Histórias da Publicidade 5  

 
A sombra

Trata se de uma história verdadeira. Não vale, porém, a pena revelar os nomes dos protagonistas. Como dizia o outro: "ainda estão vivos!".
O estúdio estava a abarrotar de gente. Só os modelos eram mais do que as mães. O operador, um famoso operador da nossa praça que se ofenderá se não o tratar por "director de fotografia", estava a enquandrar um plano do prato da sopa.
"Quem é o cabrão que está a fazer sombra no prato?" gritou.
Uma voz segredou lhe:
"É o cliente!..."
"Ah, então a sombra até nem fica nada mal!...

(Luís Gaspar Fevereiro de 2000)

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Também será culpa minha?

A agência de publicidade em que trabalho tem uma conta de telemóveis. Tenho, por isso, de escrever dezenas de textos para serem escolhidos dois ou três. Um trabalho desmotivante porque escrevo "p'ra escolha" e não para a qualidade. O problema é deles. E meu, claro, mas não quero pensar muito nisso.
O caminho para a agência, de minha casa, apesar de ser longe, faço o muitas vezes a pé prestando atenção ao que vejo e ouço. Dessa forma encontro "pistas" para escrever alguns "spots".

Um dia destes, os meus olhos pousaram numa mulher jovem, mal vestida, com um rolo de pano nos braços onde se adivinhava um bébe. Sabem como é. Ao lado tinha uma rapariguita dos seus sete anos, enfim, numa idade em que devia estar na escola. A mulher pedia esmola. Numa das mãos que segurava o bébe viam se algumas moedas.

Então aconteceu. Do bolso do bibe, ou coisa parecida que a garota vestia, "saiu" o toque de um telemóvel. Que ela atendeu dando logo de seguida o aparelho à mulher, dizendo: "É o pai!".

Abrandei o passo.
"Sim ... podia ir melhor!..."
Não quis ouvir mais. O choque teve como resultado o não ter podido escrever qualquer texto sobre telemóveis naquele dia.
Poderá ser estúpido mas não é que dei por mim com sentimentos de culpa?

(Autor identificado)

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MAS EU SÓ QUERIA APENAS UM CAFEZINHO.

Você está andando por Madrid e resolve dar uma parada num café para espairecer. O café; é uma verdadeira instituição nos países latinos da Europa. Pensando bem, ele é o parente distante da nossa padaria; parecido em algumas coisas diferente em outras.
PARECIDO porque é no café que as pessoas vão para bater um papinho ou dar uma parada no trabalho. E como aí, em altos brados sempre com uma ou outra irrupção de uma boa e sonora gargalhada. Os papos universais são quase os mesmos: mulher, futebol, dinheiro, a tourada de ontem, a unha encravada e por fim trabalho.
DIFERENTE porque num café você sempre tem um lugar para sentar. E mesmo que você já tenha acabado seu café (ou una caña...chopp) há 3 horas atrás e o resto do seu café já esteja seco e petrificado no fundo da xicrinha feito resto de creolina no canto de mictório da Central do Brasil; pode continar lendo calmamente todos os seus tomos da enciclopédia britânica que ninguém vai chegar com a frase "vai mais um patrão..? .
Mas por outro lado você não vai receber do mozo aquele sorriso de piano e ouvir com detalhes "como é que o centro avante entortou o zagueiro e fez um golaço (com coreaografia ao vivo e tudo, claro). O mozo é sempre um profissional alinhado e na primeira deixa poderia até ser contratado para uma recepção da embaixada, como clone do Embaixador,
sem nenhum dos convidados da recepção notar a diferença.
O café é um esporte praticado diariamente. E as cafetarias verdadeiras, como devem ser, são as dos países latinos: nos dos outros países são mais um brinquedinho novo que eles descobriram que fica chic. Bem, então vamos andando, hablando e entramos na primeira cafetaria que encontramos ( o que não é difícil tropeçar em uma, tamanha a quantidade
delas por metro quadrado). Imediatamente aparece o moço do balcão e pergunta "lo que desean?. Pedimos 2 cafés.
Você então começa a engatar um início de papo com a pessoa que o acompanha, para que dure exatamente o tempo do mozo virar de costas para você, ficar de frente para a máquina, começar a tirar o expresso, virar se novamente e colocar as xícaras na sua frente. Mas, quando você vai começar a falar, percebe que o moço do balcão não ficou de costas e está olhando fixamente para você com a indefectível pergunta na boca: "solo...?
Você então começa a pensar que o mozo está sugerindo algo para quem sabe acompanhar o café. Você fica pensando naquele pão doce com aquela crostazinha de glace branca que tem nas padarias do Brasil. Como na Espanha não tem, você rapidamente pede una de churros para adquirir algumas calorias para quando voltar para o frio lá fora. Você então pede os churros para ele e o mozo repete novamente "solo?. Desta vez você começa a achar que a coisa está começando a ficar meio
estranha. Será que ele acha que você está magro demais? Será que ele conhece a sua mãe e ela disse para ele que, toda vez que você passasse por lá ele oferecesse comida "porque mi hijo esta tan flaquito y necessita comer. Quem sabe ele esteja insinuando para que eu olhe para o solo porque devo ter pisado em um cocô de cachorro na rua e quando entrei o ambiente ficou cheirando mal. Mas, não adianta você olhar para a expressão do mozo para confirmar se é isso porque ele continua impassível com a expressão de adido de embaixada.
Bom, você não tem outro remédio senão falar que não quer mais nada e então diz "nada.
E ele repete "solo?.
Perái...a coisa está começando a ficar preta, very ugly. O mozo não pára de dizer "solo?. Será que ele é gay e está me lanzando unos piropos do tipo "estás solo?...eu que entrei aqui só para tomar um cafézinho. Depois de todo este embarazo (ok...vamos parar com a confusão, assim é demais, ele não quer nem te paquerar e nem pensa que você está grávido, até porque a melhor época para as crianças nascerem é no Verão e a sua barriga não é assim tão grande) você acaba descobrindo que o que ele
realmente quer dizer é: "só café?
E você fica se perguntando...porque eu haveria de querer café com mais alguma coisa dentro? É claro que não; café é café e pronto. Ou será que eles colocam o açúcar na xicrinha por mim? Até pode ser, com aquele jeito de adido da embaixada que ele tem.
Você diz então ao mozo "solo.
Tudo resolvido, ele se aquietou de vez, tirou o café e desistiu de vez de me superalimentar, da paquera, do cheiro do cocô de cachorro ou do que quer que seja.
Então você começa a conversar com o seu acompanhante e de repente ouve das pessoas que acabaram de chegar e pedem "dos cafes por favor. E lá vai de novo o mozo perguntar: "solo?. Pelo jeito ou ele conhece a mãe de todo mundo que entra lá ou acha todo mundo mal alimentado. Mas logo após a pergunta as pessoas que pediram o café respondem imediatamente "uno solo y otro con leche. Ah...era isso...o que ele queria saber era se o cafezinho era sem leite...ah.
Então você adquire o tal know how e acaba aprendendo que além dele não te achar magro, a grande maioria dos espanhóis quando pede um café, pede "con leche.
Porque se pedirem "un cafe...lá vai o mozo perguntar novamente: "solo...? Ou seja: o normal é tomar cafe con leche e a exceção é cafe. Não que eles não tomam café. Tomam, mas sempre acompanhado do solo. Agora; se você já entrou pedindo "un cafe solo e o mozo insistir no "solo?, das duas uma: ou você faz cara de macho ou é melhor olhar para a sola do sapato.

D.
(Texto não revisado)
(Danyel Sak, publicitário brasileiro a residir em Cascais)

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De Italo Calvino.

QUEM SE CONTENTA

Era uma vez um país onde tudo era proíbido.
Ora como a única coisa não proíbida era o jogo do mata, os súbditos reuniam se em certos campos que ficavam por detrás do país e aí, jogando ao mata, passavam os dias.
E como as proíbições vieram umas de cada vez, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que achasse mal ou não soubesse adaptar se.
Passaram os anos. Um dia os notáveis do país viram que que já não havia razão para que tudo fosse proíbido e mandaram arautos avisar os súbditos de que podiam fazer o que queriam.
Os arautos foram aos locais onde costumavam reunir se os súbditos.
Saibam anunciaram que já nada é proíbido.
Eles continuaram a jogar ao mata.
Não perceberam? insistiram os arautos. São livres de fazerem o que
quiserem.
Muito bem responderam os súbditos. Nós jogamos ao mata.
Os arautos bem se afadigaram a recordar lhes todas as ocupações boas e úteis que haviam tido no passado e poderiam ter novamente de agora em diante. Mas eles não ligavam e continuavam a jogar, um lance a seguir ao outro, sem pararem sequer para ganhar fôlego.
Vendo que as tentativas eram vãs, os arautos foram dizê lo aos condestáveis
Resolve se bem disseram os condestáveis. Proíbimos o jogo do mata.
Foi então que o povo fez a revolução e os matou a todos. Depois, sem perder tempo, tornou a jogar ao mata.

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A projecção

Hoje, no aconchego da sua salinha de estar você pode ver os filmes de publicidade que, mensalmente, são produzidos por esse mundo. Tão simples como assinar a "Shots".
Pode até ver filmes, na mesma salinha, sobre um determinado produto, num certo país, num dado ano. Basta, para isso fazer a encomenda para a "Television Register".
E como seria há quarenta anos? Era fácil ver os filmes que se produziam lá fora sem sair do País? Poucos tinham essa possibilidade.
Um dia a G.Thibaud, agência de publicidade da Fima Lever recebeu uma enorme (e pesada) caixa de filmes em 35 mm com o que de melhor se tinha produzido sobre detergentes, margarinas, gelados e coisas parecidas. Ver aqueles filmes era um acontecimento excepcional e fui encarregado de o organizar.
Demoraram dias as operações de resgate dos filmes da alfândega. Meteram se cunhas para que a pide não levantasse problemas não fosse vir, entre os filmes, qualquer coisa de subversivo ou pornográfico!
Convocaram se os chefes e chefões ( os chefezinhos não tinham direito a estes eventos) e escolheu se a sala de projeccões da Tobis (uma das maiores disponíveis) para onde se levaram mais uma tantas cadeiras extra porque entre administradores, chefes de produto e respectivos assistentes, "accounts" e directores criativos, as personalidades eram mais do que as mães.
Na tarde anterior ao grande acontecimento tive o cuidado de fazer uma projecção para verificar se tudo estava em ordem. Estava. Filmes e sala.
Tudo a correr bem até ao momento, na manhã seguinte, quando ao sair de casa, descobri que o carrinho que ficara à porta tinha desaparecido! E com ele a caixa dos filmes!!!
Enfrentar aquele grupo de gente que me aguardava na Tobis e explicar o sucedido foi um dos piores momentos da minha vida de publicitário!
O carro apareceu semanas mais tarde mas dos filmes...nada. Até hoje.
Houve quem suspeitasse que ali andou mãozinha da concorrência! Andava, na altura, acesa a luta entre o Omo e o Ajax!

Luis Gaspar Setembro de 99

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RESSACA
por Luís Fernando Veríssimo.

