José de Matos-Cruz


IMAGINÁRiO189

01 AGO 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

MELODRAMA



Há uma vertente peculiar do cinema americano, caracterizada pela essência do melodrama, cuja trama dimana entre o imaginário e a realidade, tendo como significado principal a natureza conflitual dos (anti)heróis. Estes - homens e mulheres - são, por regra, seres volúveis, vulneráveis, com dilemas anímicos ou psíquicos que os atraem ou distinguem quanto ao grande público - para o qual se transfere uma mensagem virtual sobre a própria existência, os sentimentos e anseios exemplares, reclamando um referencial de emoções e expectativas sob o signo clássico do espectáculo hollywoodiano. De um dos seus mestres, Douglas Sirk (1900-1987), reexibiu-se em pleno ecrã Imitação da Vida/Imitation of Life (1959), em paralelo à edição em DVD de Sublime Expiação/Magnificent Obsession (1954), O Que o Céu Permite/All That Heaven Allows (1955), O Meu Maior Pecado/The Tarnished Angels (1958) e Tempo Para Amar e Tempo Para Morrer/A Time To Love and a Time To Die (1958)... Assim confluem ou contrastam-se todas essas incidências ou implicações: fatalidade passional, solidão e desenraizamento, transformações sociais e comunitárias, tormento e redenção, tradição e preconceitos, como que condensados na vertigem de um fotograma - simultaneamente positivo e negativo, sobreexposto ao transe da consciência, aos complexos de uma identidade singular e cúmplice, em momento de viragem pessoal ou colectiva.

MEMÓRiA

30JUL1818-19DEZ1848 - Emily Brontë: «Não sei como exprimi-lo, mas todos temos a sensação de que existe, ou deveria existir, algo de nós para além do que somos». IMAG.30

06AGO1928-1987 - Andy Warhol: «Eu sou, profundamente, uma pessoa superficial». IMAG.119-128

ANUÁRiO

1950 - Lisboa Filme produz Frei Luís de Sousa de António Lopes Ribeiro; sobre o drama de Almeida Garrett, sendo intérpretes Maria Sampaio, Raul de Carvalho e João Villaret. IMAG.1-27-31-48-74-76-94-115-130-131-164-166-175

1989 - Aries, Le Dawliz e Ouzbek Film produzem La Batalla de los Três Reyes de Souheil Ben Barka, sendo intérpretes Massimo Ghini, Angela Molina e F. Murray Abraham.

1998 - Difundido no território nipónico do game-boy, a partir de 1996, Pokémon expande-se nos EUA como série televisiva favorita dos jovens americanos, entre os quatro e os dezasseis anos.

2001 - 39 Degraus produz Quem És Tu? de João Botelho; sobre Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett, sendo intérpretes Suzana Borges, Rui Morrison e José Pinto. IMAG.1-68-168

2004 - JumpCut produz A Batalha dos 3 Reis de Miguel Gonçalves Mendes, sendo intérpretes Rita Loureiro, João Cabral e Paulo Pinto. IMAG.17-123-175

ANTIQUÁRiO



04AGO1578 - Conhecida como Batalha dos Três Reis, trava-se a Batalha de Alcácer-Quibir, opondo as forças lideradas por El Rei de Portugal, aos Mouros de Marrocos. A partir de 1568, após subir ao trono, D. Sebastião, com catorze anos, preparava intervenção no Norte de África, que consideraria um desígnio nacional. Em 1576, o sultão Mouley Moluco, apoiado pelos Otomanos, depôs o sobrinho, sultão Mouley Hammed, que pediu auxílio a vários soberanos europeus. Em Lisboa, o inexperiente e impetuoso D. Sebastião reuniu um exército de quinze mil homens, incluindo mercenários alemães, castelhanos, holandeses e italianos. Filipe II de Espanha, que prometera apoiar a expedição, retirou-se - o que veio a ser considerado uma estratégia para desgastar Portugal, tendo um pacto secreto com Mouley Moluco. Reunindo-se a Mouley Hammed em Tânger, a força de D. Sebastião - ignorando o conselho dos veteranos, que recomendavam uma progressão junto à costa, com acesso aos navios portugueses - seguiu pelo interior para Arzila e Larache. Até Suaken, próximo de al-Kasr al-Kebir, onde os cerca de trinta e sete mil homens, alongados numa frente de mil e duzentos metros, eram aguardados pelas hostes de Mouley Moluco - cerca de setenta e cinco mil homens, num envolvimento em meia-lua com mil e quinhentos metros. A fadiga, a fome e o calor acabam por ditar a sorte dos expedicionários, que são dizimados - mortos ou aprisionados. Recusando a fuga, terá sucumbido D. Sebastião, que ficaria conhecido como o Desejado. A crise dinástica ditou a subsequente perda da independência - e em 1581, nas Cortes de Tomar, deu-se a aclamação de Filipe II, como I de Portugal. IMAG.91-148

25NOV1897 - A Biblioteca de Clássicos Portugueses, propriedade de Mello d’Azevedo, seu fundador, edita Crónica d’El-Rei D. João I de Fernão Lopes - «debaixo de todos os pontos de vista, interessantíssima» (Diário de Notícias).

TRAJECTÓRiA

ANDY WARHOL



Filho de emigrantes eslovacos, Andrew Warhola nasceu em Pittsburgo, a 6 de Agosto de 1928. Após o liceu em Shenley, estudou Arte Comercial no Carnegie Institute of Technology, tendo-se graduado em 1949. Partiu então para Nova Iorque, trabalhando em publicidade e como ilustrador das revistas Vogue e Harper’s Bazaar. Em 1956, foi galardoado pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque/MoMA. Em 1960, fundou o canal WarholTv. Em 1961, começou a pintar produtos americanos famosos, como as latas de sopa Campbell’s ou a Coca-Cola, além de notas de Dólar, distinguindo-se no movimento da pop art. Em 1963, inaugurou The Factory, estúdio permanente de âmbito experimental / underground, e principiou a realização de filmes com Sleep (oito horas de duração). Em 1967, tornou-se produtor do grupo de rock The Velvet Underground. Em 1968, lançou a revista InterView, e foi ferido a tiro por uma escritora feminista, Valerie Solanas. Em 1969-1972, estilizou retratos sobre ícones da cultura de massas, como Elvis Presley, Elizabeth Taylor ou Marilyn Monroe. Desde 1974, coleccionou as cápsulas do tempo, guardando objectos quotidianos em caixas de cartão. Em 1975, publicou The Philosophy of Andy Warhol - From A to B and Back Again. Em 1979, exibiu Portraits of the Seventies no Whitney Museum de Nova Iorque. Em 1981, iniciou a exploração plástica sobre pormenores da obra de mestres renascentistas, como Boticelli e Leonardo Da Vinci. Em 1986, compôs retratos de Lenine e Mao Tsé-Tung. Vítima de paragem cardíaca, após operação à vesícula, faleceu em Nova Iorque, a 22 de Fevereiro de 1987.

BREVIÁRiO

Relógio D’Água edita O Monte dos Vendavais de Emily Brontë.

Costa do Castelo edita em DVD, Sublime Expiação (1954), O Que o Céu Permite (1955), O Meu Maior Pecado (1958) e Tempo Para Amar e Tempo Para Morrer (1958) de Douglas Sirk.

Teorema edita Mazagão - A Cidade Que Atravessou o Atlântico - De Marrocos à Amazónia (1769-1783) de Laurent Vidal.

Quasi edita Almeida Garrett [1799-1854] - Cartas de Amor à Viscondessa da Luz de Sérgio Nazar David. IMAG. 13-100

Teorema edita O Leopardo de Giuseppe Tomasi di Lampedusa [1896-1957]; tradução de José Colaço Barreiros. IMAG.105

Caleidoscópio edita A Causa de D. Miguel de Francisco Pina Manique; a partir de Portugal Desde 1828 a 1834 (1872).

Campo de Letras edita Fernão Lopes [1380-1460] - Crónicas de D. Pedro I, D. Fernando e D. João I; antologia de António Borges Coelho, ilustrações por Rogério Ribeiro.

VISTORiA


Naquela Batalha…

Madalena – Depois que fiquei só, depois daquela funesta jornada de África que me deixou viúva, órfã e sem ninguém... sem ninguém, e numa idade... com dezassete anos! – em vós, Telmo, em vós só, achei o carinho e protecção, o amparo que eu precisava. Ficastes-me em lugar de pai: e eu... salvo numa coisa! – tenho sido para vós, tenho-vos obedecido como filha.

Telmo – Oh, minha senhora, minha senhora! mas essa coisa em que vos apartastes dos meus conselhos...

Madalena – Para essa houve poder maior que as minhas forças... D. João ficou naquela batalha com seu pai, com a flor da nossa gente. (sinal de impaciência em Telmo) Sabeis como chorei a sua perda, como respeitei a sua memória, como durante sete anos, incrédula a tantas provas e testemunhos de sua morte, o fiz procurar por essas costas de Berberia, por todas as sejanas de Fez e Marrocos, por todos quantos aduares de Alarves aí houve... Cabedais e valimentos, tudo se empregou; gastaram-se grossas quantias; os embaixadores de Portugal e Castela tiveram ordens apertadas de o buscar por toda a parte; aos padres da Redenção, a quanto religioso ou mercador podia penetrar naquelas terras, a todos se encomendava o seguir a pista do mais leve indício que pudesse desmentir, pôr em dúvida ao menos, aquela notícia que logo viera com as primeiras novas da batalha de Alcácer. Tudo foi inútil; e a ninguém mais ficou resto de dúvida...

Telmo – Senão a mim.

Madalena – Dúvida de fiel servidor, esperança de leal amigo, meu bom Telmo, que diz com vosso coração, mas que tem atormentado o meu... E então sem nenhum fundamento, sem o mais leve indício... Pois dizei-me em consciência, dizei-mo de uma vez, claro e desenganado: a que se apega esta vossa credulidade de sete... e hoje mais catorze... vinte e um anos?

Telmo (gravemente) – Às palavras, às formais palavras daquela carta escrita na própria madrugada do dia da batalha, e entregue a Frei Jorge que vo-la trouxe. – «Vivo ou morto» – rezava ela – «vivo ou morto...» Não me esqueceu uma letra daquelas palavras: e eu sei que homem era meu amo para as escrever em vão: – «vivo ou morto, Madalena, hei-de ver-vos pelo menos ainda uma vez neste mundo.» – Não era assim que dizia?

Madalena (aterrada) – Era.

Telmo – Vivo não veio... inda mal! E morto... a sua alma, a sua figura...

Madalena (possuída de grande terror) – Jesus, homem!

Telmo – Não vos apareceu decerto.

Madalena – Não, credo!

Telmo (misterioso) – Bem sei que não. Queria-vos muito; e a sua primeira visita, como de razão, seria para minha senhora. Mas não sei se ia sem aparecer também ao seu aio velho.

Almeida Garrett
Frei Luís de Sousa
(1843 - excerto)

CALENDÁRiO

1924-04MAR2008 - Leonard Rosemann: «No ano em que fiz a música para um primeiro filme, dei cinco grandes concertos em Nova Iorque. A partir dessa experiência inicial para cinema, não voltei a dar ali nenhum concerto, durante dois decénios».

1919-06MAR2008 - Joel Serrão: «Considero que não se pode viver sem Poesia. Lê-la, enriquece a nossa visão da História».

1930-10MAR2008 - Rogério Ribeiro: «…A sua obra é uma riquíssima e complexa construção e reflexão sobre o devir humano, sobre o seu tempo e sobre uma humanidade em certos aspectos intemporal» (Assembleia da República - Voto de Pesar aprovado por unanimidade).

13MAR2008 - Atalanta Filme estreia Lobos de José Nascimento; com Nuno Melo, Catarina Wallenstein e Pedro Hestnes.

13MAR2008 - Midas estreia The Lovebirds  de Bruno de Almeida; com Joaquim de Almeida, Drena De Niro e Michael Imperioli.  



IMAGINÁRiO188

24 JUL 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

MARAVILHAS




Entre os romancistas visionários da narração em quadradinhos, Neil Gaiman alcançou o imaginário por excelência a partir de 1989, ao sagrar Sandman - herói primordial dum universo fantástico, intemporal, cujas prodigiosas aventuras evoluem entre mitos ancestrais, lendas volúveis, numa actualidade alternativa, contemplando fantasmas da subcultura ou arquétipos futuristas. Revelado em edição portuguesa e como projecto contínuo, sob chancela Devir, com Prelúdios e Nocturnos, Sandman explora uma dimensão iniciática, primacial, Na Terra dos Sonhos - onde pairam um escritor em dívida de inspiração, o sortilégio felino no domínio do mundo, o génio de William Shakespeare através da representação, e o desígnio da fatalidade ante a imortalidade. Para ilustrar tais lances de amor e humor, de trama e drama, de crítica e conflito, de tensão e transe, em que persiste uma transfiguração da realidade virtual, Gaiman convidou notáveis artistas gráficos - Kelley Jones, Charles Vess, Colleen Doran, Malcolm Jones III, assinando as capas Dave McKean. IMAG.17-21-25-26-34-49-60-86-117

ANUÁRiO

1938 - Orson Welles provoca o pânico e a histeria na América, com uma recriação radiofónica sobre A Guerra dos Mundos de H.G. Wells. IMAG.33-44-88

1968 - A Academia de Hollywood atribui o Prémio Irving G. Thalberg a Alfred Hitchcock, «pelo conjunto da sua obra e a contribuição dada à arte cinematográfica». IMAG.4-19-29-44-51-85-112-142-146-163-168-179

CALENDÁRiO

1936-15FEV2008 - Joaquim Costa: Artista pioneiro do rock’n’roll em Portugal - «Cantar é um prazer, é um gosto. É uma vaidade, até».

