Estúdio Raposa

Palavras de Ouro 155
Teófilo Braga

 


INDICATIVO

Ouviremos, neste programa, as palavras de ouro de Teófilo Braga, autor que nos deixou uma obra monumental nos domínios da poesia, história e crítica literárias, historiografia, etnografia, filosofia e sociologia, política, ficção e tradução.

MÚSICA

Teófilo Braga nasceu em Ponta Delgada, ilha de Santa Maria, Açores.
Depois de ter feito os primeiros estudos no liceu de Ponta Delgada, veio para o continente em 1861, seguindo para Coimbra, em cuja Universidade fez com distinção o curso de Direito, que completou em 1867, recebendo o grau de doutor em Julho do ano seguinte. Na Universidade, relacionou-se com alguns dos membros da futura Geração de 70, entre os quais Antero de Quental, envolvendo-se nas manifestações de crítica ao academismo e colaborando em revistas como O Instituto, Revista de Coimbra, Revista Contemporânea de Portugal e Brasil e A Grinalda. Toma parte na célebre Questão Coimbrã com o opúsculo As Teocracias Literárias, onde se insurge diretamente contra Castilho, censurando a sua prática poética "palavrosa, nula de ideias", e o seu magistério literário. Esta crítica ao academismo valeu-lhe a hostilidade dos senhores das letras o que o levou a substituir a sua atividade literária pela científica.

MÚSICA

É assim que Ramalho Ortigão descreve Teófilo Braga: «Simples, sóbrio, duro, com hábitos de uma austeridade de espartano, sabendo reduzir as suas necessidades a toda a restrição a que lhe reduzam os seus meios, vivendo no seu isolamento como Robinson na sua ilha, Teófilo Braga tem uma única paixão, a paixão prosélita da ciência. Não publica um volume por semana pela razão única de que não há prelos em Portugal que acompanhem a velocidade vertiginosa da sua pena. Escreve de graça, desinteressadamente, em satisfação do seu prazer supremo, o prazer de espalhar ideias. Esta enorme força é a sua única fraqueza; nunca se lhe conheceu outra.
Tem no estado mais acerbo a paixão da sua ideia ... no século XIX com a sua atividade sistematizada e com a sua impaciência dirigida pela filosofia profundamente pacificadora de Augusto Comte, Teófilo Braga é o tipo mais perfeito do obreiro benemérito e do cidadão útil. No meio da sociedade portuguesa ... consola-nos o poder contemplar, em uma figura como a de Teófilo Braga a curiosidade rara que se chama – um homem.»

MÚSICA

Teófilo Braga, nascido Joaquim Fernandes Braga, é aos dez anos, ao matricular-se na instrução primária, que adota o nome Teófilo. Tentando ser independente, torna-se aprendiz de tipógrafo e, em 1859, publica o seu livro de estreia, Folhas Verdes, apadrinhado por Francisco Maria Supico. Em 1861, parte para Coimbra para cursar Direito, como já foi dito. Entre 1886 e 1887, no espaço de poucos meses, perde os dois filhos que lhe restavam; esta enorme tragédia pessoal desperta a simpatia de muitos dos seus adversários, incluindo Camilo, que lhe dedicam o volume de elegias A Maior Dor Humana. Em 1891, redige o manifesto e o programa do Partido Republicano. Logo após a proclamação da República, em 1910, Teófilo Braga é escolhido para Presidente do Governo Provisório. Em 1915, exerce as funções de Presidente da República interino.

MÚSICA

É muito vasta a produção literária de Teófilo Braga, pelo que se tornaria enfadonha a sua enumeração, aqui, neste programa.
Deste autor cuja obra é considerada monumental, vamos ouvir um poema intitulado “Acalentar meninos” e um excerto da sua obra “Viriato”

MÚSICA

Embala, preta, embala
Menino do teu senhor;
Canta-lhe bem amoroso,
Anima-lo com amor.
Embala, preta, embala,
Como o fez San José,
Que os anjos cantarão:
Pater nostre domine.
San José, a trabalhar,
Embalava com seu pé:
“Calai-vos, Jesus Menino,
Nascido em Nazaré,”
Meu San José, acudi
Dai-me da vossa graça,
Com que enxugue ao meu menino
Suas lágrimas de prata.
Embala, preta, embala,
Como a Virgem faria,
Que os anjos cantarão:
“Gratia Plena Ave-Maria”.
Cantigas embalou Jesus:
-Calai-vos, meu bento filho,
Que haveis de morrer na cruz.
Nossa Senhora, acudi,
Dai-me o vosso tesouro,
Com que cale o meu menino
Que chora lágrimas de ouro.”