Hoje, existem pílulas milagrosas, mas eu ainda sou do tempo das grandes ressacas.
As bebedeiras de antigamente eram mais dignas, porque você as tomava sabendo que no dia seguinte estaria no inferno. Além de saúde era preciso coragem. As novas gerações não conhecem ressaca, o que talvez explique a falência dos velhos valores. A ressaca era a prova de que a retribuição divina existe e que nenhum prazer ficara sem castigo. Cada porre era um desafio ao céu e as suas fúrias. E elas vinham: Náusea, Azia, Dor de Cabeça, Dúvidas Existenciais golfadas.
Hoje, as bebedeiras não têm a mesma grandeza. São inconseqüentes, literalmente. Não é que eu fosse um bêbado, mas me lembro de todos os sábados de minha adolescência como uma luta desigual entre a cuba libre e o meu instinto de auto preservação. A cuba libre ganhava sempre. Já dos domingos me lembro de muito pouco, salvo a tontura e o desejo de morte. Jurava que nunca mais ia beber, mas, antes dos trinta, "nunca mais" dura pouco. Ou então o próximo sábado custava tanto a chegar que parecia mesmo uma eternidade.
Não sei o que a cuba libre fez com meu organismo, mas até hoje quando vejo uma garrafa de rum os dedos do meu pé encolhem tentava se de tudo para evitar a ressaca. Eu preferia um Alka Seltzer e duas aspirinas antes de dormir. Mas no estado em que chegava nem sempre conseguia completar a operação. As vezes dissolvia as aspirinas num copo de água, engolia o Alka Seltzer e ia borbulhando para a cama, quando encontrava a cama.
Mas os métodos variavam. Por exemplo:
Um cálice de azeite antes de começar a beber O estômago se revoltava, você ficava doente e desistia de beber.
Tomar um copo de água entre cada copo de bebida O difícil era manter a regularidade. A certa altura, você começava a misturar a água com a bebida, e em proporções cada vez menores.
Depois, passava a pedir um copo de outra bebida entre cada copo de bebida.
Suco de tomate, limão, molho inglês, sal e pimenta Para ser tomado no dia seguinte, de jejum. Adicionando vodca ficava um bloody mary, mas isto era para mais tarde um pouco.
Sumo de uma batata, sementes de girassol e folhas de gelatina verde dissolvidas em querosene Misturava se tudo num prato pirex forrado com velhos cartões do sabonete Eucalol.
Embebia se um algodão na testa e deitava se com os pés da ilha de Páscoa. Ficava se imóvel durante três dias, no fim dos quais o tempo já teria curado a ressaca de qualquer maneira.
Uma cerveja bem gelada na hora de acordar Por alguma razão o método mais popular.
Canja Acreditava se que uma boa canja de galinha de madrugada resolveria qualquer problema. Era preciso especificar que a canja era para tomar, no entanto. Muitos mergulhavam o rosto no prato e tinham de ser socorridos às pressas antes do afogamento.
Minha experiência maior era com a cuba libre, mas conheço outros tipos de ressaca, pelo menos de ouvir falar.
Você sabia que o uísque escocês que tomara na noite anterior era paraguaio quando acordava se sentindo como uma harpa guarani. Quando a bebedeira com uísque falsificado era muito grande, você acordava se sentindo como uma harpa guarani e no deposito de instrumentos da boate Catito's em Assunção.
A pior ressaca era de gin. Na manhã seguinte, você não conseguia abrir os dois olhos ao mesmo tempo. Abria um e quando abria o outro, o primeiro se fechava. Ficava com o ouvido tão aguçado que ouvia até os sinos da catedral de São Pedro, em Roma.
Ressaca de martini doce: você ia se levantar da cama e escorria para o chão como óleo. Pior e que você chamava a sua mãe, ela entrava correndo no quarto, escorregava em você deslocava a bacia.
Ressaca de vinho. Pior era a sede. Você se arrastava até à cozinha, tentava alcançar a garrafa de água e puxava todo o conteúdo da geladeira em cima de você. Era descoberto na manhã seguinte imobilizado pôr hortigranjeiros e laticínios e mastigando um chuchu para alcançar a umidade. Era deserdado na hora.
Ressaca de cachaça. Você acordava sem saber como, de pé num canto do quarto. Levava meia hora para chegar até à cama porque se esquecera como se caminhava: era pé ante pé ou mão ante mão? Quando conseguia se deitar, tinha a sensação que deixara as duas orelhas e uma clavícula no canto.
Olhava para cima e via que aquela mancha com uma forma vagamente humana no teto finalmente se definira. Era o Peter Pan e estava piscando para você.
Ressaca de licor de ovos. Um dos poucos casos em que a lei brasileira permite a eutanásia.
Ressaca de conhaque. Você acordava lúcido. Tinha, de repente, a resposta para todos os enigmas do universo. A chave de tudo estava no seu cérebro. Devia ser por isso que aqueles homenzinhos estavam tentando arrombar a sua caixa craniana.
Você sabia que era alucinação, mas por via das dúvidas, quando ouvia falar em dinamite, saltava da cama ligeiro.
Hoje não existe mais isto. As pessoas bebem, bebem e não acontece nada.
No dia seguinte estão saudáveis bem dispostas e fazem até piadas a respeito. De vez em quando alguns dos nossos se encontram e se saúdam em silêncio. Somos como veteranos de velhas guerras lembrando os companheiros caídos e o nosso heroísmo anônimo. Estivemos no inferno e voltamos, inteiros.

Um brinde. E um Engov.

Texto de Luís Fernando Veríssimo recolhido por Danyel Saak

"Mesmo sendo meio comprido, vale a pena se algum dia você já esteve
realmente de ressaca..." Daniel Sak

Obrigado Danyel por me teres dado a conhecer este autor brasileiro. Espero que este texto sirva para outras pessoas, tal como eu, diminuirem o seu desconhecimento sobre os escritores brasileiros. Se ficou interesado no Luís Fernando Veríssimo (filho do Erico Veríssimo) vá até este endereço:
http://siciliano.uol.com.br/
e digite o nome deste autor ou peça me outros elememtos que lhe enviarei uma esclarecedor texto do Danyel Sak sobre Luís Fernando Veríssimo.

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A OVELHA RANHOSA

Havia uma terra onde eram todos ladrões. À noite todos os habitantes saíam, com as gazuas e a lanterna cega, e iam arrombar a casa de um vizinho.
Tornavam a casa de madrugada, carregados, e davam com a casa assaltada.
E assim todos viviam em concórdia e sem dano, porque um roubava o outro, e este um outro ainda e assim por diante, até que se chegava a um último que roubava o primeiro.
O comércio naquela terra só se praticava sob a forma de vigarice tanto por parte de quem vendia como por parte de quem comprava. O governo era um bando de criminosos agindo conta os súbditos, e os súbditos por sua vez só se procupavam em defraudar o governo. Assim a vida prosseguia sem tropeções, e não havia nem ricos nem pobres.
Ora, não se sabe como, aconteceu que na terra se veio instalar um homem honesto. À noite, em vez de sair com o saco e a lanterna, ficava em casa a fumar e a ler romances.
Vinham os ladrões, viam a luz acesa e não entravam.
Este facto durou pouco tempo: depois tiveram de fazer lhe compreender que se ele queria viver sem fazer nada, isso não era razão para não deixar fazer os outros. Cada noite que ele passava em casa, era uma família que não comia no dia seguinte.
A razões destas o homem o homem honesto não podia opor se. Começou também a sair á noite, mas não ia roubar. Não havia nada a fazer: era mesmo honesto
Ia até à ponte e ficava a ver a á passar por baixo. Tornava a casa, e encontrava a roubada.
Em menos de uma semana o homem honesto viu se sem tostão, sem comer, e com a casa vazia.Mas até aqui nada de mal, porque a culpa era dele; o problema é que dete seu modo de vida nascia toda uma trapalhada. Porque ele deixava roubar tudo e entretanto não roubava nada a ninguém; assim havia sempre alguém que ao chegar a casa de madrugada a encontrava intacta: a casa que ele devia ter roubado. O facto é que ao fim de uns tempos os que não eram roubados ficaram mais ricos que os outros e já não queriam ir roubar. E por outro lado, os que vinham roubar a casa do homem honesto davam com ela sempre vazia; e assim iam ficando pobres.
Entretanto, os que ficaram ricos ganharam também o hábito de irem à ponte, ver a água passar por baixo. Isto aumentou a confusão, porque houve muitos outros que ficaram ricos e muitos outros que ficaram pobres.
Ora os ricos viram que, indo à noite à ponte, ao fim de uns tempos ficariam pobres. E pensaram: vamos pagar aos pobres para que vão roubar por nossa conta. Fizeram se os contratos, estabeleceram se os salários e as percentagens: naturalmente continuavam sempre a serem ladrões, e tentavam enganr se uns aos outros. Mas como sempre sucede, os ricos ficavam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.
Havia ricos tão ricos que já não precisavam de roubar e de mandar roubar para continuarem a ser ricos. Mas se deixassem de roubar ficariam pobres porque os pobres os roubavam. Então pagaram aos mais pobres dos pobres para que defendessem as suas coisas dos outros pobres, e assim instituíram a polícia, e construíram prisões.
Deste modo, logo poucos anos após o acontecimento do homem honesto, já não se falava de roubar nem de ser roubado, mas só de ricos ou de pobres; no entanto continuavam a ser todos ladrões.

Honesto só houve esse tal, que morreu de repente, de fome.

(Mais uma história de Italo Calvino escolhida por Fátima Belo)

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O HOMEM QUE CHAMAVA TERESA

Desci do passeio, dei uns passos para trás olhando para cima e, ao chegar ao meio da rua, levei as mãos à boca à maneira de altifalante e gritei para os últimos andares do prédio:
Teresa!
A minha sombra assustou se com a lua e agachou se toda encolhida aos meus pés.
Passou um tipo. Chamei de novo:
Teresa!
Ele aproximou se e disse:
Se não chamar mais alto ela não ouve. Podemos experimentar os dois. Eu conto até três, e ao três atacamos. E disse:
Um, dois, três.
E juntos gritámos: Tereeesaaa!
Passou um grupo de amigos que vinham do teatro ou do café e nos viram aos dois a chamarmos. Disseram:
Vá lá, que damos também uma vozinha.
E vieram também para o meio da rua e o primeiro disse um dois três e então com todos em coro gritou se:
Te reeee saaaa!
Passou ainda mais alguém que se juntou a nós; ao fim de um quarto de hora já nos tínhamos juntado muitos, uns vinte, quase. E de quando em quando chegava um novo.
Pôrmo nos de acordo para gritarmos bem, todos juntos, não foi fácil. Havia sempre alguém que começava antes do três ou que prolongava demasiado uma sílaba, mas por fim lá se conseguiu fazer uma coisa bem feita. Combinou se que te era dito baixo e longo, re agudo e longo, e sa baixo e breve. Saiu muito bem. Depois, de vez em quando uma ou outra altercação porque alguém desfinava.
Começávamos já a perder o fôlego quando um deles, que a julgar pela voz devia ter a cara cheia de sardas, perguntou:
Mas têm mesmo a certeza de que ela está em casa?
Eu não respondi.
Mau disse outro. Esqueceu se da chave, não foi?
Lá por isso disse eu a chave tenho a.
Então perguntaram me porque não entra?
Mas eu não moro aqui respondi. moro do outro lado da cidade.
Mas então, desculpe a curiosidade perguntou circunspecto o da voz cheia de sardas, quem mora aqui?
Não sei dizer lhe disse eu.
Houve um certo descontentamento à volta.
Mas então pode se saber perguntou um com a voz cheia de dentes porque chama por Teresa aqui em baixo?
Cá por mim respondi podemos até chamar por outro nome, ou noutro sítio. Pelo que custa...
Os outros ficaram mal dispostos.
Não quis pregar nos uma partida? perguntou o das sardas, suspeitoso.
Qual quê? disse eu ressentido, e virei me para os outros a pedir aval pelas minhas intenções. Os outros ficaram em silêncio, mostrando que não tinham captado a insinuação.
Houve um momento de mal estar.
Vejamos disse um bonacheirão. Podemos chamar Teresa mais uma vez e, depois vamos para casa.
E fez se mais uma vez um dois três Teresa! mas já não saiu tão bem.
Depois dispersámo nos, uns para um lado, uns para o outro.
Já tinha virado a esquina da praça quando me pareceu ouvir ainda uma voz
gritar:
Tee ree saaaa!
Alguém deve ter ficado a chamar, teimoso.

