Estúdio Raposa

Lugar aos Outros 101
Luís Lima

 

INDICATIVO

Vamos hoje ouvir trabalhos de Luís Lima.

MÚSICA

Luís Lima, de seu nome completo Luís Filipe Monteiro Lima nasceu em França a 8 de Setembro de 1971. Licenciou-se em Ciências da Comunicação, em 95, com uma tese sobre as ligações entre a crítica e a arte. Fez uma pós-graduação em Jornalismo Internacional na Universidade Autónoma de Lisboa e uma outra – em Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa – que o levou à conclusão do mestrado na mesma área com a investigação, contemplada por uma bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, que está na origem do livro “Estética da Ecceidade, o traçar de uma carta”, publicado em Novembro de 2008 pela editora Minerva Coimbra.

MÚSICA

Luís Lima iniciou-se no jornalismo profissional tendo passado pelas redacções da TSF e TVI para se afirmar na imprensa escrita como editor da Revista Volta ao Mundo e do suplemento de viagens semanal do Diário de Notícias. Desenvolve, desde de 2002, uma carreira de jornalista e tradutor free-lancer, colaborando com publicações como na revista National Geographic ou no programa Imagens de Marca da Sic Notícias e em editoras como a Antígona ou a Esfera do Livros. Foi ainda docente universitário na Escola Superior de Jornalismo do Porto.

MÚSICA

Por esta altura, julgo que ainda está a preparar a sua tese de doutoramento, contando, para tal, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.
Luís Lima é autor do livro intitulado “No paralelo Indizível, pediste-me poemas e escolheste os teus sonhos a dedo”, publicado em 2002, com a chancela SemSim Comunicação. A sua escrita pode, ainda se lida no blogue Ser-Texto.

MÚSICA

Vamos ouvir, de Luís Lima, 4 poemas: Assim, escritaorosto, O dedo e quando chovem pedras de granito. Estes poemas serão ouvidos sem interrupção.

MÚSICA

Há um pequeno violoncelo. um pequeno violon. pequeno cello
do tamanho de um dedo. de um dos teus
Toca
É grave na unha. agudo na pele
Há um pequeno violoncelo. um pequeno violon. pequeno cello
do tamanho de uma pestana. de uma das tuas
Toca
Faz chorar os teus olhos. faz brilhar no escuro
Há um pequeno violoncelo. um pequeno violon. pequeno cello
do tamanho de um dente. de um dos teus
Toca
Faz sorrir os teus lábios. faz cantar a tua boca
Assim
um pequeno violon. pequeno cello
Toca
Em mim

MÚSICA

A expressão, os traços, o movimento, as escolhas do piscar de olhos, a orientação dos músculos em redor dos lábios, as escritas do rosto no olhar para baixo ou para cima ao mesmo tempo mais devagar ou com intensidade crescente se é crescente e decrescente se não se aumenta.
Para fora ou para si, para dentro ou para si. O rosto escreve-se. É mesmo o próprio que o faz, fazendo a escrita, fazendo-se dela, desfazendo-se e traçando-se, escrevendo.
Como é bonita
do rosto a fazer-se
a escrita.

MÚSICA

Tirei a mão de cima da tua pele
os meus dedos ficaram lá
marcados
Assinatura dos meus dedos nas tuas costas
Parágrafo de dedadas
Dentadas nas tuas coxas deitadas
Por esse corpo fora parto
Disto e dispo
Disco dentro de ti
45 rotações por cada dez segundos
dentro de ti
Como és bonita por dentro tu
O teu sangue vermelho
A tua carne rosada
E eu

MÚSICA

quando chovem pedras de granito (3)
chovem
como se fossem fragas de chuva
chovem pedras da beira alta
chovem
torrencialmente e
sobre a terra quente
ficam as marcas da falta
quais crateras de cometas
em coma
a terra fica em coma
de pedradas
de chuva forte
de excesso e
na berma das estradas
ficam as pessoas abrigadas
nas ervas daninhas e
nas palhinhas
ainda secas e chovem barrocos na barreira
na minha barreira
que já não existe
que é só terreno industrial
área habitacional
para a classe média consumidora
da grande manjedoura e
chovem barrocos na minha alma
chovem com tanta força
que me doem no corpo
estão a doer nos meus olhos e
chovem chorem pedras de granito
como se fossem lágrimas e gritos e
os telefones tocam todos
aos meus ouvidos trovosos
milhares de telefones celulares
a tocar a tocar e
pára de chover e
pára de chorar
os telefones estão a tocar
atendem atentem
pedras de granito
é fácil
estou circunscrito e
atentando também
pego na tua mão
faz o que te digo
escuta o trovão
pega naquele plástico
lá da capoeira
faz dele um abrigo
namoradeiro
para nós e
anda
refugia-te comigo e
reza
pelo nosso inimigo
reza
a santa bárbara dos trovões e
tens os joelhos esfolados e
rotos os calções
reza para que as pedras
sussurra para que os gritos
parem de cair e
parem de chover
para que pare de chorar
mesmo sem querer
para que pare a queda
pelo abismo sem salto
para que pare a queda
pelo desfiladeiro sem sopro
para que agora cante
e te oiça cantar e
anda
parou de sorrir
parou de sentir
deixou de estar e
a barreira agora
escondida nos escombros
demora ainda
escondida mas lá
enterrada
subterrada
a barreira está lá
abrigada
à espera de outra trovoada
outra chuva de granito e
até lá insisto e
até lá existe e
até lá sorri e
até lá chora e
até lá grita
até lá agita-me
até lá sente e
até lá senta-te ao meu lado e
olha-me bem focado nos olhos
por debaixo das sobrancelhas
pela água molhadas
da chuvada de pedras
cercados pelas pestanas
regadas de lágrimas
os meus olhos
olham-te afligidos
nos teus olhos fugidos e
passa a sorrir e
passa a sentir e
passa a existir
para que a chuva
chova
e volte a cair
para que a chuva chova
mais e mais
até que possa lavar
os teus olhos iguais
iguais aos meus e
aos demais
para que a água os leve
e os preserve
no granito frio
que sempre ferve
na primavera que segue
a temporada e
com o romper da madrugada
os teus olhos
afinal nascem geada

MÚSICA

Ouvimos, no programa de hoje, trabalhos de Luís Lima.

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