Poesia Erótica 21
"A Arte de Amar" de Ovídeo

 


Poesia 21 - Ovídeo e “A Arte de Amar”

INDICATIVO

Blasfemo, digo: Ovídeo está para a arte do amor como Maquiavel para a arte de governar.

SOBE

Publius Ovidius Naso, poeta romano, conhecido por Ovídio, nasceu em 20 de março de 43 a.C. em Sulmo, actual Sulmona, em Itália.
Destinado por seu pai a estudar para advogado, trocou a carreira pela de poeta. No ano em que Jesus Cristo fazia oito anos de idade, Ovídeo, foi banido de Roma pelo imperador Augusto por causa de seu livro em verso, “A Arte de Amar”, considerada imoral por Otávio Augusto.
Curiosamente, 2.000 anos depois, a arte de amar ainda é banida se a ela se acrescentar um condimento erótico.
Ovídio influenciou com seus versos, cheios de suavidade e harmonia, autores tão diversos como Dante, Milton e Shakespeare.
Foi pela altura em que foi banido de Roma, que Ovídio escreveu a sua obra mais famosa: Metamorfoses. Faleceu no ano 17. Só meia-dúzia de anos depois, Jesus passaria pelas mãos hábeis e sábias de Maria Magdala. Segundo Saramago.

SOBE

Chegou ao Estúdio Raposa, ao abrigo da campanha “Forneça-me, por favor, literatura erótica”, amabilidade de alguém que se quer manter incógnito, chegou ao Estúdio Raposa, dizia, uma tradução de “A Arte de Amar”. E que tradução, meus caros! Nada mais, nada menos do que um trabalho de Natália Correia e David Mourão-Ferreira, numa edição da Vega.
Ouçamos um excerto do prefácio desta obra, de autoria de Mourão Ferreira.

SOBE

Particularmente prezada durante a Antiguidade, lida e relida - sobretudo às escondidas - ao longo de quase toda a Idade Média, revalorizada com sempre renovado interesse a partir do Renascimento, a Arte de Amar de Ovídio não é apenas um dos monumentos perenes da literatura ocidental, mas também uma espécie de ponte ininterrupta, com sólidos pilares assentes no curso movediço de cada século, a atestar e a reforçar a continuidade dessa mesma literatura. Compósita mistura de Bíblia profana, de Manual de Bordo e de Livro de Cozinha para uso dos aprendizes do amor, a Arte de Amar tem vivido clandestinamente sob o alçado de escrevaninhas devotas, ocupado os mais secretos lugares no topo das estantes mais veneráveis, transitado de mão em mão sob a capa de sucessivas gerações de estudantes, pernoitado em celas de conventos e em celas de prisões, em castelos, em palácios e em estalagens, em boudoirs de cocottes e em tendas de campanha, em bordéis, em solares, em escolas, em beliches de transatlântico e em compartimentos de caminho de ferro …

SOBE

Vamos ouvir três excertos da obra de Ovídeo. Um poema de cada um dos livros em que se divide a obra.

MÚSICA

O pudor impede a mulher
de provocar certas carícias mas se é o homem a começar
ela recebe-as com delícia.
Ah! tens excessiva confiança
nas tuas qualidades físicas
se esperas que seja a mulher
a tomar a iniciativa.
É ao homem que compete começar
e dizer palavras suplicantes.
À mulher cabe acolher suavemente
essas brandas palavras amorosas.
Queres possuí-la? Pede.
Ser rogada é tudo o que deseja.
Dá-lhe um motivo para se entregar.
Às velhas heroínas
dirigia-se Júpiter com um ar suplicante;
não eram elas que o vinham provocar.
Porém se as tuas preces
se quebram no rochedo de um orgulho distante,
desiste e volta para trás.
Desejam as mulheres o que lhes foge
e detestam o que está ao seu alcance.
Se insistires com mais moderação,
maior será a sua aceitação.
Nem sempre transpareça em teus pedidos
o ímpeto da paixão.
Quantas vezes sob o nome de amizade
num coração fechado entra o amor.
Muitas mulheres esquivas vi cair
na armadilha desta sedução:
o que era apenas admirador
volvera-se em amante.

