Estúdio Raposa

Lugar aos Outros 106
Raquel Coelho

 

INDICATIVO

Neste programa “Lugar aos Outros” vamos ouvir trabalhos de Raquel Coelho.

MÚSICA

A Raquel Coelho é uma daquelas autoras que ao terem de escrever uma nota biográfica, diante do papel em branco (agora écran em branco) não sabe o que dizer. À Raquel, porém, saiu este primor de descrição:
“raquel, coelho no nome e nas correrias da vida. nasceu na África do Sul, de onde guarda ainda o calor. uma menina-mulher que nunca será senhora, sempre de peito inflamado. sente-se colibri com coração de baleia, com todas as dores que isso acarreta e sorrisos que provoca.

MÚSICA

Raquel Coelho é professora do 1º ciclo e formadora de professores de inglês do mesmo ciclo, coordenadora da APPInet, Núcleo de Ensino Precoce da Associação Portuguesa de Professores de Inglês que tem como objetivo criar uma estrutura de apoio a professores que ensinam Inglês no 1º Ciclo do Ensino Básico e Pré-Escolar.
Raquel Coelho, tem um sonho de longa data: participar, no estrangeiro, num país que disso necessite de uma operação de solidariedade social.
Um sonho que está à beira de se concretizar. Com a ajuda da VSO, organização internacional e independente que trabalha com voluntários na luta contra a pobreza e pelo desenvolvimento, com a ajuda da VSO, dizia, a Raquel prepara a sua partida para a Guiana, onde vai, a partir do próximo mês de Fevereiro, desenvolver um projecto de formação de professores

MÚSICA

Vamos ouvir, de Raquel Coelho, cinco poemas em que um deles, se trata de um agrupamento da minha responsabilidade de 3 pequenos poemas. Os outros, têm por título: “O Chá do Carmo”, “Pétalas”, “IC Faro Oriente” e das despedidas

MÚSICA

com O Chá do Carmo fechado
imagino que puxo uma cadeira do largo
(estão presas para que ninguém as leve dali)
sento-me de verdade numa
tiro uma maçã da mala, gelando
um pouco mais
estas mãos que pertencem a um coração
que está permanentemente febril
apaixonando-se em catadupa por tanto:
o bailado voado
da folha seca
que já vestiu de verde viçoso uma árvore
uma árvore que agora parece pedir silêncio e luzes apagadas;
o jardim acidental
que nasce sob uma cadeira do Largo do Carmo;
o toc-toc-toc dos tacões na calçada
que me fascinam enquanto fotografia,
que me chocam enquanto desconforto
provocado de forma consciente,
só para que se consiga a dita fotografia.
a maçã já desapareceu sem deixar vestígio
(que também como as sementes
talvez um dia venha a ser mãe de macieira)
e as mãos não caíram
como flocos de neve
nem tu vieste ver-me ao lugar combinado

MÚSICA

encheste o chão da sala com pétalas
quando entrei senti o perfume
das palavras
o perfume das palavras com que encheste
folhas e folhas de papel
papéis coloridos por poemas
poemas de amor:
cada um uma pétala
deito-me agora no chão
deito-me e estendo a mão
alcançando um e outro poema
uma e outra pétala de paixão
[palavras que desenham jarras]

MÚSICA

eu em ti: o avesso
um abraço, de mim: empurrão
um beijo: mordida
uma carícia: murro
um conselho: ofensa
eu em ti: o avesso


canção de embalar
como é que tamanha maldade
pode ter nome de mulher bonita
dentro?
inSónia
provocada pelo ensurdecedor
silêncio com que adormeceste ao meu lado,
para nunca mais voltares.


do coração fugidio
encostou a cabeça ao peito dela
e sentiu
que o coração se desviava de cada vez que tentava sentir os seus batimentos

MÚSICA

sol
.tan-to-mar-pou-ca-te-rra
pou-ca-te-rra-pou-ca-te-rra-tan-to-mar
alfarrobeiras, amendoeiras
figueiras, laranjeiras
sobreiros, árvores na terra.
comboio que passa e faz tremer raízes
te-rra-ver-me-lha-a-rei-a-mar
aonde venho sempre dar.
eucaliptos, eucaliptos, colmeias, eucaliptos [eu-e-tus]
vegetação rasteira, vegetação nenhuma, montes despidos, montes secos,
incêndios: deserto.
girassóis, milho, terra-alimento
água, arrozal, Alcácer do Sal
sono...
água, luz corrente: meu Tejo iluminado!
trânsito, fumo: cidade
esvoaço colina acima: o meu ninho: onde a cidade acontece, onde o rio leva
barcos,
pelas janelas

