José de Matos-Cruz


IMAGINÁRiO209

01 JAN 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

ESGARES



A banda desenhada de expressão franco-belga, para leitores adultos e no culto do submundo - como emanação limítrofe que se define, invariavelmente, entre a vida e a morte... Neste terceiro milénio de alvorada e crepúsculo, a tribo criminal agita-se em lealdades, traições, rivalidades, vinganças e ambições. Um lendário e enigmático líder, Medusa contrata quatro desesperados para assaltarem um cofre-forte supostamente inviolável, segundo a lógica das bonecas russas. Por isso, conhecido como A Matrioska - com que, sob chancela das Edições Asa, Philippe Saimbert (argumentista) & Andrea Mutti (ilustrador) iniciaram pelo fim a saga de Break Point (2003) - cujo orgasmo de violência inexorável pairaria num suspenso esgar de sangue e agonia. Até que, em O Cavalo de Tróia, o único sobrevivente presumível, William desvenda os pormenores de um plano audacioso e ardiloso, relacionando a volúvel cominação para além do tenso nexo de expectativas manipuladas e conivências precárias. Eis, então, o rosto humano contrastado como transparência de identidade e normalidade, assombrado entre os desígnios e os disfarces de um monstro abominável. IMAG.107

CALENDÁRiO

1917-24JUL2008 - Fernando Garcia: Crítico, ensaísta, realizador de cinema, foi apresentador do programa 7ª Arte na Radiotelevisão Portuguesa/RTP, director e professor do Instituto de Arte e Design/IADE. IMAG.86-131-166-178

1920-25JUL2008 - Fernanda Baptista: Actriz e cantora, intérprete do Fado da Carta - «Fiz muita revista e opereta e tive longas temporadas no Brasil e Estados Unidos, para além ter actuado em várias casas de espectáculo europeias. Procurei sempre dignificar o nome de Portugal».

1926-28JUL2008 - Youssef Chahine: «Era um dos mais importantes cineastas do Mundo, e não somente do mundo árabe» (Nour el-Chérif).

1918-03AGO2008 - Alexander Soljenitsine: Prémio Nobel da Literatura em 1970 - «A ditadura comunista merece uma oposição absoluta. No entanto, pedi repetidas vezes às potências ocidentais que não identificassem o comunismo soviético com a Rússia e a história russa. Infelizmente, muitas potências ocidentais não marcaram essa diferença e a política dos dirigentes ocidentais, mesmo depois da queda da ditadura soviética, não se mostrou muito menos dura em relação à Rússia. Isso é uma grande decepção. Mas, nos anos ’90, aconteceram coisas ainda mais graves. Ao mesmo tempo que o país tentava restabelecer-se em todos os aspectos (morais, económicos), triunfaram rapidamente forças obscuras, bandidos sem fé nem lei, que enriqueceram pela pilhagem nunca contrariada dos bens nacionais, e implantaram na sociedade o cinismo e a corrupção moral. Foi uma catástrofe para a Rússia». IMAG.147

1942-10AGO2008 - Isaac Hayes: Cantor e compositor de música soul e funk, como Soul Man, distinguido em 1971 com o Oscar à Melhor Canção Original e com o Grammy pelo tema do filme Shaft.

MEMÓRiA

04JAN1809-1852 - Louis Braille: Inventor do sistema de leitura para cegos, criado em 1821 e publicado em 1829 - «Se os meus olhos não me deixam obter informações sobre homens e eventos, sobre ideias e doutrinas, terei de encontrar uma outra forma». O Dia do (Método) Braille é assinalado em 04JAN.

04JAN1919-2005 - Eduardo Teixeira Coelho: O mais prestigiado dos artistas portugueses de quadradinhos, distinguido com o Prémio Yellow Kid para o Melhor Ilustrador Estrangeiro, no Festival de Lucca (Itália, 1973), atribui - ao grafismo harmonioso e inimitável, ao estilo dinâmico e gracioso - o sortilégio, a nostalgia e a modernidade que distinguem os criadores primordiais. IMAG.28-43

ANUÁRiO


23-79 - Caius Plinius Secundus, aliás Plínio o Velho: «É mesmo verdade que a maior parte dos males que ocorrem ao homem são provocados por ele próprio».

1861-1929 - João Freire Correia: Fotógrafo e proprietário do Salão Ideal, onde apresentou em 1907 - por ele dirigidos para a firma Cardoso & Correia, que detinha com Manuel Cardoso Pereira - A Batalha das Flores no Campo Grande e Bombeiros Municipais de Lisboa. IMAG.145

1939 - A saga de Zorro, concebida por Johnston McCulley (1883-1958), e inspirada em The Scarlet Pimpernel, expande-se em quadradinhos com ilustração de Tori, vinte anos após a apresentação original em 1919, na revista All Story, com a novela The Curse of Capistrano. IMAG. 71-87-204

INVENTÁRiO

FREIRE CORREIA
PRIMEIRAS FICÇÕES

Em 1908, João Freire Correia - responsável pela fotografia de O Rapto de Uma Actriz (1907) de Lino Ferreira - ensaiou em Portugal, após visita aos estúdios parisienses da Gaumont, a primeira experiência de sincronismo com o processo Cronophone. Assim, a actriz de revista Júlia Mendes deslocou-se ao rink de patinagem O Paraíso de Lisboa para interpretar a cançoneta picante Grisette, com Freire Correia nas filmagens, assistido por Maximino Abranches e os técnicos da Gaumont a ocupar-se do registo de som. Uma experiência que cá, como noutros países, não produziria efeitos imediatos, havendo que esperar mais duas décadas para assistir por fim a um filme sonoro.

Já em 1909, Freire Correia optou por um tipo de espectáculo autónomo, que vira lá fora, através da sua empresa Cardoso & Correia, constituída com Manuel Cardoso Pereira. Incumbiu, pois, o autor teatral Barbosa Júnior de criar uma história baseada nas façanhas de um famoso delinquente, que aterrorizou Lisboa em 1836-39, tomando por base o folheto-de-cordel de uma série, pelos finais do século, sobre Grandes Criminosos. A direcção de Os Crimes de Diogo Alves pertenceu a Lino Ferreira. Porém, divergências entre os artistas, agravadas pela partida da companhia do Teatro Príncipe Real, de que faziam parte quase todos os actores, para uma tournée no Brasil, ocasionou a interrupção definitiva das filmagens. IMAG.108-145

BREVIÁRiO

Dom Quixote edita Escritos Sobre Uma Vida Ética de Peter Singer; tradução de Pedro Galvão, Maria Teresa Castanheira e Diogo Fernandes.

Ocarina edita em CD, Sulitânia pela Ronda dos Quatro Caminhos.

Assírio & Alvim edita As Cantinas e Outros Poemas do Álcool e do Mar de Malcolm Lowry [1909-1957]; selecção e tradução de José Agostinho Baptista. IMAG.187

Barclay edita em CD, sob chancela Universal, In Paris - The Complete 1955-1956 Barclay Sessions de Chet Baker (1929-1988).

Casa das Letras edita Camilo [Castelo Branco - 1825-1890] - Génio e Figura [1994] de Agustina Bessa-Luís. IMAG.11-27-31-33-41-83-87-92-111-113-145-146-161-171-179-180-185

Glossa edita em CD, Veneza, Vivaldi e as Sonatas Op. 1 de Antonio Vivaldi [1678-1741], pelo violinista Enrico Gatti e pelo Ensemble Aurora; com livro alusivo, por Adriano Olivieri, Stefano Russomanno, Alessandro Borin e Michael Talbot.

Edições + (&) ´ lança O Leitor de «The Guardian» - poemas de Neil Curry, traduções de Francisco José Craveiro de Carvalho. IMAG.16-117-130-177-190

¯Harmonia Mundi edita em CD, na Matthias Goerne Schubert Edition - 1, Franz Schubert [1797-1828] - Sehnsucht pelo barítono Matthias Goerne; ao piano, Elisabeth Leonskaja. IMAG.116-125-203

GALERiA

ZORRO
EM QUADRADINHOS



Cartagena, século XIX. Aventureiro, Don Diego de la Vega embarca rumo à liberdade, idealizada nas Colónias. Com ele, um amigo reencontrado após muitos anos. Porém, durante a viagem, Miguel é assassinado e um dos matadores revela a Diego uma conspiração para liquidar Miguel. Tendo prometido ao companheiro que não o vingaria, Diego substitui-o como governador de Nueva Aragón, onde não era conhecido. Assim, à chegada, surpreende os instigadores - logo Huerta, chefe da polícia. Diego faz-se passar por imbecil e inofensivo, para acalmar os adversários e investigar porque eliminaram Miguel. No mercado, sob disfarce, Diego escuta a lenda de Zorro - um fantasma negro, que virá para resgatar os oprimidos dos latifundiários, que os exploram num regime de terror. Graças à passagem secreta, descoberta no palácio, Diego - com máscara e capa escuras - encoraja o povo a revoltar-se, atacando os soldados de Huerta...

A saga de Zorro, concebida por Johnston McCulley (1883-1958), expandiu-se em quadradinhos por 1939, com ilustração de Tori, vinte anos após a apresentação original, na revista All Story. Em Itália, seguiu-se Giuseppe Perego e, ainda em 1940, Gal - aliás, Georges Langlais. Em 1945, surgiu a visão de E. Gire (ou Eugène Giroud), a quem sucedeu Bob Dan (Robert Dansler). Entretanto, foi lançada em França a revista Zorro - cujas proezas, por André Oulié, apareceram no nosso Cavaleiro Andante (1952). Outras perspectivas têm assinatura de Jean Pape, Maxime Roubinet e Hans G. Kresse; a mais coerente coube a Jean-Marie Nadaud - com histórias do italiano Carlo Marcello - em 1985. Em Portugal, destaca-se a popular revista Zorro (1962-66). Nos Estados Unidos, as principais difusoras foram: Dell Publishing (1959-61), Gold Key (1966-68) e Marvel Group (1990-91), privilegiando-se a arte de Alexander Toth e Warren Tufts.

Em 1993, Topps Comics realiciaram Zorro - por Don McGregor & Mike Mayhew, sendo as capas de Frank Miller & Brian Steelfreeze - com elã épico para adultos. O mesmo McGregor concebeu, para a Topps, Dracula Versus Zorro, com desenhos por Tom Yeats & Rick Magiar. Esta virtual fusão entre cultos míticos foi reeditada por Image Comics - que concentra outras iniciativas em quadradinhos, sob chancela Zorro Productions. Logo o clássico de Alex Toth, Zorro - com introdução de Howard Chakyn e conclusão por Michael Golden. O vínculo Zorro/Image ressalta ainda, com McGregor, em The Mask of Zorro - a adaptação oficial do filme (1998) por Martin Campbell, cabendo o grafismo a Ron Wagner e as capas alternativas a Michael Golden. Mas a ressurreição de Zorro motivou também a Kitchen Sink Press, ao lançamento de Zorro: The Curse of Capristano de McCulley, com ilustração por Peter Poplaski.

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

O ÚLTIMO ENCANTO
DE CALCITAS DO ALPALHÃO - 1

 17 de Novembro de 1960

Às vezes, Lucas tinha vontade de odiar o pai, que o colocava em situações de inquietação e quase transe, sempre com um sorriso nos lábios. Enquanto jovem precoce, pensava: «Será que ele faz isto por sadismo, ou para experimentar se eu tenho medo?» Mesmo assim, Lucas nunca deixava de cumprir uma ordem - e, longe de se achar valente, cada vez confiava mais na sua normalidade.

 Continua  



   

IMAGINÁRiO208

· 24 DEZ 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

REPOSIÇÕES



Durante os anos de transição entre os Séculos XIX e XX, com o nascimento do cinema nos rituais de transfiguração, e a maturidade do teatro sob o signo do espectáculo, um insólito fenómeno de apropriação apócrifa sucedeu, quando os actores primordiais de palco passaram a recorrer ao registo em película dos seus grandes momentos de representação, quanto a trechos dos clássicos ou das peças de maior prestígio. Ainda não estava em causa a expansão na tela da expressão artística pela aura da dramaturgia, entre as luzes e as trevas, mas uma sugestiva estratégia promocional - que, para notáveis e populares intérpretes, significava mesmo perpetuar o testemunho de um talento essencial graças às imagens animadas. Entre os nossos imortais assim consagrados, Eduardo Brazão gravou, no Brasil, Kean - A Cena da Taberna (1910), que estrearia em Lisboa no Chiado Terrasse e no Salão Trindade... Aliás, Brazão foi um dos avatares privilegiados pelo instantâneo flagrante da foto fixa, tal como patenteia Rostos e Poses No Teatro Português - um valioso e sóbrio volume editado pelo Museu Nacional do Teatro, com autoria gráfica de Judite Cília e texto introdutório do seu Director,  José Carlos Alvarez, onde aborda «a irrepetível presença próxima de algo sempre muito distante».

CALENDÁRiO

16ABR-31DEZ2008 - Em Lisboa, está patente Burnay, o Palácio da Junqueira - exposição de fotografias de início do Século XX até à década de ‘30, que desvenda os ambientes exteriores e interiores da residência da Família Burnay (1882-1924). O Palácio Junqueira foi adquirido em 1882 pelo banqueiro Henri Burnay (1º Conde de Burnay), que o restaurou e ampliou, adornando as suas salas com obras de arte, porcelanas e mobiliário. Artistas portugueses e estrangeiros trabalharam no Palácio: Malhoa pintou o tecto da sala de jantar, Rodrigues Pita criou os estuques da sala de baile, Ordoñes pintou o tecto do teatro, os italianos Carlo Grossi, pintor, e Paolo Sozzi, escultor, trabalharam na decoração dos interiores.

