Estúdio Raposa

Poesia Erótica 32
"Beija-me"

 

INDICATIVO

Divulgando um pequeno livro mas com muitos beijos: “Beija-me” numa edição da “101 Noites”.

MÚSICA

Como é tradição nesta editora, chegou-me vindo de amáveis mãos, um livrinho onde se podem ler excertos da escrita de grandes autores quando se referem, mais ou menos explicitamente, neste caso, aos beijos.
Inicia a viagem por grandes nomes da literatura com as seguintes palavras de Marcel Proust:
Cada beijo chama outro beijo. Ah! Nesses primeiros tempos quando amamos, os beijos nascem tão naturalmente! Brotam tão apressados uns contra os outros; e teríamos tanta dificuldade em contar os beijos dados durante uma hora como as flores de um campo no mês de Maio.

MÚSICA

Temos neste pequeno livro uma série de textos cujos autores vão de Salomão a Florbela Espanca.
Neste programa de divulgação ouviremos apenas 4.
Um poema do brasileiro Álvares de Azevedo, outros dois de Antero de Quental e de Gustave Flauber e, por fim, um delicioso texto de Guy de Maupassant em que ele coloca na voz de uma mulher, escrevendo a outra, o que pensa dos bigodes. Vamos ouvir estas quatro peças sem interrupção.

MÚSICA

"Ai, Jesus" de Álvares de Azevedo

MÚSICA

Ai, Jesus! Não vês que gemo,
Que desmaio de paixão
Pelos teus olhos azuis?
Que empalideço, que tremo,
Que me expira o coração?
Ai, Jesus!

Que por um olhar, donzela,
Eu poderia morrer
Dos teus olhos pela luz?
Que morte! Que morte bela!
Antes seria viver!
Ai, Jesus!

Que por um beijo perdido
Eu de gozo morreria
Em teus níveos seios nus?
Que no oceano dum gemido
Minh' alma se afogaria?
Ai, Jesus!

MÚSICA

Antero de Quental

MÚSICA

Dá-me pois olhos e lábios;
Dá-me os seios, dá-me os braços;
Dá-me a garganta de lírio;
Dá-me beijos, dá-me abraços!

Empresta-me a voz ingénua
Para eu com ela orar
A oração de meus cantos
De teu seio no altar!

Empresta-me os pés, gazela,
Para que eu possa correr
O vasto mundo que se abre
Num teu rir, num teu dizer!

Presta-me a tua inocência,
Para eu ir ao céu voar, ..
Mas acende cá teus olhos
Para que eu possa voltar!

Por Deus to peço, senhora,
Que tu mo queiras fazer;
Dá-me os cílios de teus olhos
Para eu adormecer;

Por que, enquanto os tens abertos,
Sempre para aqui a olhar,
Não posso fechar os meus,
E sempre estou a acordar!

Pela Santa-Virgem peço
Que tu me queiras sorrir;
Porque eu tenho um lírio d'ouro
Há três anos por abrir,

E, se lhe deres um riso,
Há-de cuidar que é a aurora ...
E talvez que o lírio se abra,
Talvez que se abra nessa hora!

Por Alá, minha palmeira!
Quando ao sol me for deitar,
Faze sombra do meu lado ...
Porque eu quero-te abraçar!

D'amor te requeiro, ondina,
Quando te fores a erguer,
Ver-te no espelho das fontes ...
Porque eu quero-te beber!

MÚSICA

Gustave Flaubert

MÚSICA

Ele estava de joelhos, à frente dela; e rodeava-lhe a cintura com os dois braços, a cabeça para trás, as mãos errantes; as argolas de ouro que lhe pendiam das orelhas luziam sobre o seu pescoço bronzeado; corriam-lhe dos olhos grossas lágrimas semelhantes a globos de prata; suspirava de modo carinhoso, e murmurava palavras vagas, mais leves do que uma brisa e suaves como um beijo.
Salammbô era invadida por um langor no qual perdia toda a consciência de si mesma. Qualquer coisa em simultâneo íntimo e superior, uma ordem de Deus, forçando-a a abandonar-se; sustinham-na nuvens, e, sentindo-se desfalecer, lançou-se para a cama, sobre os pêlos do leão. Mâtho prende-lhe os calcanhares, a corrente de ouro rebenta, e as duas pontas, levantando voo, batem no pano como duas víboras trepidantes. O manto cai, envolve-o; ela vislumbra a figura de Mâtho inclinando-se sobre o seu peito.
- Moloch, tu queimas-me! - e os beijos do soldado, mais devoradores do que as chamas, percorriam-na; ela estava como que elevada por um furacão, prisioneira da força do sol.
Ele beijou-lhe todos os dedos das mãos, os braços, os pés, e, de uma ponta à outra, as longas tranças dos cabelos.

