INDICATIVO
Vamos ouvir, no programa de hoje, Joana Well, uma poeta que ainda não chegou às estrelas.
MÚSICA
Não, não há qualquer engano. A Joana Well, apesar de poeta desconhecida, fica bem neste espaço dedicado à poesia erótica.
A poesia erótica, como já por várias vezes foi aqui referido, vive ainda, embora cada vez menos, rodeada de preconceitos. Quem a escreve e quem a ouve, tem, por vezes, alguma dificuldade em admiti-lo.
Recordo, por exemplo, os números dos dois inquéritos que realizei junto dos ouvintes. À pergunta: “qual a categoria do Estúdio Raposa que mais ouve”, é residual o número de ouvintes do Poesia Erótica. Porém, os números fornecidos pelo servidor onde o programa está alojado dizem-nos simplesmente isto: o Poesia Erótica é mais ouvido do que todos os outros juntos. Nem mais.
MÚSICA
Joana Well, tem um primoroso trabalho na escrita erótica mas fá-lo no mais completo anonimato. Escondendo-se atrás do pseudónimo de Joana Well, recusa-se a fornecer qualquer dado biográfico. Compreendemo-la perfeitamente e não será a falta de dados que nos impedirá de ouvir seis dos seus poemas. Aliás, aqui fica a sugestão, a quem aprecia literatura erótica, a visita ao blogue da Joana Well. Vai, decerto, dar por muito bem empregue o seu tempo. A dificuldade esteve na escolha dos textos a ler aqui, hoje.
MÚSICA
Como já se disse vamos ouvir seis poemas de Joana Well. Um pormenor: alguns dos textos que vou ler, não os escreveu a Joana de forma poética. Porém no caso do trabalho da Joana, qualquer diferença entre poesia e prosa e um escusado preconceito que, como já disse algumas vezes, não mora aqui. Escrita poética e está tudo dito.
MÚSICA
Emprestaste-me a tua alma para eu lamber....sabias a sal...fizeste-me engolir-te...secaste-me e não emprestaste o sangue ás minhas veias...Eras uma armadilha...se te tirasse de dentro de mim, ficava sem pingo de sangue, era só o teu que circulava...Atordoaste-me com esse teu friozinho de desejo a deslizar como lingua nos mamilos, esses dois pedintes, chaves mestras que abrem as portas de todo o corpo...Sou a tua presa e preso estavas tu antes, quando fizeste do meu corpo teu cativeiro....finge que és o dono de mim, se queres...atormenta-me na tua imaginação...que dirás quando recuperar o sangue e te expulsar? Quem será então o Mestre de quem? Fica, vive-me, consome-me e verás quem é a armadilha....
MÚSICA
Quero estar a dormir quando os teus dedos passearem na curva lateral das minhas nádegas...quero estar a dormir quando as tuas mãos se fecharem nas minhas ancas...quero estar a dormir...o meu corpo frio e os teus dedos quentes...quero acordar depois, apenas depois...depois da nossa temperatura ter igualado e ter voltado a separar-se...porque não existe realidade que traga o eterno calor da respiração e dos lábios macios a percorrerem-me a coluna...quero pensar que foi um sonho, traiçoeiro...o sonho que procuro, corpo após corpo, em que adormeço a realidade...rebolo, ostensivamente, mostro-te o sexo...descaradamente que também a censura dorme...despudor, alcoolizada da inconsequência de estar a delirar, ofereço-te os seios, puxo a tua cabeça contra eles...quero ser o pesadelo da tua vontade própria, da tua auto-estima, da tua insubmissão, quando tenho as pernas á volta das tuas costas e as subo aos teus ombros...quero ser o veneno da tua liberdade, as tuas grades aos meus gemidos, vampira da força que foge de ti...deita-te...
MÚSICA
Resta a nódoa, um pequeno veio rosado,
no lençol, berra num branco imaculado
como outrora, um vermelho culpado;
que eu ainda consigo ver,
porque me lembro como era;
que eu ainda consigo cheirar,
porque me lembro como cheira;
que tu nunca mais irás tocar,
eu fiz do sulco uma fronteira;
E não, é verdade que não foste o primeiro,
talvez nem o segundo, ou sequer o terceiro;
mas, apenas tu, me desfloraste,
profano! Uma Messalina na ara,
como uma virgem que tu sangraste,
num lençol...
Resta a nódoa
Que eu ainda consigo ver…
MÚSICA
Menina, menina, vem cá!- Disse o Lobo....E eu? Eu fui....e o Lobo? Papou-me! E depois? Foi-se embora...E eu? Eu chorei....Porque fugiu o lobo? Não sei, não sei...Se calhar não era um Lobo e dei-lhe uma congestão....entende-se? Diz-me um mágico que lobos só existem nas minhas fantasias...Então? E eu? Eu fui...Procurem-me...estarei no Mundo-Que-Imaginei....á procura do Lobo que não mais encontrei...entretanto...veio um Cabritinho que eu papei...e uma Porquinha que saboreei...que belo repasto preparei...mas á procura do Lobo é que eu andei, andei...e quando não fui, o Coração enviei...
MÚSICA
Tenho tanto medo de ti...dessa tua doçura áspera, desses teus sussurros, que me puxam o cabelo, quando entram nos meus olhos...intimidas-me...as tuas mãos são francas e tentadoras...mas, as tuas garras, sempre de fora, extensões inseparáveis da tua personalidade, nesse eterno cerco em que vives, podem retalhar-me á mais leve carícia que me faças...E esse medo, e essa mansidão poderosa com que chegas, essa tua dimensão que enche tudo ao avançares para mim, esse porte de árvore gigante, infinitamente ramificada, inabalável, mais me submete á vontade de ti...de ser um bichinho que se enconde em ti, na pele que suavizas para roçar na minha...
MÚSICA
Sou taça...de gelado com banana...e chocolate liquido...e chantilly...devo atrever-me a contar-te o resto? Pode começar a derreter mais depressa e escorrer para todo o lado, aviso-te!!!...Esta demência que me anda a invadir...não, não foi o coração que me danificaste...foi o figado, de tantas bebedeiras existênciais, a pureza etílica que escorria do suor do teu corpo e eu tragava...esse vinho agri-doce que lançavas em mim, bebi-te demais e fiquei zonza...
MÚSICA
Ouvimos, neste Poesia Erótica trabalhos de Joana Well, a quem agradeço a disponibilidade. Desejo-lhe uma rápida saída do … armário para que possa brilhar à luz do dia.
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