HISTÓRIAS da PUBLICIDADE 11
O publicitário é um fingidor por ofício
 


22. UM CÁGADO SEM ASSENTO...

 Para me entreter, enquanto não tinha nenhum jornal meu, fui fazendo crónicas para aqui e para ali. Por exemplo, participei num curioso projecto do Luís Lagriffa: o jornal de humor político "A Pomba", de que apenas saíu um número, nunca cheguei a saber porquê. E escrevi, entre 1975 e 1979, nada menos que 174 "Tele-Gatos" para a revista "Tele-Semana", do Duarte Ramos.
Este homem, que sempre teve o bichinho das revistas e dos jornais, lembrou-se de lançar, em simultâneo, duas publicações: uma de humor, outra sobre cinema. Isto em 1978. Sempre foi um empreendedor bem-intencionado, mas um bocado despassarado, sem assento...
Uma das revistas seria dirigida pelo Lauro António, chamava-se "Isto é Cinema" e era toda bonita, toda colorida. Mesmo assim, não vingou.
Quanto à humorística, ao contrário da outra, teria um aspecto gráfico pobrezinho, apenas a preto e mais uma cor, em papel de fraca qualidade. Seria o "Cágado" - e lá estava eu, outra vez, no honroso posto de director, com uma equipa reduzida de colaboradores.
Nesta altura, confesso que já deveria ter juízo para saber que, nas condições em que foi lançada, a revista não tinha futuro. Não havia dinheiro para promoção de duas revistas em simultâneo. Ora, sem um lançamento feito como deve ser, estas coisas não pegam. E o "Cágado" não pegou - apesar do esforço que ainda se fez, com os fracos meios disponíveis. Só durou quatro números. Também esta falhou por falta de... assento.
Mas enfim, sempre se fez, para o primeiro número, uma conferência de imprensa, por sinal bastante original: proferi as minhas importantes declarações sobre as intenções, o programa, o futuro do "Cágado", sabem onde? Junto às instalações dos cágados e das tartarugas, no Jardim Zoológico de Lisboa!
Apareceram vários jornalistas, que aplaudiram muito o meu discurso. Os cágados, propriamente ditos, não se manifestaram. Seria, talvez, por isso que a revista se finou tão rapidamente - e não a passo de cágado...

 Já agora, cá vai o resto da saga dos Cágados...

Nesta revista, comecei a escrever uma história em banda desenhada, ilustrada com muita graça pelo Artur Correia, e que se chamava "A Revolução dos Cágados". Era uma piada à "Revolução dos Cravos", como era então designada a do 25 de Abril. Fizeram-se 20 páginas - e parámos aí, quando a própria revista parou.
Mais tarde, convidado pelo Nuno Rocha, fiz, no semanário "Tempo", uma página de humor que intitulei "Tem...piada" (não é para me gabar, mas sempre achei este título muito giro). Aí se reiniciou a história, agora renomeada "O País dos Cágados". Só que, ao fim de dez semanas de publicação, nem eu nem o Artur Correia ainda tínhamos visto a côr das notas com que o Nuno devia pagar-nos... Cortámos o fornecimento de Humor. (O Artur acabou, depois, por receber a sua parte; e eu, recebi a minha... em viagens de avião, para não perder tudo! Deu para duas viagens de ida e volta a Nice, nada mau!).
Os Cágados andavam enguiçados. No entanto, sempre terminámos a história e, como nela se distribuiam as piadas, democraticamente, por todas as forças políticas da época, os editores tiveram medo de a pôr à venda - e acabámos por editá-la, nós próprios, sob a forma de um álbum de 48 páginas. É, hoje, uma peça rara.

Pronto! Aqui ficam as minhas Redacções, no estilo simples - mesmo simplório - das redacções escolares.
Aqui recordei algumas histórias, acontecidas ou imaginadas nas redacções de jornais e revistas, em que passei tantas horas divertidas da minha triste vida de humorista profissional.
Lendo-as todas de seguida, fica-se, talvez, com a ideia de que se trata de uma sucessão sucessiva de insucessos...
Mas... olhem que não. Jornais e revistas de Humor são coisas efémeras, para durar pouco tempo. É mesmo assim. Se eu me mantivesse, ainda hoje, na primeira das redacções em que entrei, não teria tido a oportunidade de percorrer tantas outras redacções, e de ter tantas histórias para vos contar. 
São, evidentemente, histórias verdadeiras - isto é, para dizer a verdade, foram todas, evidentemente, inventadas. Excepto, evidentemente, as que aconteceram de verdade...
Os leitores darão as suas notas, negativas ou positivas, a estas minhas notas.