13JUL-02NOV2008 - Museu de Arte Contemporânea - Serralves (Porto) apresenta Manoel de Oliveira - Todos os Filmes em Exposição!, sendo comissários João Fernandes e João Bénard da Costa; inclui uma mostra do universo cinegráfico, e apresentação de objectos ou documentos alusivos - como guiões, desenhos preparatórios, adereços, cenários, fotografias, cartazes. IMAG. 2-11-23-41-42-68-72-74-83-134-158-164-170-175-178-190-206

20MAI-20SET2008 - Biblioteca Nacional expõe Tesouros Brasileiros - A América Portuguesa Nas Colecções da Biblioteca Nacional de Portugal e da Biblioteca da Ajuda.

24JUL2008 - Columbia & Warner estreia O Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan; Christian Bale regressa como Batman - concebido por Bob Kane (1939) em quadradinhos - sendo Heath Ledger a trágica abominação de Joker. IMAG.2-8-10-32-39-45-51-62-71-72-201

MEMÓRiA

1838-29MAR1909 - Henri Burnay: Banqueiro, fundador da Henry Burnay & Cº, 1º Conde de Burnay (1886) - «O meu nome fi-lo e a minha prosperidade criei-a, honro-me em afirmá-lo com o auxílio de Deus, que nunca me desamparou, e com a constância do trabalho, que tão pouco eu desamparei um só dia, desde a idade dos dezassete anos, em que encetei a carreira comercial, simples caixeiro num escritório» (Discurso no Parlamento).

28DEZ1888-1931 - F.W. Murnau: «De todas as grandes figuras do cinema germânico, Murnau foi a mais alemã. Era um homem da Vestefália, de aspecto tímido, severo consigo mesmo, grave com os demais e exigente com o seu trabalho. Áspero por fora, mas infantil e bondoso no seu íntimo» (Emil Jannings).

19JUL1948-1974 - Nick Drake: «Era uma pessoa muito calada. Dificilmente descobríamos o que se passava na sua mente. Fazia música com uma verdadeira sensualidade - muito diferente da música folk inglesa» (John Cale).

COMENTÁRiO

Henri Burnay


Estrangeiro, banqueiro, onzeneiro, folião. Tem Portugal inteiro na mão.
Raphael Bordallo Pinheiro
Álbum das Glórias (1882)

Compra, vende, troca, empresta. Põe, dispõe, impõe, repõe, fia, fura e faz.
Ramalho Ortigão (João Ribaixo)

INVENTÁRiO

NOSFERATU
RESSURREIÇÕES DO VAMPIRO



Em 1922, Friedrich-Wilhelm Murnau realizava Nosferatu, o Vampiro «nos próprios locais» - tal como se publicitou à época - em que decorre a acção fantástica. Ou seja Bremen e a sua região, com alguns flagrantes porventura fotografados na Transilvânia. Não há certezas, além dos escassos meios de produção disponíveis, e o próprio mistério consagrado pelo filme contribuiu para referências ambíguas, ilusórias. Logo, no conflito de identidade especulado sobre Murnau e o protagonista, Max Schreck, recriado por E. Elias Merhige em A Sombra do Vampiro (2000), sob um capricho fascinante entre John Malkovich e Willem Dafoe. O resto é história...

Deixando a noiva prometida, Ellen (Greta Schroeder-Matray), Huter (Gustav Von Wangenheim) parte de Bremen com destino à Transilvânia, para firmar um negócio de propriedades com Graf Orlok (Schreck), aliás Nosferatu. Apressam-no os agoiros de um estranho servo, Renfield (Alexander Granach), que os aldeões próximos do castelo reforçam, solenemente. O último troço da viagem é feito numa espectral carruagem, e Huter inquieta-se mais quando os portões se abrem por si. Recebe-o um cadavérico anfitrião, excitado quando o jovem, inadvertidamente, se corta num dedo e o sangue atrai.

Acordando na manhã seguinte em estado de lassidão, Huter repara em dois pequenos orifícios no seu pescoço, que parecem marcas de dentes. Afinal, sente-se aliviado quando Orlok - após ver um retrato miniatural de Ellen - conclui, rapidamente, a compra de uma casa em Bremen, no lado oposto à própria residência de Huter. O qual, graças a um livro que refere «o sinal do vampiro», começa a intuir a verdade, embora nessa noite seja, de novo, vítima de Nosferatu. Então, o sono de Ellen é sobressaltado, por pesadelos e assombrações malignas. Enquanto Rendfield, totalmente insano, aguarda a chegada do mestre, num asilo de loucos...

O mais famoso clássico germânico do terror-sobrenatural, Nosferatu, o Vampiro foi escrito Henrik Galeen, a partir do Drácula de Bram Stoker: transfigurando uma metáfora do Século XIX ocidental, inspirada em lendas do folclore romeno com quatrocentos anos. Ainda um marco de culto, que suscitou múltiplas sequelas e distintas versões - entre as quais sobressai Nosferatu, o Fantasma da Noite (1979) por Werner Herzog, sendo protagonista Klaus Kinski - esta obra-prima concilia, avassaladores, o imaginário romântico à fatalidade trágica, sob um estilizado expressionismo gótico. Em 1984, celebrando o sexagésimo aniversário de Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens, a versão restaurada por Enno Patalas foi exibida no Festival de Berlim.

Entretanto, outros horrores se propagaram, pois. Condenado a uma existência imortal nos seus domínios da Transilvânia, repetindo dia a dia, durante séculos, as mesmas banais experiências, o Conde Drácula (Kinski) - orelhudo, calvo, anémico, de enormes dentes incisivos, unhas que parecem garras, enfim a repulsiva e hipnótica figura do vampiro Nosferatu - decide emigrar para a Europa Ocidental, atraído pelo belo pescoço de Lucy (Isabelle Adjani), a mulher do seu vendedor imobiliário, Harker (Bruno Ganz). Com ele viajam os sinais da morte negra, a peste que alastrará na cidade de destino, provocada por um exército de ratos. Mas o Senhor das Trevas será, por fim, vítima da sua condição, ao surpreendê-lo a madrugada nos braços da sacrificada amante, enquanto o galo canta...

Nosferatu, o Fantasma da Noite apela a duas fontes de inspiração: Nosferatu, o Vampiro de Murnau; e o romanesco original de Stoker, em que aquele se baseava. A referência literária é, pois, inevitável: O Livro dos Vampiros, os relatos do capitão do navio, em ambos os filmes; as cartas de Huter ou o diário de Harker, respectivamente para Murnau e Herzog. Este concebeu o argumento de Nosferatu, Phantom der Nacht. No entanto, facilmente apercebemos que o autor de Aguirre, o Aventureiro (1972) realiza, antes de mais, uma homenagem ao cineasta de Fausto (1926). Para além da coincidência entre as duas figuras de vampiros - Orlok e Drácula, ou Nosferatu na menção comum - existe uma identidade de percursos e, mesmo, o intuito de explorar tecnicamente a narrativa fantástica.

Por exemplo, Murnau recorreu à projecção em negativo, para significar a entrada no território dos não-mortos; estilizou as transparências ou o fotograma acelerado, para simbolizar as acções do monstro. Refiram-se ainda a tensão de enquadramentos, a vantagem que extrai das limitações do mudo - uma dinâmica conjugação dos intertítulos no desenvolvimento do entrecho; ou o recurso a cenários naturais, mas impressionantes. Partindo de uma similar noção romântica, sobre o amor que transfigura o efémero, Herzog recriou uma atmosfera quase estática, com raros movimentos de câmara e uma montagem sem sobressaltos; impôs uma interpretação afectada, em especial quanto à heroina; elaborou uma notável exploração da luz, da música sacra, das cores difusas, da arquitectura em ruínas.

O epílogo entre os dois Nosferatu é distinto: para Murnau, Orlok desintegra-se com o amanhecer, e a ventura restabelece-se após as adversidades do casal e as calamidades públicas; para Herzog, Drácula morre mas o seu corpo permanece; Lucy falece, e Harker cavalga por uma planície sobrenatural, como um novo maldito... Segundo a lenda, Schreck (que significa arrepio), nunca existiu; o próprio Murnau terá interpretado Nosferatu, disfarçado por uma maquilhagem espessa. Herzog definiu Kinski, o seu actor favorito a quem chegou a ameaçar de morte, como «o génio do mal representado»; Kinski considerava Herzog, o seu cineasta obsessivo, «um megalómano a quem tudo tem de subordinar-se, e que quer sugar a própria alma dos protagonistas».

BREVIÁRiO

Warner edita em CD, Gustav Mahler [1860-1911]: Das Lied von der Erde por Brigitte Fassbaender e Thomas Moser, com o pianista Cyprien Katsaris.

Vega edita [Donatien Alphonse François de Sade, 1740-1814 - aliás, Marquês de] Sade, Meu Próximo (1947) antecedido de O Filósofo Celerado de Pierre Klossowski (1905-2001); tradução de Ana Hatherly. IMAG.150

EXTRAORDINÁRiO

OS ALTERNATIVOS
Folhetim Aperiódico

UM PASSEIO PASSADO
NA MAIS CIOSA MACIOTA - 5

 Casou. Exerceu os seus deveres de cônjuge e direitos extra-matrimoniais. Até que, em família, sentia-se já recuperado.

Chegou, um dia, a desabafar:

- Todo o meu drama, passei-o parcimoniosamente…

E o mistério divagava sobre o momento primordial. Era uma idade em que os jovens viviam, entre a motivação e a esperança. Mas, nesse mesmo tempo, havia já outros veteranos, entre a desolação e o desespero.

Continua    



 

IMAGINÁRiO207

16 DEZ 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

PULSAÇÕES



Capaz de suscitar o culto mais fascinado ou o frémito mais perturbador, o imaginário de Steve Niles é no entanto, e sempre, tocado por virtual radicalidade. Até um fanático pode abominar o seu outro extremo, tal como qualquer leitor indiferente se sentirá intrigado pelas opostas obsessões. Do horror oculto ao delírio cósmico, da violência íntima ao mistério insondável - tudo Niles tocou, pareceria que a alma humana. Talvez por isso existam Freaks - No Coração da América, a provocação por excelência - com grafismo estilizado por Greg Ruth, sob chancela das Edições Devir - ferindo as cumplicidades de infância, as emoções da maturidade, os tumultos crepusculares. Será, pois, uma jornada de iniciação ritual, errática ao próprio país profundo - do íntimo preconceito, da máxima culpa, da vitimação comunitária, dos pavores mártires, da crueldade alucinante, da impenitente expiação. Vendo bem, acabamos por aperceber como tudo é tão banal e monstruoso, tão bizarro e absoluto. Porém, uma tal apologia de redenção catártica apenas se contrasta na elegia, mórbida, de um epílogo entre as luzes e as trevas, com que Niles - exacerbado, transfigurador - acaba por constelar a existência primordial e a banda desenhada.
IMAG.7-95

CALENDÁRiO

JUL2008 - Na Casa Fernando Pessoa, o historiador José Barreto revela, na última sessão de Pessoa, Guardador de Papéis, um documento inédito de 1935, ano da morte do poeta, que esclarece o seu anticatolicismo: «Fátima é o nome de um logar da província, não sei onde ao certo, perto de um outro logar do qual tenho a mesma ignorancia geographica mas que se chama Cova de qualquer santa». IMAG. 26-28-64-82-130-131-157-182-187-196

1925-03JUL2008 - Larry Harmon: Actor cómico, intérprete de Bozo the Clown (criado por Alan W. Livingstone em 1946) - que considerava «uma estrela, um entertainer, maior que a vida. As pessoas vêem-no como Mr. Bozo, alguém a quem tocar, com quem falar e rir, e não como uma mera figura distante».

1940-04JUL2008 - Thomas Dish: Escritor de ficção especulativa, autor de Camp Concentration (1968) - «A razão pela qual a sua obra é importante, tem a ver com a combinação entre a sátira negra e a sensibilidade pós-moderna» (Dana Gioia).

12JUL-21SET2008 - No Museu da Electricidade/Central Tejo, Fundação EDP e Teatro Nacional de São Carlos apresentam Maria Callas - A Exposição de Lisboa, No Cinquentenário da Traviata de Lisboa (1958-2008) . IMAG.31-147-188

18JUL-21SET2008 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta a exposição Luís Campos > Obras 1982_2008 > Fotografia & Vídeo.

MEMÓRiA

1746-15ABR1828 - Francisco Goya: «O sono da razão produz monstros».

16DEZ1928-1982 - Philip K. Dick: «A realidade é algo que se recusa a avançar, quando nós deixamos de acreditar nela».

22DEZ1858-1924 - Giacimo Puccini: «A partir de certa altura, comecei a acreditar em telepatia, espiritualismo, necromancia, leitura de mentes e todo o tipo de arte oculta». MAG.147-188

NOTICIÁRiO

Palhaço
Suicidou-se em Londres por desgosto de família um clown do circo enchendo de água uma pipa em que fazia habilidades na arena e mergulhando de cabeça para baixo na arlequinada final.
30AGO1885 - Diário de Notícias

Tony Grice
O estimado clown naturalizou-se português. O respectivo decreto foi ontem publicado na folha oficial. Compatriota amigo, recebe as nossas felicitações!
15FEV1890 - Diário de Notícias

ANUÁRiO


8-64 - Paulo de Tarso, aliás São Paulo: «Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, porque todos sois um só em Cristo».

1903 - Em Lisboa, Ferim edita Reflexões Sobre o Sistema Económico do Exército (1799) de D. Pedro de Almeida Portugal - Maçon, Comandante da Legião Portuguesa, 3º Marquês de Alorna e 6º Conde de Assumar.