(Uma história de Italo Calvino escolhida por Fátima Belo)

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Juro que não sei por que acontecem estas coisas comigo.Vinha da Feira da Ladra, e alguém que parecia conhecer me diz me de uma assentada: encontrámos o seu cão!
Surpreendido, me acanhei. Mas eu não tenho cão algum!, justifiquei. De nada me serviu. Que o cão era meu, viram no andar a rondar os meus passos e coisas assim...
Gatos tenho. Siameses, com dois interessantes nomes: Romeu & Julieta.
Fui apanhado. Vão dar se bem, siameses gostam de cães e qualquer cão gosta de siameses, etc., couves & tal. Pronto! Sem grande convicção, lá levei o bicho.
De caminho, comprei o Expresso, já com aquela mariquice de amarelo vermelho azul. Abri um dos volumes o sexto, se não me engano, e lá vinha um anúncio a reclamar o retorno de um cão de raça e tudo, mas impresso ao contrário. Provavelmente, foi isso que me chamou a devida atenção. Por uma mera distracção, o respectivo fotolito (sem acento, sff) ficou invertido. Ou seja, assentou mal na esquerda da página.
Acontece aos melhores, comentei para dentro.
Bem, vai daí, peguei num espelho e li tudo!
Telefonei, o Dono do Bicho veio ter comigo, agradeceu, queria dar me alvíssaras, recusei, tal como evitei que me levasse os siameses.
À despedida, aconteceu o insólito. O Romeu rugiu.
Façam o favor de imaginar o resto.
*
Julgava eu que a crónica por aqui ficaria. Ignorância total!
*
Ao pegar no DNA, outra me surpreende. Não é que o nosso JMEQ envia aos POSTAES uma mensagem digna de respeiro e vénia. E vinda de Paris! Vem na página nove, atropelada por um (auto)móvel CYP 37 V.
Pareceu me um táxi em sentido contrário. Ou seja, como diria a minha Tia OLAVA. não há duas sem três.
Viva, pois, a Pandilha.
Desculpem, queria dizer a Bastilha.
*
E, por hoje, é tudo.
Abraços à rapaziada que nos lê.
O escriba de serviço Joaquim Alves

Joaquim Alves

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André e Elaine

Um sujeito chamado André conheceu uma garota chamada Elaine. Ele a convida para ir ao cinema; ela aceita; eles vão e se divertem.
Alguns dias depois, ele a convida para jantar, e também se divertem.
Eles continuam a se ver regularmente, e depois de um tempo nenhum deles consegue sair com outra pessoa.
E então, numa noite quando estão voltando para casa, um pensamento vem a cabeça de Elaine, que, sem muito pensar, diz:

Você se deu conta de que esta noite faz seis meses que estamos saindo juntos?

De repente, um silêncio instaura se no carro. Para Elaine, é um silêncio longo e profundo. Ela pensa "Xiii, espero que ele não se chateie com isso. Talvez ele esteja se sentido sufocado pelo nosso relacionamento. Talvez esteja pensando que eu estou tentando forçá lo a um compromisso que ele não está querendo no momento, ou não tem muita certeza".

E André está pensando: "Nooossa! Seis meses!".

E Elaine pensa: "É, mas eu não sei se ele está querendo este tipo de relacionamento. Às vezes eu penso que seria bom eu ter um pouco mais de espaço, para ter um tempo para pensar no que eu quero neste relacionamento, para onde estamos indo... Isto é, se é ele mesmo que eu quero... Se queremos continuar nos vendo deste jeito ou queremos mais intimidade... Será que vamos nos casar? Ter filhos? Compartilhar nossas vidas? Será que eu estou pronta para este compromisso? Será que eu conheço ele tanto assim?".

E André pensa: "Seis meses... Quer dizer que foi em abril, logo depois que eu comprei o carro... Isso quer dizer que... deixe me ver o odometro... Xiii... Passei a troca de óleo!".

Elaine esta pensando: "Ele esta chateado. Posso ver isso no rosto dele. Talvez eu esteja redondamente enganada. Talvez ele esteja querendo mais do nosso relacionamento, mais intimidade, mais compromisso; talvez ele tenha percebido, até mesmo antes de mim, que eu estou com algumas reservas. Sim, aposto que é isso. É por isso que ele está tão relutante em falar de seus sentimentos. Ele tem medo de ser rejeitado".

E André pensa: "Eu preciso ver essa caixa de cambio. Não interessa o que essa besta de mecânico diz, não tá engatando direito. E não venha ele me dizer que é por causa do frio. Já estamos quase no verão e esse cambio ainda tá duro. E olhe que eu paguei 600 paus pra ele consertar".

E Elaine pensa: "Ele está zangado. E não posso culpá lo. Eu estaria zangada também. Meu Deus, me sinto tão culpada, deixando o deste jeito. Mas não posso impedir de me sentir insegura..."

E André pensa: "Com certeza ele vai me dizer que a garantia de três meses ja terminou. Desgraçado, eu sei que é isso que ele vai dizer!"

E Elaine continua pensando: "Talvez eu seja muito idealista, esperando por um cavaleiro no seu cavalo branco, quando estou sentada ao lado de um sujeito legal, um cara com quem gosto de estar, um sujeito que se preocupa comigo, e com quem eu me preocupo. Um cara que está magoado pelo meu egoismo, pela minha fantasia de colegial".

E André continua pensando: "Garantia? Foda se a garantia. Eu quero e meu cambio funcionando. Eles podem é enfiar essa garantia no rabo. Eu quero meus direitos..."

André! diz Elaine em voz alta.
O quê? responde André, assustado.
Por favor, não se torture deste jeito ela continua, os olhos se enchendo de lágrimas Talvez eu não devesse... Oh, meu Deus, estou me sentindo tão...

Ela pára, soluçando.

O quê? pergunta André.
Eu sou uma tonta diz Elaine Quero dizer, sei que não existe cavaleiro. Eu sei disso de verdade. É besteira. Não há cavaleiro, e não há cavalo.
Não há cavalo? pergunta André.
Você está pensando que eu sou boba, não é? pergunta Elaine.
Não diz André, aliviado por ter encontrado finalmente a resposta correta.
É só que eu preciso... continua Elaine preciso de um tempo.

Passam se quinze segundos, durante os quais André, pensando o mais rápido que pode, tenta encontrar uma resposta conveniente. Finalmente ele acha uma que deve servir:

Tá certo.

Elaine, profundamente magoada, toca na mão dele.

Oh, André, você realmente se sente desse jeito?
Que jeito? pergunta André.
Desse jeito sobre o tempo diz Elaine.
Oh diz André Sim.

Elaine se vira para ele olhando o no fundo dos olhos, assustando o com o que ela vai dizer, principalmente se estiver envolvendo um cavalo!

Obrigado, André ela diz.
Obrigado diz Andre.

Ele a leva para casa. Ela deita na cama, em conflito, a alma torturada, e desaba a chorar. Enquanto isso, André vai para a casa dele, põe um pacote de pipoca no micro ondas, liga a televisão, e se liga profundamente num jogo de futebol do campeonato italiano entre dois times de quem ele não tem a mais remota ideia de quem sejam. Uma voz lá do fundo que alguma coisa séria foi discutida no carro, mas ele tem certeza de que ele não iria entender mesmo, portanto é melhor nem pensar nisso. O que, aliás, é o que ele pensa também a respeito da fome no terceiro mundo...

No dia seguinte Elaine vai ligar para sua melhor amiga, ou talvez duas, e elas ficarão conversando a respeito da situação por seis longas horas. Com detalhes doloridos, elas analizarão tudo que foi dito, voltando no tempo e fazendo projeções, explorando cada palavra, cada expressão, cada gesto para entender as nuances de significado, considerando qualquer ramificação plausível. Elas continuarão a discutir este assunto por semanas, talvez meses, sem nunca chegar a uma conclusão, mas sem nunca se cansar.

E o André, ao jogar ténis com um amigo comum, irá dar uma parada antes de sacar, e perguntará ao amigo:

Hei, você sabe se a Elaine já teve um cavalo?

(Autor desconhecido)

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O cineasta amador.

O senhor era uma simpatia. Tinha uma fábrica de fogões domésticos ali para as bandas de Setúbal e fazia um ou dois filmes por ano sempre com a mesma agência, a "Suiço Português", que por sua vez me escolhia para produzir e realizar.
O senhor não falhava uma filmagem. Nunca apareceu noutras fases da produção mas à filmagem não faltava. Durante o trabalho tornava se um pouco "incómodo" porque não parava de fazer perguntas sobre tudo o que se passava no estúdio. Nunca com ares de "eu sou o cliente"! Antes pelo contrário: assumia uma posição de aprendiz interessado em tudo o que dizia respeito à arte de filmar. E um dia soube o porquê de tanta curiosidade.
Nesse dia aceitei o convite par ir jantar a sua casa, também perto de Setúbal. Recebeu me rodeado pela mulher, lindíssima, e pela filha, de meses, e enquanto o jantar não estava pronto convidou me a ir ver os seus filmes. Nesse tempo de 8m/m em gloriosa côr da Kodak.
Estava explicada a curiosidade do senhor. Ele era cineasta amador! Lá fui e passado algum tempo estava completamente tonto com as suas imagens, típicas de um amador sem jeito: zoom para a frente, zoom para trás, panorâmica para baixo, para cima, para a esquerda e para a direita sempre sem um momento de paragem. Já para não falar da escolha dos motivos. Que eram sempre e só sobre a Natureza.
"Eu só filmo a Natureza" dizia ele entusiasmado.
Terminada a sessão pediu, claro, a minha opinião. Preocupado em não o "ferir" lá fui dizendo que a câmara tal como os nossos olhos "gostava" de ver as coisas e para isso precisava de tempo. Não concordou e ali, mais uma vez, concluí que se já difícil discutir uma arte com o "artista" muito menos é possível se o "artista" for uma amador. Mas lá me safei ou foi o jantar pronto que me safou. Terminada a refeição fomos pôr a bebé na cama e a seguir...veio o grande momento:
"Agora, meu caro Luís Gaspar, a grande surpresa, Tá tá ri!!!!!!
Voltámos à sala de projecção e eu fui confrontado com dez minutos de filme...do nascimento da filha!
O mais grave é que ele parecia ter seguido os meus conselhos, antes de eu lhos dar. A câmara, naquele caso, focava o tema demorada e "ensanguentadamente"! Como eu detestei, nesse momento, a magnífica qualidade da côr do 8 m/m!