1941-19FEV2008 - Natalia Bessmertnova: Bailarina e professora do Teatro Bolshoi, Prémio Lenine em 1986 - «Deus deu-lhe tudo para que se tornasse a musa do ballet clássico» (Anatoly Iksanov).

21FEV2008 - Inspirada na banda desenhada autobiográfica por Marjane Satrapi, estreia a animação Persépolis de Marjane Satrapi & Vincent Paronnaud, distinguida com o Prémio Especial do Júri no Festival de Cannes.

1921-03MAR2008 - Giuseppe DiStefano: Tenor lírico italiano, consagrou-se ao lado de Maria Callas, com quem representou I Puritani de Vicenzo Bellini, Tosca de Giacomo Puccini ou Un Ballo in Maschera de Giuseppe Verdi.

1931-03MAR2008 - Maria Gabriela Llansol: «Não há literatura. Quando se escreve, só importa saber em que real se entra, e se há técnica adequada para abrir caminho a outros».

MEMÓRiA

1884-05MAR1958 - Afonso Duarte: «Não sou um velho vencido! / Mesmo à beira da morte / Quero erguer o braço forte / Da razão de ter vivido» (Lápides).

24JUL1878-1957 - John Moreton Drax Plunckett, aliás Lord Dunsany: «O homem é um ser menor, muito pequeno, enquanto a noite é muito longa, enorme, e cheia de maravilhas».

26JUL1928-1999 - Stanley Kubrick: «Um cineasta tem quase a mesma liberdade que um romancista, quando decide, ele próprio, investir algum dinheiro». IMAG.37

ANTIQUÁRiO

1998 - No vale do Lapedo, próximo de Leiria, é descoberto o esqueleto de uma criança que morreu há vinte e quatro mil e quinhentos anos - segundo o arqueólogo João Zilhão (Universidade de Lisboa) e o paleoantropólogo Erik Trinkaus (Washington University, em St. Louis), pertencente ao  homo sapiens mas com uma mistura de traços dos Neandertais, extintos cerca de três mil anos antes na Península Ibérica. Tal testemunho do cruzamento das duas espécies - hominídeos antigos e modernos - provaria, pois, um longo processo de contacto e mestiçagem entre ambos os povos, conclusão que os investigadores consolidaram em Portrait of the Artist As a Child: The Gravettian Human Skeleton From the Abrigo do Lagar Velho And Its Archeological Context (Instituto Português de Arqueologia - 2002).

05JAN2008 - É inaugurado o Centro de Interpretação do Abrigo do Lagar Velho, no local onde em DEZ1998 foi descoberto o esqueleto do Menino de Lapedo - que se encontra no Museu Nacional de Arqueologia, integrado no Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa, e cujo rosto foi reconstituído pelo antropólogo Brian Pierson. Durante a cerimónia, a Presidente da Câmara Municipal, Isabel Damasceno, defende a criação do Parque Natural de Lapedo e de um Núcleo Museológico de Arqueologia no Convento de Santo Agostinho em Leiria.

 INVENTÁRi0

STANLEY KUBRICK
ODISSEIA NO IMAGINÁRIO

Criador obsessivo, minucioso, paranóico e genial, Stanley Kubrick conquistou no cinema um domínio incomparável - como personalidade prestigiada, ou pelo fascínio do espectáculo. Tudo se consolidaria a partir de 1968, quando 2001 - Odisseia no Espaço maravilhou o mundo, reflectindo as potencialidades do imaginário à dimensão duma identidade cósmica. Aliás, o seu génio revolucionário exacerbou-se nas incidências temática e estética - de tal modo que todas as alternativas e sucessos, entretanto explorados, passariam inevitavelmente pela sua referência essencial.

Eis o que define um cineasta vanguardista - embora, nas décadas de ’70 e ‘80, apenas realizasse quatro obras-primas: A Laranja Mecânica (1971), Barry Lindon (1974), Shining (1980) e Nascido Para Matar (1987). Falecido em 1999, sem contemplar um novo milénio, Kubrick legou-nos - incompleto, ansiado - De Olhos Bem Fechados (1999), cuja produção desenvolvia desde 1996. A rodagem útil demorou mais de quinze meses, alguns planos foram feitos umas setenta vezes. Até ficarem perfeitos. Em total secretismo, a própria Warner Bros ignorava o material em progressão.

Tirânico, Kubrick impôs a Tom Cruise as suas regras inabaláveis. Insatisfeito com a prestação de Jennifer Jason Leigh, baniu-a e repetiu com outra actriz. Mas era lendária a sua obsessão maníaca de tudo controlar, até ao mínimo pormenor. Mesmo as primeiras fitas - que suscitam uma revisão apaixonada, como clássicos primordiais - eram relançadas com excepcionais precauções pessoais. Nova-iorquino nascido em 1928, e longos anos residente numa Grã Bretanha remota, ou isolado em Londres, Kubrick ficará intimamente ligado à sensibilidade artística, crítica e cultural da Europa.

Apaixonado pelo xadrez e a fotografia, Kubrick começou na revista Look em 1945. Revelado em curtas metragens, Day of the Fight (1949) e Flying Padre (1951), ficou insatisfeito com a longa Fear and Desire (1953), retirada do mercado. Após Killer’s Kiss (1955) em Nova Iorque, veio até nós com Um Roubo no Hipódromo (1956), consagrando-se em Horizontes de Glória (1958). O épico Spartacus (1960), a sensual Lolita (1962) ou Dr. EstranhoAmor na psicose da guerra-fria, culminam os primórdios de uma carreira excepcional.

BREVIÁRiO

Saída de Emergência edita O Livro do Deslumbramento de Lord Dunsany; organização e prefácio de José Manuel Lopes.

Castello Lopes distribui em DVD, sob chancela Warner Home Video, Caixa Stanley Kubrick; inclui 2001 - Odisseia No Espaço/2001: A Space Odyssey (1968), Laranja Mecânica/A Clockwork Orange (1971), Shining/The Shining (1980), Nascido Para Matar/Full Metal Jacket (1987), De Olhos Bem Fechados/Eyes Wide Shut (1999).

VISTORiA


O Medo das Sombras

Rondam sombras pelas telhas:
Não é vento são andanças
De bruxas!  As bruxas velhas
Chupam o sangue às crianças.

A mãe dorme, a filha ao pé,
Em casa de telha vã
Onde nem há chaminé;

E de interiores deserta
É toda uma casa aberta
A chuva e sol da manhã.

E a filha diz para a mãe,
Como a mãe responde à filha,
Porque este drama não tem
A mais do que mãe e filha:

– Mãezinha, que é, que é?

– Não luz vidro no soalho,
Nem há lume de tição;
Está a gatinha ao borralho.

Oh! dorme, meu coração,
Susto, filha, não te dê:
A água do bebedouro
Espelha luz que se vê.

Longe vá o mau agouro,
Benza-me a luz que nos olha:
Quem não existe não é.

O pucarinho de folha
Lá está no mesmo pé.

– Pela telha destelhada,
Minha mãe, minha mãezinha,
Voar negro de andorinha
Com risos de gargalhada!

– Água da bica, lá fora,
Corre, corre, que se chora:
Filha minha, não tens sede?

– Como peixinhos na rede,
Sombras, ó mãe, na parede!

Não é nada não é nada:
Buraco da fechadura,
Em rosa de luz coada
Será a luz da madrugada
Que vem em nossa procura.

Afonso Duarte


A Temperatura do Espaço

Há quem suponha que a temperatura no espaço é diferente em vários pontos e que a Terra, acompanhando o Sol no seu movimento de translação, passou por uma região excessivamente fria durante aquele período, o que produziu um grande resfriamento à superfície do globo.

Outros, como Adhemar, explicam o facto pela precessão dos equinócios. Pelos longos cálculos deste matemático, chegou-se à conclusão de que a ordem das estações há-de entrar invertida num período de 10 a 500 anos, tendo havido mudanças consideráveis nos dois hemisférios, mudanças causadas pelos degelos e dilúvios que devem realizar-se de 10.500 em 10.500 anos.

Ora, sucedendo há cerca de 4.000 anos o último dilúvio, ainda há que esperar que decorram uns 6.500 para que tal cataclismo se repita. Podemos dormir descansados!

24JUN1897 - Diário de Notícias

EXTRAORDINÁRiO

O INFANTE PORTUGAL
Primeira Jornada

Capítulo Dez
METAFÍSICA E METAMORFOSE - 75

 Jacinto Magno fitou-a com uma intencional comiseração:

– Tu decides... Depois, diz-me qualquer coisa. Já sabes que, para mim, és sempre uma lufada de ar fresco!

Reagindo à melíflua malícia, Rosa dos Ventos apenas esticou o risco entre os lábios. Tocou-lhe ao de leve na lapela e, sem mais, desvaneceu-se em direcção ao Saldanha.

Jacinto Magno continuou parado. Refazendo-se, no amargo deleite da solidão. Nunca se renderia. Alguma vez se redimiria?

Continua



   

IMAGINÁRiO187

16 JUL 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

DEBICADAS



Na última década do século passado, a banda desenhada portuguesa logrou uma sugestiva vanguarda, assumida pela ilustração de Luís Louro - em expressão jovial, divertida com a saga Jim del Monaco, reexposta graças à série Roques & Folque. Tal fenómeno - do culto entre os leitores, ao sucesso popular - atingiu uma viragem com O Corvo misterioso, seguindo Louro na redefinição da linha clara, enquanto se afirmava também argumentista, consumado em O Regresso, graças às Edições Asa. Afinal, o estranho herói português - Vicente de nome próprio e carteiro de profissão, no bairro de Alfama, até metamorfosear-se em paladino velocipédico - amplia Laços de Família pela escrita de Nuno Markl, como tarefa embrionária sob o figurino de outros inexoráveis vingadores da noite... «Ao contrário do meu trabalho inicial, a preto e branco, a minha actividade apoia-se, em grande parte, no colorido. Antes, o meu estilo era duro, e pouco propício a tonalidades. Tenho agora um traço mais vigoroso e creio, também, que melhorei as soluções em relação à cor» - comentou Luís Louro, cuja maturidade artística celebra uma carreira determinante - pelo desafio sensual, satírico e estético, com todas as virtualidades na exploração do aerógrafo.

VISTORiA

Castro:
Meu Senhor,
Esta he a mãy de teus netos. Estes são
Filhos daquelle filho, que tanto amas.
Esta he aquella coitada molher fraca,
Contra quem vens armado de crueza.
Aqui me tens. Bastava teu mandado
Pera eu segura, e livre t'esperar,
Em ti, e em minh'innocencia confiada.
Escusarás, Senhor, todo este estrondo
D'armas, e Cavaleiros; que não foge.
Nem se teme a innocencia, da justiça.
E quando meus peccados me accusaram.
A ti fora buscar: a ti tomara
Por vida em minha morte: agora vejo
Que tu me vens buscar. Beijo estas mãos
Reaes tam piedosas: pois quiseste
Por ti vir-te informar de minhas culpas.
Conhece-mas, Senhor, como bom Rey,
Como clemente, e justo, e como pay
De teus vassallos todos, a que nunca
Negaste piedade com justiça.
Que vês em mim, Senhor? Que vês em quem
Em tuas mãos se mete tam segura?
Que furia, que ira esta he, com que me buscas?
Mais contra imigos vens, que cruelmente
T'andassem tuas terras destruindo
A ferro, e fogo. Eu tremo, senhor, tremo
De me ver ante ti, como me vejo:
Molher, moça, innocente, serva tua,
Tam só, sem por mim ter quem me defenda.
Que a lingua não s'atreve, o sprito treme
Ante tua presença, porém possam
Estes moços, teus netos, defender-me.
Elles falem por mim, elles sós ouve:
Mas não te falaram, Senhor, com lingua,
Que inda não podem: falam-te co as almas,
Com suas idades tenras, com seu sangue,
Que he teu, faláram: seu desemparo
T'está pedindo vida: não lha negues
Teus netos são, que nunca téqui viste:
E vê-los em tal tempo, que lhes tolhes
A glória, e o prazer, qu'em seus spritos
Lhe está Deos revelando de te verem.
Rey:
Tristes foram teus fados, Dona Ines,
Triste ventura a tua.

António Ferreira
A Castro - Inês e o Rei  (excertos)

ANUÁRiO

1528-1569 - António Ferreira: «Vive tu, pois perdoas: moura aquelle, / Que sua dura tenção leva adiante.»

CALENDÁRiO

1917-13FEV2008 - Henri Salvador: «Eu não canto, sussurro. E é quando sussurramos ao microfone que conseguimos transmitir um sentimento verdadeiro a quem nos ouve».

