conduz um Ford T a cair de podre e que pouco mais é que uma fábrica de fumos de escape. Como se isso não bastasse para moer o juízo a colegas, vizinhos e ao polícia de trânsito, Lagaffe transporta ainda para todo o lado onde vai, uma monstruosa tuba da sua invenção e um autêntico jardim zoológico que inclui um gato, peixinhos dourados, um pássaro e bicharada diversa.

Pais dos amigos de infância de todos nós, ao longo de várias gerações, Goscigny e Franquin educaram e divertiram pais e filhos, com alegria, imaginação e sem sombra de maldade.


7 - Rasputine reencarnado







Alan Moore, este senhor que podem ver na foto, tem um aspecto que meteria medo a Rasputine. Mas uma das suas obras, Watchmen, foi seleccionada pela Time como uma das 100 melhores obras em língua inglesa do sec XX.
O que não seria nada por aí além, não for-se dado o caso de Watchmen ser um album de banda desenhada. Que também ganhou um Hugo e um Nebula, prémios máximos para obras de ficção científica, que nunca, até então, haviam incluído bd nas suas selecções.
Watchmen está adaptado a cinema, o DVD está aí à venda (recomendo) e é a única adaptação ao cinema que não denegride o trabalho deste autor.
Constantine é fracoso, "Clube dos Cavalheiros Extraordinários" deve ser o pior filme que vi na vida (os primeiros volumes da serie em bd são notáveis), From Hell e V for Vendetta são filmes razoáveis de ver para quem não conhece os albuns originais.
Verdade seja dita, em favor de produtores e realizadores que tentam converter o mundo de Alan Moore para o cinema, que se trata de uma missão cheia de armadilhas. From Hell é o album de bd mais negro e violento que já conheci, a versão cinematográfica teria sempre de ser liofilizada.
Com uma cultura literária vastíssima, para além de um conhecimento enciclopédico sobre ocultismo em geral e maçonaria em particular, Alan Moore é um génio da literatura actual e um dos autores mais inquietantes e incómodos que já conheci.


6 - O Christian Andersen do sec. XX



Os super-heróis começaram por ser uns felizardos. Sempre limpinhos e felizes, combatiam o Mal com um ou outro soco nos assaltantes a bancos e o seu maior problema era manter secreta a sua identidade civil. Fora isso, levavam uma boa vida sem , aparentemente, trabalharem - o Arqueiro Verde era arquitecto mas ninguém lhe viu uma maquete duma casa, o Flash trabalhava numa CSI qualquer e o Super-Homem era repórter mas raramente estava na redação.
Chega a década de 60 e a editora Marvel lança uma revolução. Os super-heróis, agora, têm problemas e não são pessoas perfeitas e felizes. O Homem Aranha é um adolescente gozado eplos colegas da escola e sem saída com as garotas, o Demolidor é cego, o Homem de Ferro é alcoólico e o Hulk fica uma besta quando se enfurece.
Por detrás dessa revolução, um único argumentista. Stan Lee.
Embora cada figura da Marvel seja um produto que a editora pode dellegar noutras equipas criativas em regime de franchising, foi Stan Lee que criou todos os grandes êxitos da editora, definindo personalidades e poderes, não só dos seus heróis ( onde ainda podemos encontrar Thor, o Quarteto Fantástico, X-Men e muitos outros), como os seus amigos, namoradas e respectivos vilões - Kingpin, Dr. Doom (que serviria de inspiração para Darth Vader), o Duende Verde, o Surfista Prateado ( que surge como "mau" mas se converte e se torna protector da Terra), etc
Mesmo para quem não lhe conhece o nome, Stan lee marcou o imaginário de toda uma geração e revolucionou a temática da BD, abrindo-a a temas polémicos como a droga e o racismo.


5 - Porque hoje não há  crónica

Esta página tem tratado  - e irá continuar a tratar - de figuras culturais que fazem e fizeram parte do nosso imaginário infantil. Super-heróis, ETs, duendes, princesas virgens e outras figuras mitológicas.
Sucede que a semana que atravessamos glorifica algo totalmente diferente: o Menino Jesus nascido nas palhinhas e aquecido pelo bafo do burrinho e da vaquinha, os Reis Magos que encontram o presépio seguindo uma estrela GPS...
Mesmo os mais materialistas estão ocupados a colaborar com São Nicolau, patrocionado pela Coca-Cola que lhe criou o fato, e que vem no seu carro voador puxado a renas para pôr os presentes nas chaminés, mesmo que estas estejam substituídas por exaustores. A  magia do Natal não vê obstáculos em pormenores tão comezinhos.
Daí que os temas que normalmente aqui se tratam não tenham cabimento nesta época.
Assim, desejo a todos os leitores um Bom Natal e um Feliz Ano Novo. O Cavaleiro Andante estará de regresso para a semana.
 

