Estúdio Raposa

Poesia Erótica
Século de Ouro

 

INDICATIVO

Vamos ouvir alguma poesia erótica escrita no período designado como “Século de Ouro”, em Espanha.

MÚSICA

A Assírio & Alvim editou, há algum tempo um livro muito interessante, com seleção, tradução, introdução e notas de José Bento, intitulado “Jardim de Poesias Eróticas do Siglo de Oro”. É do tema desta obra, assim como alguns dos poemas nela incluídos que vai viver este programa.

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Século de Ouro, ou Siglo de Oro é a designação dada ao período final do século XVI castelhano, marcado pela consolidação do uso literário da língua castelhana e pelo surgimento de uma vasta plêiade de artistas, escritores e poetas, entre os quais Luis de Góngora y Argote e Cervantes.

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É consenso entre os iberos que o século XVI foi o Século de Ouro da Espanha. Não só em razão das sensacionais descobertas náuticas feitas pelos seus marinheiros ao serviço de Castela como também pelo esplendor do poder dos seus monarcas e seus artistas, pintores e escritores. Naquele século viveram Carlos V, Filipe II, El Greco, Lope de Vega e Miguel de Cervantes. Para muitos espanhóis toda a historia posterior do país resumiu-se num registo da decadência nacional, de como a Espanha e os espanhóis, desapontados, jamais conseguiram reviver aquilo que fora a sua Idade de Ouro, e, que, nos pálidos anos seguintes que os esperavam só lhes cabia as agruras e durezas da Idade do Ferro.

MÚSICA

Também neste período da vida literária castelhana e apesar da Inquisição, surge a poesia erótica, normalmente compilada em publicações onde o nome dos autores não era referido.
Das obras desta categoria destaca-se o “Jardim de Vénus” de onde saem os poemas que vamos ouvir, obra escrita cerca de 1560

MÚSICA

A obra literária de onde nasce o programa de hoje, como já foi dito, é de autoria de José Bento.
José Bento colaborou em revistas de poesia dos anos 50: Sísifo, Árvore, Cassiopeia, Cadernos do Meio-Dia, Eros, etc. De 1963 a 1969 fez parte da redação da revista O Tempo e o Modo, onde inseriu poemas e crítica literária. Publicou também crítica literária em jornais e revistas. Os seus poemas estão dispersos em paquetes da coleção “O Oiro do Dia”, em dois pequenos livros bilingues editados em Espanha e em publicações portuguesas e espanholas.
Também o livro que estou a referir é bilingue.
Vamos ouvir cinco poemas, o primeiro dos quais se intitula Jardim de Vénus e é como que uma introdução à obra.

MÚSICA

Quem não sabe de amor e seus efeitos·
não se intrometa e cale o que vier,
pois aqui só falamos com discretos.
Qualquer que o seja, ou sê-lo quiser,
terá licença de olhar minhas flores
e delas escolher as que quiser.
Mas os escrupulosos grunhidores
não quero nem consinto que as vejam,
pois não são para néscios os amores.
As damas e donzelas que desejam,
bem que não sendo belas, ser amadas,
sempre este livro leiam e revejam.
E as que de formosura são dotadas,
porque não basta só a formosura,
aqui verão mil graças derramadas.
Aqui não há enigmas nem figura,
rodeios, circunlóquios, indirectas,
mas claridade inteligente e pura.
Espero contentar mesmo as discretas;
e se alguma fugir de minhas flores,
é uma das mofinas indiscretas.
Se não, mostre-nos ela outras melhores,
ou, ao menos, confesse se na cama
contente ficaria com piores.
Termino com dizer que eu é que chamo
Jardim de Vénus a este meu livrinho,
no qual não acharão nem um só ramo
que não tenha de gozo algum pouquinho.

MÚSICA

Primeiro é abraçá-la e apalpá-la,
e num instante com beijos entretê-la.
Primeiro é provocá-la e encendê-la.
depois lutar com ela e derrubá-la.
Primeiro é insistir e arregaçá-la,
as pernas pondo entre as pernas dela.
Primeiro é acabar isto com ela,
depois vem o deleite de gozá-la.
Não fazer, como soem os casados,
mais que chegar e achá-la preparada:
de tão doce, dá fome verdadeira.
Hão-de ser os deleites desejados;
se não, não dão prazer nem valem nada,
pois não há quem o barato comprar queira.

MÚSICA

- Que fazeis, bela? - Olho-me a este espelho.
- E porquê nua? - Pra melhor olhar-me.
- E em vós que vedes? - Que quero gozar-me.
- E porque não vos gozais? - Sem aparelho?
- O que vos falta? - Quem seja em amor velho.
- Pois, que sabe esse fazer? - Sab'rá forçar-me.
- E como vos forçará? - Com abraçar-me,
sem esperar licença nem conselho.
- E não resistireis? - Bem pouca coisa.
- Para quê tanto? - Menos que aqui digo;
que ele me saberá vencer, se é atilado.
- E se foge, por ver-vos pudorosa?
- Hei-de ter esse tal por inimigo,
vil, parvo, mole, pouco abonado.

MÚSICA

Esse chegar de repente e abraçá-la,
esse pôr-se a lutar ele com ela,
esse cruzar suas pernas com as dela,
aquele poder mais ele e derrubá-la;
aquele vir abaixo, e ele sobre ela,
e ela cobrir-se e ele destapá-la,
esse pegar na lança e espetá-la,
e esse teimar dele até metê-la;
esse jogo de lombos e cadeiras,
e as palavras tão meigas e amorosas
que um ao outro murmuram, apressados;
esse voltar e andar de mil maneiras,
e fazer neste transe outras mil coisas
nas legítimas perdem os casados.

MÚSICA

Oh doce noite! Oh cama venturosa!
Testigos do prazer e da alegria,
dizei-me que julgais vós da porfia
daquela dama doce e amorosa.
Como se me mostrava rigorosa!
Como de minhas mãos ela fugia!
Como duas mil injúrias me dizia,
minha doce inimiga cautelosa!
Porém, como depois me deleitava,
prendendo-me em seus braços amorosos,
e abrindo aquelas pernas delicadas!
Com que brandura seus meneios dava!
Que beijos me of'recia, tão gostosos!
E que palavras tão açucaradas!

MÚSICA

Ouvimos, no programa de hoje, 5 poemas do sec. XVI que tireido livro de José Bento, “Jardim de Poesias Eróticas do Siglo de Oro”, um edição da Assírio & Alvim.

MÚSICA

Antes de fechar o programa, uma indicação: no próximo dia 6 de Julho acontece o 4º aniversário do Estúdio Raposa, tantos são os anos de existência dos áudio blogues, veículo de comunicação, logo à nascença, condenado ao fracasso, sobretudo pelos donos das rádios. Hoje têm (ou deviam ter, digo eu) todos os seus programas nesta plataforma. Enfim, como diz o ditado: “Só não mudam os burros”

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