19FEV2008 - Na Assembleia da República, é inaugurado o Museu Virtual Aristides de Sousa Mendes - constituído por Corredor da Guerra, Corredor da Fuga e Corredor da Liberdade, e disponível em www.mvasm.com - sendo autoras Margarida Dantas, Luísa Pacheco Marques e Margarida de Magalhães Ramalho. IMAG.4-16

TRAJECTÓRiA

JOLY BRAGA SANTOS

José Manuel Joly Braga Santos nasceu em Lisboa, a 14 de Maio de 1924, filho de um violinista amador por quem foi iniciado. Aprendeu violino e composição no Conservatório Nacional de Música de Lisboa, sendo discípulo privado de Luís de Freitas Branco. A partir de 1947, integrou o Gabinete de Estudos Musicais da Emissora Nacional. Em 1948, estudou direcção com Hermann Scherchen em Veneza (e na Suíça, em 1959-1960). Esteve entre os fundadores da Juventude Musical Portuguesa, em 1949. Em 1959-1960, com bolsa do Estado, recebeu lições de composição de Virgilio Mortari em Roma. Foi maestro da Orquestra Sinfónica do Porto em 1955-1959, e da Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional em 1961-1988. Ainda professor do Conservatório Nacional, onde instituiu a Análise Musical, e crítico musical do Diário de Notícias em 1968-1982, distingue-se o seu legado como criador. Após Nocturno Para Violino e Piano, aos dezoito anos, assinou as primeiras quatro de seis sinfonias entre os vinte e dois e os vinte e sete anos. Compôs melodias com poemas de Luís de Camões, Antero de Quental e Fernando Pessoa. Escreveu três óperas, por excelência a Trilogia das Barcas (1968-1970). Autor da Elegia a Vianna da Motta (1948), de Variações Sobre Um Tema Alentejano (1949), do Concerto Para Cordas (1951), do Concerto Para Viola e Orquestra (1960), da Sinfonietta (1963) ou do Requiem à Memória de Pedro de Freitas Branco (1964). Compôs a música para os filmes Chaimite (1950), O Cerro dos Enforcados (1954), O Crime de Aldeia Velha (1964), O Trigo e o Joio (1965), A Cruz de Ferro (1967), Cântico Final (1975) e Fim de Estação (1982). Em 1981, foi-lhe atribuída a Ordem de Sant’Iago da Espada e, em 1987, recebeu o Prémio de Composição Musical pelo Conselho Português de Música. Faleceu em Lisboa, a 18 de Julho de 1988.

BREVIÁRiO

Alêtheia edita, com Franco Maria Ricci, Alexandre Rodrigues Ferreira [1756-1816] E Sua Obra No Contexto Português e Universal de Miguel Telles Antunes, com fotografias de Alfredo Dagli Orti.

Relógio d’Água edita Debaixo do Vulcão de Malcolm Lowry; tradução revista e notas de Virgínia Motta.

Quasi edita Tarântula (1966) de Bob Dylan; tradução de Vasco Gato.  IMAG.13-24-61-85-115-136-151

Editorial Verbo lança Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa (1949) de Jacinto do Prado Coelho. IMAG.28-82-157

Publicações Dom Quixote edita O Grande Voo do Pardal de Lídia Jorge; ilustração de Inês de Oliveira.

Sony/BMG edita, sob chancela Columbia, Dylan de Bob Dylan; dezoito canções entre 1963-2006.  IMAG.13-24-61-85-115-136-151

Radiotelevisão Portuguesa edita RTP - 50 Anos de História de Vasco Hogan Teves; colaboração de Alexandre Honrado, prólogo de António Barreto. IMAG.15-21-40-97-107-121

Assírio & Alvim edita O Estranho Caso do Dr. Jekyll e do Sr. Hyde e Outros Contos - O Furta-Defuntos e Olalla - de Robert Louis Stevenson; prefácio de Jorge Pereirinha Pires. IMAG.1-35-41-151

OBSERVATÓRiO


Projecto 1868

Uma publicidade em larga escala, feita nos jornais de maior circulação, levaria ao mundo inteiro, até às localidades mais distantes, o conhecimento das ideias espíritas, despertaria o desejo de aprofundá-las e, multiplicando-lhes os adeptos, imporia silêncio aos detractores, que logo teriam de ceder, diante do ascendente da opinião geral...
Espíritas! Amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo.

Allan Kardec (1804-1869)
Obras Póstumas (1890 - excertos) IMAG.127

MEMÓRiA

1924-18JUL1988 - Joly Braga Santos: «A inspiração... não se sabe o que é. A inspiração e a técnica têm que se fundir de tal maneira que não se saiba onde começa uma e acaba a outra».

1876-21JUL1948 - Tomás Júlio Leal da Câmara: Caricaturista, pintor e pedagogo, em 1898 exilado clandestinamente em Espanha - sob mandato de captura policial e ameaça de julgamento que determinaria o degredo, pelos desenhos em que ridicularizava as mais destacadas figuras públicas e políticas da Monarquia Constitucional - e, a partir de 1900, em Paris. Em 1923, adquiriu um antigo casal saloio na Rinchoa, Sintra, onde passou a residir desde o início da década de trinta, tendo-o transformado em Atelier-Museu em 1945, enquanto se dedicava a trabalhos de cariz etnográfico e popular.

EXTRAORDINÁRiO

O INFANTE PORTUGAL
Primeira Jornada

Capítulo Dez
METAFÍSICA E METAMORFOSE - 74

 Assim, refém na sua imprópria inexistência, ele languescia para a maturidade, ele rejuvenescia para a eternidade...
Cada um por seu lado, passou então por Simão Simões um casal sénior, com quem ali já costumava cruzar-se. Recompondo-se ainda da canseira, saudou-os com um leve e reverente reclinar de cabeça.
Reacções irracionais. Emocionado, Jacinto Magno sorriu para Rosa dos Ventos, absorta. Ela assim, réstia artística, se emudecia pelo silêncio com que esculpia aragens nas paisagens. Até rima.
Ora, afora a liberdade poética, o que existia entre ambos, embora ignorasse o implícito Simão Simões, era uma amizade marciana, desamarrável.
Mesmo em palco, Rosa dos Ventos sempre lançara um olhar superficial às fossas profundas da imaginação. Glosando a inteligência irónica de quem, por talento tal, contorce músculos e carnes aos preitos da representação.
Enfim, um Magno afim espairecia a crise com que, em si, ultimamente sentira presa a prosa. Aliás, a sua retumbante evolução literária havia sido, desde os precoces prodígios a massacrar o abecedário, uma ebulição mimética, fanática, entre a escrita e a palavra.
Foram andando quase até ao Campo Pequeno - quando, subitamente, Jacinto Magno interrompeu o passeio e o silêncio, em jeito esquivo:
– Então, e vens comigo para a Baixa?
Rosa dos Ventos pareceu invadida por uma paranóia enervante:
– Pois, não... Ainda tenho que passar na clínica... Ou me engano muito, ou estou com a tensão alta!

Continua



   

IMAGINÁRiO186

08 JUL 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

ORIGENS



Los Angeles, por 2019 - símbolo de uma sociedade que alia o sórdido e o requinte, a degradação e a sobrevivência, a miséria e o fausto, a solidão e o desespero. Antigo blade runner - agente especial de caça aos rebeldes - Deckard é incumbido de localizar e destruir um punhado de replicantes que ousaram chegar à Terra, onde pretendem enfrentar o respectivo criador - o presidente da poderosa Tyrell Corporation - a fim de que os programe para uma vida eterna... Ao sofisticado Blade Runner / Perigo Iminente - testemunho e filme de culto, produzido em 1982, estilizando o imaginário fantástico mas siderante de Philip K. Dick - Ridley Scott propôs a Versão do Realizador (1992) - a partir da sua montagem inédita, e completada «como gostaria de a ver agora». Em concreto, eliminando o discurso off do protagonista e um epílogo extra, a par de «arranjos» quanto à acção e duração incidental, que atribuem mais forte atmosfera a um realismo extravagante, e outra dimensão ao pretenso «terror tecnorgânico»: enquanto projecção visionária e futurista, na alegoria de um reflexo efémero do ser humano, ou pela angústia ante uma essência transcendente IMAG.10.

CALENDÁRiO

14FEV2008 - Fundação Calouste Gulbenkian coloca os espólios dos arquitectos Raul Lino (1879-1974) e Cristino da Silva (1896-1976) disponíveis para consulta online na Biblioteca de Arte/Biblarte; apresentação em www.biblarte.gulbenkian.pt IMAG.40-169

MEMÓRiA

1911-06JUL1998 - Roy Rogers: «De coração e espírito, sempre fui introvertido... E o mundo do espectáculo, de que eu tanto gostava, acabou por tornar-se muito árduo para mim».

10JUL1928-1999 - Bernard Buffet: «Autor de 8 mil gravuras e litografias, o artista era amado especialmente pelos japoneses, que acumulam 2 mil das suas obras no Museu Bernard Buffet, em Mishima, cidade a 150 quilómetros de Tóquio. Buffet sofria do mal de Parkinson e havia dito a seu marchand, Maurice Garnier, proprietário de uma famosa galeria nos Champs Elysées, que poria fim a seus dias no dia que não pudesse mais pintar. Com muita dificuldade, ainda conseguiu terminar uma tela de uma exposição sobre a morte. Só não antecipou a seus amigos a forma de seu suicídio, asfixiando-se com um saco de plástico. Buffet optou pelo mesmo tipo de morte do psicanalista Bruno Bettelheim, de quem se dizia ter reunido todas as características de um génio sem sê-lo.» (O Estado de São Paulo - OUT1999)

14JUL1918-2007 - Ingmar Bergman: «Não tenho religião. É algo que, para mim, não significa nada. Só me interessa, na medida em que se trata de um poder que impõe às pessoas limites e restrições».

OBSERVATÓRiO

Carpe Diem... Et Noctem

O dia 14 de Janeiro corresponde ao dia 1 de Janeiro do calendário juliano. O ano 2008 da era vulgar, ou de Cristo, é o 8.º do século XXI e corresponde ao ano 6721 do período juliano, contendo os dias 2 454 467 a 2 454 832. O ano 7517 da era bizantina começa no dia 14 de Setembro. O ano 5769 da era israelita começa ao pôr do Sol do dia 29 de Setembro. O ano 4645 da era chinesa (ano do rato) começa no dia 7 de Fevereiro. O ano 2784 das Olimpíadas (ou 4º da 696ª), começa no dia 14 de Setembro, ao uso bizantino. O ano 2761 da Fundação de Roma «ab urbe condita», segundo Varrão, começa no dia 14 de Janeiro. O ano 2757 da era Nabonassar começa no dia 21 de Abril. O ano 2668 da era japonesa, ou 20 do período Heisei (que se seguiu ao período Xô-Uá), começa no dia 1 de Janeiro. O ano 2320 da era grega (ou dos Seleucidas) começa, segundo os usos actuais dos sírios, no dia 14 de Setembro ou no dia 14 de Outubro, conforme as seitas religiosas. O ano 2046 da era de César (ou hispânica), usada em Portugal até 1422, começa no dia 14 de Janeiro. O ano 1930 da era Saka, no calendário indiano reformado, começa no dia 21 de Março. O ano 1725 da era de Diocleciano começa no dia 11 de Setembro. Os anos 1429 e 1430 da era islâmica (ou Hégira) começam ao pôr do Sol dos dias 9 de Janeiro e 28 Dezembro.
Fernando Correia de Oliveira
(dados do Observatório Astronómico de Lisboa)

PRIORITÁRiO







Jornal Virtual - Assinalado por Fernando Correia de Oliveira, em todas as noções e conotações, factos e facetas, histórias e memórias, recorrências e referências, o Tempo está patente - incluindo Agenda, Bio, Livros, Sites, Relojoaria, Contactos ou conexões Nacional e Internacional - em www.fernandocorreiadeoliveira.com

TRAJECTÓRiA

ROY ROGERS



Destemido e virtuoso, com um talento ligeiro mas irresistível, Roy Rogers foi, depois de Gene Autry, o mais popular cowboy cantor, consagrado pelo cinema de Hollywood. Como opção pessoal, Rogers evitava a violência nas suas proezas, considerando que mais vale arrebatar a arma da mão ao mau da fita, com um tiro certeiro, do que disparar a matar. Nasceu Leonard Slye em Cincinatti (outras fontes indicam Duck Run, Ohio), a 5 de Novembro de 1911. Durante a Depressão, foi camionista; chegou à Califórnia em 1929, como apanhador migrante de fruta. Começou uma carreira notória formando um dueto vocal com um primo. Mais tarde, adoptou o nome artístico de Dick West, e constituiu o conjunto musical The Sons of Pioneers - com o qual apareceu na rádio de Los Angeles e, mais tarde, participou em vários filmes de John Ford. Após passar um ano num rancho de Montana, adestrando-se nas artes da sela e da bala, lançou-se no cinema em 1935, em pequenos papéis ou como companheiro de Gene Autry - a quem sucedeu como Rei dos Cowboys, a partir de 1942, para os Republic Studios.

Prosseguindo essa herança, Rogers logrou, sobretudo entre os jovens, um culto sólido - tendo usado o próprio nome de cartaz nas personagens que desempenhava, as quais se transferiram para quadradinhos ou em novelas populares. Pelo início dos anos ’50, Rogers deu um novo impulso à sua carreira, assumindo sugestivas aventuras, num Oeste idealizado entre emoções e melodias. A seu lado, brilhava a estimada Dale Evans, com quem se casara (pela segunda vez) em 1947. O característico Gabby Hayes era o companheiro e confidente. Rogers montava o lendário Trigger, celebrado como o cavalo mais esperto do cinema. Miticamente, ao clã Rogers juntou-se um filho Dusty, com o cão Bullet. Roy era tão hábil com as pistolas como com a guitarra. Com o declínio da produção de série B, sob o signo western, transferiu-se para a televisão - protagonizando The Roy Rogers Show (1951-57) e partilhando The Roy Rogers and Dale Evans Show (após 1962).

