INDICATIVO
								
								Neste programa vamos ouvir prosa e poesia de Susana Venenno
								
								MÚSICA 
									
								Susana Venenno cabe naquela categoria de autores dos quais não tenho qualquer dificuldade com a sua biografia porque fala de si na sua própria poesia. Senão, ouçamos:
									EU SOU
									Um elevar, que me derruba
									nesta terra, que não aduba
									Um silêncio, que me grita
									o acrescentar, que esvazia
									Uma mente sã, no corpo cansado,
									de fogo de artificio acinzentado
									Uns olhos puros, com brilhos vermelhos
									dentro da voz muda e miúda, de conselhos
									Uma fome, que perde o apetite
									num sorriso louco, de patetice
									Um doce, que me amarga
									no voo, que quebra asas
									Uma dor, que me consola
									a carícia, que me magoa
									Um existir, sem ser notada
									neste nadar, tão afogada
									Uma liberdade, prisioneira
									duma mentira, lisonjeira
									Um acontecer, em que nada acontece
									num ser, que não é , já só parece
									Uma felicidade, que dá moleza
									à maior alegria, na mais profunda tristeza
								
								MÚSICA
									
								Susana Venenno, na correspondência que trocou comigo para a preparação deste programa exibiu muito humor e uma riqueza literária que, não fora o caráter privado das palavras, bem merecia ser lida aqui.
									A certa altura escreve:
									Chamo-me Susana Venenno, tenho 37 anos e uma imensa paixão pela leitura (dos outros) e pela escrita (a minha… aquela que teimo em guardar na gaveta).
									Sou “alegremente-nostálgica”. 
									O meu sonho é viver (a tempo inteiro) para, e da, escrita (inclinada para a prosa e, nas minhas maiores tempestades, para a poesia). 
									Mas para mim ser “escritora”, só seria possível se dela pudesse viver, e me sustentar, ou então será inevitavelmente o meu maior passatempo na idade da reforma… Sorrio e explico: um simples texto de uma página, pode requerer de mim, no mínimo, umas 7 horas de dedicação, sem contar com outras tantas de aperfeiçoamento, de cada vez que me releio (poucas são as vezes em que cruzo os braços. Mudarei sempre algo num texto, daí que, já deixei de me ler. Sorrio de novo.
									Terá chegado a hora de pelo menos serem outros a auscultarem o som das minhas palavras escritas? O Luís Gaspar decidirá. A si, lhe sorrio, também.
									Como fiel agnóstica que sou por declarar o espírito humano incompetente para conhecer o absoluto, juro diante os deuses terrestres (a havê-los) ou silvestres (aqui devem haver, pois amoras e framboesas, para mim, são frutos divinais), que autorizo Luís Gaspar a ler textos meus no seu audioblogue.
								
								MÚSICA 
									
								Vamos ouvir, de Susana Venenno, um poema e um conto. O poema intitula-se “Homens da minha vida” e o conto “Solidão por opção?”
								
								MÚSICA 
									
								Homens da minha vida 
									Que são ou foram minha alegria,
									 Homens das minhas inquietações
									Que só me deixam recordações: 
									 A vós confesso meu desalento 
									De não conseguir ser o que penso. 
									 Num mar imenso e profundo 
									Navego sem me encontrar neste mundo.
									 Aos que me fazem sonhar 
									Eu agradeço este voar, 
									 Aos que me fazem crer 
									Eu louvo este saber. 
									Quero ser um universo sem castigo 
									Mas todos os dias pressinto o perigo 
									 Onde tudo o que encontro é o nada 
									Nesta infinita caminhada 
									 Onde me aguarda tanto vazio 
									Num emaranhado sem ponta de fio. 
									 Perdoem-me não ouvir conselhos 
									Dos mais novos ou dos mais velhos 
									 Mas quem vê o que eu não vejo 
									Não pode sentir o que desejo. 
									 Ser feliz é minha única intenção 
									Impossível nesta insatisfação 
									 De ter o que não tenho para viver 
									E de viver o que me faz morrer. 
									 Tanta intensidade em mim desespera 
									Nesta constante e dura espera 
									 De desejar ser o que sou 
									Num tudo e num nada que de mim voou 
									 Preciso de seguir e fugir 
									Para encontrar-me neste rugir 
									 Que me consome dia a dia 
									Por hoje gritar o que não dizia, 
									 Nesta agressiva e lenta razão 
									A que me entrego cheia de emoção. 
									 Violem-me os sonhos que tenho por sonhar! 
									Violem-me até a alma que não pára de chorar! 
									 Mas ninguém no mundo me há-de arrancar 
									Esta capacidade que tenho para amar! 
									 Um dia hei-de ser o que sou 
									E descansar em paz porque tudo findou!
									 Deixando nos vossos rostos o ar do meu vento 
									Que vos soprou a brisa final do tormento 
									 E um riso numa alma encantadora 
									Desta vossa eterna mulher trovadora. 
								