(Luís Gaspar Maio de 99)

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Mal ditos

Não há nada como os ditos. Nem os falados nem os ouvidos. Os ditos são os que realmente contam para determinar os ramos das nossas vidas. Os ditos são tão importantes que (alguns, os que realmente tocam a alma humana) se tomam populares. E contra um dito popular não há argumentos.
A culpa é dos intelectuais. Aliás, a culpa é sempre dos intelectuais. As classes bem pensantes de todos os países recusam se a questionar os ditos populares. Os intelectuais são capazes de passarem horas numa tertúlia a debater a origem do ser e do nada, mas recusam se a admitir que gerações inteiras são mal formadas ao ouvirem coisas como "Deus ajuda a quem cedo madruga", ou "devagar se vai longe". Talvez seja por medo de retaliações físicas da parte de avós bem intencionadas ou tias em geral, que levam muito a sério a missão de perpertuar ao longo dos séculos estas verdadeiras pérolas do senso comum.
A verdade é que você pode questionar a opinião do ministro, não aceitar a decisão da mãe, não levar em consideração o conselho do padre, mas com o dito não é assim. O dito é incontomável. O dito é a verdade máxima. Contradizer um dito é dar o dito pelo não dito o que é (você há de concordar) uma atitude socialmente deplorável.
Não há nenhuma prova cabal de que Deus ajuda mais a quem levanta mais cedo. Pelo contrário. Eu sentiria me um abençoado se pudesse acordar todos os dias ao meio dia apenas para coçar a barba e virar para o lado. E quanto ao facto de que "devagar se vai longe", tenho lá também as minhas dúvidas. Que eu saiba, quem vai devagar chega atrasado.
"A verdade vem sempre ao de cima" não passa de uma falsa verdade que vem ao de baixo. Este dito não passa de um consolo pouco prático para quem está a ser enganado. Não é mais do que uma ferramenta de marteting para os mentirosos. É como se você não devesse se preocupar em ir à esquadra denunciar o que quer que seja. Não precisa. A verdade, inexoravelmente, virá ao de cima. Só que na maioria das vezes não vem. Se calhar, porque vem devagar. Ou porque acorda tarde e Deus não ajuda.
Mas também há aqueles ditos que possuem lá a sua lógica. "Se os cães soubessem rezar, choveriam ossos." É provável. Como se os gatos rezassem choveria leite e se eu tivesse um bocadinho mais de fé nas minhas preces choveriam Uma Thurmans e haveriam verdadeiras tempestades de Bárbara Guimarães.
"Água mole em pedra dura tanto bate até que fura." Isto se a água não acabar antes. E, já agora, para o que e que serve uma pedra furada? "Deus dá nozes a quem não tem dentes." Qual o problema? Quem não tem dentes também merece respeito e ganhar de Deus o que Ele quiser dar. Os desdentados e banguelas em geral podem e devem comer nozes com regularidade. Até porque é um alimento muito nutritivo e, já que não têm dentes, que pelo menos tenham saúde. "Nem tudo que reluz é ouro." Mentira. Se vir alguma coisa a reluzir, pode ter a certeza de que é ouro. Nada mais reluz hoje em dia. Reluzir já se tornou numa palavra arcaica. Brilhar é muito mais contemporâneo. "Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar" O Greenpeace já marcou um protesto em Nova Iorque contra este dito. Os pássaros, na opinião dos ecologistas, não foram feitos para ficar na mão de ninguém. E estão a fundar o movimento Free Birds para acabar com esta análise economicista do valor da liberdade de uma espécie.
Os ditos deveriam ser abolidos numa revolução pragmática. Não é de graça que o sinónimo de dito é ditado. O que é ditado dura. Mais um bocado e é uma ditadura.
Ou como diria o meu Tio Olavo: "Se a minha avó tivesse rodas, seria uma patinete."

(Edson Athayde nas suas crónicas "O país das palavras" do "Diário de Notícias")

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(Em Lisboa, acontecem nos encontros de tudo. Um escultor no metro.
Um pintor no autocarro. E o que adiante se verá.)

VIVA A GRALHA, animal de consumo diário.

Andava eu mansinho, a tentar despercevindo me, quando me encontrei com um tal briefing (ou prisma) a perseguir me. Saltei, pois então! Só que, logo a seguir, veio o meius e a dona lauda da publicidade. E fui assaltado. Fiquei em cuecas, que mais não me deixaram. Valeu me o Santo António, que vinha de mais uma pregação aos peixinhos do Tejo e (calculem!) o Luís, que vinha d' O Cantinho dos Locutores, a conversar com um incógnito e bonacheirão, de seu nome Duarte. E eu não queria acreditar!
Um pouquinho mais abaixo, e para grande surpresa minha, aparece me o Rui, todo branco, a barafustar: "logo hoje que tinha planos!" E depois? perguntei lhe. "Um pneu furado, aqui, em pleno coração de Lisboa." Deixa lá! retorqui lhe. Lisboa não tem coração que valha a chatice de um pneu furado. "Tu achas?!" Não. Tenho a certeza. Vai daí, o Rui telecomunicou (não sei p'ra quem): "mandem me o pneu q'aí deixei ontem, etecétera e tal & talíssimo..." Percebi, finalmente, o desespero do Rui. Dois furos, em dois dias, é coisa rara.
Rara? Dois furos num só dia já eu tive. E nem carta de condução tinha...
Rara é só uma pequena ave. Querem saber o nome?
Vão, s.f.f., ao dicionário. Penso que deve estar lá tudo: contactóculus, cópius, criativolóquios, locutórius, peixóculus, medióculus, & n coisóculas plus.
Se não encontrarem, contactem esta página e as seguintes.
Ah, e desculpem as gralhas. Elas poisam onde a gente menos adivinha. Como se nos fizessem muita falta.

PS Nos últimos três anos, vieram ter comigo qualquer coisa como 27.520!
Muitas? Não. Por menos, o New York Times mudava o corpo de revisores.
É só fazer contas, sem pensar em dólares. Stá bem?!

(Joaquim Alves Abril de 99
Copy freelance allegro@esoterica.pt)

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"...a mãe que te pariu!..."

Já imaginou gritar um palavrão em um recinto público e a reação das pessoas ser de euforia e aplausos? Pois aconteceu.
É a respeito de uma palavra que para nós tem conotação de palavrão. Bom, nada de novo já que como dizemos, só no Brasil...até um número (24) é palavrão.
A palavra é a tal "pariu"...calma...tudo bem...uns minutos para vocês se recomporem....tudo ok...? Continuando.
Sim,todos nós ficamos chocados porque a palavra sempre lembra o tal palavrão. Se existisse um Hit Parade Bilboard dos Palavrões, ou um Grammy dos Xingamentos ele estaria sempre entre os indicados para ganhar a estatueta "IS YOUR" (É A TUA!).
E como esta palavra é usada somente como palavrão, para a grande maioria dos brasileiros isso já é um palavrão..quando deveria ser apenas "dar à luz".
Pois bem, na Espanha apesar desta conotação, ela é usada em uma outra frase.
Funciona assim: cada vez que alguém canta ao vivo, faz sucesso, (por exemplo, um cantor num show) e arrebata a platéia; pode esperar: no cúmulo da emoção, das palmas e dos assobios, alguém sempre levanta e grita: "Bendita sea la madre que te pario!!!". Ou seja, "Bendita seja a mãe que te pariu".
E quem grita é sempre uma senhora com voz potentíssima (não me perguntem porquê é a tal senhora).
Depois deste grito frase, o público, que já estava em pleno frenesi, acaba entrando em convulsão epiléptica musical e aplaude ainda mais.
E uma parte do público se vira para a tal senhora com voz de trueno (mais uma expressão espanhola....voz de trovão) e aplaudi la e confraternizar se com ela. E a tal senhora neste momento acaba
compartilhando os louros com o artista, só pelo fato do parió que ela disse.
Mas não é um parió qualquer, é preciso saber entonar a voz da forma correta e principalmente o momento certo de dizê lo, ter o timming perfeito. Já imaginou um parió na hora errada..?...nem quero pensar, pois não só prejudicaria a tal senhora, como o público se sentiria frustrado e o artista, ao invés de ter o seu apogeu, estaria num anti clímax que estragaria todo o espetáculo.
Mas não se enganem...no meio da profusão de aplausos, quando a tal expressão corta a escuridão da platéia feito um raio, quem é brasileiro mesmo, tem sempre a mesma reação de susto, por mais madres que te pariós que tenha escutado até hoje. E claro, o primeiro pensamento sempre é "mandaram o cara pra pqp".
Mas, depois de um tempo começa a aparecer a vontade de participar. Então uma vez fomos a um show em Madrid...show de Flamenco....isso...perfeito.
Lá pelo meio do show a platéia estava incendiada e eu com vontade de dar o tal grito...tomando coragem...mais...mais...e de repente aparece de novo cortando o ar o grito da tal senhora... "bendita sea la madre que te parió!!!!"......ah...pra que...entrei nessa também "BENDITA SEA LA MADRE QUE TE PARIÓ!!!...e o público virando para todos os lados novamente em delírio tentando localizar de onde vinham os la madre que te parió.
E eu incentivando a Cinthia...vai...grita...agora...faz a catarse...vai...repete...la madre que te parió...vai...é bom pra treinar o castellano...vai...
Sim, é uma sensção muito boa gritar isso sem ninguém te olhar feio...pelo contrário...todos sorriem para você (mas sempre fica aquela sensação de estar gritando um palavrão em plena geral do Maracanã).
No meio disso tudo só quem não entedia nada era um grupo de ingleses e japoneses que assitiam o show e foram pegos de surpresa pelos madres que te parió que voavam pela paltéia...What..? Madre...? Palió...? ...e o delírio coletivo continuava.
No fim, os turistas japoneses além de levarem o "madre que te parió para o Japão, ainda vão miniaturizá lo e re exportá lo para a Europa em forma de alerts soud para computador... "MADRE QUE TE PARIÓ...SORRY...ERROR 37.
Já os ingleses (depois das tradicionais milhares de copitas de vino que eles absorvem durante todo o Verão espanhol), vão levar o madre que te parió para Londres, sampleá lo juntamente com a voz da senhora e no próximo Verão vão lançar nas discotecas e rádios de toda a Europa o hit "bendita sea la madre que te parió!, Yeah!

(Danyel Sak Abril de 99)

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"Buceta 2"

Quando li aquela confusão sobre a buceta que julgo já estar devidamente esclarecida lembrei me de uma barafunda bem maior que ocorreu aí há uns bons trinta anos atrás, ainda a guerra colonial estava no auge.
A fim de conseguir apoios políticos e certamente não só o Governo português achou por bem enviar em missão de charme a Brasília uma delegção de militares portugueses chefiada pelo então CEMGFA (sabem o que é não sabem?) Tudo estaria bem se o pomposo nome do garboso General não fosse, imaginem, Buceta Martins!!!
Imaginem o título do Jornal de São Paulo: Portugal Manda Buceta ao Brasil!
Sei que o então Embaixador do País Irmão, em pânico, lá convenceu as autoridades portuguesas a adiar a viagem que, meses mais tarde, seguiu, mas chefiada por outro General que é o que não falta por aqui, como se sabe.

(Guilherme Nogueira Março de 99)

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"Buceta"?

Historinha: Gezo estava conversando com os colegas da Lintas e em certo momento referiu se a um personagem, Monga, como sendo uma macaCONA.
Silêncio. Mal estar.
Explicaram lhe, então, que "cona" é uma palavra maldita.
Não se usa nem mesmo aquelas que terminam com suas sílabas.
Gezo, que é brasileiro, explicou que no Brasil é bem diferente e que aqui se usa outra palavra para o mesmo sentido: buceta.
Resultado: a moçada da Lintas simpatizou com a palavra e passou a utilizá la nas mais diversas ocasiões na rua, no elevador, nas reuniões, para desejar Bom Dia matando Gezo de vergonha.