MÚSICA

Era noite velha quando Ditálcon, Andaca e Minouro regressaram ao acampamento de Viriato. Demoraram-se mais tempo do que o Cabecilha imaginara, revolvendo por vezes na mente que fortes motivos ou razões políticas se debatiam na barraca do general romano, para lá se deterem. De vez em quando ocorria-lhe a conjectura de que Cepião, não reconhecendo a inviolabilidade dos seus parlamentários, os teria mandado passar pelas armas, ou pelo menos os guardava como prisioneiros, como reféns para lhe impor condições de rendição. Nesta prolongada preocupação de espírito, e sob a pressão dos inesperados acontecimentos, que só poderiam ser contrabalançados pela, energia e pela astúcia, Viriato caiu em um sono profundo, como aquele em que se fica imerso antes de caminhar para a morte. Embora profundo, o sono era agitação, como em homem costumado a estar alerta mesmo quando descansava; e nessa agitação, debatia-se Viriato com um pesadelo, um sonho, que sem diferença por fatalidade, coincidia com o que estava prestes a acontecer. Na agitação daquele sono dormido sobre a terra recalcada poucas horas antes pelos cavalos, Viriato sentia os passos dos seus três Companheiros que se aproximavam silenciosamente da barraca em que estava dormindo; um deles, Minouro, afastou o pano e entrou escondendo de trás das costas um punhal de dois gumes. Naquela ansiedade cataléptica, Viriato quis erguer-se, gritar, mas era impossível qualquer movimento; em seguida entrou Ditálcon, e Andaca ficou quase da parte de fora, mas ainda visto claramente. Sob o terror do sonho que o oprimia, Viriato viu Minouro curvar-se obre ele, e erguendo ao ar o braço com o punhal descarregar o golpe...
Nesse momento de extrema angústia acorda, e ante a ilusão e a realidade, sentiu um golpe vibrado fortemente no pescoço; antes que o sangue lhe embaraçasse a voz, Viriato, abrindo os olhos atónitos, pôde proferir as palavras:
– O meu maior amigo? Minouro...
Os borbotões de sangue que lhe encheram internamente o peito e repingaram pelos panos da barraca, não deixaram que pudesse mais exprimir-se, e ficou exânime, arquejando, até ao último alento, passando assim, horrorosamente, de um sonho tremendo, em que Viriato, pela sua lealdade não ousaria acreditar, para a realidade trágica e afrontosa, que ia actuar como uma eterna calamidade sobre o futuro da Lusitânia.
A morte de Viriato fez-se com rapidez e segurança; os três Companheiros da Trimarkisia saíram da barraca sem ruído, e simulando ordens recebidas de Viriato montaram nos seus cavalos e partiram à desfilada para o arraial romano. Cepião estava dormindo; um Cavaleiro foi acordá-lo, e dizer-lhe:
– Morreu Viriato!
Quinto Servílio Cepião, voltando-se sobre o lado direito para continuar o sono, deu ordem ao Cavaleiro:
– Que esses entes abjectos esperem lá fora, até que seja dia.
Viriato era sempre o primeiro que percorria o acampamento; a sua presença era como um toque de alvorada. Naquele dia, que despontava luminoso e sereno, não aparecera; como faltavam também os seus três Companheiros, facilmente imaginaram os mil Soldúrios que iria reconhecer algum fojo ou desfiladeiro para organizar uma emboscada contra o exército considerável de Cepião. Mas o sol erguia-se; era dia claro, e a barraca do Caudilho conservava-se fechada. Ocorreu a ideia de verificar se estaria caído por doença; o que estava mais perto levantou resoluto o pano da barraca, e viu o vulto de Viriato estendido em cima da relva, sobre postas de sangue coalhado; e recuando com espanto:
– Está morto Viriato! Apunhalado, apunhalado!
Aquele brado soou como um estalido de raio, quando, ao perto, fende o ar ambiente; o trovão foi o rumor propagado entre os Soldúrios e por entre o Terços e Companhias, que formavam agora o pequeno exército de Viriato.
– Apunhalado Viriato! Morto Viriato!
Para a barraca do general correram todos aterrados. Não compareceram Ditálcon, Andaca e Minouro; eram os únicos que faltavam. Sem esforço reconheceram que esses, a quem Viriato considerava como os seus maiores amigos, é que o tinham apunhalado traiçoeiramente, covardemente, enquanto ele dormia!
Corriam lágrimas de desespero pelas faces dos velhos camaradas de Viriato nesta campanha de dez anos pela independência da terra lusitana.
