Estúdio Raposa

Palavras de Ouro 152
Carlos de Oliveira

 


INDICATIVO

Este programa vai ser preenchido com as palavras douradas de Carlos de Oliveira.
MÚSICA

Carlos de Oliveira nasceu no Belém do Pará, a 10 de Agosto de 1921 e faleceu em Lisboa a 1 de Julho de 1981.
Filho de emigrantes portugueses, só viveu no Brasil os dois primeiros anos de vida: em 1923, os seus pais regressam a Portugal, acabando por se fixar na região de Cantanhede, mais precisamente na aldeia de Febres, onde seu pai exercia medicina. Em 1933 muda-se para Coimbra, cidade onde permanece durante quinze anos, a fim de concluir os estudos liceais e universitários. Ingressa na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra em 1941, onde estabelece amizade, convívio intelectual e solidariedade ideológica e política com outros jovens, entre os quais Joaquim Namorado, João Cochofel e Fernando Namora.

MÚSICA

Em 1942, Carlos de Oliveira publica o seu primeiro livro de poemas Turismo, com ilustrações de Fernando Namora. Em 1944, o romance Alcateia, será apreendido pela polícia política, lançando nesse mesmo ano a segunda edição de Casa na Duna.
Em 1945 publica um novo livro de poesias, Mãe Pobre. Os anos 1945 e seguintes serão, para Carlos de Oliveira, bem profícuos quanto à integração e afirmação nos grupos das revistas Seara Nova e Vértice e a colaboração no livro de Fernando Lopes Graça, “Marchas, Danças e Canções”.

MÚSICA

Carlos de Oliveira termina em 1947 a sua Licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas, e no ano seguinte instala-se definitivamente em Lisboa, não deixando, contudo, de se deslocar periodicamente a Coimbra e à Gândara. Em 1949 casa com Ângela, jovem madeirense que conhecera na Faculdade, que será sua companheira e colaboradora permanente.
Em 1953 publica Uma Abelha na Chuva, o seu quarto romance e, unanimemente reconhecido como uma das mais importantes obras da literatura portuguesa. Este romance foi adaptado ao cinema por Fernando Lopes, numa obra do chamado Novo Cinema. Foi estreado no cinema Estúdio, em Lisboa em Abril de 1972.

MÚSICA

Em 1957, Carlos de Oliveira, organiza, com José Gomes Ferreira, numa abordagem do imaginário popular os dois volumes de Contos Tradicionais Portugueses, alguns deles posteriormente adaptados ao cinema por João César Monteiro.
Em 1968 publica dois novos livros de poesia, Sobre o Lado Esquerdo e Micro paisagem. Publica em 71 O Aprendiz de Feiticeiro, colectânea de crónicas e artigos, e Entre Duas Memórias, livro de poemas, pelo que lhe é atribuído no ano seguinte o Prémio de Imprensa. Em 1976 reúne toda a sua poesia em Trabalho Poético, dois volumes, apresentando os livros anteriores, revistos, e os poemas inéditos de Pastoral, livro que será publicado autonomamente no ano seguinte. Publica em 1978 o seu último romance Finisterra, paisagem povoada de inspiração gandaresa, obra que lhe proporciona a atribuição do Prémio Cidade de Lisboa, no ano seguinte.
Carlos de Oliveira morre na sua casa em Lisboa a 1 de Julho de 1981.

MÚSICA

Vamos ouvir, sem interrupção, cinco poemas de Carlos Oliveira.

MÚSICA

Acusam-me de Mágoa e Desalento

Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.

Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que não nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.

Entretanto, deixai que me não cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.

A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a própria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.

MÚSICA

Carta a Ângela

Para ti, meu amor, é cada sonho
de todas as palavras que escrever,
cada imagem de luz e de futuro,
cada dia dos dias que viver.

Os abismos das coisas, quem os nega,
se em nós abertos inda em nós persistem?
Quantas vezes os versos que te dou
na água dos teus olhos é que existem!

Quantas vezes chorando te alcancei
e em lágrimas de sombra nos perdemos!
As mesmas que contigo regressei
ao ritmo da vida que escolhemos!

Mais humana da terra dos caminhos
e mais certa, dos erros cometidos,
foste de novo, e sempre, a mão da esperança
nos meus versos errantes e perdidos.

Transpondo os versos vieste à minha vida
e um rio abriu-se onde era areia e dor.
Porque chegaste à hora prometida
aqui te deixo tudo, meu amor!

MÚSICA

Leitura

Quando por fim as árvores
se tornam luminosas; e ardem
por dentro pressentindo;
folha a folha; as chamas
ávidas de frio:
nimbos e cúmulos coroam
a tarde, o horizonte,
com a sua auréola incandescente
de gás sobre os rebanhos.

Assim se movem
as nuvens comovidas
no anoitecer
dos grandes textos clássicos.

Perdem mais densidade;
ascendem na pálida aleluia
de que fulgor ainda?
e são agora
cumes de colinas rarefeitas
policopiando à pressa
a demora das outras
feita de peso e sombra.

MÚSICA

Sonetos do Regresso
I
Volto contigo à terra da ilusão,
mas o lar de meus pais levou-o o vento
e se levou a pedra dos umbrais
o resto é esquecimento:
procurar o amor neste deserto
onde tudo me ensina a viver só
e a água do teu nome se desfaz
em sílabas de pó
é procurar a morte apenas,
o perfume daquelas
longínquas açucenas
abertas sobre o mundo como estrelas:
despenhar no meu sono de criança
inutilmente a chuva da lembrança.
II
Acordar, acender
o rápido lampejo
na água escusa onde rola submersa
como o lodo no Tejo
a vida informe, peso dúbio
desse cardume denso ou leve
que nasce em mim para morrer
no mar da noite breve;
dormir o pobre sono
dos barbitúricos piedosos
e acordar, acender
os tojos caudalosos
nesta areia lunar
ou, charcos, nunca mais voltar

MÚSICA

Tempo

O tempo é um velho corvo
de olhos turvos, cinzentos.
Bebe a luz destes dias só dum sorvo
como as corujas o azeite
dos lampadários bentos.

E nós sorrimos,
pássaros mortos
no fundo dum paul
dormimos.

Só lá do alto do poleiro azul
o sol doirado e verde,
o fulvo papagaio
(estou bêbedo de luz,
caio ou não caio?)
nos lembra a dor do tempo que se perde.

MÚSICA

Acabámos de ouvir o Palavras de Ouro nº 153 onde apresentei uma pequena biografia de Carlos de Oliveira e ouvimos cinco dos seus poemas.

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