(João Marcon Brasil. Março de 99)

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As regras

1. É o CLIENTE que define, em todas as circunstâncias, as REGRAS
2. O CLIENTE pode alterar as REGRAS sem que seja necessário informar a AGÊNCIA.
3. A AGÊNCIA não pode conhecer todas as REGRAS.
4. Se o CLIENTE suspeita que a AGÊNCIA conhece todas as REGRAS deve alterá las.
5. O CLIENTE nunca se engana.
6. Se o CLIENTE se engana isso deve se a um mal entendido que resulta de qualquer coisa que a AGÊNCIA disse ou fez.
7. A AGÊNCIA deve ser responsabilizada pelos prejuízos causados pelos mal entendidos.
8. O CLIENTE pode mudar de opinião em qualquer altura.
9. A AGÊNCIA nunca deve mudar de opinião sem o consentimento, por escrito, do CLIENTE.
10. A AGÊNCIA nunca se pode zangar (mudar de CLIENTE).
11. O CLIENTE pode zangar se (mudar de AGÊNCIA) em qualquer momento.
12. A AGÊNCIA deve manter se sempre calma a não ser que o CLIENTE a deseje aborrecida.
13. O CLIENTE não deve, em nenhuma circunstância, mostrar à AGÊNCIA quando a deseja ver aborrecida.
14. A AGÊNCIA deve adivinhar os pensamentos do CLIENTE.
15. O CLIENTE está disponível quando está disponível.
16. A AGÊNCIA trabalha 365 dias por ano.
17. Tentar pôr as REGRAS por escrito pode trazer graves prejuízos à AGÊNCIA.
18. Os fins de semana do CLIENTE não podem ser perturbados.
19. O CLIENTE remunera a AGÊNCIA quando e como quiser.
20. Os efeitos do ponto anterior devem se repercutir nos fornecedores da AGÊNCIA.
21. O êxito de uma campanha é sempre mérito do CLIENTE.
22. Os erros de fabrico do produto podem, se o CLIENTE o entender, ser atribuídos à AGÊNCIA.
23. Os melhores textos de uma campanha são sempre escritos com a colaboração do CLIENTE.
24. As contas dos almoços e jantares de trabalho (entre outras despesas) são sempre da responsabilidade da AGÊNCIA.
25. O CLIENTE estará sempre presente às filmagens quando estas incluirem jovens modelos.
26. O CLIENTE só dará como aprovada uma peça da campanha após consulta à sua empregada doméstica oriunda dos PALOP. Esta consulta não deve ser do conhecimento da AGÊNCIA.
27. O negócio da AGÊNCIA é um bom negócio.
28. O negócio do CLIENTE precisa sempre de um subsídio do Estado.

(Luís Gaspar Novembro de 2004)

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O realizador era françês.

Tratava se daquilo a que se chama, na publicidade, a reunião de "pré produção". Um encontro que antecede o arranque da produção de um filme e onde se discutem os pormenores que envolvem todo o processo. Cenários, personagens, adereços, guarda roupa, etc, etc. Assistem, normalmente, os criativos e o realizador do filme (com os seus ajudantes) e os "accounts" quando o cliente também está presente. Como era o caso. O cliente, neste caso uma jovem "Product Manager" bonita, muito "senhora do seu nariz" dava à reunião o tom de coisa séria onde as piadas habituais dos criativos não eram bem vindas.
Toda a gente dava a sua opinião sobre tudo como, aliás, é costume, quando alguém reparou que o realizador, a pessoa mais interessada estava calado e com ar perdido no meio da discussão. Isto porque o pobre era françês e não percebia patavina de português. Nesse momento a "senhora" cliente resolveu, num françês perfeito, convidar o realizador a pronunciar se sobre uma das personagens do filme, aquela, que estava no momento a ser discutida: uma mulher não muito nova, com ar pouco simpático.
Ao que o realizador disse;
"Comme vous dites en portuguais, pour moi, il s'agit d'une mulherr mál fudidá".

(Luís Gaspar Fevereiro de 99)

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Campanhas de solidariedade.

Não, não vou dizer qual era a agência apesar de já não existir. O "Cliente"? Uma grande organização internacional protectora das criancinhas. O produtor? O realizador? Que importa? O que interessa dizer é que vinhamos a produzir, já há alguns anos (uma vez por ano) um filme a apelar aos cidadãos para contribuirem com uns dinheiritos para a tal organização. Todos os publicitários envolvidos "ofereciam" o seu trabalho. Eu, com prazer (sou um "mãos largas" para estas coisas!) lá ia fazendo a locução dos filmes "à borla" a pensar, desvanecido com a minha própria bondade, no número de vacinas que seriam compradas com o valor do meu "cachet". Como sucedia com o filme daquele ano. Só que, no dia seguinte, telefonaram da agência a pedir que fosse repetir a locução.
"Porquê? Mudaram o texto?"
"Não. Não é bem isso!..."
"Não é bem isso?". "Então o que é?" esqueci me de perguntar.
No dia seguinte lá estava, de novo, na Chiquita (que julgo também fazia "uma borla") para refazer a locução. Apareceu, representando a tal organização uma simpática "tia" que foi levantando objecções sem qualquer relevância à locução anterior.
Como a senhora tinha um ar simpático achei que podia dizer, também com o ar mais simpático deste mundo, que aquelas observações não eram significativas nem num filme de publicidade normal quanto mais naquele que tinha sido feito "de graça"!...
"De graça?" disse a senhora com ar indignado.
"Pois fique sabendo que estou a pagar à ...(e disse o nome da agência) um dinheirão por este filme!!!"
E mencionou uma verba suficientemente grande para pagar todo o trabalho envolvido...aos preços normais!
Ainda pensei em mandar a factura. Limitei me, porém, a deixar de estar disponível para aquela agência. Creio que o produtor que era também o realizador fez o mesmo.
Lembras te, Steave?

(Luís Gaspar Janeiro de 99 a pensar nas campanhas de solidariedade)

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O Senhor Alexandre afinal enganou se!...

Corriam os primeiros anos da década de sessenta. Meu Deus, como vão longe estas coisas! Mas antes que se esqueçam é conveniente recordá las. Dizia eu que corriam os anos sessenta.
À FIMA LEVER era frequente, nessa altura ( e, se calhar ainda hoje), chegarem senhores importantes da "estranja" para fazerem prelecções sobre temas como a publicidade e marketing. Era o tempo em que dávamos os primeiros passos (a sério) sobre estas matérias.
Daquela vez o "bife" vinha falar sobre uma coisa totalmente desconhecida neste cantinho da Europa: grandes estabelecimentos a ocuparem grandes áreas , assim como mercearias em ponto muito grande. Qualquer coisa como "supermarkets" ou lá o que era!
Terminada a conferência, o administrador português na FIMA LEVER, ( o outro administrador era sempre holandês) resolveu dar a sua opinião sobre a matéria. Tratava se do sr. Alexandre dos Santos, dono do "Jerónimo Martins", o parceiro português da Unilever, um homem de estatura baixa, que fumava grandes charutos e que usava, na rua, claro, um grande chapéu à banqueiro. Apesar da baixa estatura tinha um vozeirão e, por feitio, "falava de cátedra".
Pois o sr. Alexandre, mais palavra, menos palavra, depois de agradecer o esforço do "senhor de fora" em tentar convencer o pessoal das vantagens das lojas grandes disse que tais estabelecimentos nunca poderiam existir em Portugal.
"Aqui, a dona de casa, está demasiado habituada ao sr. António e ao sr. Manuel para prescindir dos seus conselhos!"
Demorou uns anitos mas acabou por se verificar que o sr. Alexandre estava enganado.
O filho do sr. Alexandre dos Santos, provavelmente presente à conferência, não seguiu os conselhos do pai! "Filho de peixe sabe nadar" mas pode ser em estilos diferentes.
Como se vê!

(Luís Gaspar em Janeiro de 1999 a lembrar se dos primeiros filmes para os gelados da FIMA LEVER)

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O Pinga Amor

Fui hoje gravar com o Mário Jorge um filme de desenho animado de sua autoria para a cerveja Cristal. Um filme com um desenho (uma personagem) divertidíssima que não tem jeito para abrir a cadeira de praia (no filme do ano passado) e desta vez abrir um chapéu de chuva é uma aventura. E como acontece de cada vez que as gravações nos juntam falamos do passado, em especial dos tempos da Panorâmica e do seu pai: o Mário Neves, o primeiro (juntamente com o Servais Tiago) realizador de desenhos animados em Portugal. O Mário Neves foi, comigo, com o Faria de Almeida e com o Fernando Pernes, fundador da Panorâmica.
" E o que é feito do Pernes?" perguntou o Mário Jorge.
Na resposta iniciámos um rol de recordações sobre o Pernes, uma personagem notável, dedicado às artes, de que era crítico profissional, e que durante os "tempos da Panorâmica" também trabalhou em publicidade. Aliás é dele (com realização minha) o texto de um célebre filme para uma companhia de seguros (de que já não me lembro o nome) e que ganhou o "Grande Prémio" do filme publicitário no tempo em que o festival português era organizado pela Movirecord. Os "Galos" da publicidade.
Pois, e voltando ao Pernes, para além da aventura que foi o seu casamento com uma milionária americana, também ela dedicada às artes, ( o Pernes era um Pinga Amor famoso) recordei o episódio da minha compra da sua quota da Panorâmica e que agora passo a contar.
Veio, na altura, do Porto onde leccionava na Escola de Belas Artes. Juntámo nos na Baixa, no notário, para se proceder à escritura da compra. Setenta contos, foi a quantia que lhe paguei, uma verba muito razoável naqueles primeiros anos da década de 70.
Terminada a "cerimónia" notarial o Pernes pedi me que fosse com ele comprar "uma coisa".
Arrastou me para uma ourivesaria e "disparou" para o empregado:
"Mostre me todos os anéis de senhora que custem setenta contos".
O Pernes estava apaixonado.

(Luís Gaspar Janeiro de 99)

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Reconhecimento

Um dos sonhos de qualquer publicitário tal como do homem do "marketing" é fazer com que o seu produto seja recordado pelo consumidor. Melhor será se o recordar no supermercado, no momento da compra. Mas, aí, as coisas fiam mais fino. Recordá lo, pois, independentemente do local já é muito bom. Vem isto a propósito do que me aconteceu um dia destes. Fui gravar um "spot" para automóveis e o "briefing" (para os menos ligados às "publicidades": as indicações sobre os objectivos a alcançar com a leitura) foi mais ou menos assim:

"Trata se de um diálogo entre o avô e a neta e queremos que o tom da interpretação seja o mesmo daquele filme de chocolates, em que a menina dizia, em resposta a uma história que lhe estava a ser contada pelo avô "coelhinhos, não"...

Recorrer a uma peça para explicar como se pretende outra é normal e frequente. Seria, pois, natural a comparação com o filme referido. Só que o filme tem...20 anos! Foi produzido pela Panorâmica, realizado pelo João Rapazote e a menina, na altura com os seus quatro anitos, é hoje uma publicitária conhecida, a Filipa Schlesinger, filha do João. Por acaso a locução era do Luís Gaspar!
Só faltou (mas não se pode ter tudo!) recordarem o nome do chocolate. Mas eu, recorrendo à memória prodigiosa da Anabela (da Panorâmica), vou dizê lo: tratava se dos chocolates "Fantasias de Natal" da Imperial.
Os criativos, produtores e clientes, desta vez, realizaram um sonho muito difícil de concretizar: o seu trabalho ficou na memória dos consumidores!

Luís Gaspar Dezembro de 1998

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O manual do achismo

Um dos vícios mais frequentes dos cronistas (de todos os cronistas) é dizer o que acham. O problema é que hoje em dia acho cada vez menos. E olha que eu já achei muito. Já achei tanto que até já achei que não precisava procurar mais nada.
Portugal é o país do achismo. Toda gente acha alguma coisa sobre algo ou alguém. O importante em Portugal não é ter certezas. Muito pelo contrário. Certeza em Portugal é sinal de arrogância ou radicalismo. A certeza ofende. Já o achar é mais uma demonstração inequívoca dos nossos brandos costumes.
O português é um achista profissional. Achar faz parte da alma lusa. É por isso que Vasco da Gama é o nosso grande herói, não fosse ele ter achado o caminho das Índias.
O bom de achar é que quem acha não tem compromisso. Achar é livre. Você pode até achar errado e não ser punido por isso. Você não disse que era, apenas achava que era, logo a culpa não é sua
E é em homenagem ao achista que há dentro de todos nós que decidi transcrever aqui neste meu modesto cantinho alguns pensamentos geniais de pessoas que deram se ao trabalho de olhar para o mundo e tentar achar qualquer coisa. Posso estar enganado, mas acho que você vai gostar.

"Acho que toda gente precisa crer em algo. Creio que vou tomar uma cerveja." (Groucho Marx)
"Acho que Deus deve amar os homens medíocres. Fez vários deles." (Abrabam Lincoln)
"Acho que ele não sabe nada pensa que sabe tudo. Isso aponta claramente uma vocação para a política." (Bernard Shaw)
"Acho que o silicone que injectaram em seus seios também endureceu o seu coração." (ex marido da Rachel Welch)
"Acho que você deveria investir no mercado futuro. Compre ovos." (Jô Soares)
"Acho que o suícidio foi a melhor coisa que ele fez enquanto vivo." (Rodolfo Vani)
"Acho que um homem que tem um bilião de dólares deve se sentir tão bem como se fosse rico." (Malcom Forbes)
"Acho que os computadores não servem para nada. Eles só podem dar respostas." (Picasso)
"Acho que muita gente pensa que está a pensar quando está meramente a rearranjar os seus preconceitos." (Willian James)
"Acho que devemos sempre perdoar os nossos inimigos. Mas só depois que eles forem presos e fuzilados, é claro." (Frederico Saldanha)
"Acho que não tenho medo de morrer. Só não quero estar lá quando isso acontecer." (Woody Allen)
"Acho que todos os animais, com a excepção do homem, sabem que o principal objectivo da vida é usufruí la." (Samuel Butler)
"Acho que os homens são como os tapetes: às vezes precisam ser sacudidos." (João Gobern)
"Acho que o sexo só é sujo quando é feito da maneira correcta." (Woody Allen)
"Acho que se os idiotas voassem nunca veríamos o Sol." (Pedro Rolo Duarte)
"Acho que a parte mais sensível do corpo humano é o bolso." (Delfin Neto)
"Acho que na política é necessário falar muito sobre as coisas, pouco sobre as pessoas e nada sobre si mesmo." (Perón)
"Acho que casar é como deixar de fumar: a gente faz isso várias vezes, mas raramente é definitivo." (Sérgio Leite)
"Acho que o mundo divide se em dois tipos de pessoas: as simpáticas e aqueles que dizem que você engordou." (Gabriela Saldanha)
"Acho que melhor do que roubar um banco é fundar um." (Bertold Brecht)
"Acho que a chave para o sucesso nos negócios é reservar oito horas por dia para o trabalho e oito horas para dormir e ter a certeza de que não são as mesmas." (Carlos Baptista)

Ou como diria o mou Tio Olavo: "O importante não é achar. O importante é saber o que é que você está à procura."

(Texto de Edson Athayde publicado no DN de 22 de Novembro, Com a devida vénia e autorização, pois claro!)

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ENTÃO ELE PERGUNTOU: "ENTÃO, O QUE MAIS VOCÊ GOSTOU DA VIDA?"
ELA OLHOU PARA ELE E RESPONDEU "PIJAMAS...".

Há mais ou menos 2 anos e meio atrás a Cinthia se lembrou de uma massa enrolada com doce que a minha mãe fazia, e comentei com a Cinthia: "puxa...me lembro que a minha mãe fazia ela desde que eu e meus irmãos éramos pequenos..."
Ela respondeu: "Ah, eu lembro, depois que fui na sua casa comi, era enrolado com doce...muito bom...mas; como é que se faz...?"
Olhei para ela como se tivesse perdido um pedaço do meu passado...nunca tinha perguntado...e de repente eu, bem pequeno, estava entrando na cozinha, atraído pelo delicioso odor da massa assada no forno, para ver se estava pronta. Conversava algo com a minha mãe, via que não estava pronta e depois saía da cozinha e ia brincar. Só voltava quando ela estava retirando a travessa do forno.
De repente escuto novamente "...heim...como é que faz a massa...?" Era a Cinthia me acordando do meu sonho acordado. Voltei a ser adulto e senti novamente a sensação de ter perdido algo irrecuperável que ficou no passado.
A Cinthia voltou à carga... "e tinha também a torta de maçã...".
Pois é...a torta de maçã....que deve ter passado de gerações em gerações...e agora estava perdida no tempo...nunca mais voltar a sentir aqueles gostos e odores.
Olhamos um para o outro e ficamos ainda pensando como poderíamos recuperar tudo aquilo...e de repente deu um insight...: será que a tua tia da Argentina também fazia a massa enrolada e a torta de maçã...? Vamos escrever uma carta já...quem sabe...?...pode ser que sim...ou pode ser que não...que era receita só da minha mãe.
Escrevemos a carta e depois de algumas semanas veio a resposta: as receitas.
Felicidade...comentamos e dissemos que íamos fazer, sim...vamos, isso!!...mas...por algum motivo a receita foi parar algum lugar desconhecido e hibernou por mais 2 anos e meio.
E eis que ontem vasculhando papéis a encontramos...como uma velha amiga que veio nos visitar um dia, foi embora e não deixou endereço. Desta vez ela voltou, veio nos visitar novamente...ah, e desta vez nós não íamos deixar ela ir embora.
"Amanhã vamos fazer a receita..." e a Cinthia completou... "...você vai..." Sim, porque como pasteleiro da casa tenho esta honra...massa é comigo.
Fizemos correndo a listinha das coisas, fomos comprar e lá fui eu para a cozinha....tentando recuperar o passado.
Comecei a ler a receita com todo o cuidado possível para não errar...mas será que as quantidades seriam as mesmas...? Será que a minha tia fazia a massa mais doce...? menos doce...? mais farinha...? menos farinha...? mais fina...? mais grossa...? tinha bauninha...?...eu acho que não, não me lembro da minha mãe pegando a garrafinha de baunilha e colocando uma colherinha...
Terminada a massa, coloquei o recheio...pouco...? muito..? mais...?... e lá estava eu novamente olhando a minha mãe colocando o recheio...eu do lado de fora da cozinha só olhando....despertei...sim, era esta a quantidade.
Bem, e lá foi a massa para o forno...na verdade um túnel do tempo em forma de forno...ligar os motores...eh, quer dizer, o gás...preparar para decolar...colocando a fôrma...fechando a corporta...e lá vai ela, lançada para o passado.
Olho para o relógio....o tempo não passa...aguardo...impacientemente... olho para dentro da máquina do tempo esperando que a viagem se complete...como...massa ainda crua...
Mais um tempo...outro tempo...e de repente olho novamente pela escotilha...ei..a massa está mais mais moreninha...parece que deve estar bom...vou abrir...pego o pano puxo a porta para o forno para baixo e....de repente um bafo de calor muito quente me atinge e com ele o odor de baunilha....o odor da minha infância...a máquina do tempo...sim...tinha baunilha.
Tirei a travessa com todo cuidado e agora tenho que esperar uma eternidade para que esfrie um pouco e depois cortar em rodelas...e olha eu de novo pequeno na porta da cozinha e me aproximando da minha mãe..."...manhê...tá pronto...? E ela: "...não ainda não, ainda estou cortando...espera...é para de noite..."
Volto a cortar as fatias, exatamente daquele jeito e daquela espessura...cortando exatamente igual....porque não pode ser diferente: é um pedaço perdido do meu passado...é mais que uma receita...é mesmo o túnel do tempo.
Cortei. Agora é só esperar esfriar e comer para ver se ficou igual....esperar...??!! "...manhê...posso comer...já está cortado...posso...?" E ela "...não...ainda está quente e se você comer agora pode ter dor de barriga..."
Toda vez era a mesma coisa...e toda vez eu insistia e ela acabava me dando um pedacinho...e mais um...e mais um...e mais um...e sempre acompanhado da frase "...mas se você tiver dor de barriga não meculpe..."
E lá estou eu agora, pegando o primeiro pedaço...claro, bem quente ao ponto de queimar um pouco a língua...e ouvindo enquanto o levo à boca"...olha que você vai ter dor de barriga...espera esfriar..."
Mastigo...lentamente e então ela aparece...a minha infância...o gosto...igual...como num túnel do tempo.
Acordo com a Cinthia gritando da sala...."e então Danyel...???? Como é que ficou...??? "Posso experimentar???
E eu para ela, enquanto vou comendo "...olha...espera esfriar senão pode dar dor de barriga..."

Danyel Sak (Novembro 98)

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BUENAS TARDES, SEÑOR.

Sempre escutei falar que os espanhóis tinham os horários um pouco estranhos; que jantavam muito tarde; coisas assim.
Lembro que, quando ia para a Argentina visitar os meus primos e tios e estranhava a hora do jantar, sempre muito tarde em relação aos nossos horários. Pensava que era jeito deles. Que jeito que nada; hoje eu sei que a resposta correta é: herança dos conquistadores espanhóis.
Claro que em matéria de horários, não estou falando das exceções que são os adolescentes, artistas, boêmios, guarda noturnos, publicitários ou coisas assim. Estou falando mesmo é da nossa classe média.
Os espanhóis (mais precisamente os madrileños) estão realmente adiantados no tempo, vivem algumas horas à frente em relação à média dos horários ocidentais. Todo o sistema de vida é adiantado. É como você entrar em outra dimensão.
Adaptação difícil mas não impossível. Para quem vem de fora com outra rotina, é algo a ser contornado.
Dizem que em Barcelona a coisa é mais moderada, que essa coisa dos
horários adiantados tem o apogeu em Madrid; Barcelona é mais perto da França, essas coisas.
Imagine a cena: Inverno, temperatura de 4 graus centígrados...e descendo, chuvinha fina e noite caindo muito cedo, lá pelas 17:30h.
Saindo do trabalho, 21:30h, noite escura e de repente andando pela rua lembro..."vê se tem aquela colônia, não esquece...". A Cinthia me pediu para passar em uma perfumaria quando desse.
Desviando do frio, da chuva e das pessoas, entro na perfumaria mais próxima. Sinto o aquecimento me envolvendo confortavelmente e me dirijo ao balcão onde, de longe o dono da loja vê minha aproximação.
Abro um sorriso para cumprimentá lo. Mas, antes de poder falar qualquer coisa ele dispara de forma natural "Buenas Tardes, Señor...".
"Buenas Tardes...?". Fiquei meio confuso, só consegui balbuciar um "ola" acompanhado de um sorriso amarelo, enquanto rapidamente buscava o relógio para confirmar: sim, eram 21:35h e tudo lá fora estava escuro, em pleno Inverno.
Como é que com uma noite daquelas (de cachorro ficar deitado ao lado da lareira e não querer ir para fora de jeito nenhum) alguém tem coragem de dizer... "Buenas tardes"...?
É como se fôssem 8 horas da noite e alguém dissesse "Vamos tomar o café da manhã?". Simplesmente não combina.
Se ao menos fôsse Verão, tudo bem velhinho, o sol se põe tarde e mesmo depois da janta ainda está claro. Mas, em pleno Inverno...?
Afinal acabei não achando a tal colônia. Agradeci com um "hasta luego" e quando me dirigia à porta veio o segundo disparo, de despedida, diretamente nas minhas costas..."Buenas Tardes, Señor". Continuei andando e, nos poucos passos que me separavam da rua até acreditei que
depois de um "Buenas Tardes" às 21:35, de repente apareceria um céu
azul e um calor deliciosamente tropical.
Nada...tudo continuava escuro, frio, árvores nuas e aquela chuvinha fina
prosseguia. Antes de descer para o metro dei uma olhada rápida nos bares e restaurantes, sempre lotados, quentes e animados; luzes amareladas, verdadeiras ilhas de calor em pleno inverno europeu....Madrid.
Puxei rapidamente o zíper do casaco e me dirigi aos corredores do metro ainda pensando no tal "Buenas Tardes, Señor...".
Chegando no apart hotel; 10 horas da noite e pensando em uma refeição que deixasse o meu frio estômago quentinho.
Cumprimentei rapidamente o rapaz da recepção..."buenas noches" e apertando o passo entrei velozmente no elevador.
Porta do elevador fechando rapidamente e o cumprimento de volta insinua se por uma mínima frestinha..."Buenas Tardes, Señor..."...são 22:02 e de novo ela.
Viajo dois andares tendo como companhia o tal "Buenas Tardes Senõr" do rapaz da portaria.
Segundo andar. Entro em casa, encontro a Cinthia que me recebe com o tradicional e brasileiro "tudo bem?" ao que eu respondo: "Tudo bem...???...Cancela o jantar e serve imediatamente o chá das 5."