VISTORiA






O negocio da religião a retalho, no que diz respeito à Loja de Fátima, tem tomado grande incremento, com manifesto gaudio místico da parte dos hoteis, estalagens e outro comercio d’esses jeitos - o que, aliás, está plenamente de accordo com o Evangelho, embora os católicos não usem lê-lo - não vão eles lembrar-se de o seguir!
O facto e que há em Portugal um lugar que pode concorrer e vantajosamente com Lourdes. Há curas maravilhosas, a preços mais em conta.
Fernando Pessoa (1935, excerto)

NOTICIÁRiO

Homicídio no Casal dos Ossos

Um homem foi assassinado com duas facadas, às 7 horas da noite de ontem, na Travessa das Amoreiras, no sítio do Casal dos Ossos. Segundo o Regedor da freguesia da Ajuda, o caso passou-se assim: às 7 horas estava nesse sítio, onde há muitas mulheres de má conduta, um tal Joaquim Gonçalves Branquinho, carroceiro e Soldado Número 73 da 4ª Companhia de Lanceiros, conversando com a meretriz Leocádia Augusta da Conceição, próximo à casa desta, e passaram dois indivíduos, um cabo de Sapadores, e outro que se supõe ser também soldado do mesmo corpo. Nesta ocasião, perguntava a Leocádia ao Joaquim Gonçalves: «Tu pagas um decilitro?». E recebendo do 73 resposta negativa, e em termos grosseiros, então o cabo de Sapadores e o seu companheiro, tomando parte no diálogo, fizeram com que o Gonçalves perguntasse ironicamente: «Vocês são sapateiros?». De súbito, o cabo deu-lhe uma bofetada. O 73 correu sobre ele e sobre o companheiro. Travou-se luta, e o Joaquim Branquinho foi mortalmente ferido, recebendo duas facadas, uma no coração e outra no ventre. O assassino e o cúmplice fugiram, e a vítima, cambaleando, ainda deu alguns passos, e, extinguindo-se-lhe as forças vitais, caiu sobre a calçada, ferindo-se na cabeça em resultado da queda. Leocádia aproximou-se dele e amparou-o nos braços. O soldado, moribundo, banhado em sangue, balbuciou a custo: «Levei uma picada, que me chegou ao coração. Sinto-me morrer. Mas deixem-me morrer de bruços, porque não sofro tanto...». Uns soldados de Lanceiros que nessa ocasião passaram no local do crime, foram ao seu quartel levar a triste participação do desgraçado acontecimento, e imediatamente foi uma maca, acompanhada por um sargento, buscar o infeliz Gonçalves, o qual, sendo conduzido ao seu quartel, aí em breve expirou, cercado dos seus companheiros de armas. A autoridade respectiva fez prender para averiguações a meretriz Leocádia, e um pedreiro em quem recaem suspeitas. O Sr. Coronel de Lanceiros mandou logo um ofício ao comandante do destacamento da Fonte do Duque, na Serra de Monsanto, a fim de ser preso o cabo de Sapadores. Foi efectivamente presa uma praça dessa graduação, na dúvida porém de que seja o indigitado criminoso. Os Srs. Administrador de Belém e Regador da Ajuda têm envidado louváveis esforços, no intento de fornecerem ao poder judicial os possíveis esclarecimentos acerca desta tragédia, em que a odiosa navalha foi mais uma vez o instrumento que fez de um homem, talvez prestável, um covarde homicida, roubando a vida a um servidor da pátria. - S.V.
21DEZ1880 - Diário de Notícias


Ainda Crime do Casal dos Ossos

Foram remetidos ante-ontem ao poder judicial a meretriz Leocádia da Conceição e um pedreiro, Joaquim Sabino, que trabalhava nas obras da Serra de Monsanto, e que esteve em companhia de um cabo de Sapadores no Casal dos Ossos, na ocasião do assassínio. Supõe-se ser ele quem matou o infeliz Branquinho. Também está preso no Quartel de Lanceiros da Rainha um cabo de Sapadores que foi, por ofício do Sr. Salgado, enviado do Quartel de Engenharia, à Cruz dos Quatro Caminhos. As pessoas do sítio e as mulheres do Casal dos Ossos reconheceram ambos, lembrando-se de os terem visto na noite de Domingo. O cabo dos Sapadores preso nega ter praticado a morte, e diz ser o autor dela o pedreiro Joaquim Sabino. A justiça averiguará quem foi o autor do nefando crime e o seu cúmplice. O Sr. Administrador substituto do Concelho, que tem andado neste caso grave com bastante acerto, bem como o Regedor da freguesia da Ajuda, intimou as meretrizes que estão na Travessa das Amoreiras, no Casal dos Ossos, a mudarem de residência até ao fim do mês, para se evitarem as continuadas desordens que ali se dão. Determinou igualmente que não poderia residir mais de uma, no mesmo arruamento. Creio não me afastar da verdade na narração que tenho feito. No sítio a opinião mais geral é que foi o excesso do vinho ou do álcool que ocasionou essa rixa, onde figurou mais uma vez a traiçoeira navalha. - S.V.
22DEZ1880 - Diário de Notícias

BREVIÁRiO

Tribuna da História edita Memórias Políticas de [Pedro de Almeida Portugal - 3º] Marquês de Alorna [1754-1813]; apresentação de José Norton.

Dargil edita em CD, sob chancela Orfeo, [Giacomo] Puccini: «Turandot» por Birgit Nilsson, Giuseppe Di Stefano e Leontyne Price, com a Wiener Philharmoniker sob direcção de Francesco Molinari-Pradelli.

Dom Quixote edita A Expansão Quatrocentista Portuguesa de Vitorino Magalhães Godinho.

DGG edita em CD, sob chancela Universal, As Excursões do Senhor Broucek de Leos Janácek (1854-1928) por Peter Straka, Jan Vacík, Roman Janál, Maria Haan; com a BBC Symphony Orchestra sob direcção de Jirf Belohlávek.

EXTRAORDINÁRiO

OS ALTERNATIVOS
Folhetim Aperiódico

UM PASSEIO PASSADO
NA MAIS CIOSA MACIOTA - 4

 No entanto, há instantes que, pela sua intensidade ou efémera tensão, tornam o futuro de alguém um mero passeio, ocioso e minucioso.

Ora, Júlio Magriço enveredou - sem pressas - por um estilo neutral, como se o mundo fosse em si um enredo espontâneo, e não mais um firmamento caótico, volúvel, em que tudo se ligasse ou litigasse.

Sabia agora, diante do abismo há que parar para pairar.

Um apelo sepulto? Um anelo do sepulcro?

  Continua    




IMAGINÁRiO206

08 DEZ 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano V · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

CELEBRAÇÃO


Um dos mais estimulantes lançamentos de banda desenhada, a edição serial, numerada e certificada com selo branco de Astérix, sob chancela Asa, comemorando os quarenta e cinco anos de aventuras do popular gaulês, concebido por René Goscinny (texto) e Albert Uderzo (desenhos), culmina com Astérix Entre os Belgas (1979). Indispensável para novos leitores de todas as idades, irresistível para sucessivas gerações que consagraram o culto, este projecto exposto à escala internacional, envolvendo entre nós cuidadas traduções, e um outro nome para personagens características (como Abraracourcix, que passou a chamar-se Matasetix) por vontade expressa de Uderzo, celebra ainda uma notável tradição: o português assinalou, em 1960, a primeira versão em língua estrangeira, na revista Foguetão, e existem dois álbuns falados em mirandês (L’Goulés em 2005, Le Galaton/O Grande Fosso em 2007). Assim evolui o sortilégio dos clássicos em quadradinhos, que Astérix o Gaulês fundamenta em sua dimensão histórica e prestigiante, transcendendo o original nível europeu. IMAG. 2-4-21-29-37-58-69-76-94-101-136-179

CALENDÁRiO

06JUL2008 - Casa da Música (Porto) apresenta, na Sala Suggia, Aniki-Bobó Segue o Seu Caminho - espectáculo comunitário concebido por centena e meia de artistas, músicos e estudantes, e coordenado pelo violoncelista Ernst Reijseger, de homenagem ao realizador Manoel de Oliveira, revisitando o clássico Aniki-Bobó (1942) sobre o conto Meninos Milionários de Rodrigues de Freitas, e sendo intérpretes Fernanda Matos e Horácio Silva. IMAG. 2-11-23-41-42-68-72-74-83-134-158-164-170-175-178-190

MEMÓRiA

09DEZ1608-1661 - John Milton: «Ao Céu ágeis ascenderam / Do Paraíso os anjos, mudos, tristes / Pelo homem, pois sabiam já da queda».

1886-10DEZ1968 - Karl Barth: «Deus é o Deus desconhecido... A excelência de Deus sobre todos os deuses, a sua característica como Deus, como Criador e como Redentor, está no facto de que nós não podemos saber nada de Deus, no facto de que nós não somos Deus, no facto de que o Senhor deve ser temido. Por isso, é legítima a rebelião contra o Deus que é fruto de uma religião que, como a liberal, transforma Deus em ídolo. Ela, porém, não atinge Deus, mas somente a sua caricatura humana».

11DEZ1908 - No Porto (sendo registado no dia seguinte), nasce Manoel de Oliveira: «As árvores, à medida que envelhecem, dão mais frutos: quando estão para morrer, então, desfazem-se em frutos! Comigo, penso que será um pouco como este impulso, natural. Na minha cabeça há um turbilhão de ideias, de projectos. Mesmo que me proporcionem facilidades, a minha vida não será suficiente para concretizar tudo isso...»

15DEZ1918-1961 - Jeff Chandler: Ao interpretar Um Só Amor (1957), «pensei que, pelo menos uma vez, podia ficar em camisola interior, e não tinha que depilar o peito... Mas, agora, com o passar do tempo, para um homem ter sucesso no grande ecrã, tem que ficar em tronco nu».

ANTIQUÁRiO

10DEZ1948 - A Assembleia Geral Nações Unidas aprova a Declaração Universal dos Direitos Humanos - originalmente esboçada pelo canadense John Peters Humphrey e, segundo o Guinness Book of World Records, o documento traduzido no maior número de línguas (em 2004, cerca de 330). «Artigo 1° - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.»

14DEZ1918 - Pouco antes da meia-noite, o Presidente da República, Sidónio Pais é assassinado na Estação do Rossio, em Lisboa, com dois tiros de pistola por José Júlio da Costa, ao preparar-se para apanhar o comboio para o Porto. Referiu Egas Moniz, após a sua morte: «Homem cheio de virtudes e extraordinárias qualidades, que um desvairo messiânico perdeu». IMAG.62-136

VISTORiA


Num insigne e real trono, de longe
Ofuscando a riqueza de Ormuz e Índia,
Ou lá onde o bel Este com mão fértil
Sobre bárbaros reis verte ouro e pérolas,
Se sentava Satã, alçado em glória
E valor à eminência má; de afronta
Solevado ao mais alto aquém da esperança
Aspira a mais além, voraz no fito
De armas vãs contra o Céu, e certo de êxito
Mostra do seu preitês enredo excertos.
John Milton - Paraíso Perdido - Livro II (excerto)

PLENÁRiO

MANOEL DE OLIVEIRA
OU O CINEMA VIRTUAL



Um estranho efeito repercutiu o fenómeno de Manoel de Oliveira, consagrado em todo o Mundo, sobretudo a partir da última década do século passado: as suas referências pessoais e culturais converteram-se numa espécie de parâmetro confluente ao próprio cinema português. Desde finais dos anos ’20, Oliveira ousara um percurso estético, temático e artístico com a sua carreira, exemplar e excepcional. Assim sobressaem o rosto e o vulto de um homem complexo, intenso, cuja matriz de criador se delimita entre a sensibilidade e a veterania, através olhares, intuições, deixando transparecer uma sublimação ritual de ironia e serenidade.

Nascido numa família da alta burguesia industrial, Oliveira sonhou ser actor cómico. Logo interessado pelo cinema, e presente no imaginário nacional desde finais da década de ‘20 - quando se afirma a primeira geração de realizadores nossos, e as fitas passam a ser faladas - assinalaria como autor um peculiar itinerário temático, criativo, libelatório, estético e estilístico. Académico, fulgurante, pedagógico. Insólito, insinuante, ao patentear uma extraordinária capacidade com que capta tendências, impressões. Modelando-as de modo subtil, com lucidez e talento, ao seu mundo interior de expectativas, valores, inquietações.

O impedimento, a exclusão ou a indiferença oficial quase chegaram a afastar Oliveira da actividade a que dedicaria a sua vida. Até lhe ser permitido desenvolvê-la de um modo que, incomparável desde sempre em Portugal, poucos exemplos semelhantes tem noutros países: um filme dirigido em cada doze meses, sendo também argumentista; todos estreados por cá, com sucesso e prestígio em festivais lá fora. Muito se vem questionando sobre o que o faz correr, e onde vai buscar tanto dinamismo. Ele-próprio adiantou respostas, não isentas de sarcasmo e simbolismo...

Não esqueçamos que Oliveira foi um distinto atleta na sua adolescência, e que uma aprendizagem árdua lhe impôs a maturidade duma carreira de fundo. Porventura - entre os estímulos da iconografia e os signos da lenda - superando-se por não ter, apenas, uma meta específica! A partir dos anos ’70, acumularam-se os galardões e os louvores, tal como se reacenderam polémicas - sobre um percurso que remontando, pois, às origens do cinematógrafo, se perspectivaria na vanguarda dos audiovisuais.