Paralelamente, Rogers investiu, desde a década de ’50, em negócios e empreendimentos comerciais - como uma companhia de produção televisiva, uma cadeia de restaurantes, propriedades imobiliárias, ganaderia, cavalos de raça, espectáculos de rodeos, fabrico e distribuição de produtos alusivos ao Oeste. Dessa profícua actividade como artista e homem de negócios, Rogers acumulou uma fortuna avaliada em cem milhões de dólares. Em 1967, Evans & Rogers inauguraram, junto à sua residência em Apple Valley, um Museu em glória do casal, exibindo peças e objectos de uma história lendária; aí figura, embalsamado, Trigger, que morreu em 1965. Já retirado há muitos anos, após participar em cerca de noventa filmes, em 1975 Roy Rogers regressou, esporadicamente, ao grande ecrã. Faleceu em Apple Valley, a 6 de Julho de 1998.

PARLATÓRiO



Quem, como eu, nasceu numa família de pastores, aprende muito cedo a olhar os bastidores da vida e da morte.
Em breve, trava-se conhecimento com o diabo e, à maneira das crianças, sente-se necessidade de dar-lhe uma expressão concreta.
O nosso pai teve um funeral, um casamento, um baptizado, deixou uma meditação, escreveu um sermão.
Sou muito atraído pela minha infância, tenho por ela uma quase obsessão.
Trata-se de imagens, impressões claras e sensíveis. Por vezes, consigo percorrer a paisagem das minhas origens - os quartos que habitei, os móveis, os quadros na parede, a luz. É como cinema, pedaços de cintilações - e faço accionar o projector. Posso reconstituir tudo, mesmo os cheiros.
Muitos artistas assemelham-se a crianças grandes. Picasso, por exemplo, tem um rosto juvenil. Churchill, também. E Stravinski, Orson Welles, Hindemith. Poderia citar-se, igualmente, Mozart. Claro que não conhecemos, exactamente, a sua fisionomia. Mas, a julgar pelos retratos pintados, parece uma criança grande. E Beethoven, lembra um miúdo colérico.
Quando entro num estúdio, ou disponho de uma câmara, com técnicos à volta, apercebo-me disso. Então, digo: «É engraçado, vamos iniciar um jogo». Lembro-me exactamente como, quando era pequeno, retirava os brinquedos do baú, antes de brincar... Um pouco mais ou menos, a sensação que tenho quando começo a realizar um filme.
Ingmar Bergman

BREVIÁRiO

Warner Bros edita Blade Runner / Perigo Iminente de Ridley Scott, em três versões - uma com dois discos, incluindo a Final Cut (2007); outra com quatro discos, incluindo a Final Cut (2007), a Director’s Cut (1992) e as Originais (Cinema e Internacional - 1982); outra com cinco discos de coleccionador, incluindo a Final Cut (2007), a Director’s Cut (1992), as Originais (Cinema e Internacional - 1982) e uma inicial Versão de Trabalho. Em Portugal, sob chancela Warner Home Vídeo, por Castello Lopes Multimedia.

EXTRAORDINÁRiO

O INFANTE PORTUGAL
Primeira Jornada

Capítulo Dez
METAFÍSICA E METAMORFOSE - 73

 Na fímbria de Lisboa, e como um desvario, a manhã passou lesta, para a hora do almoço.

Em sobressalto, atravessou Simão Simões a cortina de neblina que se forjava sobre a Quinta Colina, só e obcecado pelos seus complexos. Um mal crescido - tudo porque, quando era catraio, não tinha levado beijos da mãe, só tabefes do pai e em fartura.

Isso não macerara o seu destino, de adolescência ferida. Porém, marcara-lhe uma propensão irracional - devotando-se à filosofia do abstracto, como tábua de salvação. Razão, talvez, para nunca ir ao fundo das questões.

Heresia gnóstica? Frustrado entre o estro e o cosmo, Simão Simões sentia, por vezes, que a posição erecta era um paradoxo gravitacional.

O certo é que aquele imenso clarão, que quase o ofuscara quando, ameaçando a noite, entre lençóis arfava, nada de bom poderia pressagiar. E, logo, a tarde se parira órfã, desamparada, sem a alvorada sua irmã.

Inquieto, Simão Simões cogitara um prenúncio ético:

– Não basta fazer o bem, é preciso não fazer o mal.

Ora, dilatando a passada à flutuante cadência urbana, entre derivas e declives, chegou Simão Simões com os bofes de fora ao átrio da Torre do Tombo. Aonde o mancebo mórbido queimava tempo desde a ígnea idade, compensando na poeirenta carícia dos cardápios uma emancipação órfã de afectos e catártica.

Continua



   

IMAGINÁRiO185

01 JUL 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

SUPERAÇÃO




A banda desenhada portuguesa privilegia um verdadeiro testemunho de superação em Evereste de Ricardo Cabral, sagrando João Garcia - Escalada ao Topo do Mundo. Artista (28 anos) e alpinista (40 anos) cresceram ambos no Bairro dos Olivais, encontraram-se a partir da exposição Mundo Aventura, e uma primeira versão institucional da obra comum - revelação de um autor talentoso, recriação de um feito pessoal - teve publicação patrocinada pela Câmara Municipal de Lisboa. O potencial em causa - sobre a sublimação da realidade no fascínio do imaginário - suscitou, entretanto, um investimento de expressão/expansão virtual, que culminaria em álbum sob chancela das Edições Asa. Com um nível de qualidade e aliciante que, transfigurado em quadradinhos por Ricardo Cabral, e assim proposto aos leitores em geral, atinge os mais altos padrões internacionais, em paralelo ao empolgamento na assunção de João Garcia. Um desafio visionário - para além dos dramas e dos desaires, das dores e das perdas - em almejo constante por quem, intimamente, sempre perspectiva o espírito da montanha. IMAG.86

MEMÓRiA

14ABR1918-19FEV1988 - Miguel Franco: Actor de cinema e de teatro, encenador e dramaturgo - autor de O Motim (1960) ou A Legenda do Cidadão Miguel Lino (1973) - e fundador do Grupo de Teatro Miguel Leitão (1950) - «O criador, o autor, o encenador que conseguir imaginar um espectáculo que seja reflexo da luz forte da vida nacional de agora, fará o Teatro necessário. Reflexo e reajuste, justiça e calor criador, teatro de multidão em marcha. Teatro de massas, procurando os caminhos do futuro. Com a inteligência!»

1712-03JUL1778 - Jean-Jacques Rousseau: «Nunca vás para além dos teus direitos, e verás como em breve se tornarão ilimitados».

04JUL1908-1972 - Adolfo Casais Monteiro: «Deram-me o silêncio para eu guardar dentro de mim / A vida que não se troca por palavras. / Deram-mo para eu guardar dentro de mim / As vozes que só em mim são verdadeiras. / Deram-mo para eu guardar dentro de mim / A impossível palavra da verdade.»

07JUL1858-1941 - José Leite de Vasconcellos Cardoso Pereira de Melo, aliás Leite de Vasconcellos: «Convém conservar certos costumes que não contradizem formalmente o progresso e, pelo contrário, servem para pôr ou manter no espírito dos cidadãos apego à vida local».

CALENDÁRiO

1919-11JAN2008 - Edmund Hillary: «Temos de dar grande crédito aos pioneiros de há cinquenta anos atrás, como Hillary, que se aventuravam apenas pelo esforço de se superarem a si próprios» (João Garcia).

28JAN2008 - Canal História emite O Mirandês, documentário realizado por José Cartos Santos e produzido por Connect International, sendo participantes Naotoshi Kurosawa, Duarte Martins e Amadeu Ferreira.

1932-10FEV2008 - Roy Scheider: «O importante é fazermos bem o nosso trabalho, não interessa para qual dos ecrãs».

ANTIQUÁRiO

29MAI1953 - O neozelandês Edmund Hillary é o primeiro homem a conquistar o Evereste (Himalaias, Nepal), o cume mais alto do Mundo (8.848 metros), na companhia do guia xerpa Tenzing Norgay.

03JAN1958 - Tendo partido da Base de Scott, com a Commonwealth Trans-Antarctic Expedition, Sir Edmund Hillary torna-se a primeira pessoa a levar um veículo a motor, por via terrestre, até ao Pólo Sul.

01JUL2004 - Kafre publica o IMAGINÁRiO1, ainda apenas em versão newsletter.

VISTORiA




Olhei para cima e contemplei uma estreita aresta de neve, que subia a um cume nevado. Após uns quantos golpes sobre a neve compacta, estávamos lá em cima. Senti-me aliviado: não havia mais degraus a subir, mais arestas a atravessar, nem mais lombas para nos enganarem. Olhei para o Tenzing e, apesar das máscaras que tínhamos, não conseguíamos ocultar o sorriso de puro deleite que nos contagiava ao contemplarmos tudo o que nos rodeava. Apertámos as mãos e, então, o Tenzing lançou o braço sobre os meus ombros e demos palmadas nas costas um do outro até ficarmos sem forças. Eram 11.30. Naquela aresta demorámos duas horas e meia; contudo, pareceu-nos uma vida inteira...
Edmund Hillary - Diário do Evereste (excerto)

PARLATÓRiO




Frequentava eu, em 1882, o 1º ano de Medicina na Escola do Porto, quando [Manuel António] Branco de Castro, reclinado sobre a cama, no seu pequeno quarto de estudante, recitava vocábulos, conjugava verbos, declinava nomes: eu, sentado numa cadeira ao pé, ia apontando fervoroso tudo o que lhe ouvia, e que para mim era como aquelas maçãs de ouro que, segundo um conto popular bem conhecido, saíam da boca de uma virgem bem fadada, quando falava ao seu noivo.
Num quarto vizinho estavam alguns estudantes tocando guitarra, e entre eles o meu prezado amigo Joaquim Maria de Figueiredo, conceituado farmacêutico nesta cidade, o qual ainda hoje fala nisto: os estudantes interromperam a música, e vieram ouvir. Ao contrário de Orpheu, que, ao som da lira, arrastava os penhascos e fazia parar os rios, aqui a música cedia ao encanto da língua de Miranda!

Primeira referência ao mirandês - tendo mais de mil anos - com existência escrita, por Leite de Vasconcellos, que assim a revelou à comunidade científica: «Não é o português a única língua usada em Portugal... Fala-se aqui [no Nordeste] também o mirandês».

NOTICIÁRiO

Achados Arqueológicos
no Algarve

O distinto arqueólogo Sr. Leite de Vasconcellos, que tem andado em explorações arqueológicas no Algarve, tem encontrado ali objectos muito interessantes, com que vai ser enriquecido o Museu Etnográfico de Lisboa.
Em São Bartolomeu de Castro Marim, encontrou uma olaria luso-romana: forno e depósito de ânforas. Este depósito era bastante numeroso, podendo-se extrair d’ele onze ânforas.
O Sr. Leite de Vasconcellos fez um interessante estudo do forno, sendo talvez este o primeiro trabalho que entre nós se faz n’este sentido.
Coadjuvou-o n’esta importante exploração o Sr. Francisco Silvestre de Sousa Rocha, escrivão de fazenda adido à Repartição de Fazenda de Faro.
Ao pé de Tavira, encontrou fragmento d’uma inscrição romana muito valiosa, porque por ela se fica determinando sem sombra de dúvida o local da antiga cidade de Balsa. Vem para o Museu, bem como outros objectos das épocas romana, luso-romana, árabes e da arte e indústria popular portuguesa.
O ilustre arqueólogo seguiu depois para o Alentejo, em complemento da sua digressão exploradora.
03JAN1897 - Diário de Notícias

VISTORiA


Vem, Vento, Varre!

Vem vento, varre
sonhos e mortos.
Vem vento, varre
medos e culpas.
Quer seja dia,
quer faça treva,
varre sem pena,
leva adiante
paz e sossego,
leva contigo
nocturnas preces,
presságios fúnebres,
pávidos rostos
só cobardia.

Que fique apenas
erecto e duro
o tronco estreme
de raiz funda.
Leva a doçura,
se for preciso:
ao canto fundo
basta o que basta.
Vem vento, varre!

Adolfo Casais Monteiro

BREVIÁRiO

2005 - Gradiva edita Rousseau e Outros Cinco Inimigos da Liberdade de Isaiah Berlin.

Hypérion edita em CD, [Bohuslav] Martinu [1890-1959] - Obra Completa Para Violino pela Orquestra Filarmónica Checa; direcção de Christopher Hogwood.

Teorema edita Peso - O Mito de Atlas e Hércules de Jeanette Winterson; tradução de Paula Reis.

Sextante Editora lança Palavras / Paroles (1945) de Jacques Prévert (1900-1977); versão bilingue, tradução do francês por Manuela Torres.

Bonecos Rebeldes edita Os Narcóticos - Volume I de Camilo Castelo Branco.

Fundação Calouste Gulbenkian edita Amadeo de Souza Cardoso - Fotobiografia; coordenação científica de Helena de Freitas, texto e selecção de imagens por Catarina Alfaro. IMAG.84-149-154

A Esfera dos Livros edita Mocidade Portuguesa Feminina [1937-1934] de Irene Flunser Pimentel (Prémio Pessoa 2007).

ANUÁRiO

1908 - Os primos suíços Theodor Tobler e Emil Baumann criam a marca de chocolate Toblerone, produzido em Berna pela Chocolat Tobler AG - actual Kraft Foods Inc, tendo fabricado sete mil milhões de embalagens em 2007 e estando representada em 122 países. O formato triangular resulta da filiação franco-maçon de Tobler (símbolo da chama), e não - como passou a convencionar-se, a partir dos anos ’20 do Século XX - do aspecto do Monte Cervino (Matterhorn), um dos picos mais elevados dos Alpes.

