Estúdio Raposa

Histórias
Lenda da Nazaré

 



História 160 - Nazaré

INDICATIVO

Vamos ouvir a lenda da criação da Nazaré, um trabalho de Fernanda Frazão publicado no seu livro “Lendas Portuguesas”.

MÚSICA

Quase todos conhecemos a lenda do Sítio da Nazaré, onde D. Fuas Roupinho foi salvo, no último minuto, de cair no precipício quando perseguia um veado. Valeu-lhe então a invocação que fez à Senhora da Nazaré. Essa, porém, é outra história que já foi contada neste programa.

A Nazaré mantém ainda hoje um certo ar antigo e típico de vila de pescadores. No tempo em que se passa a história que vou contar, não existia sequer; foi a partir de então que ela começou a nascer, isto a acreditar no que diz a lenda.

Começa esta história há cerca de mil e quinhentos anos, em pleno século IV, no tempo das perseguições aos cristãos em Roma, altura em que muitos dali fugiram e se refugiaram na Península Ibérica.

Nessa época, um monge grego que vivia em Roma, Ciríaco, fugiu para Belém de Judá, levando na sua mísera bagagem uma pequena imagem da Virgem Maria amamentando Jesus, a Virgem do Leite. Em Belém, Ciríaco ofereceu a imagem a S. Jerónimo, que, por sua vez, a mandou a Santo Agostinho, o célebre bispo de Hipona, autor de A Cidade de Deus. De mão em mão, a pequena Virgem do Leite não se ficou no Norte de Africa, porque Santo Agostinho decidiu oferecê-la a um convento peninsular, a poucos quilómetros de Mérida, o Mosteiro de Cauliniana.

Os monges de Cauliniana, como a imagem tivesse vindo da terra da Virgem, mudaram-lhe o nome para Nossa Senhora da Nazaré, e, durante algum tempo, pareceu ter terminado a longa peregrinação da imagem que fora do monge Ciríaco. Novos factos, porém, vieram alterar o sossego da Península Ibérica e, mais uma vez, obrigar a outra fuga da Nossa Senhora da Nazaré.

Estava-se no ano 711. Os mouros de Tárique, há pouco entrados no território peninsular, constituíam um tão grande perigo para os cristãos visigodos que estes reuniram um poderoso exército em Guadalete. O resultado foi, contudo, desastroso para os cristãos, que perderam a batalha. Com efeito, durante dois dias, a sorte fora favorável aos visigodos, em virtude da cavalaria que possuíam e de que os mouros careciam. No entanto, a traição de dois chefes visigodos que, com os seus exércitos, se puseram ao lado dos invasores, resolveu a sorte da batalha a favor destes últimos, que, em breve, invadiam toda a península e passavam à região dos Francos, onde, finalmente, foram derrotados, na célebre batalha de Poitiers, por Carlos Martel.

O rei Rodrigo, último grande rei dos Visigodos, era o chefe do exército cristão. Uma vez derrotado, fugiu para Mérida e apresentou-se disfarçado no Convento de Cauliniana, onde se deu a conhecer ao abade frei Romano. Depois de o Rei lhe contar a derrota dos seus exércitos, frei Romano decidiu fugir juntamente com ele, por não se crer em segurança.

Disfarçou-se, como o Rei, meteu numa caixa as relíquias que Santo Agostinho oferecera ao mosteiro e confiou a pequena imagem de Nossa Senhora à guarda do companheiro. Deste modo se reiniciou a peregrinação da Virgem, agora em direcção a oeste, até à costa atlântica, onde diz a lenda que terminou, no local onde hoje se levanta a Pederneira.

Diz-se que os caminhantes chegaram àqueles montes inóspitos e escalvados no dia 2 de Novembro de 713. No monte, que hoje se chama de S. Bartolomeu, encontraram uma sepultura com uma cruz. Durante algum tempo, mantiveram-se aí, juntos, como anacoretas, até que Rodrigo manifestou o desejo de viver só. Frei Romano pegou nas relíquias e na imagem e mudou-se para o monte fronteiro, o actual Sítio da Nazaré, escondendo os objectos sagrados sob uma lapa.

Os dois eremitas correspondiam-se diariamente através de fogueiras. Tinham assim o consolo humano de se saberem acompanhados, e isso lhes bastava. Mas, a 26 de Março de 716, Rodrigo verificou que não tinha resposta ao seu sinal. Intrigado, desceu a custo o monte de S. Bartolomeu e escalou o outro, indo deparar com o corpo sem vida do companheiro.

Abriu-lhe uma cova ao lado da lapa, enterrou-o e, tomado de súbito horror, abandonou aquele deserto, que só as gaivotas partilhavam consigo em dias de temporal. A caminhada que iniciou, a última da sua atribulada vida, levou-o até próximo de Viseu, no lugar de Fetal, onde se diz que morreu.

Durante quatro séculos e meio, as relíquias e a imagem ficaram escondidas sob a lapa, no local onde frei Romano as depusera. Em 1178, uns pastores descobriram-nas fortuitamente e espalharam a notícia do santo achado. Muitos devotos acorreram a venerar a pequena imagem da Senhora da Nazaré, de modo que a população foi aumentando e formando um núcleo de gente dedicada em especial à pesca. Em memória da pequena imagem de Nossa Senhora, os pescadores chamaram à sua terra Nazaré. E tão importante e sabedor do seu ofício era este grupo de homens que chegou a levar os seus pequenos barcos até às longínquas costas do Algarve, onde o peixe era mais graúdo e abundante.

MÚSICA

Ouvimos a lenda da criação da Nazaré, com um texto de Fernanda Frazão.

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