Danyel Sak Novembro de 98

ooooooooooooooooooo

Eu convivi com um Director Criativo que era a antítesede de tudo o que se conhece àcerca dos hábitos de um publicitário.
Homem competente, conhecedor do seu métier, organizado, tinha ainda a vantagem de ir a todas na Agência: o cliente era estrangeiro7 Ei lo a liderar a conversa; o cliente acabava de cair em pára quedas? Lá estava ele a fazer as primeiras apresentações; era preciso apagar um "incêndio"? Já estava a caminho...
Mas a sua principal caracteristica era a organização.
Account que deixasse adormecer um "briefing" sobre a secretária para depois vir de aflitos às urgências, era certo e sabido que levava uma "bronca"; criativo que se atrazasse para a reunião diária de produção, ia suar um bocado
E não havia cá essa coisa de fazer serões e aproveitar fins de semana.
Dizia, para frisar bem a sua filosofia profissional, que "criativo não é máquina para se carregar num botão e parir ideias instantaneas, como o café". Segundo ele, tudo tinha o seu tempo e o seu modo!
Costumava, aliás, contar a história ocorrida com outro conhecido publicitário a quem um cliente solicitou à sexta feira uma campanha para a segunda feira seguinte: Impossivel, não há tempo terá respondido, ao que o cliente retorquiu: "Mas tem ainda o fim de semana para trabalhar..."
A resposta veio polida mas firme: "Sabe, os publicitários também são homens e mulheres que precisam descansar e ter ternpo para ler, estar com os amigos, fazer amor..."
Mas não se livrava o nosso homem (salvo seja!) dos habituais comentários à boca pequena, do género "isto até parece uma reparticão pública"... Onde é que já se viu!?
Então, desde quando é que um publicitário que se preze não assume o gozo supremo de uma valente noitada? Daquelas em que ficam meia dúzia de alminhas à volta de uma mesa, até às tantas da manhã, a gemer do cérebro e a expremer a massa encefálica até à "última gota de sangue" para inseminar !in vitro! o espermatozóide de uma campanha...!!!???
Nada! Para aquele Director isso não era Criativo!
Vejam bem o iconoclastal
Como era possível não sentir no corpo e na alma a essência do prazer da auto fiagelação, após uma noite de lufa lufa em pleno "stress", com o cliente a chegar para a apresentaçao da campanha, quando ainda se estão a colar os últimos "passe partout", a corrigir os úitimos textos, a organizar os 'dossiers'...!!!?77
Mas não! Para aquele impio isso não pegava.
Nem mesmo era sensível imaginem! àquele indizível momento em que todo o grupo criativo, já em descompressão, se esparrama por secretárias e estiradores, atulhados de incontáveis pontas de cigarros e de chávenas de café, de olhos ramelentos e inchados, mas com um auto contemplativo sorriso beatífico nos lábios muito ao geito de quem pensa e não diz uma oração do tipo "que magnifica noite de trabalho"!
E os comentários em geito de relatório!? E as muito boas festas pelo corpo todo sobretudo pela alma!?
Hem, malta! Lá conseguimos...
Pois é, pá! Julguei que não conseguíamos..
E às cinco da manhã quando a "printer" ficou sem tinta...??!
Mais à rasca fiquei eu quando a Repromaster encravou...poça!!!
Que raio de Director Criativo era aquele que não partilhava destas sublimes glórias da arte do bem desenrascar!!!??
Era verdade que depois de tanto esforço ía toda a gente para casa dormir durante o dia e só se apresentavam de novo no dia seguinte. Mas isso que importava se se havia cumprido o destino para que nasce fadado o publicitário?
Não! Realmente, aquele homem não sabia apreciar devidamente os mais altos valores da coisa publicitária. Nem sequer sabia sentir o prazer da obra feita, mas talvez inacabada: aqueles momentos em que os "accounts", e demais "membros da familia", vem junto dos criativos manifestar a sua solidariedade por tamanha façanha. Contudo, sempre de braço dado com um pequeno senão: "Está bestial... Só foi pena não terem tido mais tempo... É que ainda se podia melhorar as imagens e, já agora, podíamos ter dado outra volta ao texto..."
Mas aquele energúmeno daquele Director Criativo, não foi nessa.
E dava se ao luxo de ter campanhas prontas à sexta feira, discutidas em pormenor, revistas e trevistas, "con todas las cosas em su sítio", para serem apresentadas pela fresquinha na segunda feira seguinte. Era o cúmulo!
A sua organizaçao era tal que, mesmo com a imensidade de instrumentos que tinha que tocar, não falhava uma. E estava sempre bem preparado para enfrentar qualquer situação, posto que, previamente, se documentava exaustivamente. Com ele não havia "perhaps"!
Por isso mesmo, pedia aos diversos grupos criativos que ao fim do dia lhe deixassem sobre a secretária as maquetas e os textos para ele, mais tarde, as poder apreciar e avaliar com todo o ripanço, com vista ao "brain storming" da manhã seguinte.
Depois, à noite, levava todo o material para casa. Colocava uma folha de papel vegetal sobre as maquetas e com uma lapiseira decalcava um "rough" dos elementos constitutivos do desenho. Então, com a ajuda da esposa, escrevia sobre cada um deles vaquinha a pastar; malhas castanhas e brancas; sol a pôr se; vermelhão; pasto; verde: embalagem de leite; azul e branca, etc., etc.
No trajecto para a Agência, na manhã seguinte, revia os apontamentos e tudo corria sobre rodas não fora...
Pois! Não fora um lamentável incidente.
Trabalhava se no lançamento de um novo amaciador de roupa. A embalagem e o formato do rótulo estavam já pré definidos pelo cliente. Cabia à Agência determinar a cor da embalagem e os elementos do rótulo para irem para teste. Contudo, a decisão não era pacífica : para uns, a cor geral deveria ser rosa; para outros, azul claro e havia ainda quem sugerisse um tom de verde... Tremendo trilema!!l
Dividiu se o trabalho por três grupos criativos cabendo a cada um apresentar a sua Ideia..
Tudo pronto, foram postas as maquetas propostas em cima da mesa do Director Criativo que, como de costume as levou para casa. Numerou os três trabalhos e, também como de costume, auxiliado pela esposa, tomou os seus apontamentos tendo o cuidado de atribuir a cada maqueta numerada a sua côr respectiva devidamente anotada no seus apontamentos.
Porém, por qualquer razão que a razão não explica, baralhou as suas notas e, com toda a convicção, para espanto geral, dissertou longamente sobre as obras a vista, chamando e reclamando cor de rosa ao azul bebé; verde ao cor de rosa... etc. etc.
(Costuma afirmar se que quando se usa o "etc." é porque não temos mais nada para dizer. E realmente, neste caso, acho que não vale a pena acrescentar mais nada...)
A não ser que, a dada altura, se ouve uma exclamação de alguém da assistência:
Esperem lá...!!! Vocês querem ver que este sacana é daltónico!!!?? Sorriso enrascadol
Era! O Director Criativo era daltónico. Um segredo guardado a sete chaves durante anos e que uma embalagem de detergente traiu infamemente.
Daltónico daqueles que aprenderam que a luz no alto do semáforo, quando acende, é sinal vermelho e que a debaixo é verde.
De resto, tudo era preto e branco.
Resta dizer, em fim de texto, que o acontecimento nao beliscou, apesar de tudo, o prestígio e a consideração que a todos merecia o indivíduo em causa, pelas provas sempre dadas.

Mas sosseguem os vossos espíritos . Ele hoje, embora ainda ligado à publicidade, já não é criativo de coisa nenhuma por opção sua.

(Guilherme Nogueira Novembro de 98)

ooooooooooooooooooo

A coisa revelava se deveras complicada. Não porque o trabalho em si fosse particularmente difícil mas porque os participantes envolvidos conseguiram transformar uma coisa simples num quebra cabeças.
Uma vez mais chamo vos a uns bons 17/18 anos atrás.
Tratava se de botar som num filmezinho de quinze segundos, honradamente simples, que pretendia vender um relógio de puiso de uma marca que já não existe.
Se os recursos técnicos existentes eram ainda escassos, que poderei dizer vos dos económicos!? Havia que fazer "das tripas coração" e muita fé no Altíssimo
A gravaçao estava confirmada na Nacional Filmes. Depois de várias operações com o material óptico e o filme em 35mm, faziam se umas marcas a lápis branco no início, sincronizava se e pronto, o filme e a banda magnética para captação do som começavam a girar simultanea e continuamente "em pescadinha" o mesmo é dizer, com as pontas coladas com fita adesiva, grosso modo.
No meio da sala, o locutor, ficava atento, frente ao microfone, até ouvir um "bip" invenção do Eduardo que Ihe indicava, com antecedência, que aí vinha a imagem. Depois era só dar um segundo de silencio a "décallage" e botava se faladura.
É claro que não havia essa coisa do "pica aí", ou aproveita essa parte. Ali não tinha que saber: Não coube? Faz outra vez; Enganou se? Pois vamos lá repetir tudo de novo; A fala não era naquele sítio? Por quem é, faça de favor... Não dava para "encolher", nem para "reduzir", nada!
E havia que não descurar outro aspecto não menos importante: se o Eduardo estivésse em "dia não"... era certo e sabido que a sua característica má disposição vinha logo à tona. Mas nesse dia, o grande problema era o texto. O cliente, um Alemão residente em Portugal, entendeu, em cima da hora, proceder a pequenas alterações. Por exemplo, no original dizia se O relógio marca o tempo, o cavalheiro entendia que ficava melhor se fosse O tempo é o relógio quem marca.
Porém, a assistente do Senhor Alemão, brasileira de sua Graça, entendia que, em português, ficava mais correcto dizer se O tempo é o relóglo que o marca.
"No, No, No..." replicava o realizador, Antonino Pirrone, bravíssimo italiano residente nas lusas terras, "esso assim nim é bene portoghese nim nada..."
Para ajudar à festa, eis que o Account de serviço lança mais umas achas para a fogueira "Pero, nada tiene que ver con el copy original, porsupuesto...!!!" Num castelhano característico da Argentina, país da sua origem, acabava de pôr um ponto de reflexão no assunto.
Já a locutora olhava de soslaio as horas, já o Eduardo manifestava a sua irritasção e eis que o nosso conhecido Sr. X, atarantado com tal barafunda, acabou por tomar a decisão mais acertada. Telefonou para a Agencia e fa!ou com o "copy".
É pá, man! (sim já se usava esta linguagem naquela época, ou julgam que é invenção recente!?. Dá corda aos calcantes, mete sebo nas solas e põe te a fancos na mécha na Nacional Filmes, bute!!! (*)
Então porquê!!!? Quis saber o escrevinhador.
É que um Alemão, uma Brasileira, um italiano e um Argentino já te deram cabo do texto todo!
E digam lá se o português não é uma língua traiçoeira

(*) Tradução: É pá, man! (isto já vocês sabem) Arranja te na guita, enfia te num táxi e marcha a correr para a Nacional Filmes, já!!!