PRIORITÁRiO


www.monica.com.br - A Turma da Mónica, incluindo o português António Alfacinha, em jogos e curiosidades, álbuns e quadradinhos, com actualização diária. E, todas as semanas, uma mensagem do criador Maurício de Sousa. IMAG.151

EXTRAORDINÁRiO

O INFANTE PORTUGAL
Primeira Jornada

Capítulo Nove
TANDEM OU O TRIO TERMINAL – 72

 Entardecia, ameaçando chuva. Já homem feito, altaneiro, pensou ele ao afastar-se - em termos bizantinos, tudo fora apenas mais um nefando capítulo da tragédia lusitana lírica e líquida, quimérica e folclórica.

Com uns pingos, o céu de Lisboa parecia concordar. Estendeu-lhe o seu manto da noite e, pelo menos uma vez, um dia não houve madrugada.

 Continua   




IMAGINÁRiO184

24 JUN 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

REBELDIA

Assumindo uma relação perfeita e fascinante, entre cinema e quadradinhos, Ghost World (2001) de Terry Zwigoff parte do imaginário concebido por Daniel Clowes e publicado na revista Eightball, em que o artista - natural de Chicago - se distinguiu pele essência e pela regularidade, a partir de 1989. Obra-prima com manifestação independente - a qual corresponde, nos Estados Unidos, à maturidade das vanguardas - aparentemente, trata-se de uma visão convencional, normalizada, sobre a realidade da classe media, através das vivências de duas adolescentes bizarras. Todavia, a insatisfação ou rebeldia de Enid e Rebecca, forjando uma afirmação pessoal, corresponde às referências sociais e actuais, no próprio testemunho de Clowes, que Zwigoff transfigura ao cumpliciar, pelo desempenho sugestivo e gracioso de Thora Birch e Scarlett Johansson. Assim se forja um envolvimento insólito, sarcástico mas estimulante, cujos distintos meios de comunicação ressaltam na edição em DVD, sob chancela Prisvídeo, reivindicando a mais ampla expressão. Outros olhares, um só Mundo Fantasma.

ANTIQUÁRiO

28JAN1958 - Godtfred Kirk Christiansen regista a patente das peças Lego, empresa criada em 1932 pelo pai - Ole Kirk Christiansen, um carpinteiro dinamarquês de Billund - o qual começou por reproduzir em brinquedos as versões miniaturais dos móveis que construía no final da década de ’20. Actualmente, a Lego fabrica dezanove mil milhões de elementos por ano.

28JUN1919 - Tratado de Versalhes - Em sequência ao Armistício de NOV1818, e após seis meses de negociações, trinta e duas potências europeias assinam - na Sala dos Espelhos do Palácio de Versalhes, em França - um Tratado que põe formalmente termo à I Guerra Mundial. Em representação dos Três Grandes, o Presidente Woodrow Wilson dos EUA, e os Primeiros-Ministros de Inglaterra e de França, David Lloyd George e Georges Clemanceau. A Alemanha é forçada à desmilitarização parcial e aceita - pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Herman Müller - todas as responsabilidades pelo desencadear do conflito, comprometendo-se a indemnizar várias nações afectadas e a retirar das colónias ultramarinas, cedendo ainda parte do território em benefício de alguns dos países fronteiriços. Tendo aprovado a constituição da Sociedade das Nações - sediada em Genebra, na Suiça e, sendo primeiro Secretário-Geral, Sir James Eric Drummond, com existência oficial a partir de 10JAN1920 - o Tratado de Versalhes foi então ratificado.

CALENDÁRiO

1979-22JAN2008 - Heath Ledger: «A sua criatividade reflectia-se em cada gesto. Ele disse-me uma vez que gostava de ficar um tempo à espera entre um papel e outro, até que voltasse a sentir fome de representar» (Christopher Nolan).

G28JAN2008 - A Associação Portuguesa de Museologia/APOM distingue a Casa de Camilo Castelo Branco, em São Miguel de Seide, com o Prémio Melhor Museu Português 2006. IMAG. 27-31-41-87-111-113-145-146-161-171-179-180

1919-01FEV2008 - Allan Grant: Fotógrafo da revista Life - «Era atraente e insinuante - qualidades muito apreciadas e que o popularizaram em Hollywood - mas, também, um homem das notícias» (Richard Dick Stolley).

1917-05FEV2008 - Maharishi Mahesh Yogi: «A sua grande luz vai continuar a brilhar» (Mike Love - The Beach Boys).

MEMÓRiA

11JAN1948-1997 - Alberto Raposo Pidwell Tavares, aliás Al Berto: «inclino-me de novo para o pano deste século / recomeço a bordar ou a dormir / tanto faz / sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade».

26JUN1908-1973 - Salvador Allende: «O Homem do Século XXI deve ter outra escala de valores, não ser movido fundamentalmente pelo dinheiro, acreditar na existência de uma maneira distinta para a felicidade, na qual a inteligência seja a grande força criadora».

VISTORiA


E Ao Anoitecer

e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia
Al Berto

INVENTÁRiO



No ano 40000, o presidente da Terra, Dyanthus incumbe a astronavegadora Barbarella - que ia em férias para Nova Capri Venus - de uma missão grave e secreta: recuperar o cientista Durand-Durand - inventor do Raio Positrónico, capaz de anular toda a matéria viva - o qual desapareceu no sistema Tan-Ceti. Só ela poderá preservar a harmonia das estrelas e a segurança do planeta-mãe, onde não há exército e vigora o amor... Assim relatarão as crónicas sobre Barbarella (1968) - um filme franco-italiano realizado por Roger Vadim, e com elenco internacional: Jane Fonda como protagonista, John Philip Law encarna Pygar, um anjo cego. Sete argumentistas ocuparam-se da transposição, entre eles Vadim e Jean-Claude Forest, o inspirado criador original.
Nesta visão sofisticada do fantástico, pelo sortilégio duma heroina audaciosa, sem inibições, em seu impacte futurista, o cinema estiliza uma noção feérica do imaginário, que Forest entendia como «ensaio compensatório» para a sua profissão de ilustrador. Nascida em 1962, cedo Barbarella se converteu em fenómeno de culto - onírico, erótico e efabulatório. Exaltada pelos signos mediáticos, ícone publicitário e alvo de censura, estudada nas universidades, Barbarella transfiguraria os símbolos do desejo e da beleza, reincididos pelo grotesco e pela crueldade. Segundo Forest, «o que me interessa é ser, sempre, meu contemporâneo. Barbarella partiu de um fantasma, de uma mulher que eu esperava descobrir um dia, na minha juventude, e que acabei por encontrar».

BREVIÁRiO

Dom Quixote edita Breve História dos Mortos de Kevin Brockmeier; tradução de Miguel Castro Caldas e Susana Baeta.

Academia de Música de Santa Cecília edita em CD, Dietrich Buxtehude (1637-1707) por Rui Paiva, ao órgão da Sé Catedral de Faro.

Esfera dos Livros edita A Grande Aventura dos Templários - Da Origem ao Fim de Alain Demurger; tradução de Luís L. Lima.

¨Zéfiro edita Regicídio - A Contagem Decrescente - 100 Anos - 1908-2008 de Jorge Morais. IMAG.42-55-158-161-165-168

Edições Colibri lança Barrancos Na Encruzilhada da Guerra Civil de Espanha - Memórias e Testemunhos, 1936 de Maria Dulce Antunes Simões; colaboração de Gentil de Valadares e Francisco Espinosa, co-edição da Câmara Municipal de Valadares.

Livros Cotovia edita Fala da Criada dos Noailles Que No Fim de Contas Vamos Descobrir Chamar-se Também Séverine Numa Noite do Inverno de 1975 Em Hyères de Jorge Silva Melo.

VISTORiA

Joel Boaventura
Detective Privado



Achei por bem pôr alguma água na fervura, ser um bocado pedagógico...

– Quero moderar-lhe as esperanças. E para isso sirvo-me de uma comparação. Não ignora, por certo, ser Sherlock Holmes uma criação do médico escocês Conan Doyle e, se leu alguns dos livros deste famoso autor, terá com certeza ficado com a ideia de que a excelência da dedução e a aguda observação são virtudes intrínsecas à personagem, as quais lhe permitem solucionar todo e qualquer caso, por mais abstruso que seja. No entanto, há um fenómeno de recepção retardada do «processo» Holmes, na Grã-Bretanha: os romances de Doyle atingem os piques máximos de popularidade ao mesmo tempo que a metodologia do seu detective é posta em causa na Áustria por um tal Hans Gross. Este homem acabava de criar um embrião daquilo a que chamaríamos hoje polícia científica e que passava pela colocação ao dispor do inquérito criminal dos mais aperfeiçoados meios técnicos, isto é, daquilo que designaríamos agora por tecnologia de ponta. A polícia científica existe: um cabelo ou um fio de lã encontrados no local do crime podem identificar o tipo capilar do criminoso ou um pull-over que este vestia quando praticou um delito. Mas viu algum filme, alguma série televisiva, algum documentário no canal História evocar a figura desse obscuro criminalista austríaco? Não viu. Viu, seguramente, no cinema e na têvê, várias reconstituições do Holmes, glosado nos mais diversos tons a desenrascar-se das mais incríveis situações através dos seus golpes de asa dedutivos. Isto é: cinema e televisão multiplicaram no imaginário das multidões os efeitos que o romance de uma forma assaz impressionista universalizara há muito. É certo que os meandros da polícia científica têm sido devassados, sobretudo por filmes norte-americanos. Mas essa divulgação é relativamente recente e, não obstante, mitigada. O mito da eficácia de Holmes, esse, não cessa de crescer, após cada novo filme ou cada série televisiva em que seja personagem central. A Holmes, qualquer um pode falar-lhe ao coração, a um equipamento de ponta, não. É esse Holmes de rosto humano que as pessoas julgam encontrar quando vêm falar connosco, esquecidas de que ele é um ser de papel e tinta e nós uns terráqueos de carne e osso esgaravatando muitas vezes o pão de cada dia em condições abaixo de patamares mínimos de dignidade.

Júlio Conrado
Desaparecido no Salon du Livre
(2001, excertos). IMAG.24-44

EXTRAORDINÁRiO

O INFANTE PORTUGAL
Primeira Jornada

Capítulo Nove
TANDEM OU O TRIO TERMINAL – 71

 Malsão, Benquisto. Um temporal de paradoxos, um paroxismo temporal. Heteróclitos acólitos, surpreendidos sem remate e sem rebate, brandos e mansos evaporou-se um, o outro deu de si. Ou desvaneceram-se por si sós, ou unos por motu proprio?

Logo, um banho de calma invadiu aquele cenário estéril e sedento.

Para o Infante tratar, menos irado, chegara a altura de Mosca Torta, Nesga Negra e Torra Ossos:

- Quanto a vocês, remetam-se à vossa insignificância!

E logo se esvaíram - mais pareciam uma trilogia da asneira, recambiados para a balbúrdia do Século XIX, de onde nunca deviam ter saído.

Diversão, adversidade. Jamais haveria noção por quais prodígios o Infante Portugal se imiscuíra inflexível e arrebatara triunfal.

Adversão, diversidade. E quanto à bruxuleante reunião de inversos siameses… Quais seriam os reais intentos do Malsão? E o Benquisto, porque se teria oposto?

Talvez nunca se soubesse. Além de que, por essa ofensiva fenda onírica, visionária, havia fatalmente de irromper o ímpeto glorioso do Infante Portugal… Aliás, na prática, o caso estava arrumado - outros rumos o esperavam, mais civilizados, sob a premência formal de Rui Ruivo.

 Continua



IMAGINÁRiO183

16 JUN 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

EXPRESSÕES



Em 1993, a banda desenhada por autores portugueses foi revolucionada, com As Aventuras de Filipe Seems, Detective Particular - em virtual revelação do talento imaginético de António Jorge Gonçalves, sobre ficções de Nuno Artur Silva. Em 1997, Rui Zink - escritor versátil e incontornável, pela crítica e sarcasmo com que desafia a opinião pública - expor-se-ia um prestigiado argumentista de quadradinhos, em A Arte Suprema na ilustração de António Jorge Gonçalves. Tendo alterado os parâmetros da novela gráfica, eis que Zink & Gonçalves voltam a reunir-se sob chancela das Edições Asa, para sagrar Rei - um perturbador e lacerante exercício exploratório, cujas simbologia e iconografia extremas resultam de pesquisa criativa efectuada no Japão em 2005, como bolseiros da Fundação Oriente. Relatos, sinopses, retalhos, sinapses… Cruzando duas histórias - um filho à procura do pai, uma mãe à procura do filho - propõe-se uma «revisitação do mito de Frankenstein, mas a uma nova luz». Um manancial embrionário e culminante, instantâneo e decisivo. Ao contrastante envolvimento cromático - a preto, branco, cinza, rosa - corresponde uma espectral urdidura, redentora e melómana IMAG.4-19-23-41-169.

CALENDÁRiO

13JAN2008 - Devido à greve dos argumentistas em Hollywood, é cancelada a cerimónia dos Globos de Ouro, pelo que a entrega do Prémio Cecil B. DeMille a Steven Spielberg deverá concretizar-se durante a gala de 2009 IMAG.171.

12MAR2008 - Nos EUA, Marvel Comics edita Avengers Fairy Tales com argumento de C.B. Cebulski e ilustração do português João Lemos; cruzamento de lendários fantásticos (sob inspiração de J.M. Barrie) com super-heróis, sendo Peter Pan o Captain América, Wasp a Sininho, Scarlet Witch a Wendy, e Thor, Iron Man, Hawkeye e Black Panther os Lost Boys da Terra do Nunca IMAG.18-20-101-135-170-174.