nevoeiro
da janela do meu quarto-de-sonhos
vejo um prédio para o qual cada dia em pé
constitui uma vitória,
tal o mau estado em que se encontra.
acima e atrás dele está deitado o rio-mar
que se estende até às luzes dançarinas
(mentirosas, sei que estão quietas!)
tantas luzes, tantas pessoas, tanta gente acordada.
quantos desses adormecidos para a(s) magia(s) da vida?
(presos às máquinas de sonhos de outros?)
atravesso novamente o rio
com o olhar num breve arrepio,
inalo o fumo de um cigarro
que me ocupa a mão direita
e me acalma o lado esquerdo do peito,
desço o olhar
e vejo a velha que abre a janela
com dificuldade. o peso dos anos
na janela. o peso dos anos
no corpo
quantos sonhos?
salta um gato
salta um pequeno e ágil gato.
o contraste.

MÚSICA

poderia apaixonar-me por todos vocês hoje. sei que esta noite é especial.
poderia apaixonar-me pelo mundo. beijá-lo até que todo o ar se transformasse em amor e
sexo.
poderia caminhar sobre pétalas carnudas e flutuar em direcção às nuvens, deitar-me, nua,
sobre elas e abraçar o mundo. abraçá-lo com a força de um ano novo vindouro, quase
quase a nascer. quase: tão pouco por acontecer.
poderia sentir cada sopro de vento fresco: carícias do mundo, saudades por matar,
abraços por dar, filhos por nascer, paixões por escaldar; rédeas por libertar; sonhos por
viver; riscos por correr; pensamentos por dizer; tanto: tudo.
poderia assistir ao parto, acariciar o ano moribundo: que parte; aconchegar a nova vida,
ouvir os gritos do primeiro fôlego de um ano cheio de paz.
poderia, mas eu também mereço a morte.
adeus

O chá do Carmo
Pétalas
Três pequenos poemas
IC Faro Oriente
Das despedidas
MÚSICA

Ouvimos, neste programa, trabalhos de Raquel Coelho a quem agradeço a disponibilidade para colaborar com o Estúdio Raposa.

MÚSICA

Dois dedos de conversa.

INDICATIVO

Este programa vai ser disponibilizado no dia 1 de Julho e daqui a cinco dias, isto é, no dia seis, este áudio blogue faz três aninhos de vida. Os áudio blogues (podcast, em inglês) surgiram nos EUA nos primeiros meses de 2005 tratando-se dos já muito conhecidos blogues, agora com nova tecnologia que permite a utilização de som em formato mp3, logo, não ocupando demasiado espaço nos servidores. Incapaz de meter as mãos na massa, sem ajuda, lancei um apelo aos guros amigos e conhecidos. Respondeu, de imediato, o André Toscano que, numa penada, colocou o Estúdio Raposa on line ao que se seguiram uma boas ensaboadelas do João Rola e ensinar como se trablahva com o ProTools.
Daí em diante não parou mais e, neste momento, o Estúdio Raposa disponibiliza um número considerável de programas (cerca de 400) entre poesia e prosa de autores conhecidos e pouco conhecidos, histórias tradicionais portuguesas e 3 audiobooks, que totalizam mais de 100 horas de som dedicadas à literatura.
Em resultado de dois inquéritos entretanto realizados assim como da correspondência recebida, de há uns meses a esta parte, estão a ser disponibilizados "compactos" com a duração de mais ou menos uma hora compostos de poemas apresentados de forma aleatória.
O Estúdio Raposa está com uma assistência interessante. Repare-se nos números já deste ano:
Em 5 meses, cerca de 80.000 visitantes, 16.000 por mês, que clicaram perto de 800.000 vezes e que, e é isso o importante, ouviram ou baixaram para os seus computados perto de 700 gigas de som em formato “mp.3” de baixa resolução, que é aquela que a internet suporta. Mas, números, são números. O que mais importa é o grau de satisfação de quem ouve o Estúdio Raposa. Para que se dê prova disso recomendo uma visita às páginas de comentários.
Por fim, que o paleio vai longo, deixo aqui uma desafia aos ouvintes do Estúdio Raposa: escrevam-me manifestando a vossa opinião sobre este trabalho tendo como pretexto os 4 anos que leva de existência.
Até ao próximo programa.

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