Estúdio Raposa

História 83
As Lavadeiras

 

INDICATIVO

Hoje vamos ouvir a história 83 e como eu gosto muito deste número, esta história vai ser diferente. Diferente porque vos vou contar um segredo e depois porque que história, como vão saber é mesmo muito diferente.
Aqui vai o segredo:
As histórias que vos tenho contado, em muitas delas, há cenas de grande violência. Assim como atirar pessoas para dentro dos poços, abandonar meninos e meninas nas florestas, cortar cabeças, matar pais e filhos, diabos que fazem mal, fadas más, bruxas, eu sei lá. Assim como aquelas que os vossos pais não querem que vejam na televisão. Quando tal acontece eu, sem pedir autorização a ninguém faço umas alterações para que os vossos pais fiquem de bom humor com as histórias tradicionais portuguesas.
Mas acontece que há tempos li um trabalhos de pessoas que percebem destes assuntos, como professores e psicólogos, que acham que aos meninos e às meninas de agora fazem muita falta as histórias tradicionais portuguesas onde estas malandrices acontecem.
Vai daí resolvi contar hoje, uma história da maneira como os meninos, que agora já são avós, as ouviam, contadas pelos seus pais, ou seja, os vossos bisavós.
Aqui vai ela.

MÚSICA

Havia em tempos uma pobre velha que tinha três filhas: as duas mais velhas eram lavadeiras e a mais nova era ainda muito criança. As duas mais velhas tinham muito má vontade à sua velha mãe. De uma vez aconselharam a mãe a que as fosse ajudar no seu serviço e lá a mataram enterrando o corpo na ribeira e levando a cabeça para casa, no intuito de a enterrar no quintal, como efectivamente a enterraram. A filha mais nova estranhou a falta da mãe e desconfiou das irmãs. Espreitou-as e viu que elas tinham enterrado qualquer coisa no quintal.
Quando as irmãs no dia seguinte foram para o lavadouro, foi ela ao quintal, cavou e encontrou a cabeça da mãe, que a aconselhou a que a enterrasse à porta da sua casa. A pequena isso fez.
Passaram-se alguns anos, e no lugar onde a cabeça fora enterrada nasceu uma pereira, cujas pêras eram belas e muito saborosas, notando-se porém que quando as mais velhas iam colher as pêras, a árvore subia tão alta que nunca as alcançavam, e só à mais nova era lícito colher as pêras.
Passou por ali um príncipe que ficou tão agradado do sítio e da formosura da mais nova, que casou com esta e mandou formar no lugar da casa um lindo jardim e perto um bonito palácio. Ficou ali vivendo o príncipe com a sua esposa e acolheu no palácio as suas duas cunhadas. É claro que estas tinham ódio a sua irmã por ter a dita de casar com um príncipe poderoso. Quando esta estava para dar à luz uma criança, teve o príncipe de ir a uma guerra. Ali recebeu ele das cunhadas uma carta, informando-o de que a sua esposa parira um bicho em vez de um menino e que elas se tinham visto forçadas a matar o bicho.
Teve o príncipe muita pena deste sucesso, e quando voltou conversou com a sua esposa a tal respeito.
- Tenho a certeza, respondeu a esposa, de que quando tive o meu filho, o ouvi chorar e os seus vagidos eram de uma criança, no entanto minhas irmãs afirmam que era um bicho.
Dois anos depois concebeu ela outro filho, que, por infelicidade, nasceu, quando o príncipe estava noutra guerra e novamente recebeu ele de suas cunhadas a triste notícia de que lhe nascera outro bicho.
Esta notícia foi-lhe muito desagradável, e o príncipe, quando voltou, vinha muito triste e doente.
Não se atrevia a injuriar a esposa, cujas virtudes eram superiores a qualquer mau juízo, e por isso limitava-se a andar triste e a meter-se num quarto sem aparecer a ninguém. Neste estado se conservou durante cinco anos. Sua mulher sofria horrivelmente e as irmãs aconselharam-na a dar um passeio pelo jardim. Foi uma tarde ao jardim na companhia das irmãs e aproximou-se da grande pereira, cujos ramos ensombravam a boca da fonte, que o príncipe em tempo abrira junto da pereira.
Quando ali chegou veio subitamente à memória o crime das irmãs, em matar sua mãe. Como alucinada chegou à boca da fonte e olhou para baixo, mas as irmãs pegaram-lhe pelos pés e lançaram-na na fonte, pondo-se em seguida a gritar e a pedir socorro, fazendo crer que sua irmã, desgostosa da tristeza do príncipe, se afogara na fonte. Ficou o príncipe contristíssimo com mais esta infelicidade e começou a manifestar indícios de loucura. Então os conselheiros tomaram muito a sério o futuro do reino e instaram com o rei que saísse a passeio.
Uma tarde foi o rei com os conselheiros passear pelo jardim e aproximou-se da fonte. Olhou para o fundo e pareceu-lhe ver lá em baixo uma criança que o chamava. Gritou pelos conselheiros e contou-lhes o que via lá em baixo, mas eles supondo ser indício de loucura, tentaram afastá-lo dali.
- “Não, não, não saio daqui”, disse o rei energicamente, “deitem imediatamente ao fundo do poço um balde e em seguida puxem pelo balde”.
Por comprazer, os conselheiros obedeceram, e qual foi o seu espanto quando dentro do balde subiu uma criança muito formosa, que pediu tornassem a lançar à fonte o balde. Atiraram o balde segunda vez e veio uma menina, mais nova, e igualmente formosa, e ambos pediram que lançasse novamente o balde. À terceira vez subiu no balde a rainha!
- “O que vejo, senhora”, exclamou o rei!
Então a rainha disse: estas duas crianças são os nossos dois filhos que as minhas irmãs lançaram à fonte apenas nascidos. Também minhas irmãs, à falsa fé, me arrojaram para dentro desta fonte, felizmente porém - a Virgem se compadeceu de nós e ali nos tem conservado. Vês esta pereira? Pois esta pereira tem as raízes metidas na caveira de minha mãe e que minhas irmãs igualmente assassinaram.
O rei voltou furioso para o palácio acompanhado da rainha e dos filhinhos. Logo que as duas irmãs os avistaram das janelas do palácio atiraram-se abaixo e morreram esmigalhadas na queda.

INDICATIVO

Ouviram? Uma história terrível, mas garanto-vos que era assim que ela era contada aos meninos e meninas há muitos anos atrás.
Esta história foi recolhida por Xavier Ataíde de Oliveira e podemos lê-la no sei Livro “Contos tradicionais do Algarve” - I volume, edição VEga.

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