19JAN2008 - A Torre do Tombo anuncia a digitalização na íntegra de dezoito mil processos da Inquisição de Lisboa, relativos ao período entre 1536 e 1821, destinados à consulta online. Entre outros consta o documento de António José da Silva (1705-1739) o Judeu, sujeito a tortura e prisão, sendo queimado em auto-de-fé IMAG.29-34-49-51-139-147-162.

24JAN2008 - Atalanta Filmes estreia Daqui P’rà Frente de Catarina Ruivo; com Adelaide Sousa e António Pedro Figueiredo.

MEMÓRiA

09JAN1908-2986 - Simone de Beauvoir: «As que militaram com ela sempre a descreveram com simplicidade e seriedade em sua militância feminista. Ela caracteriza uma geração de esquerda que procura um modelo de renovação da sociedade» (Huguette Bouchardeau) IMAG.78.

07JUN1848-1903 - Paul Gauguin: «Sendo a vida como ela é, apenas consigo sonhar em vingança» IMAG.48.

18JUN1818-1893 - Charles-François Gounod: «Ascética e severa, há a música tranquila, horizontal como a linha do oceano, monótona em virtude da sua serenidade, tudo menos sensual, e ao mesmo tempo tão intensa na pulsão contemplativa que, por vezes, logra atingir o êxtase».

1872-18JUN1928 - Roald Amundsen: Explorador norueguês - «O sucesso aguarda aquele que tem tudo organizado - é o que se costuma designar de sorte. A derrota é certa para quem não tomou as devidas precauções - é o que se costuma designar de azar».

ANTIQUÁRiO

JUN1938 - Superman aparece - por Jerry Siegel (argumento) & Joe Shuster (ilustração) - nas páginas do Action Comics, tendo logrado tal sucesso que, em 1940, era já titular do Superman Quartely Magazine, com tiragem de um milhão e quinhentos mil exemplares. Único sobrevivente do planeta Krypton - que, na década de 1990, morreu e ressuscitou - o Homem-de-Aço podia, então, dar saltos de duzentos metros, levantar enormes pesos, ultrapassar um comboio rápido. Porém, apesar da sua força excepcional e de outros prodígios, o Super-Homem ainda não era invulnerávelL IMAG.109.

JUL2007 - Na San Diego Comic-Con 2007, é exposta uma colecção de documentos públicos e particulares, datados das décadas de 1930-1940, que pertenciam aos criadores de Superman, e referentes à disputa judicial de Jerry Siegel (1914-1996) e Joe Shuster (1914-1992) contra a National Allied Publications (actual DC Comics), que contestava a propriedade do copyright. Em processo de autoria e de receitas, Siegel & Shuster lograram, em 1948, um acordo de renúncia a Superboy por cem mil dólares, considerando-se que os direitos inerentes a Superman foram adquiridos pelo editor com a publicação da primeira história.

VISTORiA

Andróclidas – Terás de ouvir, Pelópidas. Falo-te, em nome do governo e do povo de Tebas. A nossa gratidão não tem limites. Puseste a tua fortuna à inteira disposição das nossas necessidades, tens auxiliado todos os homens virtuosos e socorrido de um modo magnânimo todos os indigentes da cidade.

Pelópidas – Faço o que me ordena o coração. Tenho horror à miséria. E depois, repara Andróclidas, para que quero eu tanta riqueza? Sou senhor dela e não seu escravo. Sei que não é assim que pensam todos os ricos. Mas penso eu. Penso e sinto. Não ando à toa. Nem o meu altruísmo franco é obra para me salientar. Não me sobejam sentimentos para a vaidade, seja ela directa ou postiça.

Luiz Beira
Pelópidas (1974 - excerto)

NOTICIÁRiO

Homem Sem Braços - Chegou a Lisboa o prodigioso Homem Sem Braços, Mr. Unthan, admirável fenómeno, que come, fuma, escreve, toca rebeca, piano e cornetim, atira ao alvo com uma carabina e guia uma carruagem, servindo-se unicamente dos pés.

A companhia dos Reais Ilusionistas debuta amanhã, no Colyseu dos Recreios, e há grande interesse para ver os trabalhos do cavaleiro Cesare Watry e de Madame Delia, os quais dizem ser de completa novidade.

23JUN1897 - Diário de Notícias

BREVIÁRiO

Edições Asa lança a quinta edição de A Arte Suprema de Rui Zink (argumento) & António Jorge Gonçalves (ilustração).

¨Grupo de Intervenção e Criatividade Artística de Viseu/GICAV edita Teatro 6 de Luiz Beira; inclui Pelópidas seguido de Estranha Melodia e de A Velha, a Cabaça e o Lobo IMAG.128.

Caderno edita Sartre e Beauvoir - A História de Uma Vida em Comum de Hazel Rowley IMAG.39-78.

¯Fuga Libera edita em CD, Notturni Per I Defunti de Nicola Antonio Porpora (1686-1768), por Monica Piccinini (soprano), Romina Basso (contralto) e La Stagione Armonica (coro); agrupamento Dolce & Tempesta, sob direcção de Stefano Demicheli.

PARLATÓRiO

A publicação do livro A Arte Suprema foi o culminar de dois anos de actividade com o Rui Zink. Penso que beneficiámos do facto de ambos termos tido boas experiências de trabalho de equipa com outros criadores, o que possibilitou o encontro e a partilha de ideias sem limites, visando uma verdadeira co-autoria da obra (que foi laboratório de experiências, caldeirão de poção mágica)...

Nenhum de nós esteve preocupado, durante o processo evolutivo, em vincar a sua zona de autoria - mas sim em construir a história, aproveitando todas as boas ideias e energias que circularam à nossa volta. Deste cruzamento de sensibilidades nasceu uma obra mestiça, que funde literatura com banda desenhada. Habitámos um vasto espaço de liberdade criativa, com permanente juízo crítico sobre a pertinência das opções escolhidas.

António Jorge Gonçalves  




OBSERVATÓRiO

Quando, no início de 1945, comecei a ler o manuscrito de Violette Leduc - A Minha Mãe Nunca Me Deu a Mão - fiquei imediatamente arrebatada: um temperamento, um estilo. Camus logo acolheu L'Asphyxie na sua colecção Espoir. Genet, Jouhandeau, Sartre saudaram o nascimento de uma escritora. O seu talento confirmou-se nos livros que se seguiram. Críticos exigentes reconheceram-no abertamente. O público não reagiu. Malgrado um considerável sucesso de crítica, Violette Leduc permaneceu desconhecida.
Dizem que não existe autor mais desconhecido. Qualquer um ou quase consegue editar. Pudera, a mediocridade pulula. A boa semente é abafada pelo joio. O êxito depende, na maior parte do tempo, de um golpe de sorte. Entretanto, a própria má sorte tem as suas razões. Violette Leduc não quer agradar. Não agrada e até assusta. Os títulos de seus livros - L' Asphyxie, L'Affamée, Ravages - não são divertidos. Ao folheá-los, entrevemos um mundo pleno de ruído e raiva, onde o amor muitas vezes traz o nome de ódio, onde a paixão de viver se expande em gritos de desespero. Um mundo devastado pela solidão e que de longe parece árido. Não o é, porém. «Sou um deserto que monologa», escreveu-me um dia Violette Leduc. Nos desertos encontrei belezas incontáveis. Quem quer que nos fale do fundo da sua solidão fala de nós. O homem mais mundano ou o mais militante têm os seus recônditos onde ninguém se aventura, nem mesmo eles, mas que lá estão: a noite da infância, os fracassos, as renúncias, a brusca emoção de uma nuvem no céu. Surpreender uma paisagem, um ser, tal como existem na nossa ausência: sonho impossível que todos nós acariciamos. Se lemos A Bastarda, o sonho realiza-se, ou quase. Uma mulher desce ao mais secreto de si mesma e revela-se com uma sinceridade intrépida, como se não houvesse ninguém para escutá-la.

Simone de Beauvoir
(A Bastarda - Violette Leduc
1964 - Prefácio, excerto)

EXTRAORDINÁRiO

O INFANTE PORTUGAL
Primeira Jornada

Capítulo Nove
TANDEM OU O TRIO TERMINAL - 70

 Numa espécie de inconsciente colectivo, saiu em impaciente alarde coral a Mosca Torta, Nesga Negra e Torra Ossos:

– Ai, se continuarmos nesta trapalhada, nenhum de nós é que chega a velho...

Loucura? Lucidez? Imprecação? Precaução?

Em colossal impasse… Os proscritos sob os prepotentes. A estagnação da conivência ante a usura da vaidade. Provinham da imprecisão climatérica por que se distinguiam servidores e traidores da pátria. Assim vacilava um espesso espaço, da vaga colorida entre sangue e carne, à zona cinzenta apenas poeiras e resíduos.

Foi então que, fulgindo em magnífica turbulência, o Infante Portugal se intrometeu, furibundo e espantoso:

– Mas, o que é que se passa aqui –  no meu país, na minha cidade?!

Continua



   

IMAGINÁRiO182

08 JUN 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

INSTANTÂNEOS



«A fotografia é a arte de mostrar o amor e a morte. O mistério da fotografia é o de tocar à distância o que mexe, ir além da pele, com a certeza de que não se voltará outra vez, de que são irrepetíveis o gesto e o olhar, como se se tratasse de um golpe único de denúncia ou de amor... O Alexandre morreu cedo.» Assim, em Saudação de Alfredo Saramago à Reportagem Nos Açores - com edição sob chancela Assírio & Alvim - de Alexandre Delgado O’Neill (1959-1993). Retratada entre Agosto e Setembro de 1983, esta galeria perturbadora e fascinante, a preto e branco, regista e desvenda a pesca/caça à baleia, proibida a partir de 1984. Filho de Noémia Delgado e Alexandre O’Neill, tendo cursado o Art Institute of Boston (EUA, 1987-1990), Alexandre Delgado O’Neill desenvolveu carreira profissional em cinema e publicidade, interveio em exposições individuais e colectivas, deixou inédita uma vasta vivência literária. A Reportagem Nos Açores é enriquecida com um envolvente diário de bordo: «Sou do tipo de pessoas que acordam com aquela perturbação eterna, a paz, essa só vem depois.»

CALENDÁRiO

25JAN2008 - Em estreia absoluta, a ópera Das Märchen (2002-2007) de Emmanuel Nunes é transmitida em directo para catorze teatros de todo o país, incluindo as ilhas, por iniciativa inédita envolvendo o Teatro Nacional de São Carlos, a Radiotelevisão Portuguesa/RTP e a PT Multimédia IMAG.175.

02-31JAN2008 - Hemeroteca de Lisboa apresenta a mostra bibliográfica e documental D. João da Câmara, Vida e Obra (1852-1908), a par com um ciclo de conferências sobre o jornalista, poeta, ficcionista, dramaturgo, e o desenvolvimento dos caminhos-de-ferro oitocentistas IMAG.133-161.

MEMÓRiA

13JUN1888-1935 - Fernando Pessoa: «Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, / Não há nada mais simples. / Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte. / Entre uma e outra todos os dias são meus» IMAG.26-28-64-82-157.

13JUN1908-1992 - Maria Helena Vieira da Silva: «Às vezes, pelo caminho da arte, experimento súbitas, mas fugazes iluminações e então sinto por momentos uma confiança total, que está além da razão. Algumas pessoas entendidas que estudaram essas questões dizem-me que a mística explica tudo. Então, é preciso dizer que não sou suficientemente mística. E continuo a acreditar que só a morte me dará a explicação que não consigo encontrar» IMAG.14-39-134-168.

1957-13JUN1998 - Reg Smythe: «Por convicção, sou socialista. Como profissional, nunca censuraram nenhum dos meus desenhos, nem nenhum dos cartoons que enviei para os jornais foi devolvido».

VISTORiA


O Mostrengo

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
 E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!» 

Fernando Pessoa - Mar Portuguez (Mensagem - 1934)

(Pode ouvir este poema nas "Palavras d'Ouro" da Truca. AQUI.)

TRAJECTÓRiA

VIEIRA DA SILVA



Maria Helena Vieira da Silva nasceu em Lisboa, a 13 de Junho de 1908. Cedo motivada em música e literatura, não tardou a revelar-se para o desenho e a pintura. Atraída pela escultura, em 1924 estudou Anatomia na Escola de Belas Artes de Lisboa. Em Paris aos vinte anos, frequentou as academias La Grande Chaumière e Scandinave, foi aluna de Fernand Léger e trabalhou com Dufresne e Waroquier. Em 1930, casou com o pintor húngaro Arpad Szenes. Em 1931, expôs nos Salons d’Automne e Surindépendants. Em 1932, tornou-se discípula de Bissière, na Académie Ransom. Até finais dos anos ’30, desenvolveu a perspectiva e a repetição, distinguindo-se L’Atelier (1940 - óleo sobre tela). Com a II Guerra Mundial, e após passagem por Lisboa, radicou-se com Arpad no Brasil, expondo no Museu Nacional de Belas-Artes (1942) e concluindo La Partie d’Échecs (1943). Em 1947, regressou a Paris, assinando Bibliothèque (1949). Distinguindo-se no Abstraccionismo Lírico da Escola de Paris, apresentou Bataille des Rouges et des Bleus (1953). Em 1956, naturalizou-se francesa, com Arpad. Galardoada com o Prémio Internacional de Pintura na Bienal de São Paulo (1961), executou L’Enterprise Impossible (1961-1967). Alvo de uma Retrospectiva integral na Fundação Calouste Gulbenkian, após a Revolução dos Cravos o Presidente da República impôs-lhe a Grã Cruz de Sant’Iago e Espada. Falecido Arpad em 1985, no ano seguinte concluiu Soleils. Em 1988, o Governo atribuiu-lhe a Ordem da Liberdade. Criada a Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva em 1990, em 1991 recebeu o grau de Oficial da Légion d’Honneur pela República Francesa. Faleceu em Paris, a 6 de Março de 1992.

