Estúdio Raposa

Lugar aos Outros 104
José Oliveira

 

INDICATIVO

Vamos ouvir, neste programa, poesia de José Oliveira

MÚSICA

José Oliveira, de seu nome completo, José Miguel Pinheiro de Oliveira, nasceu em Guimarães a 26 de Maio de 1973.
Viveu praticamente toda a sua infância e juventude na freguesia de Delães, concelho de V.N.Famalicão, muito próximo S. Miguel de Seide, a localidade onde Camilo Castelo Branco, outrora vizinho de um dos seus bisavós maternos, escreveu grande parte da sua obra.
O caminho na poesia iniciou-se quando ainda era adolescente, sobretudo através do contacto com as obras de Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro, Florbela Espanca, Camilo Pessanha mas também Eugénio de Andrade, Ramos Rosa, Herberto Hélder, Cesariny, e ainda William Blake, Beaudelaire, Friedrich Hölderlin entre outros.

MÚSICA

José Oliveira licenciou-se em Filosofia em 1996, dois anos depois da publicação do seu único livro – Primeira Palavra. Na cidade de Braga enquanto estudante conheceu o poeta Sebastião Alba e mais tarde, já professor de Filosofia, foi colega de Américo Teixeira Moreira que terão tido influência na forma com que passou a encarar o trabalho poético. Actualmente é professor de Filosofia na cidade alentejana de Elvas. Alguns dos seus poemas mais recentes aguardam publicação. Podem no entanto ser encontrados no sítio deliriospoeticos.blogspot.com.

MÚSICA

Vamos ouvir, de José Oliveira, sem interrupção, quatro poemas.

MÚSICA

[Certas mulheres que nos habitam nunca se transformam em estátuas.
Talvez se desgastem e percam subtis pormenores e formas à medida que envelhecem no armário da memória. Contudo, não se esquecem e mesmo que não se recordem, mantêm um potencial inconsciente que gera a arte e a vida.]

Já não leio, já não escrevo mais nada.
Se eu existisse e escrevesse alguma coisa
escreveria um verso que salvasse a vida a uma criança.
De que me serve a arte e a poesia se não me mata a fome,
e eu nem posso ser homem, nem artista.

Hoje podia ter lido um livro,
passeado num jardim de mãos dadas com ele.
Hoje eu podia ter escrito um poema que alimentasse realmente a humanidade
regado um canteiro de flores ou lavado o chão dos passeios e dos terraços.

Já não leio, tenho os bolsos vazios e sem papéis nem memórias.

Não sou poeta, apenas padeço da necessidade dos olhos
que me obrigam a guardar a punho as imagens.
Se eu fosse escultor padeceria da necessidade das mãos,
daria uma nova vida a todas as memórias transformadas em estátua.

E mesmo que nunca uma palavra minha alimente uma boca faminta
nem mate a sede a nenhum homem
dos papéis que escrevi eu construí uma casa numa página de um livro.

[podeis pesquisar nas bibliotecas e nas revistas da especialidade. Das páginas escritas com sangue não deixam os homens impressão, senão a que lhes fica nos olhos]

MÚSICA

vemo-nos amanhã.
amanhã talvez o dia seja mais luminoso
e eu te encontre ao fim da tarde,
quando o sol estiver no exacto momento do entardecer,
não sabendo se vá ou se fique,
amanhã vemo-nos de certeza.
depois da tua aula de anatomia,
depois da minha de geografia,
que podiam ser ambas de metafísica.
vemo-nos porque tem de ser assim,
vemo-nos
porque os porquês já não se admitem nos dias de hoje
por isso é mais fácil ou mais prático que nos vejamos
porque a tua é uma aula simples sobre o corpo,
e a minha, igualmente simples, mas sobre a terra.

vemo-nos depois das aulas que são ambas metafísicas,
porque ambas são as duas,
e a minha e a tua são de certeza aulas sobre a essência do mundo,
tal como a liberdade, o amor e a vida.
vemo-nos amanhã, porque amanhã é que é dia,
os outros foram.
passaram na convicção do passado
ser uma essência da história
entre o que aconteceu e o que ficou por acontecer.

por isso, nos vemos amanhã
porque amanhã é um novo dia
porque o sol felizmente
não se cansará de reaparecer
até que o último homem o comprove
e na sua derradeira aparição o faça sorrir de tédio
ou de cansaço.
por saber que milhões e milhões de vezes
o sol inspirou a vida
e a vida reconheceu a luz até à noite.

amanhã vemo-nos.
tu vestida de noite com aquele vestido de cetim
que te torneia o corpo de mulher pronta e madura
e eu amargurado pela certeza que essa tua aparição
é tão exacta como se estivesses de bisturi na mão
pronta a abrir-me as entranhas
na convicção de recolheres nas vísceras a minha alma.
estarei com as mangas da camisa arregaçadas
para que comproves que os meus braços
em volta do teu corpo têm a mesma latitude.
vemo-nos amanhã,
na certeza de que nos tornaremos
anatómica e geograficamente perfeitos,
únicos e absolutos
num abraço que dispensa o sol.
afinal a noite tem esse benefício perfeito
de esconder a luz
para que os homens e as mulheres
se compreendam pelo tacto.

