Estúdio Raposa

Poesia Erótica 31
O Navegador da Passagem

 

INDICATIVO

Neste Poesia Erótica, ouviremos um excerto de “O Navegador da Passagem” novo livro de Deana Barroqueiro, uma autora que tem emprestado alguns dos seus belos textos, a este espaço do Estúdio Raposa.
(Para ver um vídeo em que a autora apresenta o seu livro, clique AQUI)

MÚSICA

Deana Barroqueiro tem estado presente no Poesia Erótica através de excertos de dois dos seus livros: Contos Eróticos do Velho Testamento e Novos Contos Eróticos do Velho Testamento.
Dois anos depois do lançamento do seu romance “ D. Sebastião e o Vidente”, também numa edição da Porto Editora, sairá para as bancas, dentro de dias, o seu novo romance histórico “ O Navegador da Passagem”, que tem como personagem principal Bartolomeu Dias, um descobridor que, segundo Deana Barroqueiro, foi injustiçado e esquecido.
Assim, se assinala o regresso esperado de uma das autoras-referência no género do romance histórico em Portugal. Os factos, a linguagem da época e a aventura entrecruzam-se através da imaginação fulgurante de Deana Barroqueiro.
É deste novo romance que vamos ouvir um excerto. Sobre o lançamento propriamente dito falarei mais adiante.