								MÚSICA
								Caro Diário, 
									Hoje, deu-me para isto... escrever-te. 
									Já lá vai uma valente rodada de meses que não aparecia ao abrigo das tuas confortáveis páginas em branco. 
									Atura-me! Muito sinceramente, estou sem pachorra para florear a minha escrita, como é meu hábito, quando decido levitar. Só me apetece ficar aqui, assim, quieto a escrever, como se fosses de facto o amigo (que nunca tive) sentado no meu sofá, disponível somente para me ouvir e dar-me uma valente palmada nas costas ou na cara, consoante o que eu lhe diga. 
									É... não te admires, estou com pouco sentido de humor! Será que está a chegar aquela cruz da andropausa? Deve ser. Sinto-me mesmo esquisito! 
									Encontro-me verdadeiramente cansado... Geralmente quem o está, é porque tem ou faz muita coisa, não é? Mas o meu cansaço é contrário às normas. Fatigado de ser este homem que me tornei, cheio de sonhos e sem qualquer coragem em arriscar vivê-los! Acomodei-me, intimidei-me e foi nisto que me tornei... num mero administrativo licenciado em Sociologia. Num apaixonado, com mestrado em cobardia. Num solteirão por opção, aos olhos dos outros e nunca dos meus!
									Aos vinte, a vida foi-me um mar imenso de sensações, tinha tudo nas mãos e era o ser mais invencível, dono do destino que escolhesse, sem qualquer necessidade de paraquedas. Aos trinta, a realidade torna-se num rio independente que corre convictamente para a sua foz, sem hesitações nem torrentes, direitinho ao objetivo e pelo caminho politicamente correto. Aos quar...ENTAS, para tudo! (Ou será que começa tudo?) 
									A sensação do que quero e ate onde posso mesmo ir é, definitivamente, mais racional. - Penso demais, porra! - Os pormenores tornam-se substancialmente mais importantes que outrora; as coisas que me avassalaram antes passam-me ao lado sem sequer deixarem uma aragem; é-me mais fácil prever as reações dos outros e mais difícil explicá-las. Desvanecem as ilusões. Desmaiam as esperanças. Desacredita-se em ideais. Enterram-se os devaneios. 
									Mas aumenta uma serenidade ate então desconhecida, que me diz: "A tua hora está a chegar" (seja ela qual for). Inicia-se outro ciclo... nem melhor, nem pior mas francamente distinto de todos os anteriores. 
									A aprendizagem é necessária e eficaz, mas muito rígida quando se conclui que a grande maioria das vezes, não há "finais felizes" para ninguém... há somente, finais para todos! Tudo começa já e termina a seguir. Tudo e todos! Recicla-se, troca-se, abandona-se, substitui-se, anula-se, destrói-se, mastiga-se e deita-se fora... sejam pastilhas elásticas, roupas, livros, mobílias, empregos, casas, carros, mulheres, maridos, amizades, beijos, desejos. Absolutamente tudo tão, tão efémero! 
									A ignorância dos meus vinte dava-me outra paz! Era indiferente ao que desconhecia. Mas a segurança destes "entas" dá-me (ou tira-me) novas (ou velhas) perspetivas, emoções e sensações. No fundo agrada-me esta consciência do que me rodeia. Faz-me esperar cada vez menos dos outros e mais de mim! Mas tiram-me do sério, aqueles olhares invejáveis, dos atados que encontraram uma cara-metade e que, só pelos primitivos anseios carnais, acham, em silencio, ter descoberto somente um triste fado pondo em causa que poderiam ter-se cruzado com alguém melhor, e que as pessoas certas lhes aparecem sempre nas horas mais erradas, venerando um ideal que somente paira na sua imaginação, só para se desculparem e escaparem às dores agudas da tentação. Aqueles olhares, que invejam esta minha liberdade amarrada ao vazio, que me revoltam o estômago, porque quem sente inveja deles, sou eu. Palhaços! 
									Apetece-me gritar aos ouvidos dos menos surdos (que são os que de mais mudos se fazem), que ninguém acorda aos vinte, trinta, "entas" ou o raio que o parta, a dizer: "Decido morrer só!" 
									Tenho que me trabalhar, investir-me! Deixar de agradar só pelo objectivo de ser agradado. Sair desta passividade que me anestesiou! E finalmente encontrar-me, para só depois encontra-la...seja ela a Susana, a Joana ou a sicrana; seja ela a mulher dos meus sonhos ou aquela com que nem sonho e se calhar está algures por aí, tão empenhada quanto eu, nesta procura que já começa a vincar-se nas rugas e a doer nos ossos. 
									Amigo Diário, 
									Bem hajas pelo teu silêncio, que no decorrer deste desabafo deu-me as pancadinhas nas costas e as bofetadas na cara que eu estava a precisar! 
								
								MÚSICA 
								Ouvimos neste Lugar aos Outros, textos de Susana Venenno a quem agradeço a disponibilidade assim como a agradável troca de correspondência. Até um dia!
								
								INDICATIVO