4 - A VINGANÇA DOS NERDS

Há 30 anos atrás, adulto que se interessasse por bd ou ficção científica era considerado um caso perdido no mundo cultural. Surgiram então duas evoluções opostas nessas áreas: a produção literária da FC foi-se degradando, obras primas como o Mundo dos Dragões de Anne McFray ou o Feiticeiro de Terramar de Ursula LeGunn evoluiram para foleiradas de livros sobre guerras de feiticeiros e reinos místicos, sem conteúdo humano ou literário. A BD deu a volta por cima, com Frank Miller a relançar a figura de Batman em O Caveleiro das Trevas e Alain Moore com Watchmen, V for Vendetta, From Hell e vários outros...

Aí entra o cinema. Que descobre primeiro o mundo dos super-herois e os relança com espectacularidade visual  e maior qualidade interpretativa ( Michelle Pfeiffer como atwoman, danny de Vito como Pinguim, Heath Ledger num fabuloso Joker). As short-novels de FC convertem-se em filmes de culto, com destaque para a obra de Philip DicK (Blade Runner, Total Recall, Relatório Minoritário...)

Os conceitos do que eram temas infantis convertem-se em blockbusters com que a indústria cinematográfica conta para sobreviver. Quase sempre esbatendo o revolucionário que alimentava tais conceitos e valorizando apenas o espectáculo pelo espectáculo.

Hoje o cidadão normal apanha com filmes como "Os Substitutos" "O Jogo" ou "Avatar" sem ter consciência de que aa implicações da invasão do mundo real pelo mundo virtual eram escalpelizadas décadas antes em revistas e colectâneas de contos de FC.

Só no Avatar, encontrei pastiches do Mundo dos Dragões ( Dragonriders,com a ligação emocional entre cavaleiro e montada ) e City de Clifford Simak ( com a colonização de um planeta hostil através da incorporação de terrestres no corpo dos nativos). A floresta que incorpora o inconsciente colectivo e ensina e cura os seres que nela vivem também era tema já tratado em obras antigas.

Se ao menos estes filmes servissem para o grande público descobrir os clássicos...


3 - O Natal dos Alfarrabistas

Se há lojas que sempre me fascinaram foram os alfarrabistas de Lisboa. Talvez por passar a minha infância enfiado no sotão de uma avó, com folhetins do sec XIX e em casa de um tio com revistas do tempo da 2ª Guerra Mundial. Adoro o cheiro de papel veho e descobrir preciosidades literárias e gráficas de antigamente.

Sucede que o negócio dos alfarrabistas está quase em vias de extinção. Montes de revistas e livros, e gravuras, sem ninguém que os compre.
Trata-se de uma ameaça a um património cultural que urge salvar e a minha sugestão é a de que aproveitem a época natalícia para lá comprar prendas originais. Livros da Vampiro e Argonauta, dos tempos em que os policiais e a ficção científica tinham histórias inteligentes. Se já estão fartos de crimes em catedrais, com os maus à procura de símbolos perdidos, se já não suportam aventuras românticas com vampiros ou feiticeiros em crise de adolescência, não percam esta possibilidade de adquirir trabalho originais e que não ofendem a inteligência de quem compra e de quem vai ler.

Aqui em Lisboa, podem começar pela esquina ao cimo do elevador da Bica, ir até àquela livraria ao lado da Cervejaria Trindade, e, se ainda tiverem tempo e dinheiro, descer pelas escadinhas do Duque, onde encontram duas lojas do mesmo dono, uma mais especializada em bd, outra com livros de ocultismo e astrologia - mas tb Vampiro, Argonauta, Caminho de bolso, e a velhinha Colecção Xis.

Bas compras, boas leituras e Boas Festas.

PS: Fora da zona indicada, recomendo também a antiga Ulmeiro na Av do Uruguais (já mudou de nome, não recordo agora qual) AQUI


2 - Se Shakespeare tivesse um computador portátil…




Há muitos séculos atrás, numa galáxia distante… melhor dizendo, antes que uma senhora inglesa se chateasse com o marido português e começasse a escrever longos livros chatérrimos sobre um adolescente imbecil chamado Harry Potter, o autor mais vendido em Inglaterra chamava-se Terry Pratchett.