BREVIÁRiO

Editorial Caminho lança Jornalistas - Do Ofício à Profissão de Fernando Correia e Carla Baptista.

Membran Music edita em CD, Klang der Welt - Portugal; obras de António Victorino d’Almeida, Joly Braga Santos, Jorge Peixinho, Filipe de Sousa e Vianna da Motta por solistas da Deutsche Opera Berlin e o Eosander Quartett.

Dom Quixote edita Alexandre O’Neill [1924-1986] - Uma Biografia Literária de Maria Antónia Oliveira IMAG.16-18-53-83-149.

Teorema edita Hot Kid de Elmore Leonard; tradução de Rita Graña.

Âmbar edita Os Subterrâneos do Vaticano (1912) de André Gide; tradução de Carlos Correia Monteiro de Oliveira.

Dom Quixote edita Todo-o-Mundo de Philip Roth; tradução de Francisco Agarez.



Folio Edições lança Zé do Boné/Andy Capp - operário britânico,  boémio e praguejador, desempregado incondicional, grande apreciador de cerveja e coleccionador de brigas por causa do futebol, casado com a sofredora Flo e perseguido pelos credores. Concebido e ilustrado por Reg Smythe, publicado em The Daily Mirror e The Sunday Mirror a partir de 1957, e há décadas divulgado em Portugal, nas páginas de O Primeiro de Janeiro.

ANTIQUÁRiO

1868 - Em Inglaterra, durante o processo judicial Rainha Versus Hicklin, é esclarecido o objecto de incriminação sobre material puramente sexual, pela primeira vez institucionalmente proibido, mas não definido, com o Acto das Publicações Obscenas em 1857. Tal dependeria da tendência para «depravar e corromper aqueles cujas mentes estão abertas a influências imorais», e bastaria verificar passagens isoladas de uma obra, na prática indagando se um pai de família leria o texto em questão, sem qualquer constrangimento e em voz alta, à sua mulher e aos seus filhos.

14JUN1976 - Biblioteca Nacional exibe Máscaras de Noémia Delgado; documentário sobre festas em terras de feição arcaizante do Nordeste transmontano IMAG.95.

NOTICIÁRiO

Publicações Pornográficas

Foi recebido no Governo Civil um ofício do senhor Cardeal Patriarca, reclamando contra o abuso de publicações pornográficas em Lisboa.

14ABR1897 - Diário de Notícias

Edições Pornográficas

A Polícia Judiciária remeteu para juízo vinte e um livros, que foram apreendidos em diferentes casas da Baixa, sendo os vendedores autuados.

17ABR1897 - Diário de Notícias

Livros Pornográficos

A Polícia Judiciária, por ordem do digno juiz de instrução criminal, voltou ontem a apreender livros pornográficos que estavam expostos numa tipografia da Rua de Santo Antão, e em diversos kioskes e capelistas da cidade. Eleva-se a oitocentos, o número de exemplares apreendidos, e que a polícia vai remeter para o tribunal.

25ABR1897 - Diário de Notícias

Um Jornal Pornográfico

Dizem de Maceio, Brasil, que no dia 9 do corrente, quando estava sendo impresso o jornal pornográfico Orbe, penetraram na tipografia dois indivíduos que espancaram o proprietário da mesma casa e assassinaram o funcionário Dyonisio Militão.

22AGO1897 - Diário de Notícias

EXTRAORDINÁRiO

O INFANTE PORTUGAL
Primeira Jornada

Capítulo Nove
TANDEM OU O TRIO TERMINAL - 69

 Contudo, quem de artimanhas tais se desprendia no quimérico trapézio entre máximo e vácuo, era também propício à sua própria e ténue incontinência.

Assim, assaz ufano a consolidar, em tensão, aquele esparso predomínio, foi Malsão desafiado por um fenómeno translúcido e tonitruante -  abrupta sarrafaçadura de folga e amolecimento, fendendo a brecha infinitesimal em que sempre descamba a pacatez alfacinha.

E, do Nada cósmico, assenhoreou-se Vasco Górdio - repressor dos ofensivos, opressor dos deprimidos. Sem qualquer almejo filantrópico, simplesmente o Benquisto! Um intempestivo vigilante fino, cálido, mais virado para as ideologias e as mentalidades.

Sem o temer, rejeitou-o o Malsão:

- Isto não é contigo… Tu és um nascituro. Vai-te daqui, Benquisto!

Logo, Vasco Górdio o contrariou, afirmando-se como paladim dotado, diplomado, peremptório, ao esgrimir com o tremendo dom da palavra:

- E tu, Malsão, não existes, tu és um não nascido!

Ferindo a lassidão em que estavam circunscritos, os três tratantes fora de prazo, e pois secundários nos conformes, já só pensavam em safar-se, sem saber bem como e para onde.

 Continua  



 

IMAGINÁRiO181

01 JUN 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

FASCINAÇÃO



Segundo uma motivação clássica, os limites tecnológicos para recriar imaginários outros - como o fantástico, a utopia, o surreal - levaram Hollywood a acentuar uma feição realista no respectivo contexto visual, sob primícias contemporâneas ou intemporais. Sagrando um universo infantil de refúgio e exaltação, O Segredo de Terabítia - com edição em DVD, sob chancela Lusomundo - transfigura o romanesco prodigioso de Katherine Peterson, sobre as aventuras de dois jovens companheiros duma escola norte-americana, próxima da floresta. Almas gémeas e propícias, Jess Aarons e Leslie Burke superam a marginalização e as decepções, a competitividade e a inadaptação, ao partilharem um mundo maravilhoso e encantatório, apenas deles, habitado por seres extraordinários... A realização de Gabor Csupo é segura e emotiva, exaltante e resgatadora, com recurso aos efeitos especiais da Weta Digital. Nóveis protagonistas, Josh Hutcherson e Anna Sophia Robb assumem a magia do cinema, em que os virtuais heróis cintilam entre a cumplicidade própria e os aliciantes do espectáculo.

CALENDÁRiO

1904-19DEZ2007 - Willy Sommerfeld: Pianista alemão do cinema mudo, acompanhou a projecção de fitas com Greta Garbo, Emil Jannings ou de Charles Chaplin, tocando sem partitura nem visionamento prévio. Redescoberto nos anos ’70, manteve-se em actividade até ao fim, galardoado em 2006 com a Câmara de Ouro do Festival de Berlim.

JAN-31AGO2008 - Ellipse Foundation Art Centre, em Alcoitão, expõe Come, Come, Come Into My World, sendo comissário Andrew Renton.

10JAN2008 - Lusomundo estreia Cristóvão Colombo - O Enigma de Manoel de Oliveira; com Ricardo Trêpa e Leonor Baldaque IMAG.2-11-23-41-42-68-72-74-83-134-158-164-170-175-178.

MEMÓRiA

1919-04JUN1978 - Jorge de Sena: «Conheço o sal que resta em minha mãos / como nas praias o perfume fica / quando a maré desceu e se retrai.» IMAG.60.

06JUN1848-1921 - António Gomes Leal: «Eu sou um visionário, um sábio apedrejado, / passo a vida a fazer e a desfazer quimeras,  / enquanto o mar produz o monstro azulejado / e Deus, em cima, faz as verdes primaveras» IMAG.13.

1864-06JUN1948 - Louis Lumière, inventor do Cinématographe: «Já se recolheu e se reproduziu a palavra; recolhe-se agora, e reproduz-se, a vida» (Le Radical, 30DEZ1895) IMAG.64.

TRAJECTÓRiA

LOUIS LUMIÈRE



Louis Jean Lumière nasceu em Besançon, a 5 de Outubro de 1864, filho de Antoine Lumière, um fotógrafo e fabricante de chapas fotográficas. Aos quinze anos, frequentando o Liceu La Martirière, concebeu nova fórmula para a indústria paterna, que por 1883 assumiu em larga escala com o irmão Auguste Marie, então com vinte e um anos. Em 1893, fundaram a Socièté Anonyme des Plaques et Papiers Photographiques A. Lumière et Ses Fils. Considerando do Kinetoscope de Thomas Alva Edison Edison, que apenas permitia um espectador de cada vez, e a partir de um mecanismo imaginado por Louis, os Lumière registaram a patente do Cinématographe em Lyon, a 13 de Fevereiro de 1895. Etiènne Moisson incumbiu-se de construir um protótipo, decorrendo a revelação privada, de cariz científico, até Novembro. A apresentação pública teve lugar do Salon Indien do Grand Café, em Paris, a 28 de Dezembro de 1895, incluindo La Sortie de l’Usine Lumière à Lyon, e gerando um fenómeno popular após a primeira semana. Em Janeiro de 1896, os Lumière incumbiram Jules Carpentier do fabrico de vinte e cinco aparelhos, em exclusivo, também susceptíveis de utilizar em filmagens. Ao mesmo tempo, eram adestrados operadores para correrem mundo na tomada de vistas animadas, que figurassem nos Catálogos Lumière. Em 1897, teve início a produção de reconstituições de época, como La Vie et la Passion de Jésus-Christ e Mort de Marat, dirigidas por Georges Hatot. Entretanto divulgado internacionalmente, o Cinématographe Lumière enfrentou a concorrência de Léon Gaumont, passando a ser vendido aos interessados. Em 1902, os Lumière cederam os seus brevets a Émile e Charles Pathé, cessando actividade em 1905 na área do cinema. Em 1928, Auguste Lumière, distinto biólogo, renunciou à co-autoria original do Cinématographe, atribuindo-a justamente Louis Lumière, que continuou a interessar-se por desafios como a cor e o relevo no cinema. Tendo-se retirado para a Villa Lumen, em Bandol, aí faleceu a 6 de Junho de 1948.

VISTORiA

A Senhora de Brabante
A Alberto Osório de Castro

Tem um leque de plumas gloriosas,
na sua mão macia e cintilante,
de anéis de pedras finas preciosas
a Senhora Duquesa de Brabante.

N’uma cadeira d’espaldar dourado,
escuta os galanteios dos barões.
- É noite: e, sob o azul morno e calado,
concebem os jasmins e os corações.

Recorda o senhor Bispo acções passadas.
Falam damas de jóias e cetins.
Tratam barões de festas e caçadas
à moda goda: - aos toques dos clarins.

Mas a Duquesa é triste. - Oculta mágoa

vela seu rosto de um solene véu.
- Ao luar, sobre os tanques chora a água...
- Cantando, os rouxinóis lembram o céu...

Dizem as lendas que Satã vestido
de uma armadura feita de um brilhante,
ousou falar do seu amor florido
à Senhora Duquesa de Brabante.

Dizem que o ouviram ao luar nas águas,
mais louro do que o sol, marmóreo e lindo,
tirar de uma viola estranhas mágoas,
pelas noites que os cravos vêm abrindo...

Dizem mais que na seda das varetas
do seu ducal de mil matizes...
Satã cantara as suas tranças pretas,
- e os seus olhos mais fundos que as raízes!

Mas a Duquesa é triste. - Oculta mágoa
vela seu rosto de um solene véu.
- Ao luar, sobre os tanques chora a água...
- Cantando, os rouxinóis lembram o céu...

O que é certo é que a pálida Senhora,
a transcendente Dama de Brabante,
tem um filho horroroso... e de quem cora
o pai, no escuro, passeando errante.

É um filho horroroso e jamais visto!
- Raquítico, enfezado, excepcional,
todo disforme, excêntrico, malquisto,
- pelos de fera, e uivos de animal!

Parece irmão dos cerdos ou dos ursos,
aborto e horror da brava Natureza...
- Em vão tentam barões, com mil discursos,
desenrugar a fronte da Duquesa.

Sempre a Duquesa é triste. - Oculta mágoa
vela seu rosto de um solene véu.
- Ao luar, sobre os tanques chora a água...

- Cantando, os rouxinóis lembram o céu...

Ora o monstro morreu. - Pelas arcadas
do palácio retinem festas, hinos.
Riem nobres, vilões, pelas estradas.
O próprio pai se ri, ouvindo os sinos...

Riem-se os monges pelo claustro antigo.
Riem vilões trigueiros das charruas.
Riem se os padres, junto ao seu jazigo.
Riem se nobres e peões nas ruas.

Riem aias, barões, erguendo os braços.
Riem, nos pátios, os truões também.
Passeia o duque, rindo, nos terraços.
- Só chora o monstro, em alto choro, a mãe!..

Só, sobre o esquife do disforme morto,
chora, sem trégua, a mísera mulher.
Chama os nomes mais ternos ao aborto...
- Mesmo assim feio, a triste mãe o quer!

Só ela chora pelo morto!.. A mágoa
lhe arranca gritos que a ninguém mais deu!
- Ao luar, sobre os tanques chora a água...
- Cantando, os rouxinóis lembram o céu...

Gomes Leal

 Genesis

De mim não falo mais: não quero nada.
De Deus não falo: não tem outro abrigo.
Não falarei também do mundo antigo,
pois nasce e morre em cada madrugada.

Nem de existir, que é a vida atraiçoada,
para sentir o tempo andar comigo;
nem de viver, que é liberdade errada,
e foge todo o Amor quando o persigo.

Por mais justiça... – Ai quantos que eram novos
em vão a esperaram porque nunca a viram!
E a eternidade... Ó transfusão dos povos!

Não há verdade: o mundo não a esconde.
Tudo se vê: só se não sabe aonde.
Mortais ou imortais, todos mentiram.