MÚSICA

[Para nomear mulheres os poetas dizem musas e por isso tudo o que aprendi das teorias da literatura sobre a inspiração poética está errado. A teoria da literatura serve para matar a poesia e a alma dos poetas sugando-lhes o sangue das metáforas, como de resto fazem às musas. Envenenam de enxofre o processo de génese do poema, abortam a criatividade à nascença].

as musas são flores da cabeça
extremamente belas na cabeça
e com odores difíceis e inacessíveis ao faro da crítica literária.

podia dizer-vos que Platão estava certo com a sua alegoria
e que todas as mulheres sensíveis não são mulheres de verdade
podia dizer-vos que as musas não são mulheres nem ninfas
mas fantasias celestes de um reino inteligível
podia dizer tudo isso como fazem os críticos literários para matar o poema
podia dizer que os poetas são mais felizes
quando as suas mãos estão ocupadas nas coxas ou cabelos de mulheres sensíveis
dizer a todos vós que apreciais jornais e revistas
a poesia morreu vítima de homicídio involuntário
foram os críticos que mataram o último verso
onde uma musa nascia do próprio poema.

Deixo-vos um verso só:
as musas são o sémen da cabeça.

(pedireis aos críticos literários que dissequem este último verso e o coloquem num tubo de ensaio para inseminar no futuro uma terra estéril onde a poesia não vive

MÚSICA

ainda preservo intacta
a flor do teu sorriso.
se soubesses quanto estou contente
de a preservar,
talvez devolvesses ao mar os pesadelos
e guardasses aquele brilho
que um dia colheste nos meus olhos.

de ódio e de morte não se faz a arte
e por isso a luz
que se apagou no nosso quarto
estará acesa noutro quarto.

se soubesses como te guardo
como colho maravilhado noutros olhos
os teus olhos,
noutros lábios, os teus.

poderás ter desaparecido do horizonte
mas eu não terei morrido entretanto
e por isso
neste quarto ou noutro quarto,
nesta casa ou noutra casa,
haverá sempre um sorriso à porta de entrada.

o jardim da tua boca
a flor da amendoeira dos teus olhos
nos meus.

MÚSICA

Ouvimos, neste programa 4 poemas de José Oliveira a quem agradeço a disponibilidade para nos dar a oportunidade de ouvirmos o seu trabalho.

MÚSICA

Dois dedos de conversa

INDICATIVO

É verdade!
Há muito que não dedicava algumas palavras aos ouvintes do Lugar aos Outros, num momento que dá pelo nome de “Dois dedos de conversa”.
Hoje voltei aos “dois dedos” e, infelizmente, por um motivo muito pouco agradável.
Então aqui vai:
Tomei conhecimento, há dias, que uma empresa está a comercializar ringtones, isto é, toques de telemóvel, utilizando para o efeito TODOS os programas disponibilizados neste audioblogue. A cobrança do serviço (4 euros por semana) é feita pela Vodafone, TMN e Optimus, pelo que estas empresas são coniventes nesta ação ilegal. E porquê ilegal? Porque nunca dei qualquer autorização para que tais trabalhos fossem vendidos fosse de que forma fosse.
Nem tal poderia fazer porque também vítimas deste embuste são, naturalmente, todos os autores que me têm cedido os seus trabalhos graciosamente. Na medida das minhas possibilidades estou a tentar travar esta vigarice assim como a responsabilizar os autores por este roubo de propriedade intelectual.
Não vai ser fácil fechar o site porque se trata de um endereço num servidor chinês, país que como se sabe, direitos de autor é coisa que não existe.
Daqui aviso (e peço que passem palavra): não adquiram ringtones a uma firma denominada Polytones ou beeMp3 ou, aliás, a qualquer outra.
Pessoa do meu conhecimento que, enganada, subscreveu o serviço, viu, de imediato, ao saldo do seu telemóvel, ser retirado (pela Vodafone) 8 euros e de ringtone...nada!
Cuidado! Trata-se de um embuste!

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