Virtualizando um repositório actual de angústias, emoções, que é, simultaneamente, de compromisso e premonitório, Manoel de Oliveira traça, afinal, os estigmas do seu próprio imaginário - puro e tremendo, inocente ou monstruoso, poético e solene, insolente ou expiatório, em que o tributo ancestral acaba por transfigurar, além do testemunho sobre as adversidades, as marcas cintilantes quanto ao futuro. «Tudo é memória, tudo resta na memória. E a memória da vida é a arte, que existe como representação. Todos somos actores e espectadores - estamos isolados mas, ao mesmo tempo, em sociedade». Eis um artista exposto, na plenitude do génio e da perplexidade.

TRAJECTÓRiA

JEFF CHANDLER



Ao longo de quinze anos, Jeff Chandler cintilou no firmamento de Hollywood com um talento discreto, mas incisivo na caracterização de personagens, para o qual contribuía o seu tipo físico bem definido e controlado. Sem ter logrado fixar-se entre as estrelas primordiais, cotou-se - no entanto - entre os astros a cuja órbita segura correspondeu, progressivamente, uma notória reputação. Chandler foi, sobretudo, dirigido por realizadores competentes, nos vários géneros que explorou, tendo atingido a sua maior popularidade em filmes de aventuras. Nasceu Ira Grossel em Brooklyn (Nova Iorque), a 15 de Dezembro de 1918, no seio duma família de origens judias. Após uma adolescência obscura, durante a qual se terá forjado uma criatividade artística com distintas potencialidades, iniciou-se em palco sob o nome artístico de Michel Shayne. Em 1941, formou uma pequena mas dinâmica companhia teatral, em Elgin (Ilinóis). Durante a II Guerra Mundial, serviu no Exército dos Estados Unidos (1942-1945).

Em 1945, Chandler fixou-se em Hollywood, começando por trabalhar na rádio, especialmente em folhetins dramáticos. Em 1946, casou com Marjorie Hoshele, de quem se divorciou treze anos depois. Em 1947, lançou-se no cinema, assinando um contrato de dez anos com a Universal Pictures. O cabelo grosso, aos caracóis, e prematuramente platinado, a par com um excelente porte atlético, tornaram-no muito peculiar, atraindo desde logo o público feminino, embora se tenha consagrado em filmes de acção - reconstituindo as proezas bélicas, a partir das forças americanas; e em confrontações viris, recortadas pela paisagem do Oeste. Três anos depois, Chandler lograva um estatuto de protagonista - interpretando o papel de Cochise, em Broken Arrow (1950, Delmer Daves); este desempenho valeu-lhe uma nomeação ao Oscar, e voltou a representá-lo em The Battle at Apache Pass (1952, George Sherman) e Taza, Son of Cochise (1954, Douglas Sirk); mais tarde, a personagem do chefe apache, que Chandler extraiu à história, remitificando-a para a galeria de composições clássicas de Hollywood e do western, expandiu-se em série televisiva.

No princípio dos anos ’50, Chandler fundou a empresa Earlmar Productions, com o seu agente Meyer Mishkin. Em 1954, assinou um contrato com a companhia discográfica Decca-Columbia; no ano seguinte, escreveu as músicas de A Ponte do Destino (Six Bridges To Cross, 1955, Joseph Pevney). Em 1957, desenvolveu esta vertente que muito apreciava, iniciando uma carreira de cantor em Las Vegas. Em 1960, além de intérprete, foi produtor executivo de The Plunderers (J. Pevney), assim encerrando as suas proezas no Oeste. Faleceu em Culver City (Califórnia) a 17 de Junho de 1961, de um ataque cardíaco, após envenenamento sanguíneo durante uma operação cirúrgica; pouco antes, interviera em Bravos Até ao Fim (Merrill’s Marauders, 1961, Samuel Fuller), assumindo uma personagem que sofre a mesma morte.

BREVIÁRiO

Em As Folhas da Cinemateca, Cinemateca Portuguesa edita Michelangelo Antonioni (1912-2007); organização de Luís Miguel Oliveira. IMAG. 99-158

Tribuna da História edita Navios e Viagens - A Experiência Portuguesa Nos Séculos XV a XVIII de Francisco Contente Domingues.

Universal distribui, sob chancela Polydor, Shine a Light por The Rolling Stones. IMAG.54-118




IMAGINÁRiO205

01 DEZ 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

REINCIDÊNCIAS



De que modo persistem e se transferem os imaginários, pela perspectiva artística? Eis o desafio colocado pela Ao Norte - Associação de Produção e Animação Audiovisual a criadores portugueses de banda desenhada, para conceberem uma obra gráfica a partir de uma fita que lhes tenha ficado na memória afectiva. Coube a André Lemos cumprir a primeira experiência com O Percutor Harmónico (2008) - em que tomou por inspiração Aconteceu... No Oeste (1968) de Sérgio Leone, inaugurando a colecção O Filme da Minha Vida. Assim culmina um estimulante jogo de transfigurações e reincidências, ao privilegiar um clássico maior de género apócrifo, o western-spaghetti, para uma versão insólita, surpreendente, em que o estilizado processo narrativo se contrasta, em recorrência a um tenso e lacónico domínio épico. Original e alternativo, o nexo entre cinema e quadradinhos paira para além da radical cominação em ansiedade, poeira e pólvora, consuma-se no testemunho primordial da própria condição humana - qual desígnio arrebatador entre a pulsão realista e a plenitude mítica.

ANTIQUÁRiO

DEZ1638-1715 - Dom Pierre Pérignon: Monge da comunidade da abadia beneditina de Hautvilliers, perto da cidade francesa de Épernay. Conta a lenda que, um dia do ano de 1670, o frade se sobressaltou com o estalido de umas garrafas de vinho nas caves da abadia. Acorrendo ao local, Dom Perignon viu o líquido derramado e, como bom apreciador que era, provou-o. Deu-se então conta de que o vinho «fazia cócegas»: encantado com o sucedido, comunicou-o aos seus irmãos da comunidade. De facto, o acaso tinha-lhe proporcionado o conhecimento da fermentação natural do vinho, produzida pela acção do açúcar e das leveduras naturais existentes na uva. No entanto, Dom Perignon não se limitou a desfrutar do fenómeno; pelo contrário, tomou nota das circunstâncias e investigou-as, até perceber o método champagnoise de elaboração da bebida mais valiosa do mundo. Conta-se que o frade foi, também, quem determinou os dois elementos que mais ajudam a aperfeiçoar o champagne: a rolha de cortiça e a garrafa de vidro grossa. IMAG.50

04DEZ1897 - Os padres José Augusto Tavares (reitor de Maçores) e Manuel Soares da Silva (reitor de Cárquere) oferecem ao Museu Ethnologico Portuguez: o primeiro, dois monumentos proto-históricos do tipo da célebre Porca de Murça; o segundo, quinze inscrições da Época Romana.

CALENDÁRiO

18-21JUN2008 - Nas Universidades Católica e Nova de Lisboa, decorre o Congresso Internacional Fado - Percursos e Perspectivas, reunindo intérpretes, compositores, poetas, historiadores e antropólogos. IMAG.26-54-59-76-77-82-94-96-103-135-150-166-175-192-199

1913-22JUN2008 - Albert Cossery: «Eu escrevo uma frase por dia... Simplesmente, reviro-a vinte vezes, até que consigo exprimir alguma coisa».

03JUL2008 - Em Roma, o Prefeito para a Congregação da Causa dos Santos, Cardeal José Saraiva Martins, confirma a expectativa de canonização próxima do Condestável Nun’Álvares Pereira (1360-1431) - Beato Nuno de Santa Maria pelo Papa Bento XV, em 1918 - após promulgação dos decretos que reconhecem a cura milagrosa que lhe foi atribuída (cura de cegueira a uma devota, inexplicável à luz da ciência) em L’Osservatore Romano, jornal oficial da Santa Sé.

04JUL2008 - Em Londres, Paula Rego recebe o título de doutora honoris causa pelo Royal College of Art, pela sua contribuição para as artes. IMAG.11-13-31-199

COMENTÁRiO

ACONTECEU... NO OESTE



Um intenso, complexo e fascinante historial envolve este filme, que subverteu as tradições rituais e os modelos míticos do western - rasgando um imaginário prodigioso e transfigurado, uma tensa e inquietante estratégia narrativa, uma insurreccional transgressão dos valores e da caracterização das personagens. Aqui remontam as premissas e as fórmulas de uma produção apócrifa, que seria celebrada como western-spaghetti. Mas Aconteceu... No Oeste (1968) - em trama concebida por Dario Argento e Bernardo Bertolucci com o realizador Sergio Leone - reivindica, igualmente, algumas das vedetas assombradas, dos estigmas lendários, dos heróis fantomáticos, das épicas façanhas e dos dissídios trágicos que consagraram o recorte épico de um género dos mais prestigiados, sob o signo de Hollywood. Henry Fonda, Jason Robards e Charles Bronson partilham, com Claudia Cardinale, a saga de uma implacável vingança contra um pistoleiro ao serviço, com a sua quadrilha, dos caminhos-de-ferro que esventram a América, e cujo chefe, sem escrúpulos, tem como única ambição ligar em vida o Atlântico ao Pacífico... Ironicamente, um projecto revolucionário há quarenta anos, que persiste com a auréola de um clássico.

INVENTÁRiO

HÁ LODO NO CAIS



A partir de 1948, os episódios diários de extorsão, violência e corrupção fizeram as parangonas da Imprensa americana. O crime organizado - envolvendo gangsters como os Irmãos Anastasia - controlava o Sindicato dos Estivadores, explorando as companhias de navegação e os descarregadores individuais. Brigadas de assassinos profissionais impunham, com a força das armas e dos músculos, os interesses dos padrinhos. Até que a situação na maior zona portuária do Mundo foi denunciada, numa série de artigos do jornalista Malcolm Johnson, que seria distinguido com o Prémio Pulitzer pela sua coragem e determinação. O escritor Bud Schulberg foi então desafiado pelo realizador Elia Kazan, apoiado num financiamento independente, para a transposição de tais factos polémicos ao grande ecrã.

Assim também se forjou a lenda e a carisma de Marlon Bando, na composição trágica, arrebatadora ou pungente de Terry Malloy, um ex-pugilista e marginal que, de inimigo público, se converte num símbolo. Ao lutar contra a impunidade e as prepotências, influenciado no ideal de justiça pela noiva e por um padre jesuíta. A vertigem entre a vida e a morte, a audácia e a redenção, precipitar-se-á, enfim, através dos molhes e das ruelas, pois Há Lodo no Cais... Com uma produção orçada em 96.000 dólares, as filmagens decorreram em Hoboken, Nova Jersey, em apenas 26 dias. Tendo suscitado controvérsia, rendendo a crítica, arrecadou 9,5 milhões de dólares na estreia comercial. Entre doze nomeações, On the Waterfront (1954) foi galardoado com oito Oscars pela Academia de Hollywood: aos Melhores Realizador, História / Argumento, Actor (Brando), Actriz Secundária (Eva Marie Saint), Montagem, Fotografia (a preto-e-branco) e Cenografia (a p.-b.).

BREVIÁRiO

Museu Nacional do Teatro edita Rostos e Poses No Teatro Português; coordenação da edição e texto de José Carlos Alvarez, autoria gráfica de Judite Cília.

Dargil edita em CD, sob chancela Orfeo, Árias de Ópera (1953-56-59) pela soprano Teresa Stich-Randall (1927-2007); com a Grande Orquestra da Rádio de Viena, sob direcção de Kurt Richter e outros maestros.

Cinemateca Portuguesa edita As Cidades e os Filmes - Uma Biografia de Rino Lupo de Tiago Baptista. IMAG.8-31-76-78-89-171-172-178-193

Lusomundo edita em DVD, O Mistério da Estrada de Sintra (2007) de Jorge Paixão da Costa; sobre a obra original de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, interpretados por Ivo Canelas e António Pedro Cerdeira. IMAG.19-52-60-125-148-165-178

Harmonia Mundi edita em CD, W.A. Mozart [1756-1791] - Lieder & Klavierstücke por Werner Güra (tenor) e Christoph Berner (pianoforte). IMAG.36-55-68-90-102-106-118-172-187

Antígona edita Por Que Escrevo e Outros Ensaios de George Orwell; tradução de Desidério Murcho.

Asa edita Mr. Vertigo de Paul Auster; tradução de José Vieira de Lima.

Deutsche Grammophon edita em CD, [Felix] Mendelssohn [1809-1847] - Concerto Para Violino [1844], Octeto e Três Peças Líricas por Daniel Hope (violino), Sebastian Knauer (piano) e a Chamber Orchestra of Europe sob direcção de Thomas Hengelbrock. IMAG.175

¨Cavalo de Ferro edita O Jogo do Mundo - Rayuela de Julio Cortázar (1914-1984); tradução de Alberto Simões.

¯Naïve edita em CD, Arie Ritrovate de Antonio Vivaldi [1678-1741] por Sonia Prima (contralto), Stefano Montanari (violino) e Ottavio Dantone (cravo), que dirige a Accademia Bizantina.