Claro que ser um top de vendas nada significa quanto ao valor literário do autor – mas Pratchett construira um universo de figuras coerente, delirante e profundamente bem estruturado. O seu Discworld é uma sociedade de natureza medieval, habitada por seres humanos, vampiros, trolls e toda a parafernalia das histórias de fadas. Há a Guilda dos Ladrões e dos Assassinos (que passam recibos e pagam impostos ao Estado sobre o seu trabalho), há uma Universidade de Magia, The Unseen University, (à volta da qual gravitam magos poderosos e feiticeiros de meia tigela), a Guarda do Palácio, as 3 bruxas do Hamlet e a Morte, entre outras figuras inesquecíveis que agora não me ocorrem.
Adaptadas também a BD e a teatro, as aventuras de Discworld não têm heróis residentes. Qualquer das principais personagens de uma história pode ser figurante noutra ou estar ausente em meia dúzia de livros. Nem o tom da escrita se mantém: as aventuras da Guarda são um misto de capa e espada e 007, algumas aventuras com magos contêm cenas assustadoras, as intervenções das 3 bruxas são de gargalhada pegada. Em quase todas as histórias Death está presente como supporting character, comunicando telepaticamente com as pessoas EM MAIÚSCULAS – à excepção do livro Mort, em que Death contrata um aprendiz não muito inteligente o qual cria um sarilho de dimensões cósmicas ao impedir que uma linda princesa por quem se apaixonara seja morta na data devida.

Aventura, terror ou comédia, Discworld é um mundo de literatura ligeiramente louca, ligeiramente surrealista, que revela um autor de imaginação prodigiosa que nunca deixa de nos espantar, encantar e divertir.
30-10-09


1 - O Meu Professor Inesquecível




Foi com o Cavaleiro Andante que aprendi a ler. Tinha o Tim-Tim e o Templo do Sol e O Mistério da Grande Pirâmide, com o Blake e Mortimer, que iriam ser os meus herois por muitos anos.
Pessoal da minha geração formou-se culturalmente com aquela revista editada pelo Adolfo Simões Muller, e, os que não iam muito à bola com aquilo que viria a ser conhecido como a escola franco-belga, viravam-se mais para o Mundo de Aventuras com o Mandrake, o Fantasma e o Flash Gordon.
Eu alinhava em ambas as correntes.
Normalmente, ao entrar na puberdade, o pessoal largava os quadradinhos e virava-se mais para o desporto e para o sexo oposto. Comigo não foi bem assim. Na rua onde nasci, a vizinhança mais próxima da minha idade era toda ela do sexo oposto. Cresci entre miúdas, com consequências que não vêm agora para o caso.
O desporto foi-me proibido pelo médico, tinha eu 11 anos, graças a um diagnóstico de coartação da aorta. O liceu Pedro Nunes tinha uma excelente biblioteca e passei o horário da Educação Física lá metido a ler Mosquitos, primeiro, e depois as colecções de Júlio Verne, Tarzan, Sherlock Holmes e Cavaleiro de Lagardère.
Os professores do Pedro Nunes eram óptimos -  fui aluno do Palma Fernandes a Matemática e do Rómulo de Carvalho a Físico-Químicas, um luxo de ensino. Mas a cultura do Simões Muller marcou-me tanto ou mais que o Eça ou Trindade Coelho.
Talvez por isso, não renunciei a tais leituras ao crescer. Ainda era fã do CA quando apareceu a história da Marca Amarela que criou uma histeria entre a miudagem da altura, com o símbolo a aperecer grafitado em todas as paredes ( sendo que entre a Estrela e a Pampulha, a autoria dos rabiscos era aqui do je.)
A família contribuia para o vício. A minha avó tinha um sotão com folhetins de cordel do final do sec XIX, um primo que vivia com ela tinha os primeiros livros da Argonauta, uns tios com quem passava férias tinham uma colecção de Gibis brasileiros com as primeiras histórias do Capitão América, Homem de Borracha e Capitão Marvel.
Apanhei o vício de toda essa literatura menor e não o larguei até hoje.
E não é que nessa literatura "menor" se encontram pérolas de alto valor cultural?
É disso que conto falar aqui no Cavaleiro Andante. Autores que marcaram o nosso imaginário, com uma criatividade e humor muito pouco reconhecidos. Venham daí comigo.
(23-11-09)