(Guilherme Nogueira Outubro de 98)

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Sabem que naquela época os idos de 70 apareceram por cá uns carros de elevado nível, ainda um bocado custosos para os bolsos nacionais mas, extremamente atractivos para "dar estilo".
Refiro me aos hoje vulgarizados veículos com abertura automática das portas (abertura electrónica?}.
Era realmente uma novidade de peso: veículos grandes, espaçosos, bem equipados e... com abertura automática das portas. A única diferença em relação aos de agora, era que pelo menos naquele modelo BMW o comando não só destrancava como abria as portas aí uns vinte centímetros ou mais.
Um toque no comando do porta chaves e abria se a porta do condutor; dois toques e abria se a porta do "pendura"; três toques... quatro toques, e ficava tudo aberto. Era lindo de ver: luzes acesas mostrando bem o interior luxuoso, luzes a piscar, avisos sonoros... uma beleza!
Está claro que o nosso bem conhecido Sr. X não descansou enquanto não conseguiu uma daquelas maravilhas da moderna tecnologia. Em segunda mão, evidentemente, porque os cabedais para mais não davam. E lá descobriu um vendedor que, tal como ele, se havia entusiasmado, mas que não dispunha de volume de carteira suficiente para alimentar o "monstro" apetecido.
E foi assim que o Sr. X adquiriu um carrão quase novo por metade do preço. Excelente para o serviço de clientes. Então, só visto, o número de almoços combinados com toda a gente disponível, só para ter oportunidade de mostrar o carro.
E telefonava, combinava, organizava. Ele resumo, seguido da sua côrte, se encarregava de ir buscar o cliente (ou o possivelmente tal) para o levar a almoçar, a beber um copo, a jantar, fosse onde fosse, a que horas fosse.
Todo ele se babava de gozo perante o olhar admirado dos seus convivas, solicito a dar as mais pormenorizadas informações sobre a "bomba" favor não confundir com a Aida Moreno.
Por pouco não teve uma apoplexia no dia em que, inadvertidamente, um dos seus passageiros Ihe partiu o puxador interior de abertura da porta. É que de facto, o gancho era de plástico plástico! Vejam lá, num carro daqueles! embora fosse curvo, convidando a ser puxado para dentro, era para ser levantado para cima. Como ao segundo puxão a porta não se abria, uma forcinha mais a preceito deixou a peça partida na mão do passageiro, perante a fúria (contida) do Sr. X que apenas rosnava o mais discretamente possível para os seus acólitos mais chegados "Já fiquei com um bocado de carro a menos..."
Todas as manhãs, fizesse chuva ou fizesse sol, lá tinha à porta do escritório um pobre "estafeta" da casa que era obrigado a chegar duas horas mais cedo para guardar lugar para o veículo de Sua Exa.
No regresso de uma das habituais e obrigatórias visitas ao Porto, dois dias de contactos, perspectivas de negócios em carteira, o Sr. X quiz ir à Bairrada festejar, "maila" a sua corte, frente a uns suculentos e apetitosos pedaços de leitão, regados a bom espumante.
Por casualidade, encontrava se já ali um grupo de amigos, homens da produção cinematográfica, que vinham de umas filmagens, pelo que o jantar decorreu ainda mais animado. Logo ali se combinou uma reunião de orçamentação para o dia seguinte, a fim de dar andamento a alguns dos projectos.
Nao se podia perder tarmanha oportunidade de deslumbrar mais uns quantos com a formidável máquina automóvel do Sr. X e, já na rua, deu se a demonstração prática.
Quem conhece o "Pedro dos Leitões" sabe que a alguns metros da porta existe um estacionamento agora coberto com placas de "luzalite", mas que na altura era descoberto. E chovia. Chovia uma chuva miudinha e chata. E o Sr. X aproveitava para explicar a grande inovação, o admirávei milagre...
..."não é preciso ir um a correr para abrir as portas para os outros não terem que ficar à espera à chuva...Agora é só carregar neste botão e posso abrir, uma, duas, ou todas as portas e é só dar uma corridinha... Querem ver..."
E perante o olhar extasiado dos convivas, petrificados perante tal maravilha, logo ali o Sr. X se preparou para o "Grande Finalle", embora um pouco cambaleante devido aos aperitivos, aos acompanhativos e aos diigestivos.
Talvez devido a uma momentânea descoordenação de movimentos, carregou com tal "alminha" no malfadado botão do comando que as portas se abriram estrepitosamente perante os oooooohhhsss!!! de admiração de todos os presentes.
Mas parece que a admiração maior ficou a dever se ao facto de as quatro portas potentes se terem aberto com uma força tal que bateram nos carros estacionados aos lados, amolgando os a eles e àquele fantástico produto da tecnologia.
Bom, de tal modo, que da Bairrada até Lisboa, os quatro ocupantes tiveram que vir todo o caminho a segurar as respectivas portas, mais ou menos amarradas com cordel.
Também me excuso de vos pormenorizar o prejuízo daí resultante...

(Guilherme Nogueira Outubro de 98)

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A propósito do "nosso herói" da história anterior e de potentes carros, lembrei me de vos contar mais esta.
Para maior facilidade de identificação do personagem. passarei a apelidá lo de Sr. X...(Se, por acaso, não tiveram ainda a oportunidade de ler As Cenas Vividas V, tenham a gentileza de o fazer para uma melhor compreenção).
Bom! O acontecimento tem a ver com a primeira visita a Lisboa do tal cliente Inglês, de Manchester. Coisa notável em finais dos anos 70.
É que nessa altura, as pequenas, médias, novas ou antigas agências, tinham que lutar bravamente por um dia a dia extremamente competitivo para sobreviverem. Não esqueçam que, à época, essa coisa dos "alinhamentos internacionais" não existia, pura e simplesmente !
Nem sequer ora bem! fazíamos ainda parte da Europa dos 10 (na altura, e quinze hoje). Quando muito éramos membros de direito dessa coisa híbrida que dava (e dá ainda) pelo nome de EFTA.
Portanto, uma Agência Portuguesa que estivesse a dar os primeiros passos no sentido de alcançar a internacionalização numa "joint venture" com outra congénere europeia ou "la crème de la crème" americana, "desunhava se", endividava se, "fazia das tripas coração", para mostrar o seu melhor...
E se, como era o caso, (por acaso) conseguia "de bandeja" um cliente de além fronteiras, por si mesma, então era a glória!
Não se admirem, pois, que, para a recepção ao cliente Inglês, se armasse a maior das excitações (deixo à vossa imaginação).
A Gerência ou seja, o Senhor X, determinou que no "airoporto" à chegada do ilustre visitante, estaria uma comitiva de boas vindas composta pelos mais destacados executivos da Agência (ele e mais dois, os únicos que falavam inglês}.
E que a recepção teria de ser, nas suas palavras, "como se fosse a um representante do Gu iness (a separação da palavra é para melhor entenderem a forma como foi pronunciada).
E transporte, perguntou se? Dado que os carros disponíveis um ou dois, mais pareciam sucata que veículos automóveis...
Nada melhor, obviamente, que ser ele mesmo a conduzir o seu BMW: a seu lado sentar se ia o cliente; os outros dois, com papel de tradutores, acomodar se iam atrás.
E insistiu muito para que, a exemplo do que faziam as agências de viagens, se produzisse um cartaz, com o logotipo e o nome do cliente, para ser exposto à evidência à saída dos passageiros
"É assim que se faz em todo o lado... explicava o nosso homem, "eu vi como eles faziam quando fui a Itália..."
E como também tinha ido dias antes a Madrid assistir a um jogo internacional do seu clube no Santiago "Barnabé..." integrado numa comitiva clubista, teve a oportunidade de confirmar que era assim mesmo.
Cartaz com o nome do Cliente "que até dá mais classe...". E não houve quem o demovesse.
Instalado o cliente e já no percurso para o hotel, Mr.X entendeu mostrar ao seu convidado quem era "o maior da cantareira. .."
E então, prego a fundo, ultrapassagem pela direita, tangentes a um e a outro, "trabalho de caixa"... ia cometendo as maiores atrocidades como que conduzindo um fórmula 1 nas ruas da cidade.
Lá atrás aflitos, bem lhe diziam os outros para se moderar E ele, charuto meio fumado na boca ("p'ra dar estilo") sorriso alarve escancarado (como de costume) divertia se com o semblante de pânico que, pouco a pouco, se tornava evidente no rosto do inglês:
Estes gajos têm qu'aprender qu'a gente aqui também sabe conduzir... Não valia a pena dissuadi lo. Era aguentar e... fé em Deus!!!
O outro (os outros, enfim) agarrados como podiam (ao que podiam) dentro do potente BMW, caíam ora para a esquerda ora para a direita; eram empurrados para trás ou para a frente, conforme acelerava ou desacelerava. Já não era preocupação, era pânico... pânico puro e duro!
E o nosso artista, batendo pancadinhas, no volante, lá ia sorrindo para o esgazeado Inglês... "Good...Good!!!" "
Parece que não era ao carro que ele se referia julga se que, realmente, ele queria dizer "eu sou muita bom, hã?"
Conta se que, chegados ao hotel, o cliente, tremebundo, sem conseguir articular uma palavra, em estado de choque, teve de ser ajudado a sair do veículo, amparado pelos dois "seniores", enquanto o outro, inchado de vaidade e de gozo perante a aflição geral, soltava uns estúpidos eh!eh!eh! à laia de riso.
À noite, após uma reunião nas instalações da Agência (engalanada como num arraial minhoto) haveria por outras razões uma recepção em Sintra.
O Senhor X, ainda gozando o mal estar do seu cliente (que ele julgava ser de admiração pela notável demonstração daquela manhã) tentava explicar lhe:
"Logo à noite... hã!? (e gesticulava enrolando a mão)... Cocktai!!! Me (e apontava para si mesmo) you.. {apontando para o cliente hã!? (simulava uma pessoa a conduzir um carro girando o volante) OK!?
Delicadamente, atentamente, o cliente tentava seguir a mímica excelente. Mas, como muito bem sabemos, nem todos têm a mesma esperteza... Então não eram tão evidentes os sinais de perigo????
Quando alguém traduziu em Inglês compreensível o enigma...Foi ver o digno súbdito de Sua Majestade a mudar de branco para vermelho, depois para amarelo...enfim. devem ter passado todas as cores do arco íris pela sua pele.
Numa fracção de segundo como dizem que acontece aos condenados à morte reviu os últimos acontecimentos do dia. E num súbito sobressalto, pulando da cadeira como uma mola, em terror absoluto, suando, agarrava se às mangas dos casacos dos presentes, berrando possesso, para um lado e para o outro:
"NO! NO! NO! Not with him. with you never... you hear me? Never!!! Never!!! Neverl!! I'll go walking, by bus... whatever... I'll go in a helicopter... But not with you!!!l Oh My God!l! No... For Heaven sakes... you two please help me..."
E foi o cabo dos trabalhos para convencer um e outro das razões que a cada um assistiam...Ufff!!!

(Guilherme Nogueira Outubro de 98)

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