MÚSICA

Qual é o amante experimentado
que os beijos não misture com palavras de amor?
Mesmo que a tua amada tos não dê
rouba-lhe os beijos que não te quiser dar.
Talvez comece por resistência opôr
e te chame «insolente»,
mas resistindo pretende ser vencida.
Não molestes com beijos mal roubados
os seus lábios sensíveis, delicados;
que queixar-se não possa da tua grosseria.
Roubar um beijo e não roubar o resto
é uma falta de jeito que merece
perder os favores já concedidos.
Depois do beijo, ó homem, por que esperas
para outros desejos consumar?
Não é pudico o teu comportamento;
deste sim mostras de um tosco acanhamento.
Teria sido violência, dizes;
mas dessa violência não fogem as mulheres;
o que elas gostam de nos conceder,
muitas vezes concedem, resistindo.
A mulher violada por um rapto insolente
torna a violação como um doce presente;
e aquela que coagi-la fora fácil
e intacta se retira,
mesmo que o rosto alegria aparente,
vai com certeza descontente.
Foram Febe e a irmã violentadas.
Nem por isso ambas as raptadas
amaram menos aquele que as raptou.

MÚSICA

Dos ensinamentos que me resta dar
já me sinto corar.
Mas diz-me a benévola Dione:
«o que causa vergonha, eis a nossa tarefa.»
Que cada uma de vós a fundo se conheça
e escolha a atitude
que mais em harmonia com o corpo lhe pareça.
A mesma posição a todas não convém.
Se o teu corpo é bonito deita-te sobre as costas
e é de costas que deves tua nudez mostrar,
se à perfeição do dorso nada tens a apontar.
Também tu cujo ventre Lucina encheu de rugas
faz como o Parto que no combate volta o dorso.
Milanion trazia sobre os ombros as pernas de Atalanta;
se as tuas mãos são belas do mesmo modo as mostrarás.
Se a mulher é pequena,
que tome a posição do cavaleiro.
Porque era altíssima
nunca a tebana mulher de Heitor
fez de cavalo em cima do marido.

Se procuras que o homem admire
da tua anca a linha inteira,
com a cabeça atirada para trás
na cama te ajoelha.

Se as tuas coxas têm da juventude o viço
e é impecável o teu peito
fique o homem direito
e obliquamente a ele estende-te no leito.

Não te envergonhes dos cabelos soltar como as Bacantes
e faz girar o colo emoldurado pela solta cabeleira.
Para os prazeres de Vénus praticar há mil maneiras.
Mas a mais repousante e menos complicada
é ficares sobre o flanco direito
meia deitada.
Sinta a mulher que os deleites de Vénus
ressoam nos abismos do seu ser;
e para os dois amantes
seja igual o prazer.
Nunca os doces murmúrios se interrompam
nem as palavras que escorrem quais carícias
e no meio das volúpias não se calem
aquelas que soam mais lascivas.

Mesmo se a natureza te negou
de Vénus as frementes sensações,
finge o doce prazer experimentar
com mentirosas inflexões.
Infeliz da mulher se o órgão de prazer permanece insensível
e que volúpias deve originar para ela e para o amante.
Mas cuidado não seja o fingimento
manifesto e visível.
Que a fingida expressão e os movimentos
que o teu amante enganam
seja aos teus olhos crível.
A volúpia, as palavras e a respiração
serão os instrumentos
com que fabricarás sua ilusão.
Impede-me o pudor de prosseguir.
Do teu órgão, mulher,
são secretos os meios de expressão.

MÚSICA

Ouvimos no Poesia Erótica de hoje, um pouco mais comprido do que é habitual (mas o tema merece) excertos, em poesia, da famosa obra de Ovídeo “A Arte de Amar”, escrita há 2.000 anos, numa tradução da responsabilidade de Natália Correia e David Mourão-Ferreira. Edição Vega.
Termino com as palavras finais de “A Arte de Amar” de Ovídeo:

SOBE

Chega ao fim o meu jogo:
é tempo de pôr os pés no solo,
de o carro abandonar, a cuja canga
entregaram os cisnes o seu colo.
Como atrás, os jovens que ensinei,
também vós, ó mulheres minhas alunas,
sobre os vossos troféus escrevereis:
«Ovídio, Ovídio, foi o nosso mestre!»

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