Jorge de Sena

NOTICIÁRiO

Cinematographo Lumière - Avenida da Liberdade - Exposição dos Raios X - Visão através dos corpos opacos das 4 às 10 da noite - Animatographo de Edison, com gestos e falas - Avenida, 87.
20ABR1897 - Diário de Notícias

Gomes Leal - O grande poeta e audaz panfletário vai publicar um novo trabalho, em que fará a análise da difícil situação do nosso país. É um panfleto em verso, que tem por título Estrangeiro Vampiro, em forma de carta dirigida a El-Rei o Senhor D. Carlos.
23JUL1897 - Diário de Notícias

ANTIQUÁRiO

27JUL1897 - Em livrarias de Lisboa, Porto e Coimbra, Libanio & Cunha - da Rua do Norte - edita Estrangeiro Vampiro de Gomes Leal, «com a máscula energia do seu entusiasmo e o apaixonado calor que o inspira» (Diário de Notícias).

BREVIÁRiO

Esquilo edita O Mistério Colombo Revelado de Manuel da Silva Rosa e Eric J. Steele; prefácio de José Rodrigues dos Santos IMAG.83-160.




IMAGINÁRiO180

24 MAI 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

MENSAGENS



«Sabe que é uma velha mania minha vê-lo protestar pelo exílio voluntário. Isso é muito bom, mas não se pode cá respirar. Não hostilizava a pátria, fugia dela. Lembro-me sempre do dito do velho Hugo, quando lhe ofereceram a amnistia e o regresso: A Liberdade foi expulsa de França, só voltarei lá quando a Liberdade voltar. Era o meu sonho: fazer de Victor Hugo, ao menos nisso; mas eu não tinha fôlego, e Você tem-no. Voltei e muito justamente meteram-me na cadeia. Para serem lógicos, deveriam ter-me mandado para o Tarrafal. Bem o mereci…» Assim escrevia Jaime Brasil (1896-1946) - despedindo-se «camarada e amigo, velho e devotadíssimo» - ao autor de Terra Fria (1934), em 29 de Maio de 1948. Uma das 100 Cartas a Ferreira de Castro - com selecção, transcrição, comentários e notas de Ricardo António Alves, director do Museu Ferreira de Castro em Sintra - cuja Câmara Municipal patrocinou uma segunda edição, refundida, com o Instituto Português de Museus. Uma obra imprescindível, em testemunhos e referências, sobre Portugal, os intelectuais e as mentalidades no Século XX.

INVENTÁRiO

FERREIRA DE CASTRO
E O CINEMA



Um dos maiores escritores portugueses do Século XX, José Maria Ferreira de Castro (1898-1974) regressou ao cinema setenta anos depois e, passados três decénios, a sua Amazónia voltou a ser transposta para a tela. Aparentemente misteriosas, estas palavras são, afinal, descodificadas pela evocação da própria história - uma matéria primordial que a memória referencia, nos contrastes entre o passado e o presente. Vamos, pois, por partes - precisamente, tomando como ponto de partida A Selva (2002), o filme que Leonel Vieira realizou, potenciando o cinema português para novas expectativas do espectáculo, pelo signo artístico e narrativo da expressão visual. Na realidade, Ferreira de Castro emigrou para o Brasil em 1911, aos treze anos, tendo publicado A Selva - com implicações autobiográficas - em 1930. Em 1919, Ferreira de Castro fixou-se em Lisboa, tornando-se mais tarde redactor de O Século. A fim de promover o concurso Estátuas de Portugal, organizado por este jornal, Ferreira de Castro realizou, em 1931, uma fita com o mesmo título - de que foi também argumentista, e estreada no cinema Condes. Entre os actores, contam-se Ester Montez, Eugénio Santos e as Girls do Teatro Maria Vitória. Uma outra conotação pessoal, sobre a cinefilia do escritor, resulta do facto de ter integrado - com António Ferro, J. Castello Lopes e Leitão de Barros - o Conselho para a fundação da Tobis Portuguesa, que surgiu duma subscrição de acções «entre cidadãos humildes e anónimos», visando a construção dum Estúdio (delineado por Cottinelli Telmo, realizador de A Canção de Lisboa - 1933) na Quinta das Conchas.

Por meados dos anos ’60, conheci Ferreira de Castro nas Caldas das Taipas, onde ele costumava descansar. Há pouco, escrevera eu o meu primeiro texto sobre um filme, o Domingo à Tarde (1965) de António de Macedo (que transpôs o romance de Fernando Namora). A propósito, falámos de cinema, de literatura, e foi-me possível aperceber o secreto anseio de que a sua própria obra fosse levada ao ecrã. Curiosamente, Ferreira de Castro converter-se-ia num dos nossos autores mais cinematizados. Desde logo, com A Selva - o livro que melhor contribuiu para a internacionalização do seu prestígio. Tal sucederia em 1972 - mas, um ano antes, Faria de Almeida focara a Vida e Obra de Ferreira de Castro, testemunhando o cidadão português e o escritor universal, em prol da liberdade e dignidade humanas. Entretanto, aos trinta e três anos, Rui Gomes - o protagonista de Os Verdes Anos (1963) de Paulo Rocha, falecido em 2001 - interpretou Alberto na primeira versão de A Selva, por Márcio de Souza. Uma produção brasileira, com rodagem na Amazónia - Fazenda Brasil, Lago dos Reis, Rio Negro e Rio Tarumã. Em Portugal, não chegou a ter estreia comercial, embora fosse apresentada no Palácio Foz, em 1973. Em 1991, Quirino Simões concluiu Eternidade (1991), numa co-produção luso-brasileira que actualizou o romanesco de Ferreira de Castro. A rodagem decorreu na Ilha da Madeira, em 1989. Um ano depois, António Campos dirigiu a nordestina Terra Fria (1991), com Joaquim de Almeida no papel de Leonardo. Uma co-produção com Espanha e França, feita em Padroso, Padornelos, Montalegre, Larouco e Salto. Sem dúvida, a melhor homenagem prestada às velhas ambições de Ferreira de Castro, coube a Leonel Vieira.

BREVIÁRiO

Dwitza distribui em CD, sob chancela Todos Lilith Ltd, Tropicália (1967), Caetano Veloso (1968), A Little More Blue (1971) e Araçá Azul (1972) de Caetano Veloso.

Prefácio edita O Século de Silvestre da Silva - Estudos Sobre Garrett, A.P. Lopes de Mendonça, Camilo Castelo Branco e Júlio Dinis de Sérgio Nazar David; prefácio de Vanda Anastácio.

TRAJECTÓRiA

FLEMING,
IAN FLEMING



Ian Lancaster Fleming nasceu em Mayfair, Londres, a 28 de Maio de 1908, no seio de uma família influente; o avô era um próspero banqueiro escocês. Aos 9 anos perdeu o pai - Valentine, membro do Parlamento - na guerra; Ian reservou o mesmo a James Bond, mas aos onze. Foi educado em Eton, onde se distinguiu como atleta; na Academia Militar de Sandhurst; em Kitzbuhel (Áustria) e nas Universidades de Genebra e Munique; estudou assim o francês e o inglês para ingressar nos Serviços Diplomáticos, mas não foi aceite por falta de vagas (1927). Aos 21 anos, decidiu coleccionar primeiras edições de obras publicadas desde o século XIX; comprou a revista The Book Collector, e dedicou-se ao jornalismo literário. Escreveu reportagens para a agência Reuter (1929) - dirigida por um amigo da mãe, Sir Roderick Jones. Por 1933-39, trabalhou na Bolsa como corretor, e no sector de câmbios na Banca. Em 1939, ao serviço da Times, fez a cobertura dum processo de espionagem em Moscovo; aí foi correspondente, e em Berlim. Durante a II Guerra Mundial, pertenceu aos Serviços de Informação da Royal Navy (espionagem naval) - como adjunto pessoal do chefe, Sir John Godfrey - aí exercendo com êxito uma actividade «secreta e importante», seguramente em Espanha e nos Estados Unidos; em Washington, redigiu um memorando de normas para os serviços secretos americanos, OSS (futura CIA), em 1941. Por essa altura, esteve também em Portugal - onde assistiu, no Casino do Estoril, a uma partida de bacará entre espiões, que inspirou o primeiro livro, Casino Royale (1952). Em 1942, foi promovido a Comandante e, durante uma conferência em 1944, ficou fascinado pela Jamaica. Aí, adquiriu em 1946 uma vivenda à beira-mar - a que chamou Goldeneye, e onde passou a residir durante o Inverno; em regime livre, dedicava-se à escrita e ao jornalismo. Enquanto Lady Rothermere, sua apaixonada há vários anos, se divorciava, Fleming dava consistência à personalidade de James Bond, em Goldeneye, por 1951. Quase ao mesmo tempo, casava e concluía a primeira versão de Casino Royale. Chefe da secção Internacional do London Sunday Times (1945-59), Fleming há muito ambicionava criar «a mais fantástica aventura de espionagem» - que corresponderia a uma fase crítica no equilíbrio entre as superpotências, designada por guerra fria.

Fleming baseou-se no precursor Paul Dukes, mestre do disfarce; ou em Richard Sorge, o maior dos espiões; ou em Dusko Popov, agente duplo de origem jugoslava, de codinome Triciclo; ou em Fitzroy MacLean, diplomata e militar escocês; ou no explorador Alexander Glen; ou no inglês Michael Mason, agente em Bucareste; ou no escocês Wilfred Dunderdale; ou recriou um modelo sobre todos eles, ditado pela experiência própria. As características físicas copiou-as do compositor americano Hoagy Carmichael. Também o nome do herói não foi inventado: Fleming recolheu-o dum conceituado ornitólogo americano, director da Academia das Ciências Naturais de Filedélfia, autor de British Birds of West Indies. A princípio, Fleming pretendia libertar-se «dos fantasmas e das frustrações». A mulher, Anne Geraldina Charteris,  amante da pintura, advertiu-o de que sentia «horror a tudo o que fosse mais violento do que Agatha Christie». Se Fleming desenvolveu James Bond para «quebrar a monotonia conjugal», acabou por ser totalmente absorvido pela personagem. Um dia, comentou: «Escrevo para heterossexuais de sangue quente, que leiam em comboios, aviões ou na cama». Em 1953-66, foram publicados catorze volumes dedicados à saga de James Bond - treze romances e uma compilação de contos. No entanto, Fleming assinou outro tipo de obras - como o manual The Diamond Smugglers (1957), State of Excitment (1960), as crónicas Thrilling Cities (1963), e deixou inédito O Tratado do Kweit. Era amigo e confidente de Graham Greene, Ernest Hemingway, Somerset Maugham e em especial Evelyn Waugh. Sobre 007 no cinema, chegou a ver Agente Secreto 007 (1962) e 007 Ordem Para Matar (1963); estimava Sean Connery, embora tivesse uma outra visão do seu herói. Como direitos de autor, receberia dos filmes uma soma fixa, que não lhe permitiu desfrutar das receitas cada vez maiores, embora fosse o suficiente para «uma vida requintada». Apreciava os humanistas de Setecentos, mulheres bonitas, cigarros, rum, gin, uísque simples, carros rápidos e os melhores hotéis do mundo. Além de golfe - Fleming faleceu mesmo, em 12 de Agosto de 1964 na Cantuária, vítima de ataque cardíaco, cinco meses após um resfriado por partida jogada à chuva. Meses antes, em Julho, morrera a mãe, Evelyn. Mais tarde, a viúva de Fleming confessou: «Li todos esses livros de James Bond, em geral ainda manuscritos, mas confundo-os uns com os outros». A partir de 1980, Fleming teve como herdeiros literários John Gardner e Kingsley Amis. Em Março de 1998, foi leiloado em Londres o Passaporte Nº 777, usado pelo então tenente Ian Fleming em 1941, numa operação Goldeneye.

CALENDÁRiO




1925-05JAN2008 - Luiz Pacheco: «Estendo o pé e toco com o calcanhar numa bochecha de  carne macia e morna; viro-me para o lado esquerdo, de costas para a luz do candeeiro; e bafeja-me um hálito calmo e suave; faço um gesto ao acaso no escuro e a mão, involuntária tenaz de dedos, pulso, sangue latejante, descai-me sobre um seio morno nu ou numa cabecita de bebé, com um tufo de penugem preta no cocuruto da careca, a moleirinha latejante; respiramos na  boca uns dos outros, trocamos pernas e braços, bafos e suor uns com os outros, uns pelos outros, tão conchegados, tão embrulhados e enleados num mesmo calor como se as nossas veias e artérias transportassem o mesmo sangue girando, palpitassem, compassadamente, silenciosamente, duma igual vivificante seiva» (Comunidade - 1964, excerto) IMAG.68.

JAN-31JUL2008 - Museu do Relógio, em Serpa, expõe Relógios dos Nossos Antepassados: 1750 a 1950; cerca de seiscentos aparelhos de bolso e de pulso.

MEMÓRiA

24MAI1898-1974 - Ferreira de Castro, cidadão português e escritor universal: «A Terra é verde e o céu é azul; é tudo verde e azul com raras pintas brancas do casario, que mais do que moradias de homens parecem janelas da própria paisagem» IMAG.26-37-47-83-115-128-156.

28MAI1908-1964 - Ian Fleming: «Deveríamos viver duas vezes. Uma quando nascemos, e outra ao olharmos a morte de frente» IMAG.63-120-146-167.

1694-30MAI1778 - François-Marie Arouet de Voltaire: «Aqueles que conseguem fazer-te acreditar em absurdos, podem também levar-te a cometer atrocidades» IMAG.28.

 Continua