Só espero que não achem mal empregadas as notas, as outras, as que deram por este livro de notas...

António Gomes de Almeida

O António Gomes de Almeida teve a amabilidade de oferecer à Truca uma colecção do "Cágado" (4 números) que, tal como ele diz, se trata de uma preciosidade.
A Truca está a estudar a forma de publicar estes materiais assim como o "País dos Cágados" cuja capa se mostra a seguir.

Encerra-se esta magnífica história das publicações humorísticas neste País, nas últimas décadas.
Sei de muitos truquistas que seguiram as memórias do António Gomes de Almeida com o maior interesse. Gente jovem e muitos "cotas".

Obrigado Gomes de Almeida pela portunidade dada à Truca onde ficará, espero que por muitos anos, o testemunho do seu talento e colocando a sua produção à disposição de quem se interessa pelo passado e pelos seus artistas.


21. A CHUCHADEIRA

 No tempo da "Parada da Paródia", o João Martins levou lá à redacção um puto muito moreno, que apresentou como seu sobrinho. O Helder, era assim que ele se chamava, queria ser desenhador, como o tio. O pior é que, enquanto o tio tinha talento para dar, vender e emprestar, o sobrinho era um "suja-papel" sem habilidade que se visse. Só que era muito persistente e fazia montes de bonecos todos os dias, a ver se a gente lhe aproveitava algum.

Todas as semanas, era garantida a sua visitinha à redacção, com mais uma mòlhada de desenhos debaixo do braço. Invariavelmente, iam parar àquela secção que eu tanto utilizava: a "cesta secção".

Mas, vocês sabem como são estas coisas: quem muito atira, às tantas, acerta. O Helder fazia tantos bonecos que, lá uma vez por outra, conseguia aproveitar-se qualquer coisa do seu trabalho. Creio que, por junto, lhe publiquei duas ou três anedotas.

Parece que ele tinha uma certa admiração por mim. O que é certo é que não me largava. Quando a "Parada" acabou, veio desafiar-me: "E se a gente fizesse uma revista, os dois? Você a escrever e eu a desenhar, hein, que tal?"...

Tremi de susto só com a ideia, e fui-lhe dando aquelas desculpas diplomáticas que se impunham, para evitar ter que dizer ao moço que ele era um cepo a desenhar. Mas ele é que não desistia. Durante anos e anos, lá de vez em quando, ou aparecia, ou me telefonava, sempre com a mesma conversa: "Então, quando é que fazemos uma revista, os dois?" E eu sempre a esquivar-me.

Até que, certo dia, em 1975, vou de manhã à banca onde me fornecia de periódicos, e deparo com um jornalão enorme, impresso em papel grosso, esverdeado, com o sugestivo título "A Chucha". A capa era do Helder Martins. Os textos eram do Helder Martins. O jornal era do Helder Martins.

Chego ao escritório, toca o telefone. Era ele. "Você, por acaso, já viu um jornal que...?" Interrompi-o: "Sim, já vi a sua Chucha". E ele: "O que é que acha? Mas diga-me com sinceridade!". Não fui meigo: "Para lhe dizer com sinceridade, tenho que lhe dizer que acho o seu jornal uma merda!"

Aí, o Helder apanhou-me: "Eu sabia que você ia dizer isso. Mas olhe, eu tenho todas as condições, técnicas e financeiras, para fazer um bom jornal humorístico. Lanço-lhe o desafio: venha ajudar-me a transformar a "Chucha" num bom jornal humorístico!"

O homem levou-me, com esta conversa. Resolvi aceitar o desafio - com certas condições: arranjar eu os colaboradores, ter mão livre para organizar as edições e assim por diante. Ele disse a tudo que sim...