MÚSICA

Não logrou abafar o grito que lhe subia à garganta e, ao mesmo tempo que ouvia o som rouco de angústia da sua alma, sentiu o corpo da mulher estremecer sob o seu e gemer, não de gozo, mas de dor e medo que se espelhavam nos seus olhos, agora abertos, a mirá-lo na fraca luz da candeia acesa.
Apercebeu-se de a ter magoado pela violência com que lhe tomara o corpo, na última noite, apalpando-lhe os seios e as nádegas, mordendo-lhe os mamilos e os lábios até ao sangue, para nele afogar as dolorosas recordações que não cessavam de o atormentar e retirou-se bruscamente de dentro dela, para lhe evitar o olhar. Estendeu-se de costas, a seu lado, deixando todavia a mão pousada no seu corpo que ela já não cobriu com o lençol, como fazia outrora nos primeiros tempos de casados, mesmo estando às escuras, por pejo e modéstia, virtudes que ele a pouco e pouco fora conquistando e derribando, até não haver mais barreiras para os seus olhos e as suas mãos, nem para os jogos de amor.
– Tratais-me como se fora vossa barregã e não vossa esposa... e eu já tive de mentir ao meu padre confessor! – barafustava com zanga na voz, mas que o riso desmentia, sempre que ele a abraçava em qualquer quarto sem gente, enfiando-lhe as mãos por baixo das saias e do corpinho, ou quando, de noite, lhe arrancava a camisa e se ajoelhava junto do leito, de candeia acesa na mão, a admirar-lhe o corpo de menina que mal acabara de se fazer mulher, mas cuja perfeição o enfeitiçava a ponto de lhe fazer esquecer os malogros da sua vida.
– Um marido não pode olhar e amar à sua guisa o corpo da esposa? – perguntara-lhe um dia, acariciando-a, atiçando-lhe os zelos, por zombaria: – Ou deverá guardar esses prazeres apenas para as suas escravas e barregãs?
Depois de regressar da sua viagem ao cabo de África e cansado de esperar pela missão ao Oriente que não havia meio de chegar, decidira desposar a sua gentil prima e constituir família, união bem aceite não só na terra, como nos Céus, pois fora abençoada com dois belos filhos varões.
Tardara, todavia, a ajustar-se à vida tranquila das gentes de terra, confrontado por toda a sorte de constrangimentos e defesos que os bons costumes, reforçados pela censura da igreja, lhe impunham e dos quais o ter muito visto e a constante presença da morte o haviam libertado a ponto de causar escândalo à sua própria família.
– Por mim, não hajais empacho, meu senhor – replicara assanhada e num tom nada respeitoso, apesar do tratamento que lhe dera –, se a tal vos avezaram as negras cafras que levastes na vossa viagem de descobrir...
Deixara-a só e em lágrimas, desarvorando porta fora, esmagado pelas recordações que a muito custo lograra enterrar nos escaninhos da sua alma. A história das escravas que transportara na caravela para lançar nos lugares novamente descobertos era um assunto tabu (palavra que elas lhe tinham ensinado) de que nunca falava e, se o não pudesse evitar, limitava-se a dar a versão contida no relatório entregue a el-rei D. João II.
Nessa noite, regressara a casa bem tarde e, ao entrar no quarto, achara a esposa deitada, mas desperta e... com a candeia acesa. “Deixai estar a luz” rogara baixinho, com os olhos inchados de pranto, quando ele se deitara a seu lado. Estava nua e amara-o pela primeira vez com o ardor e a raiva de ciosa amante.
– Sofala... em que lugar está?
A voz sossegada despertou-o bruscamente e ele apoiou-se num cotovelo para lhe ver o rosto, suavizado pela ternura, mas os seus olhos tinham perdido o brilho da alegria.
– É no reino do Monomotapa, na costa oriental da África.
– Depois do Cabo das Tormentas...
A voz quebrou-se-lhe num soluço, de pronto sufocado e ele ralhou-lhe com doçura, para lhe desanuviar a tristeza:
– Cabo da Boa Esperança, queres tu dizer, mulher! Assi foi registado no Padrão Real e copiado para as novas cartas de marear.
Amaldiçoou-se intimamente por nem na cama com a mulher deixar de pensar na cópia do padrão que acabava de ser roubada e já devia ir a caminho de algum cobiçoso reino ou ducado além-fronteiras. Buscou desanuviar o espírito com um jogo:
– Mas vou mostrar-te onde fica Sofala, numa carta secreta que só eu possuo e é mais preciosa do que todas as que o próprio Cabral leva na sua nau capitoa.
– Uma carta de marear secreta? Onde...
– Não te mexas!
Olhou o corpo da mulher como se o quisesse gravar para sempre na memória, maravilhado de ver que nem a prenhez ou os partos, nem mesmo o desmancho que sofrera, o tinham deformado. Pelo contrário, a maternidade fizera desabrochar o seu corpo, arredondando-lhe as formas ao modo das deusas pagãs. Com o dedo esticado, desenhou-lhe sobre a pele lisa e macia, logo acima dos seios, uma linha quase direita.
– Aqui fica o Norte de África, Marrocos e os montes do Atlas...
Ouviu-a rir quando o seu dedo seguiu sinuosamente a curva do seio, sentindo-lhe o arrepio à flor da pele, aflorou a auréola rosada e o mamilo endureceu e fez-se rubro como um bago de romã.
– Aqui Mazagão... – sussurrou e o seu indicador contornou o seio voluptuoso – a curva do Cabo Bojador, a Guiné... e estes sinais, as ilhas de Cabo Verde onde se faz a aguada – poisou os lábios sobre as minúsculas manchas e prosseguiu, iniciando a descida para a linha da cintura: – aqui a Mina...
– Já estiveste em todos esses sítios! – riu-se de novo, com malícia.
O dedo completou a curva, flectindo para a linha do ventre e a mulher contorceu-se numa crispação de cócegas.
– Agora a derrota de Diogo Cão... as terras do Manicongo... aqui a Serra Parda – os seus lábios pousaram-lhe no umbigo –, onde dei começo às minhas descobertas... a terra de Santa Bárbara, o Golfo de S. Tomé... e mais abaixo a Angra das Voltas, lugar do meu primeiro padrão...
A voz tremeu-lhe e a mão afagou o triângulo macio entre as suas pernas e dos lábios da mulher soltou-se um profundo suspiro.
– E aqui dobrei eu pela primeira vez este teu Cabo das Tormentas...
As coxas, unindo-se num espasmo de desejo, aprisionaram-lhe os dedos na concha do ventre e ele deixou-se tombar sobre o seu corpo para a possuir de novo com o desespero de quem teme perder um bem precioso ou busca o olvido de uma culpa pungente que jamais cessara de o atormentar.
MÚSICA
Ouvimos, no programa de hoje, um excerto do novo romance de Deana Barroqueiro “O Navegador da Passagem”. Esta obra será apresentada no próximo dia 17, às 19.30, no auditório do Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa. A apresentação é da responsabilidade do Professor Doutor Eduardo Marçal Grilo, que também prefacia a obra.
Nesse mesmo dia e o livro chegará às livrarias e demais pontos de venda.

MÚSICA

D. Sebastião e o Vidente, lançado no Mosteiro dos Jerónimos perante 500 pessoas, foi o romance com que, em 2006, a Porto Editora se iniciou na literatura, através da agora denominada Divisão Editorial Literária do Porto. O título foi distinguido com o Prémio Máxima de Literatura 2007 –Prémio Especial do Júri.
O Estúdio Raposa fica muito penhorado por ter tido a oportunidade de antecipar a leitura de um excerto do novo romance histórico de Deana Barroqueiro. Um agradecimento à editora e à Deana Barroqueiro.

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