MÚSICA

Guy de Maupassant

MÚSICA

A sério, um homem sem bigode já não é homem. Não gosto lá muito de barba; dá-lhes quase sempre um ar negligente, mas o bigode, oh!, o bigode é indispensável a uma fisionomia viril. Não, tu não poderás nunca imaginar quão útil ao olho é aquela pequena escova de pêlos sobre os lábios, ao olho e ... às relações entre os Esposos. Surgiram-me acerca deste tema uma série de reflexões que nem sequer te ouso escrever. Dir-tas-ei de bom grado ... em voz baixa. Mas é tão difícil encontrar palavras para exprimir certas coisas, e algumas delas, que não podem de todo ser substituídas, assumem sobre o papel um aspecto tão desagradável, que não as posso traçar. E, além disso, a temática é tão difícil, tão delicada, tão escabrosa que seria necessária infinita ciência para a abordar sem perigo.
Enfim! Tanto pior se tu não me perceberes. E, além disso, minha querida, esforça-te um pouco por ler nas entrelinhas.
Sim, quando o meu marido me chegou escanhoado, compreendi logo que nunca teria um fraquinho por um cabotino, nem por um pregador, ainda que fosse o padre Didon, o mais sedutor de todos! Depois, quando me encontrei, mais tarde, a sós com ele (o meu marido), foi bem pior. Ó, minha querida Lucie, nunca te deixes beijar por um homem sem bigode, os beijos dele não têm nenhum gosto, nenhum, nenhum! Deixa de haver aquele encanto, aquela macieza e aquela ... pimenta, sim aquela pimenta do verdadeiro beijo. O bigode é a pimenta do beijo.
Imagina que te pespegam nos lábios um pergaminho seco ... ou húmido. Eis a carícia do homem escanhoado.
Deixa de valer a pena seguramente.
De onde vem pois a sedução do bigode, dir-me-ás?
Sei-o eu? Para começar faz umas cócegas deliciosas. Sente-se antes de a boca e faz com que um arrepio encantador te percorra o corpo todo, até à ponta dos pés. É ele que acaricia, que faz vibrar e estremecer a pele, que produz nos nervos aquele frémito delicioso que te faz soltar um ah! pequenino, corno se tivesses imenso frio.
E no pescoço! Sim, já alguma vez sentiste um bigode no pescoço? Embriaga-te, crispa-te, desce-te pelas costas abaixo, estende-se à ponta dos dedos. Nós torcemo-nos, sacudimos os ombros, deitamos para trás a cabeça; apetece-nos fugir e ficar; é adorável e irritante! Mas como é bom!
E além disso ... será que ouso mais? Um marido que te ame, sabe efectivamente encontrar um punhado de cantinhos onde esconder os seus beijos, cantinhos nos quais nós mesmas nunca pensaríamos. Ora bem, sem bigode também estes beijos perdem muito do seu gosto, para não falar do facto de que se tornam quase inconvenientes! Explica isto como conseguires. Quanto a mim, eis a razão que encontrei. Lábios sem bigodes estão nus como um corpo sem roupa; e a roupa é sempre precisa, muito pouca, se quiseres, mas é precisa!
O criador (nem sequer ouso escrever outra palavra ao falar destas coisas), o criador teve o cuidado de assim velar todos os abrigos da nossa carne onde se deveria esconder o amor. Uma boca escanhoada faz-me lembrar um bosque abatido em redor de uma fonte onde se costumasse ir beber e dormir.

MÚSICA

Ouvimos, neste programa quatro textos incluídos no livro “Beija-me”, editado pela 101Noites.
E aproveito para deixar uma nota à maneira de registo histórico. No mesmo dia em que este programa é colocado on line, será inaugurado o Estúdio Raposa no Second Life numa iniciativa da CCV, Comunidade Cultural Virtual proprietária da ilha denominada Alma Portuguesa. Aos ouvintes que tenham os seus avatares no Second Life, aqui fica o convite: Second Life, Alma Portuguesa, 15 de Novembro, 23 horas. O evento contará com a participação, ao vivo, do cantor português João Frazão, no Second Life, TB Andel, e com a presença de autores portugueses.
Até ao próximo programa.

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