Pronto, mais uma redacção. A princípio, era no Dafundo, depois passou para Alvalade, quando o Helder comprou uma antiga Tipografia, a "Grafitécnica" e aí se instalou. Lá vieram os companheiros fiéis de tantas outras redacções... Lá veio o Magalhães, o Zé Manel, o Manuel Vieira, o Martinez, mais uns poucos.

Mas a chuchadeira não durou muito, Nem podia durar. A gente preparava, digamos, o número de Carnaval - para sair, evidentemente, na respectiva quadra. Só que o Helder, sempre aflito de finanças, recebia de repente uma encomenda de um cliente que precisava de uns milhares de guias de remessa, ou de memorandos. Toca a tirar a "Chucha" da máquina, para meter o trabalho mais imediato, que mais imediatamente poderia ser cobrado! E, assim, o número do Carnaval iria sair lá para a Páscoa...

Resolvi baixar os taipais da redacção e deixar a "Chucha" entregue ao dono. Acabou logo. O Helder Martins ficou a chuchar no dedo.


20. MACAQUICES

 Estava o vinte-e-cinco-de-Abril ainda fresquinho e ainda existia o "Diário Popular". Acabara eu de escrever a última das 114 crónicas que, sob o título "Os Pontos" e com o pseudónimo "Óscar Pontinho", publicara na revista "Rádio & Televisão", quando o Dinis de Abreu (que trabalhava em ambas as publicações citadas) me convidou a organizar e dirigir um novo jornal de humor.
O projecto tinha a sua piada: tratava-se de fazer um jornal com o mesmo formato e com as mesmas características gráficas do "Diário Popular", só que a cores. Esse jornal serviria para testar uma nova máquina de impressão, na qual, depois, o próprio "DP" seria impresso. Era, assim, uma espécie de cobaia, do ponto de vista da execução gráfica.
E lá vamos nós todos ocupar uma nova redação, numa dependência daquele jornal, na Rua Luz Soriano. Todos, quem? Ora, boa parte da equipa que já trabalhara comigo em jornais e revistas anteriores. Vamos lá a ver se me lembro de todos.
Os "macacos escreventes" eram, além do director, o Fernando Ávila (que era jornalista da casa), o Carlos Miranda (que, mais tarde, seria director da "Bola"), o Álvaro Magalhães dos Santos, que assinava "Vicente Gil", e (não se espantem) o Mário-Henrique Leiria, esse mesmo, o surrealista, o poeta, o publicitário-às-vezes, o espantoso autor dessas mini-obras-primas que são os "Contos do Gin Tónico" (já estava, então, muito doente e com imensas dificuldades de locomoção). Também foi convidado um irmão do Magalhães dos Santos, o Joaquim, que vivia em São João da Madeira e já era, creio, colaborador do "Jornal de Notícias", mas esse não chegou a entrar.
Quanto aos "macacos desenhantes", eram eles o Martins (claro!), o Zé Manel, o Martinez, o José Antunes, o Vítor Milheirão e o Ricardo Reis.
Foi elaborado um "número zero", a ser distribuido gratuitamente ao público, com a edição do "Diário Popular" de 29 de Novembro de 1974. Depois, na semana seguinte, devia sair o número 1, que custaria 5 escudos.
Foi tudo muito bem preparado, em alegres reuniões, na redacção algo fria que nos fora destinada. Mais fria ainda ficou, quando começámos a ouvir os boatos que se espalhavam por todo o edifício. Era a época das manifestações, dos plenários, dos saneamentos, enfim, daquilo a que se chamou o Processo Revolucionário Em Curso. E nós acabámos por apanhar com o PREC pelo nariz! Os senhores tipógrafos do "Popular", vá-se lá saber por quê, meteram nas cabecinhas a ideia de que a criação daquele jornal se destinava a prejudicar-lhes a vida! Por isso, fizeram um plenário, prepararam uma manifestação, ameaçaram com saneamentos e disseram à administração que não queriam que o "Macaco" saísse do galho. Tudo isto sem falarem connosco, sem nos perguntarem nem esclarecerem coisa alguma, sem sequer saberem quem nós éramos,

Resumindo: o tal "número zero" foi impresso, mas não foi distribuido. Pagaram-nos o trabalho - já não foi mau!

E o "Macaco" ficou sem banana.

Veja as outras histórias do António Gomes de Almeida aqui ou em Histórias 10