Estúdio Raposa

Palavras de Ouro 145
Antero de Quental

 

  • INDICATIVO

    O nome de Antero de Quental tornou-se no símbolo de uma geração (a Geração de 70 ou a Geração de Antero) e é referência obrigatória na poesia, no ensaio filosófico e literário, no jornalismo, mas também nas lutas pela liberdade de pensamento e pela justiça social, onde se afirmou como ideólogo destacado. Hoje, no Palavras de Ouro falamos de Antero de Quental.
    Vou usar um texto disponibilizado na Internet de autoria de Ana Maria Almeida Martins.

    MÚSICA

    Antero de Quental é oriundo de uma das mais antigas famílias de colonizadores micaelenses, alinhados nos sectores liberais da sociedade, Antero continuou essa tradição, a exemplo do avô, André da Ponte de Quental, signatário da Constituição de 1822, e do pai, Fernando de Quental, um dos "7.500 bravos do Mindelo".
    Após a licenciatura pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em 1859 e atraído pelos ideais socialistas de Proudhon, sobretudo, pensa alistar-se nos exércitos de Garibaldi, mas acaba por aprender a arte de tipógrafo, na Imprensa Nacional, deslocando-se depois a Paris, em 1867, para aí exercer o oficio e familiarizar-se com os problemas do proletariado que, no nosso país, longe da industrialização, ainda eram desconhecidos.

    MÚSICA

    O período mais estimulante da sua vida pública foi o que culminou com a organização, junto com Batalha Reis, das Conferências do Casino, que se inauguraram em 22 de Maio de 1871, no Casino Lisbonense. A sua finalidade era a reflexão sobre as condições políticas, religiosas e económicas da sociedade portuguesa no contexto europeu, porque "não podia viver e desenvolver-se um povo isolado das grandes preocupações intelectuais do seu tempo", lia-se no programa, redigido por Antero.
    A mais célebre das conferências é a sua: “Causas da decadência dos povos peninsulares”, que foi imediatamente impressa e se tornou no seu mais conhecido texto em prosa.
    Nunca em Portugal se fora tão longe na denúncia das consequências do poder temporal da Igreja, e por isso as conferências acabaram por ser proibidas através de portaria real. Da agitação que se seguiu a este atentado às liberdades, consagradas mas não respeitadas, resultou o queda do governo que as suprimira.

    MÚSICA

    Em 1874 manifesta-se a primeira crise de uma doença nunca completamente diagnosticada, que o vai impedir de se consagrar continuadamente a qualquer actividade.
    O seu pensamento filosófico surge exposta de modo inequívoco no ensaio filosófico Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX, escrito a pedido do amigo Eça de Queirós, então director da Revista de Portugal e aí publicado nos primeiros meses de 1890. Neste estudo, o mais importante que legou à cultura portuguesa, o seu pensamento evoluiu no sentido de um novo espiritualismo, contra o positivismo e os materialistas da época. Na opinião de Jaime Cortesão, trata-se de “páginas das mais belas que jamais se escreveram em língua portuguesa” e que Joaquim de Carvalho definiu como “uma obra onde a beleza moral ofusca a própria beleza literária”

    MÚSICA

    Em 1891, doente, surge o projecto de se fixar definitivamente em Ponta Delgada, juntamente com as filhas adoptivas. As primeiras cartas aos amigos são optimistas, mas em breve o seu estado de saúde se agrava. No dia 11 de Setembro, à hora do crepúsculo, após ter comprado um revólver, arma que usou pela primeira vez, Antero suicida-se, no Largo de São Francisco, junto ao Convento da Esperança. Havia escrito na carta autobiográfica enviada a Storck, o tradutor alemão dos Sonetos, em Maio de 1887: “Morrerei, depois de uma vida moralmente tão agitada e dolorosa, na placidez de pensamentos tão irmãos das mais íntimas aspirações da alma humana e que, como diziam os antigos, na paz do Senhor - Assim o espero”.

    MÚSICA

    Vamos ouvir, cinco sonetos de Antero de Quental: A um poeta, Com os mortos, O Convertido, O Palácio da Ventura e Solemnia Verba.

    MÚSICA

    Tu que dormes, espírito sereno,
    Posto à sombra dos cedros seculares,
    Como um levita à sombra dos altares,
    Longe da luta e do fragor terreno.

    Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno
    Afugentou as larvas tumulares…
    Para surgir do seio desses mares
    Um mundo novo espera só um aceno…

    Escuta! É a grande voz das multidões!
    São teus irmãos, que se erguem! São canções…
    Mas de guerra… e são vozes de rebate!

    Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
    E dos raios de luz do sonho puro,
    Sonhador, faze espada de combate!

    MÚSICA

    Os que amei, onde estão? Idos, dispersos,
    arrastados no giro dos tufões,
    Levados, como em sonho, entre visões,
    Na fuga, no ruir dos universos…

    E eu mesmo, com os pés também imersos
    Na corrente e à mercê dos turbilhões,
    Só vejo espuma lívida, em cachões,
    E entre ela, aqui e ali, vultos submersos…

    Mas se paro um momento, se consigo
    Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
    De novo, esses que amei vivem comigo,

    Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
    Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
    Na comunhão ideal do eterno Bem.

    MÚSICA

    Entre os filhos dum século maldito
    Tomei também lugar na ímpia mesa,
    Onde, sob o folgar, geme a tristeza
    Duma ânsia impotente de infinito.

    Como os outros, cuspi no altar avito
    Um rir feito de fel e de impureza…
    Mas um dia abalou-se-me a firmeza,
    Deu-me um rebate o coração contrito!

    Erma, cheia de tédio e de quebranto,
    Rompendo os diques ao represo pranto,
    Virou-se para Deus minha alma triste!

    Amortalhei na Fé o pensamento,
    E achei a paz na inércia e esquecimento…
    Só me falta saber se Deus existe!

    MÚSICA

    Sonho que sou um cavaleiro andante.
    Por desertos, por sóis, por noite escura,
    Paladino do amor, busco anelante
    O palácio encantado da Ventura!

    Mas já desmaio, exausto e vacilante,
    Quebrada a espada já, rota a armadura…
    E eis que súbito o avisto, fulgurante
    Na sua pompa e aérea formosura!

    Com grandes golpes bato à porta e brado:
    Eu sou o Vagabundo, o Deserdado…
    Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais!

    Abrem-se as portas d’ouro com fragor…
    Mas dentro encontro só, cheio de dor,
    Silêncio e escuridão - e nada mais!

    MÚSICA

    Disse ao meu coração: Olha por quantos
    Caminhos vãos andámos! Considera
    Agora, desta altura, fria e austera,
    Os ermos que regaram nossos prantos...

    Pó e cinzas, onde houve flor e encantos!
    E a noite, onde foi luz a Primavera!
    Olha a teus pés o mundo e desespera,
    Semeador de sombras e quebrantos!

    Porém o coração, feito valente
    Na escola da tortura repetida,
    E no uso do pensar tornado crente,

    Respondeu: Desta altura vejo o Amor!
    Viver não foi em vão, se isto é vida,
    Nem foi demais o desengano e a dor.

    MÚSICA

    Acabámos de ouvir o programa “Palavras de Ouro” dedicado a Antero de Quental, onde ouvi os cinco dos seus poemas. Usei um texto disponibilizado na Internet de autoria de Ana Maria Almeida Martins e por mim adaptado às características deste programa, nomeadamente a sua duração.

    INDICATIVO