¨Publicações Dom Quixote re-edita Nambuangongo, Meu Amor - Os Poemas da Guerra de Manuel Alegre. IMAG.66

NOTICIÁRiO

Uma Ideia da Rainha Victoria






A rainha de Inglaterra mandou ir ao Castelo de Windsor um phonographo que será certamente uma das mais curiosas recordações históricas d’este século. Este precioso aparelho é destinado a recolher da boca de Her Gracious Majesty algumas mensagens, das quais as gerações futuras poderão tomar conhecimento no British Museum, que terá o grande phonographo. IMAG.111-176
06DEZ1897 - Diário de Notícias

PARLATÓRiO







O ritmo de Aconteceu... No Oeste pretende criar a sensação dos últimos suspiros que uma pessoa dá antes de morrer. Do princípio ao fim, é uma dança de morte. No filme, todas as personagens, excepto a de Claudia (Cardinale), têm consciência do facto de que não vão chegar ao fim vivas.
Sergio Leone

EXTRAORDINÁRiO

OS ALTERNATIVOS
Folhetim Aperiódico

UM PASSEIO PASSADO
NA MAIS CIOSA MACIOTA - 3

 Ora, nada de exageros! Júlio tinha gestos largos mas, para os desafios de maior envergadura, reagia de rabo estreito... Jamais, cismava ele, jamais seria, mesmo, um miserável valdevinos!

Eis, porém, que os insaciáveis caprichos da fortuna o expuseram à sublime distinção como Homem Regenerado, pelo Estado Novo. Um mito que se modelava entre o animal rústico e a abencerragem citadina.

Era simples, a estratégia oficial: escolhida a vítima, Júlio Magriço foi lavado e perfumado, penteado, vestido com gravata, fotografado e posto em frente aos microfones da Emissora Portuguesa, para o seguinte discurso:

- Eu represento a semente d’uma geração sem progenitura, concebida e resgatada pelos ideais do nosso primeiro lavrador, Sua Excelência o Doutor Antero d’Oliveira Saraiva...

Consta que depois, sob o ridículo e a vergonha, Júlio viria a confrontar-se com o virtual autor da farsa - um hábil Secretário da Propaganda, Artur Severo. Seguiu-se nada mais que uma mera crispação anedótica, aflitiva.

Severo nem percebeu, e Magriço estaria destinado a voltar à sua obstinação anónima, frívola - a vegetar em incoerências e decepções.

Continua   



 

IMAGINÁRiO204

24 NOV 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano V · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

TESTEMUNHOS



O estímulo da banda desenhada entre a criatividade e a imaginação, a divulgação e o entretém, incentivou em Portugal uma aliciante vertente editorial - dedicada às terras e às gentes, às peripécias e às virtualidades que fundamentaram cada vivência própria e sectorial, no âmbito de uma existência colectiva e nacional. Favorecendo o talento dos autores, forjando a alternativa artística, tal tendência tem alcançado o meritório auspício de entidades e instituições locais, entre as quais sobressai a Região de Turismo da Serra da Estrela. Assim consagra a História de Fornos de Algodres - Da Memória das Pedras ao Coração dos Homens por João Amaral, em álbum sob a prestigiada chancela Âncora, com o justo patrocínio da Câmara Municipal. Argumentista e ilustrador, João Amaral consuma o seu tão peculiar estilo narrativo e (foto)gráfico, evocando mitos e tradições, sucessos e adversidades, culturas e civilizações, glórias e personalidades que, de tempos remotos aos desafios do futuro, convidam os leitores a conhecer/visitar uma realidade granítica e hospitaleira em plena essência da Beira.

CALENDÁRiO

28MAI2008-25JAN2009 - Museu Nacional dos Coches expõe D. Carlos: Um Homem do Seu Tempo. IMAG.42-55-158-161-165-168-174-181

1946-15JUN2008 - Stan Winston: Técnico em maquilhagem cénica, pioneiro em animatronics - «Não faço efeitos especiais. Concebo personagens, construo criaturas».

1922-17JUN2008 - Cyd Charisse: «Quando estávamos a dançar juntos, nem nos apercebíamos de que horas eram» (Fred Astaire).

12JAN1908-18JUN2008 - Jean Delannoy: «Um cineasta maior, que consagrou a sua vida, e com sucesso, à paixão pela arte» (Nicolas Sarkozy).

1915-18JUN2008 - Tasha Tudor: Escritora americana, ilustradora de livros infantis, de culto retro, reimaginou Mother Goose (1944) - «Tenho nostalgia por dias e por um tempo em que tudo era mais pacato e mais lento».

27JUN2008 - Na Fábrica Braço de Prata/Salão Nietzsche, decorre um Recital de Homenagem a Guilhermina Suggia (1885-1950), com o pianista Alexei Eremine e os violoncelistas Carolina Matos, Irene Lima, Miguel Fernandes, Paulo Gaio Lima e Ramon Bassal. IMAG.40-48-103-106-133-166

27JUN-31AGO2008 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I expõe üArt+Cinema=Dark Energy do pintor, cineasta e professor Ken McMullen; uma visão integrada da produção do artista nas diversas áreas em que tem intervindo nos últimos vinte anos.

27JUN-29NOV2008 - Assembleia da República expõe José Relvas - O Conspirador Contemplativo. IMAG.169-202

MEMÓRiA

1883-23NOV1958 - Johnston McCulley: Escritor norte-americano, autor de Zorro, lançado em 1919, na revista All Story Weekly, com a novela The Curse of Capistrano. IMAG.71-87

1897-28NOV1968 - Enid Blyton: Autora de Os Cinco, Os Sete, Noddy, Uma Aventura em..., O Segredo de..., As Gémeas ou O Colégio das Quatro Torres - «É como espreitar por uma janela, ou um filme na minha cabeça, ver as minhas personagens e escrever tudo no papel». IMAG.147

1917-28NOV1998 - Américo Leite Rosa: Cineasta português, após dedicar-se ao teatro radiofónico e à locução documental (1938), a partir de 1941 trabalhou como decorador, foi actor e produtor em vários filmes, tendo realizado a longa metragem Passagem de Nível (1965).

ELUCIDÁRiO

Filme existente com El Rei D. Carlos I e a Rainha D. Amélia: A Família Real (1903 - Júlio Worm). Documentário sobre D. Carlos: D. Carlos, Oceanógrafo (1996 - Jorge Marecos Duarte, Sérgio Tréfaut). Actores que interpretam El Rei D. Carlos: cinema - Jean-Louis de Talancé/Voz de Varela Silva em Aqui d’El Rei!/Lieutnant Lorena (1991 - António-Pedro Vasconcelos); séries televisivas - Pedro Wallenstein em O Dia do Regicídio (2008 - Fernando Vendrell), João Ricardo em Equador (2008 - André Cerqueira).

ANTIQUÁRiO


30NOV1982 - É lançado Thriller de Michael Jackson - o álbum mais vendido de sempre (104 milhões de cópias em todo o mundo, até à actualidade) sob chancela Epic Records, símbolo da pop music e cujo vídeo alusivo - sob direcção de John Landis - é considerado um marco na luta contra a descriminação racial.

VISTORiA


¨Era uma vez um rapaz de cerca de catorze anos, alto, desengonçado, de cabelos fulvos como estrigas. Não se pode dizer que fosse grande coisa. As suas ocupações favoritas eram comer e beber; e também gostava de pregar a sua partida.
Selma Lagerlöf (1858-1940)
- A Maravilhosa Viagem
de Nils Holgersson
Através da Suécia (excerto)

COMENTÁRiO


«Não, uma mulher não era capaz de escrever assim. O livro escreveu-se nela»
- Oscar Wilde

BREVIÁRiO

2007 - Cavalo de Ferro edita O Tesouro de Selma Lagerlöf; tradução do sueco de Liliete Martins. IMAG.203

Oficina do Livro edita Regresso à Escola - Uma Rapariga Rebelde de Enid Blyton.

Chandos edita em CD, sob chancela Harmonia Mundi, [Sergei Vassilievitch] Rachmaninov [1873-1943]: Francesca da Rimini por Gennady Bezzubenkov, Evgeny Akimov, Sergey Murzaev e Misha Didyk, com a Filarmónica e Coro da BBC sob a direcção de Gianandrea Noseda.

Bonecos Rebeldes edita Tarzan 2 - Pranchas Dominicais 1970-1972 de Russ Manning. IMAG.37-149

Quetzal edita A Chama Pura de William Blake (1757-1827) de Tracy Chevalier; tradução de Miguel Castro Henriques. IMAG.63-156

Assírio & Alvim edita Poemas de Paul Bowles [1910-1999]; selecção e tradução de José Agostinho Baptista.

Zig-Zag Territoires edita em CD, Ludwig van Beethoven [1770-1827] - Symphonies - Ouvertures pela orquestra Anima Eterna, sob direcção de Jos van Immerseel. IMAG.134-163

A Esfera dos Livros edita Vinte e Quatro Horas na Vida de Uma Mulher e Carta de Uma Desconhecida de Stefan Zweig (1881-1942). IMAG.32-48-176

ELUCIDÁRiO

O American Film Institute/AFI inventaria os melhores filmes produzidos nos Estados Unidos, durante o Século XX, classificados por géneros - do épico à comédia romântica, do musical à ficção científica, do policial ao western - entre os quais Luzes Na Cidade/City Lights (1931 - Charles Chaplin), O Feiticeiro de Oz/The Wizard of Oz (1939 - Victor Fleming), 2001 - Odisseia No Espaço/2001: A Space Odyssey (1968 - Stanley Kubrick) ou O Padrinho/The Godfather (1972 - Francis Ford Coppola). Em animação, é eleito Branca de Neve e os Sete Anões/Snow White and the Seven Dwarfs (1937 - David Hand). Em suspense e mistério, a escolha do AFI recai em A Mulher Que Viveu Duas Vezes/Vertigo (1958 - Alfred Hitchcock).

NOTICIÁRiO

The American Biograph

Santos Júnior, o activo e inteligente empresário [Real Colyseu de Lisboa], logo que teve conhecimento da extraordinária maravilha The American Biograph, tratou logo de contratar a notável novidade, e não foi fácil consegui-la, porque, existindo apenas três daquelas admiráveis máquinas, uma no Winter Garten de Berlim, outra no The Palace de Londres e outra no Casino de Paris, as exigências foram grandes, tanto em preço, como em outras condições, mas Santos Júnior tudo aceitou, só para ter a honra de apresentar ao público mais esta assombrosa novidade. Os trabalhos para a instalação do motor e do competente dínamo já começaram. Em breve, pois, teremos em Lisboa uma das mais extraordinárias maravilhas que está prendendo a atenção de todo o público estrangeiro. IMAG.87
19NOV1897 - Diário de Notícias

EXTRAORDINÁRiO

OS ALTERNATIVOS
Folhetim Aperiódico

UM PASSEIO PASSADO
NA MAIS CIOSA MACIOTA - 2

 Uma descarga emocional levou-o, finalmente, à descrença sobre as coisas da vida, autoproclamando-se um existencialista. Ninguém o percebia na sopa do convento, que então passou a frequentar - embora se considerasse ateu e não fosse, na prática, um qualquer deserdado sem eira nem beira. Antes, teoricamente, se sentia - assim - mais próximo dos pobrezinhos. Cada vez mais longe do luxo que o horrorizava ser de uma rotina pequeno-burguesa.

- Sabes, eu não aguentava a indiferença dos que nunca foram diferentes - justificava-se ao comensal da caridade que, sem o olhar ou ouvir, estivesse a seu lado, glutão na magra mesa da solidariedade social. E ficava-se por aí. Até à próxima desgraça que o enfurecesse na rapinagem dos jejuns públicos.

Outrora, Júlio tivera uma devastadora experiência sentimental com a filha de uma prima por parte da sua mãe, que o fizera esbanjar talento e talante lá para os lados de Ermezinde. Mas a costela urbana e árabe logo o fez regressar à tão necessária e cúmplice Lisboa da sua vulnerabilidade.

Aliás, não fora nada que se pudesse comparar às proezas lendárias de Ruy Magriço, um seu mal afamado ancestral. Júlio fingia não ser gabarola - mas certo entardecer, em pleno Parque Mayer, onde gostava de incitar com piropos Ulisses Galhardo, quando o extraordinário actor ia a entrar para o teatro, houve um momento em que o Magriço se exaltou.

Turvo na nostalgia das histórias marginais da capital, pelo sangue fatal que lhe corria de um dos seus heróis vadios, Júlio pôs-se a desgarrar nos bastidores as conquistas do alcunhado Trincas.

Mas uma das coristas que o ouviam, era parente de uma de tais mulheres seduzidas e desprezadas, segundo a tradição, e pregou-lhe duas bofetadas. Depois, chorosa, encostou a cabeça no ombro do póstumo vangloriador, enquanto se enroscava ao seu corpo instável. Segundo consta, as coisas nessa noite não ficaram por ali...

– Continua      




IMAGINÁRiO203

16 NOV 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

ARTIFÍCIOS



O imaginário é, cada vez mais, uma vertigem mediática - através de distintas fontes de inspiração, expectativas de culto, mitologias híbridas, lendas fragmentárias - em que os criadores e os artistas estilizam obsessões próprias, fantasmas colectivos. No intenso domínio dos símbolos, ou pelas cores do humor negro, evolui um universo fascinante, empolgador, forjado noutros territórios rituais, de apreço e sagração, e que suscita um olhar amplo, entre os vectores estético e romanesco. Dotado de um elã prodigioso, que converte cada distinta experiência em sucesso mágico, privilegiando a banda desenhada, Neil Gaiman concebeu Stardust num nexo de referências insólitas, de leituras múltiplas, que Matthew Vaughn transfigura em cinema, com ironia transgressiva e sortilégio aventuresco. Para além de uma pequena aldeia, em Inglaterra, existe um mundo fantástico, interdito, na relação de adolescentes e de adultos, e um desafio sagrado entre o bem e o mal, entre o poder ambicionado e a beleza eterna, que a conquista do amor há-de assumir e arrebatar na realidade em causa... Com edição em DVD sob chancela Lusomundo, sendo protagonistas Robert De Niro e Michelle Pfeiffer, eis O Mistério da Estrela Cadente - ou a matéria de que se fazem os sonhos, rendendo a superação humana ao fascínio virtual. IMAG.17-21-25-26-34-49-59-86-117-188

CALENDÁRiO

1917-02JUN2008 - Mel Ferrer: «Ser actor, representar, por vezes cansa-o, fica deprimido… O que ele gosta, o que o entusiasma, é dirigir e encenar. Então, sente-se descontraído, em total realização» (Audrey Hepburn).

12JUN2008 - Lusomundo estreia O Incrível Hulk de Louis Le Terrier; transposição do super-herói dos Marvel Comics, criado em 1962 por Stan Lee, com ilustração de Jack Kirby, sendo intérpretes Edward Norton e Liv Tyler. IMAG.5-28-47

ANUÁRiO

1909 - Escritora iniciada com o romance A Lenda de Gosta Berling (1891), Selma Lagerlöf é distinguida com o primeiro Prémio Nobel atribuído a uma mulher, «em apreço pelo seu idealismo, vivida imaginação e percepção espiritual».

1960 - Secretariado Nacional da Informação/SNI produz Bernardo Marques, com realização de Armando da Silva Brandão.

1983 - Radiotelevisão Portuguesa/RTP produziu, e emite Bernardo Marques, com direcção de Alfredo Tropa.

1999 - Rogério Ceitil Audiovisuais produziu, e RTP emite, Bernardo Marques - O Ar de Um Tempo de Fernando Lopes.

ANTIQUÁRiO

08MAI2006 - Um espólio composto por setecentas e cinquenta obras, que inclui desenhos, ilustrações e caricaturas, pertencente a Bernardo Marques, passa a integrar a colecção do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, legado à instituição por motivo da morte da viúva do artista, Maria Elisa Marques.

18NOV1928 - Mickey Mouse faz a sua estreia em grande ecrã como protagonista de Steamboat Willie, o primeiro cartoon sonoro sob chancela Walt Disney, convertendo-se num dos símbolos universais do Século XX.

MEMÓRiA

1797-19NOV1828 - Franz Schubert: «Nunca me esforço à devoção, excepto quando estou profundamente inspirado; e jamais componho louvores de glória a outrem, senão quando sinto em mim uma real e autêntica convicção» (Franz Liszt). IMAG.125

20NOV1858-1940 - Selma Lagerlöf: «É estranho voltar para casa... Quando estamos em viagem, nem sequer conseguimos ainda imaginar quão estranho irá ser».

21NOV1898-1962 - Bernardo Marques: «Os gestos do início, inseguros, sem peso, aqui e ali postos como armadilhas de imagens que em breve se precisam com outros, muitos, sobrepostos, cruzados, ora sustidos como uma respiração súbita, ora desencadeados com uma certeza imediata. Por eles passam a luz e a sombra e o corpo das coisas é deles feito» (Fernando de Azevedo).

1680-22NOV1718 - Edward Teach, aliás Barba Negra: «Que a minha alma seja amaldiçoada, se eu conceder misericórdia ou aceitar a rendição!»

1924-22NOV1978 - Vasco Morgado: «Ele que sonhara ser galã de cinema, depois da paixão pelo boxe, de jogar a avançado-centro nos juniores do Sporting, de negociar em volfrâmio, acabou por criar um império enquanto empresário de teatro» (Maria Augusta Silva).

TRAJECTÓRiA

BARBA NEGRA




Marinheiro inglês nascido talvez em Bristol, no ano de 1680, Edward Teach terá servido a Rainha Anne como corsário, contra a força naval francesa. Terminada Guerra da Sucessão Espanhola (1702-1713), formou um grupo de piratas e alterou o aspecto - entrelaçando a longa barba negra, passando a usar roupa escura, além de trazer à cintura cinco pistolas e duas espadas. A partir de 1716, famigerou-se na Costa Atlântica da América e da Jamaica, mantendo um pacto secreto com o Governador da Carolina do Norte, então colónia britânica. Aproximava-se dos barcos a abordar, hasteando uma bandeira com as suas cores, que logo substituía pelo estandarte da caveira com dois ossos cruzados. Para obter a confissão dos prisioneiros, sobre o ouro oculto, arrancava as orelhas à dentada. Chegando a reunir trezentos homens, forçou ao bloqueio o porto de Charleston durante uma semana, saqueando os navios de entrada ou saída. Entretanto, a sua nau Queen Anne’s Revenge encalhou na enseada de Beaufort. Em 1718, beneficiou da amnistia geral concedida por Londres, com a banição da pirataria. Casado pela décima quarta vez, voltou às proezas do mar no Adventure, até um espião inglês descobrir o seu refúgio na Ilha de Okrakoke. Alvo de emboscada, foi eliminado por Robert Maynard, com nove tiros de mosquete. Então, o tenente da Marinha britânica cortou-lhe a cabeça e ordenou que a pendurassem no mastro principal do seu navio, alardeando o termo de uma carreira lendária.

BERNARDO MARQUES



Bernardo Loureiro Marques nasceu em Silves, a 21 de Novembro de 1898 (ou 1899). Após o Liceu em Faro, estudou na Faculdade de Letras de Lisboa (1918). Em 1920, lançou-se no III Salão de Arte pelo Grupo de Humoristas Portugueses, tendo-se distinguido como artista plástico, entre a segunda geração do Modernismo. Desenhador permanente da Illustração Portugueza (após 1921), casado com Ofélia Marques, visitou Berlim em 1929. Assinou quadradinhos para O Século - Edição da Noite (1922), A Batalha (1923), Diário de Notícias (1926-1929), e Kino (1930). Ilustrou obras literárias de Eça de Queiroz, Luís Moita, Aquilino Ribeiro, Luiz Teixeira ou João Gaspar Simões.

Em cinema, concebeu os cenários de Ver e Amar! (1930) e a decoração de O Trevo de Quatro Folhas (1936), sendo consultor artístico de Rapsódia Portuguesa (1958). Nos anos ’30, esteve várias vezes em França e nos Estados Unidos. Colaborou na decoração do Pavilhão Português na Exposição Colonial Internacional de Vincennes em 1931, na Exposição Internacional de Paris em 1937, de Nova Iorque e de São Francisco em 1939. Em 1940, participou no Pavilhão da Colonização na Exposição do Mundo Português. Condecorado com a Ordem de Sant’Iago e Espada (1941), foi director gráfico de Panorama (1941-1950), Litoral (1944-1945) e Colóquio (desde 1959-1962). Distinguido com os Prémios de Aguarela e de Desenho na Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian (1957), faleceu em Lisboa, a 28 de Setembro de 1962.

BREVIÁRiO

Harmonia Mundi edita em CD, [Franz] Schubert: Impromptus Op. 90 e Klavierstücke D. 946 pelo pianista Javier Perianes.

Cavalo de Ferro edita Os Milagres do Anticristo de Selma Lagerlöff; tradução de Liliete Martins.

Sextante Editora lança O Paraíso No «Fim do Mundo» - O Culto de Nossa Senhora do Cabo de Luís Marques.

Universal edita em CD, sob chancela Decca, [Giuseppe] Verdi [1813-1901]: Otello por Renata Tebaldi, Mario del Monaco e Aldo Protti, com a Wiener Philharmoniker sob direcção de Herbert von Karajan.

Gradiva edita Crónicas dos Átomos e das Galáxias de Hubert Reeves; tradução de Maria do Rosário Saraiva.

Dargil lança em CD, sob chancela Orpheo, [Johann Sebastian] Bach [1685-1750], [Frédéric] Chopin [1810-1849], [Maurice] Ravel [1875-1937] e [Robert] Schumann [1810-1856] pelo pianista Géza Anda [1921-1976]. IMAG.32-92-104-105-160-191

INVENTÁRIO



Seleccionado em 1990, pela revista Life, entre os cem americanos mais influentes do Século XX, Walt Disney (1901-1966) concebeu Mickey Mouse em 1928, atraído por um ratito do estúdio, e decidiu recriá-lo durante uma viagem de comboio entre Nova Iorque e Los Angeles. Curiosamente, seria um colaborador, Ub Iwerks, a configurar em papel o ícone essencial do universo Disney e do imaginário animatográfico. Disney estilizou-o «honesto, corajoso e ingénuo» e, cinco anos depois, Mickey reinava já na animação e sobre o seu império. As mamãs e os papás que, por 1979, eram ainda pequeninos, deverão lembrar-se de Jubiléu do Rato Mickey - com a inseparável Minnie e os restantes companheiros, bem a propósito do cinquentenário da «maior Estrela de todos os tempos», como então se publicitava. Apesar dos múltiplos talentos entretanto revelados, na companhia Disney, Mickey Mouse persiste como chancela inspiradora do entretenimento e do espectáculo em que, nos desafios do futuro, está implícita a celebração do passado. IMAG.7-8-21-30-37-47-50-80-107-110-116-123

EXTRAORDINÁRiO

OS ALTERNATIVOS
Folhetim Aperiódico

UM PASSEIO PASSADO
NA MAIS CIOSA MACIOTA - 1

 26 de Março de 1953

Júlio Magriço era uma espécie de angariador de causas perdidas. Além dos casos deprimentes em que se envolvia pela sua essência própria, atraía também a variegada vaga de problemas em que os outros se electrizavam.

 –Continua


IMAGINÁRiO202

08 NOV 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

ROMPANTES



Uma intriga sofisticada. Uma vivência alternativa. Uma teia de artifícios. Uma realidade em transe. Eis a estratégia perturbante, o fascínio sensual de A Vingadora, ou Alias - uma fenomenal série televisiva, protagonizada por Jennifer Garner, ao enfrentar o ritual de espionagem e o desafio da sobrevivência. Pessoas que representam, personagens que desvendam. Peripécias de aparência banal, armadilhas do quotidiano inócuo, compõem o destino de uma jovem mulher, Sidney Bristow, sob a vertigem volúvel como agente da CIA, até à revelação em risco ante as facetas mais ocultas ou fatídicas do ser humano. O olhar intenso, a pose mutante, determinam A Vingadora - com a primeira temporada editada em DVD, sob chancela Lusomundo - entre a aventura insidiosa e a ambiguidade libertadora. A mentira insinuante, a traição banal, a ambição funesta, avassalam pelo perigo virtual, irresistível, corrompem pela violência cáustica, expiatória, numa trama inexorável de conspirações, cumplicidades e vitimações.

MEMÓRiA

08NOV1908-1998 - Martha Gellhorn: «Acredito com paixão que somos, aqui e agora, responsáveis por nós próprios e pelos nossos actos».

1894-08NOV1978 - Norman Rockwell: «Sem pensar muito sobre o assunto, em termos específicos, o que eu fiz, foi mostrar a América que me era conhecida, observando para os outros o que lhes poderia ter passado desapercebido».

1880-09NOV1918 - Guillaume Apollinaire: «Uma vez por outra, convém fazer uma pausa na nossa busca da felicidade, e limitarmo-nos a ser felizes».

09NOV1818-1883 - Ivan Sergueievitch Turgueniev: «Todos os sentimentos podem conduzir ao amor e à paixão. Todos: o ódio, a compaixão, a indiferença, a veneração, a amizade, o medo e até mesmo o desprezo. Sim, todos os sentimentos... excepto um: a gratidão. A gratidão é uma dívida: todo o homem paga as suas dívidas... mas o amor não é dinheiro».

09NOV1928-1974 - Anne Sexton: «Morrer afogado não inspira tanta pena como a tentativa de vir ao de cima».

10NOV1668-1733 - François Couperin: Compositor francês nascido na região de Brie, autor de Concerts Royaux (1722).

13NOV1838-1894 - Carlos Relvas: «Essa monotipia deixa-nos ver a arte portuguesa, tão rica, em páginas que por sua precisão óptica são quase revelações...». IMAG.48-76

CALENDÁRiO

06JUN-27JUL2008 - Centro Cultural de Cascais apresenta a exposição de fotografia Jack Radcliffe: Uma Retrospectiva.

VISTORiA


Laços
Cordas feitas de gritos

Sons de sinos através da Europa
Séculos enforcados
Carris que amarrais nações
Não somos mais que dois ou três homens
Livres de todas as peias
Vamos dar-nos as mãos

Violenta chuva que penteia os fumos
Cordas
Cordas tecidas
Cabos submarinos
Torres de Babel transformadas em pontes

Aranhas-Pontífices
Todos os apaixonados que um só laço enlaçou

Outros laços mais firmes
Brancas estrias de luz
Cordas e Concórdia

Escrevo apenas para vos celebrar
Ó sentido ó sentidos caros
Inimigos do recordar
Inimigos do desejar

Inimigos da saudade
Inimigos das lágrimas
Inimigos de tudo o que eu amo ainda

Guillaume Apollinaire
(Tradução de Jorge de Sena)

TRAJECTÓRiA

CARLOS RELVAS



Fidalgo da Casa Real, Carlos Augusto de Mascarenhas Relvas de Campos nasceu na Golegã, em 13 de Novembro de 1838. Agricultor abastado e inovador, cavaleiro e toureiro amador, mestre de equitação e desportista, atirador e esgrimista, inventor e músico, notável fotógrafo de arte premiado na Europa e nos Estados Unidos. Em 1871-1875, mandou erguer em frente à mansão de família, na Golegã, segundo projecto de Henrique Carlos Afonso, um dos primeiros ateliers fotográficos do Mundo, ao estilo romântico e rodeado por árvores do Oriente, à época considerado «uma obra-prima arquitectónica», e em 1887 reconvertido - por motivo de partilhas - em residência própria. (Imóvel reabilitado e devolvido à traça original, em 2003, abriu ao público como Casa-Estúdio em 2007.) Carlos Relvas era membro efectivo da Societé Française de Photographie, e em 1873 apresentou, em Viena de Áustria, o sistema multiplying camera, com várias objectivas. Tendo financiado a construção em 1889 da Praça de Touros de D. Carlos na Golegã (desde 1910, Praça Carlos Relvas), concebeu a sela de montar à Relvas e um barco salva-vidas experimentado em 1893, na Foz do Douro. Casou duas vezes, a primeira com Margarida Amália, também fotógrafa emérita e falecida em 1887. Viajante apaixonado, percorreu toda a Europa, tendo ainda visitado a China, a Índia, o Japão e os EUA. Pai de José Relvas, com quem se incompatibilizou por motivos pessoais e políticos. Comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, faleceu a 23 de Janeiro de 1894, na Golegã. IMAG.169

NORMAN ROCKWELL

Norman Percevel Rockwell nasceu em Nova Iorque, a 3 de Fevereiro de 1894. Aluno liceal, aos catorze anos estudava na Chase School of Arts, seguindo-se a National Academy of Design em 1910. Na Art Students League, foi discípulo de Thomas Fogarty e George Bridgman. Começando por colaborar no St. Nicholas Magazine, em 1912 ilustrou Tell Me Why de C.H. Claudy. Em 1913, tornou-se editor gráfico de Boy’s Life. Artista militar durante a I Guerra Mundial, em 1915 mudou-se para New Rochelle. Amigo do cartoonista Clyde Forsythe, em 1916 começou a ilustrar capas para The Saturday Evening Post, labor em que se prestigiou até 1963, eventualmente repartido por outras revistas. Casado com a modelo Irene O’Connor (1916-1930), e logo com a professora Mary Barstow, em 1939 transferiu-se para Arlington, no Vermont. Distinguindo-se como criador plástico cuja sensibilidade representou a cultura popular americana, em 1943 pintou a série Four Freedoms, com que o Governo promoveu as war bonds em plena II Guerra Mundial. Em 1953, radicou-se em Stockbridge, Massachussetts. Em 1960, publicou a autobiografia My Adventures As An Illustrator com o filho Thomas. Viúvo, contraiu novo matrimónio em 1961, com a professora Molly Punderson. Em 1964-1974, compôs ilustrações de carácter social para Look Magazine. Consagrado retratista de personalidades públicas e políticas mundiais, em 1977 foi agraciado com a Presidential Medal of Freedom. Faleceu em Stockbridge, a 8 de Novembro de 1978.



BREVIÁRiO

Assírio & Alvim edita O Século das Nuvens de Guillaume Apollinaire; organização de Jorge Sousa Braga.

Edições Asa lança Os Grão-Capitães de Jorge de Sena. IMAG.60-181

Mute edita em CD, sob chancela EMI, Dig!!! Lazarus, Dig!!! por Nick Cave & The Bad Seeds. IMAG.85

Em Clássicos de Bolso, Dom Quixote edita Sapho de Alphonse Daudet (1840-1897).

Civilização edita Entre os Dois Palácios de Naguib Mahfuz; tradução do árabe de Badrd Hassanein.

Campo das Letras edita Como Vos Aprouver de William Shakespeare [1564-1616]; tradução de Fátima Vieira. IMAG. 26-79-131-141-146-164-179

Deutsche Grammophon edita em CD, Ludwig Van Beethoven [1770-1827]: Concerto Para Violino e Sonata Kreuzer pelo violinista Vadim Repin, com a pianista Martha Argerich; Filarmónica de Viena sob a direcção de Riccardo Mutti. IMAG.134-163

ANUÁRiO

MAR2007 - A Câmara Municipal da Golegã anuncia os preparativos para o processo de candidatura da Casa-Estúdio Carlos Relvas a Património da Humanidade.

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

TANTO SE ME DÁ,
COMO SE ME FEZ - 4

Era mentira. Maria orientava-se por alguma constância que lá a fazia subsistir, embora à míngua. Escorregadia. A resvalar. Lampreia - o que identificava, mais, um estilo seu do que apelido tal e qual.
Intrujona, expondo-se à maganagem, com o estômago a ribombar na bulha dos petiscos, Maria andou por aí, a desfazer-se.
Nunca seria d’uma daquelas famílias de pardieiro, a trazer para o olho da rua o seu arraial cego de berrarias e facadas.
Ficaria para sempre como um estro sujo e só, com o sangue a ferver, sarrafada entre fedores e fúrias, entre raivas e ratazanas.
Maria sucumbiu, enfim, no Beco do Precipício.
Com uma náusea aguda.
Chegara ao fundo. E a pior dor era ver o fantasma do Ruy Magriço a assediá-la, tão alto, fascinante com a sua bigodaça loira.
E o Trincas a sorrir, sarcástico.
- Mas isto, que te interessa a ti?

  Continua




IMAGINÁRiO201

01 NOV 2008 · Edição Kafre ·imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

PIRATARIAS



Fundada no talento dos autores pioneiros, a banda desenhada franco-belga entreteve e divertiu sucessivas gerações, reactivando o engenho original e investindo em virtualidades alternativas. Enquanto a nostalgia consagrada e a revelação póstuma perpetuam o encanto primordial dos clássicos, entre o fascínio intrínseco e a jovialidade intemporal. Criado em 1952, por René Goscinny (argumento) & Albert Uderzo (ilustração), João Pistolão ressurgiria sob chancela das Edições Asa, como Corsário Prodigioso em pleno Século XVIII. Tais referências e aliciantes expandem-se com Corsário de El-Rei, recrutando a divertida tripulação da nave A Intrépida em mais irresistíveis aventuras por mares pirateados e terras extravagantes, em busca do tesouro do terrível Violeta... Toda a cumplicidade e tanto do sarcasmo que a lendária dupla artística formada por Goscinny & Uderzo celebraram em Astérix o Gaulês, a partir de 1959, estão já patentes nesta exuberante exploração da história em quadradinhos, reinventando um lendário intemporal com o humor dos seus heróis e o prodígio das suas proezas. IMAG.55

ANTIQUÁRiO  

16NOV1975 - Em Alvalade, Rua Flores de Lima, é inaugurado o cinema Quarteto, sendo responsável Pedro Bandeira Freire, e apresentando-se com quatro salas, quatro filmes.

OUT1999 - O cinema Quarteto é concessionado por Pedro Bandeira Freire, por cinco anos, à Socorama, empresa responsável pela gestão das salas da distribuidora Castello Lopes.

6NOV2000 - O cinema Quarteto comemora 25 anos com uma maratona de 25 filmes non stop, sendo o preço dos bilhetes igual ao de 1975 - ou seja, 35$00 por sessão.

16NOV2007 - A Inspecção-Geral de Actividades Culturais/IGAC encerra o cinema Quarteto, alegando falta de condições de segurança, sobretudo de prevenção de incêndios.

17JAN2008 - Em Lisboa, é apresentado o Instituto Europeu de Ciências da Cultura P. Manuel Antunes, em protocolo entre a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e a Escola Superior de Artes Decorativas (onde fica sedeado) da Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva.

MAR2008 - Pedro Bandeira Freira entrega definitivamente as chaves do cinema Quarteto ao senhorio, pretendendo com esse gesto encerrar uma etapa da sua vida.

MEMÓRiA

1910-04JUN1988 - Henrique Alves Costa - Crítico de cinema, fundador do Cine-Clube do Porto (1945): «Um amigo de longos anos, companheiro na conversa, na boémia e, sobretudo, na paixão do cinema» (Manoel de Oliveira - 1998).

03NOV1918-1985 - Padre Manuel Antunes: Jesuíta, professor catedrático, ensaísta, filósofo, pedagogo - «Que se pretende fazer do homem? É esta pergunta a que se propõe responder a filosofia da educação... O homem tem necessidade de valores em que possa acreditar, de modelos que possa seguir. Quando esses valores e esses modelos faltam ou diminuem na sua incentividade, é o caos moral, a anarquia, a desorientação» (Educação e Sociedade - 1973).

1915-03NOV1998 - Bob Kane: «Toda a imortalidade de que Batman desfruta, provém do meu estilo original, que perdurou durante vinte anos, e não do new look que entretanto lhe atribuíram». IMAG.2-62

CALENDÁRiO

1939-16ABR2008 - Pedro Bandeira Freire: «A minha profissão: programador do Quarteto, pai de família, poeta, ambíguo, cineasta, incoerente, cinéfilo, democrata. Leão (signo). Benfica (clube). Vivido, cidadão, instável» (1978). IMAG.23-68-165

1911-18MAI2008 - Joseph Pevney: «Era um realizador muito organizado e com sentido da autoridade, mas também muito descontraído - jovial, mesmo - na forma como filmava. Alguém com quem dava prazer trabalhar» (George Takei).

23MAI2008 - Na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, é inaugurada A Maneira Atlântica II, exposição colectiva de fotografia em sequência do II Concurso Fotográfico da Macronésia Europeia, e no âmbito do projecto de cooperação inter-regional MEDIAT - Memória Digital Atlântica.

1922-25MAI2008 - David Gahr: «É impossível pensar na música popular americana dos últimos cinquenta anos, sem nos vir à cabeça uma fotografia tirada por Dave Gahr» (Henry Sapoznik).

30MAI-13JUL2008 - Centro Cultural de Cascais apresenta Oníria, exposição de pintura de Pedro Pinto-Coelho.

1936-01JUN2008 - Yves Saint Laurent: «A roupa mais bonita para uma mulher vestir, são os braços do homem que ela ama. As que não tiverem tal felicidade, essas podem então contar comigo».

GALERiA



Sabendo que a companhia Santa Fé planeia construir o caminho-de-ferro através de Mesquite, o banqueiro Calvin Drake (Harry Worth) enceta uma guerra de intimidação, pelo controlo do território. Um rancheiro é assassinado e Red Ryder (Don Barry) organiza, com o pai, um grupo para expulsar os pistoleiros da região. Porém, o coronel Tom Ryder (William Farnum) é eliminado, antes de concretizar tal objectivo. Red captura Shark (Ray Teal), um dos cúmplices de Drake, e comunica ao xerife Dade (Carleton Young) que levará um prisioneiro para a cidade. Sem que Red o saiba, Dade e Drake são aliados, e outro bandido apresta-se a silenciá-lo. Cumprida a missão através de uma janela, o executor tomba em duelo com Red...

Eis o tema de Adventures of Red Ryder (1940) - um serial produzido por Republic Pictures, com realização de William Whitney & John English, a partir de Red Ryder - o herói dos quadradinhos criado por Fred Harman, em Novembro de 1938, com lançamento da Newspaper Enterprise Association. A acção decorre por finais do século XIX, num Oeste já conquistado e pacífico, avassalado embora por marginais e fora-da-lei. Dois anos depois, Harman isolou-se na sua propriedade de Pagoosa Springs, onde continuou a saga - e, segundo a lenda, tentava imitar o quotidiano em Red Ryder Ranch, vestindo-se mesmo como o paladino.

Por essa altura, estreava, em grande ecrã, Os Mistérios do Cavaleiro Vermelho - com argumento de Ronald Davidson, Franklyn Adreon, Sol Shor, Barney Serecky & Norman S. Hall, pelos capítulos: 1 - Morte nos Carris de Santa Fé, 2 - Cavaleiros Fatais, 3 - Fim de Trilho, 4 - Os Donos da Água, 5 - Avalanche, 6 - O Nó do Enforcado, 7 - Armadilha, 8 - Caem Barreiras, 9 - Memórias Malignas, 10 - Um Segundo Para Viver, 11 - A Marca do Diabo, 12 - Fronteira da Justiça. O elenco incluía Noah Beery como Ace Hanlon, Maude Pierce como Dutches e Tommy Cook como Little Beever - com que Harman humanizara, entretanto, o universo familiar de Red Ryder: possessiva mas diligente, Duquesa geria a rotina doméstica; orfão navajo adoptado, Pequeno Castor aduziu humor à trama trepidante, aliciando ainda uma identificação pelos mais jovens. Jim Gary, John Wade Hampton e Edmonde Goode foram assistentes de Harman - que, em 1960, se retirou como pintor para Albuquerque, Novo México, sendo substituído por Bob MacLeod. Desde finais da década de ’40, o McNaughton Syndicate distribuía Red Ryder - entre nós, também conhecido como Cavaleiro Ruivo - extinto em 1966.

BREVIÁRiO

Cinemateca Portuguesa edita Eram os Anos 60; organização literária de António Rodrigues.

Cotovia edita A Floresta de Aleksandr Ostróvski (1823-1886); tradução de Nina e Filipe Guerra.

Casa das Letras edita Cancioneiro Tradicional Português - Para Que As Nossas Tradições Não Se Percam de José Ruivinho Brazão e Nelson Conceição.

Acontecimento edita Garrett e Outros Contos de José Augusto França.

Livros Horizonte edita A Carbonária em Portugal de António Ventura.

Hyperion edita em CD, Trios Com Piano de Antonin Dvorák (1841-1904) e (uma elegia) Josef Suk (1874-1935) pelo Trio Florestan.

Edições Afrontamento lança O Grande Livro das Lengalengas de José Viale Moutinho e Fedra Santos. IMAG.23-80-101

INVENTÁRiO

HOJE À NOITE
VAMOS AO QUARTETO?


Ciclicamente, o ritual dos cinéfilos quanto aos recintos de fascinação e ao apelo em cartaz é alterado, virtualmente no território urbano, segundo as próprias transformações da vivência comunitária, e as mutações estratégicas num quadro da difusão/exibição. Se existe uma memória referencial e cultural entre nós, ela assinala-se tradicionalmente, no perímetro lisboeta, entre o Chiado e o São Luiz, o Tivoli e a Avenida da Liberdade.

Uma dinâmica distinta, mas tão significativa e já historicamente relevante, concerne ao Quarteto - como complexo de salas que expandiria o sucesso dos estúdios, em alternativa aos grandes templos da sétima arte. Além de uma programação cuidada e notória, o Quarteto veio multiplicar a oferta ao público, a partir de distintas fontes de distribuição. E originou, em definitivo, um outro modo de relação com os filmes.

Inevitavelmente, a génese e a consolidação do Quarteto ficam assinaladas pelo próprio processo revolucionário, subsequente ao 25 de Abril de 1974. Revolucionário, em vários sentidos: logrando um tipo de produções a preceito, com o fim da censura; apostando numa selecção de qualidade, pela óptica do seu mentor Pedro Bandeira Freire; e conjugando uma variedade de propostas, como alternativa às estratégias comerciais.

Assim sendo, o Quarteto apresentou-se como um espaço variado, de convívio e reflexão, a que estavam subjacentes uma perspectiva de intervenção, o testemunho de autor e uma ênfase nas cinematografias peculiares, logo europeias. Sem abdicar dos fenómenos e das obras de prestígio, veiculadas pela América sob o signo de Hollywood. Estaria, pois, implícita uma contingentação simbólica, à redescoberta dos clássicos.

E não perdeu sentido recordar que o Quarteto foi um espaço de refúgio e revelação dos filmes nossos, contribuindo pois para a sua orientação... Também a Cinemateca Portuguesa, num momento trágico, encontrou no Quarteto acolhimento para uma regular programação, o que eu sempre mantive no espírito como um pacto exemplar - quanto à linha ténue que distingue negócio e afeição, nas cumplicidades inerentes a uma indústria artística.

Aliás, se dúvidas subsistissem quanto ao valor prospectivo e nostálgico que o Quarteto privilegia, basta lembrar - em alturas de regozijo e de comemoração - o investimento lúdico atribuído às sessões contínuas, ou ao preço dos bilhetes igual ao que custavam na inauguração. Entre momentos de glória e períodos de crise, como tudo na vida, o Quarteto logrou definir e afirmar uma personalidade herdeira da vocação cineclubística.

Connosco há um quarto de século, o Quarteto consolidou a sua lenda - num envolvimento de animação bairrista, sobre uma zona propícia da capital. Ao estilo das Avenidas Novas como estímulo do Novo Cinema, lá pelos anos ’60, o Quarteto mitificou a Rua Flores de Lima - que ficará no mapa das tais incursões cinéfilas. Quatro salas, quatro filmes. Não vou escolher nenhum em especial - pois, para sonhar, entra-se já de olhos fechados.

@José de Matos-Cruz
16NOV2000



  IMAGINÁRiO200

24 OUT 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano V · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

ENCANTOS



Reactivando o empolgamento, a magia e o maravilhoso que pautaram o cinema de animação americano, pela herança de Walt Disney, o progresso tecnológico e uma contínua mutação das potencialidades artísticas abriram excepcionais expectativas à exploração de temas apaixonantes, sob cancela da Pixar - criada por Steve Jobs a partir do Graphic Group que, em 1986, adquiriu a George Lucas. Aliada à Disney desde 1991, cujo império passou a integrar em 2006, a Pixar fez corresponder ao prodígio da electrónica o fascínio aventuresco em longa metragem - pela mística dos heróis, em crise num imaginário trepidante e inteligente, emocionante e divertido. Entretanto, a Pixar consolidou o prestígio original em curta metragem - explorando todas as virtualidades da sofisticação em CGI, e respectivas vanguardas estéticas: uma fusão visionária entre a pesquisa tridimensional, e os efeitos qualitativos de textura, detalhe, luz e cor. Treze dessas pequenas maravilhas - entre a primordial The Adventures of André & Wally B (1984) e a notável Limited (2007), passando pelo irresistível Geri’s Game (1997) distinguido com o Oscar - estão reunidas em Curtas da Pixar, editadas em DVD pela Lusomundo. Ironia, sortilégio, arrojo, fantasia, fundem-se num universo compósito, insólito e fascinante.

MEMÓRiA

12MAI1908 - Inventor e agricultor de Murray (Kentucky), Nathan Stubblefield regista o telefone sem fios (wireless telephone, do tamanho de uma tampa de lata do lixo e com um alcance de cerca de oitocentos metros), obtendo a Patente Nº 887357 nos EUA.

15ABR1878-1956 - Robert Walser: «Um dos mais importantes escritores de língua alemã do Século XX. É um autor verdadeiramente magnífico, que nos parte o coração» (Susan Sontag).

23MAI1908-15NOV1942 - Annemarie Schwarzenbach: Fotógrafa, poetisa e exploradora - «Gostaria de escrever um livro que pudéssemos ler em voz alta e onde cada frase, mesmo incoerente, fosse musical e bela».

24OUT1868-1969 - Alexandra David-Néel: «Parecia-me andar entre as imagens de um velho livro de lendas, e não teria ficado espantada se tivesse surpreendido um conciliábulo de duendes sentados sobre os raios solares».

25OUT1838-1875 - Georges Bizet: «Como músico, posso garantir que, se suprimisse o adultério, o fanatismo, o crime, o mal e o sobrenatural, seria incapaz de escrever uma nota».

1925-26OUT1998 - José Cardoso Pires: «Não tenho esse problema da morte, já passei por ela, e não me meteu tanto medo como isso. Andei por lá, penso eu, mas tenho a impressão de que o São Pedro é que não me quis receber. Não tenho obsessão da morte... Quem não pensa na morte, está morto». IMAG.53

28OUT1818-1883 - Ivan Turguéniev: «Todos os sentimentos podem conduzir ao amor e à paixão. Todos: o ódio, a compaixão, a indiferença, a veneração, a amizade, o medo e até mesmo o desprezo. Sim, todos os sentimentos... excepto um: a gratidão. A gratidão é uma dívida: todo o homem paga as suas dívidas... mas o amor não é dinheiro».

31OUT1838-1889 - Luís Filipe Maria Fernando Pedro de Alcântara António Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis João Augusto Júlio Valfando de Bragança, El-Rei D. Luís I, o Popular: «Estava um tempo lindo com vento de NE e o mar socegadissimo. Apezar d’isso enjoei. Logo apenas sahi a barra comecei a sentir-me encomodado. Ainda me conservei na tolda até chegarmos ao Cabo da Roca, o que foi à uma hora. Fui então deitarme no meu beliche. Duas horas depois tive a consolação que não era o único enjoado».

CALENDÁRiO

1934-26MAI2008 - Sydney Pollack: «A maioria dos grandes realizadores de cinema que conheço, não foram actores - por isso, não posso considerar que seja um factor essencial. No entanto, para mim tornou-se uma enorme ajuda».

27MAI2008 - No Instituto Camões, em Lisboa, o actor e encenador Luís Miguel Cintra recebe o Troféu Latino 2008, com que foi distinguido pela União Latina.

03-27JUL2008 - No Teatro Maria Matos, decorre A Festa - Estúdios, espectáculo com direcção artística de Tiago Rodrigues, também autor com Filipe Homem Fonseca e Nelson Guerreiro.

ANTIQUÁRiO

OUT1998 - Em acordo celebrado entre Animatógrafo II e SIC Filmes, com o patrocínio do Ministério da Cultura, estabelece-se a produção de uma série de dez telefilmes, sendo o primeiro Amo-te Teresa (1999 - Cristina Boavida, Ricardo Espírito Santo).

OUT1998 - O Guiness Book escolhe as citações cinematográficas mais repetidas de todos os tempos, indicando em primeiro lugar «My name is Bond... James Bond», a partir de Agente Secreto 007/Dr No (1962 - Terence Young). IMAG.21-46-63-120-146-167-180

INVENTÁRiO

CORAÇÕES DESTROÇADOS



Nos últimos anos ’90 do Século XX, o cinema nacional motivou um distinto fenómeno de representação ou de eficácia, configurado entre os pequeno e grande ecrãs. Tal abordagem mediática resultaria pelo tratamento dos temas, o sortilégio sobre os actores e, em especial, graças a uma estratégica campanha promocional.

Esta experiência foi assumida, essencialmente, pela Sociedade Independente de Comunicação. E, já em 1999, suscitou um especial acordo entre o Animatógrafo, com o patrocínio do Ministério da Cultura, e a SIC Filmes, para a produção de uma série de dez telefilmes - o primeiro dos quais seria Amo-te Teresa.

A rodagem decorreu em Maio/Junho, entre Três Pinheiros e Sobral de Monte Agraço, dirigida por Ricardo Espírito Santo & Cristina Boavida, também autora do argumento. Em causa, uma mulher madura e médica, Teresa, que, de regresso à terra natal, tem uma paixão incómoda pelo filho da melhor amiga...

Protagonistas, Ana Padrão e Diogo Morgado - ela também modelo e ele actor de clips publicitários. Ambos dos quadros da SIC, Boavida deriva do jornalismo para a realização, em que se estreia ainda Espírito Santo. Eis os passos, incipientes embora, a trilhar uma outra modalidade para o audiovisual português.

ANUÁRiO

1318-1389 - Giovanni De’ Dondi: Médico e professor de astronomia na Universidade de Pádua, construtor relojoeiro - cujo progenitor, Jacopo De’ Dondi (1298-1355), granjeou o sobrenome dall’Orologio, graças a um notável relógio que concebeu para a torre do Palácio Carrara, em Pádua.

1628-1691 - João Ferreira Annes d’Almeida: Missionário português convertido ao protestantismo, como pastor da Igreja Reformada da Holanda, e autor da primeira tradução em Português do Novo Testamento, publicado em Batavia (actual Jacarta, Indonésia) em 1681, chegando a Portugal em 1809 como Bíblia de Almeida, tendo mais de mil edições e de cem milhões de exemplares vendidos. IMAG.115

1908 - O doutor Leo Hendrik Baekland inventa a baquelite, o primeiro plástico sintético, cujo nome se deve ao criador. Trata-se de uma resina artificial obtida em laboratório, de notável dureza e brilho, embora pouco elástica, e com excelentes propriedades mecânicas. A sua melhor qualidade é que pode tingir-se das mais variadas cores, e inclusive obter efeitos de mármore e de jaspe, o que logo a converteu em material favorito dos fabricantes de aparelhos de rádio e de telefones.

EPISTOLÁRiO

A Leon Tolstoi

Há muito tempo que não lhe escrevo porque tenho estado e estou, literalmente, em meu leito de morte. Na realidade, escrevo apenas para lhe dizer que me sinto muito feliz por ter sido seu conterrâneo, e também para lhe expressar a minha última e mais sincera súplica. Meu amigo, volte para a literatura! IMAG.194
Ivan Turguéniev
(1883 - excerto)

BREVIÁRiO

Dom Quixote reedita O Delfim de José Cardoso Pires.

Edições Nelson de Matos lança Lavagante - Encontro Desabitado de José Cardoso Pires.

Relógio d’Água edita Histórias de Amor de Robert Walser; tradução de Isabel Castro Silva.

VISTORiA



Os agrupamentos religiosos do Tibete formam pequenos estados no Estado, de que são quase inteiramente independentes. Todos possuem terras, rebanhos e, em geral, traficam de uma maneira ou de outra. Os grandes gompas reinam sobre uma extensão considerável de território povoado por rendeiros cuja condição é mais ou menos semelhante à dos servos da Europa da Idade Média...

Um grande mosteiro tibetano é uma verdadeira cidade, formada por uma rede de ruas e corredores, de jardins e praças. Templos em maior ou em menor número, as salas das assembleias dos diversos colégios e os palácios dos dignitários erguem, por cima das habitações vulgares, os seus telhados dourados e os seus terraços enfeitados de bandeiras e ornamentos diversos.
Alexandra David-Néel
Viagem ao Tibete (excerto)

O Novo Empregado

¨Certa manhã, às oito horas, um jovem estava diante da porta de uma casa isolada e de bela aparência. Chovia. «Para mim», pensou o rapaz ali parado, «é quase um milagre ter nas mãos um guarda-chuva». O certo é que jamais tivera um guarda-chuva na sua infância. Numa das mãos, estendida verticalmente ao longo do corpo, segurava uma mala castanha, dessas bem baratas. Diante dos olhos dele, que aparentemente chegava de viagem, havia uma placa esmaltada em que estava escrito: K. Tobler, Escritório Técnico. Esperou ainda um instante, como que para reflectir sobre qualquer coisa certamente sem nenhuma importância. Depois, premiu o botão da campainha eléctrica, ao que atendeu uma pessoa, que tudo levava crer ser a criada.
– Sou o novo empregado – disse Joseph, pois esse era o seu nome.
Robert Walser
O Ajudante (excerto)

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

TANTO SE ME DÁ
COMO SE ME FEZ - 3

  Afinal, como ia ser? Maria ainda pensou voltar para a sua toca, o tal quarto locado no número 13 da Travessa dos Mistérios. Mas, Alfama daí a pouco ia animar no reboliço, e a moça pelava-se por nada de calmaria…

Maria Lampreia teria uns vinte e tantos anos. Era difícil precisar. E mesmo ela não fazia qualquer ideia. Aliás, sobre quase nada, pois não a bafejara muito o tino.

Talvez por isso, nem conhecera pais. Constava, entre gente que sempre sabe algo de alguém, por mais ignorável que seja, que a teriam despachado mal à nascença, ao perceber-se que, aquilo, só uma desmiolada.

– Continua