A barraca foi desmantelada, ficou patente aos olhos de todos o corpo inânime de Viriato estendido como se tivesse passado momentaneamente do sono da vida para o da morte; via-se-lhe o golpe profundo do pescoço dado por mão certeira, a que teria sucumbido rapidamente e quase sem agonia. Sobre o sangue derramado em cima de que jazia, a seu lado, estava estendida a espada, que o acompanhava sempre, espada invencível, à qual atribuíam poderes maravilhosos. Vendo a espada, e não se atrevendo nenhum dos Soldúrios a tomá-la na mão, diziam entre si:
– Agora compreendemos as vozes que corriam: Viriato não morreu em batalha; assim lhe estava vaticinado.
– Mas o oráculo, que lhe parecia favorável, deixara no vago a hipótese atroz, de morrer apunhalado à traição pelos seus melhores amigos!
– Antes vencido e morto na refrega, no sacrifício voluntário da ida por uma ideia, do que esta sorte miseranda.
Por todo o exército, em grupos, que se formavam em tamanha desolação, levantavam-se alaridos prantos de terror e de mágoa; bem reconheciam que aquele desastre era a perdição de todos e que sem o chefe prestigioso achavam-se à mercê do Cônsul romano, e para muitos anos abafada a resistência da Lusitânia. Na angústia em que todos se viam, a pouca distância do exército de Quinto Servílio Cepião, o desespero a situação causava uma apatia, uma obnubilação para planear a defesa urgente.
Neste momento, afastando os grupos que cercavam o corpo de Viriato, chegou Tantalo, um dos bravos em que mais confiava o Caudilho, e colocando-lhe a espada entre as mãos, cruzada sobre o peito, exclamou:
– Morreu o teu corpo, mas permanece imperecível o teu ideal. Esta Espada transmitirá o esforço truncado pela traição, àquele que cedo ou tarde servir a aspiração de uma Lusitânia livre.
E voltando-se para o exército, que parecia reanimado por estas palavras:
– O que temos a fazer agora, e primeiro que tudo, é prestar a Viriato as honras do funeral.
Enquanto se davam as ordens para realizarem de pronto, com a maior solenidade a lúgubre cerimónia, no arraial dos romanos levantavam-se gritos de aclamação triunfal, que ecoavam de quebrada em quebrada:
– Acabou a Guerra da Lusitânia. Morreu Viriato! Morreu Viriato.
Os cavaleiros romanos, que chegaram com a intimação afrontosa de Cepião ao arraial lusitano, puderam ver e contaram as cerimónias grandiosas que se praticaram no Funeral de Viriato. Dentre os Mil Soldúrios que sempre o acompanharam, uns encarregavam-se de vesti-lo magnificentissimamente com as mais ricas e festivas roupas que trajava em tempo de gala, quando animava os jogos celebrando as derrotas romana. Amarraram-lhe os cabelos na testa, como se fosse para entrar em combate, pondo-lhe na cabeça a tríplice cimeira e o capacete da couro; pendurado do pescoço o pequeno escudo côncavo, preso por correias, e em uma das mão um punhal largo ou faca de mato, estendida a seu lado uma lança de ponta de bronze e gancho para não deixar fugir a presa. Outros Soldúrios acarretaram para cima de um alto penhasco que estava na coroa da montanha, grandes molhos de rama de pinheiro, de faias e carvalhos, formando ali uma estupenda pira, sobre a qual, com veneração foram processionalmente colocar o corpo rígido de Viriato. Parecia um soberbo trono a pira; e logo que cada um dos mil Soldúrios foi junto do cadáver dar-lhe o derradeiro adeus, dividiram-se em grupos de duzentos, e postos em frente uns dos outros, como quem vai entrar em combate, esperando que fosse lançado fogo à enorme pira. A chama começou a atear-se, e assim que ela irrompeu intensa , principiaram as danças guerreiras em volta da pira, em forma agonística, batendo os escudos, floreando as lanças, brandindo as espadas e entrecruzando-se vertiginosamente, como se esse tripúdio santificasse mais o acto lúgubre, continuando ininterruptamente, incansavelmente, até que a ultima labareda, tendo combusto o corpo de Viriato, apagasse por não ter mais que queimar.

E enquanto aquelas turmas de duzentos cavaleiros dançavam em volta da pira, dois outros grupo conservavam-se balançando-se como a acentuar o ritmo e um Canto, em que celebravam as virtudes e o heroísmo de Viriato.

MÚSICA

Ouvimos no programa de hoje, palavras escritas de Teófilo Braga uma figura importante da literatura portuguesa no que respeita à sua produção e ao seu estudo.

INDICATIVO

Nota: Este texto foi escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico.