Estúdio Raposa

História 152
"O Penedo do Sino"

 


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Vamos ouvir mais uma lenda escrita por Fernanda Frazão que fui buscar ao seu trabalho “Lendas Portuguesas”

MÚSICA

A pequena aldeia de Bustelo, que, como se sabe, fica no alto do monte a dois passos da Citânia, viveu em tempos idos um cabaneiro que possuía um enorme rebanho de ovelhas, entre as quais existia também uma preciosa cabrinha leiteira. Rebanho e cabra eram apascentados na serra pela sua única filha, que, diz a lenda, era um encanto de menina. Aconteceu que, uma manhã, quando a pastorinha foi abrir a porta do redil para sair com o gado a pastar, viu sobre um penedo que havia no recinto um enorme sardão. Tinha um ar muito vivo e parecia ter o corpo coberto de pedras preciosas, tal o colorido reluzente das pintas que o cobriam. Nem a presença da menina nem o movimento do rebanho o assustaram e, a partir de então, a pastora nunca mais entrou no redil sem que visse sobre aquela pedra o sardão bonito, que parecia sorrir-lhe mansamente. Tanto se familiarizaram um com o outro que a pastora acabou por considerá-lo e amá-lo como a cada ovelha do seu rebanho.
Uma vez que estava mungindo a cabrinha, a rapariga viu o sardão aproximar-se como quem tem fome, e pegando numa escudela cheia de leite pô-la à frente do bicho. O sardão sorveu tudo com sofreguidão, ficando tão alegre e satisfeito que a moça compreendeu imediatamente que lhe prestara um grande serviço. Assim, daí para a frente guardava sempre uma escudela de leite para aquele amigo.
Estranhamente, porém, a rapariga começou a notar que desde que dava o leite ao sardão a cabra ia secando pouco a pouco, até ameaçar secar de todo. E se este facto entristecia a pastora, não parecia, contudo, aborrecer o sardão, que se mantinha alegre como dantes. Ela atribuía essa alegria ao reconhecimento do animalzinho e um dia, falando para ele como era seu costume, disse-lhe:
— Ai, meu bichinho! O leite da cabrinha está quase seco e qualquer dia não tenho com que te alimentar!
Ao ouvir isto, o bicho, em vez de mostrar tristeza, redobrou de corridas até que parou na frente da menina como que sorrindo muito contente.
A determinada altura, o leite secou totalmente. Pela manhã, a pastora dirigiu-se ao redil muito acabrunhada, pensando no que daria de comer ao sardão nesse dia. Mas, ao abrir a porta ao gado, qual não foi o seu espanto, quando, em vez do sardão, viu sentado no mesmo penedo um rapaz muito bonito e bem vestido.
Carinhosamente, ele disse-lhe então:
— Entra, minha amiga, que sou ainda o mesmo! Não tenhas medo! O sardão que alimentavas não era senão eu, um pobre filho da Moirama que seus pais, ao serem expulsos de Portugal, aqui deixaram encantado naquele animalzinho. Foram os teus cuidados que quebraram o encanto e cativeiro a que estava votado. Há tempos e tempos que esperava a minha liberdade, que estava pendente do leite de noventa dias de uma cabrinha do monte da Citânia. Desde que o meu encanto se quebrou, secou o leite da cabra, mas descansa, que mal eu pise a terra da Moirama o leite há-de voltar. Antes, porém, vou deixar-te uma lembrança minha, como testemunho da minha gratidão e amizade.
E puxando por um objecto muito brilhante, com forma de um X, que trazia na algibeira, acrescentou:
— Toma isto que te dou. É um talismã com o qual conseguirás seduzir quem tu quiseres. Trá-lo sempre contigo durante três meses, ao fim dos quais devo ter chegado à Moirama, para onde vou partir. Nessa altura,
volta aqui e coloca o talismã sobre este penedo, que é o cofre dos meus tesouros. O talismã há-de transformar-se numa chave debaixo da qual encontrarás uma fechadura. Abre, e tudo o que encontrares é teu. Mas atenta bem que até lá tens de guardar segredo absoluto de tudo isto que connosco se passou, senão perderei de novo a liberdade e voltarei à condição de réptil, como me encontraste.
A rapariguinha ainda não conseguira sair do seu espanto quando o mouro desapareceu e a deixou ali de boca aberta e talismã na mão.
Daí por diante, a pastorinha da Citânia tornou-se o enlevo e a sedução de quantos a conheciam. Principalmente, diz a lenda, não havia rapaz que a olhasse e não ficasse perdido de amores por ela.
Isto tornou-se tão escandaloso que o pai da rapariga, vendo-a dar tanto nas vistas, a chamou para que lhe explicasse as razões do seu condão.
Como resposta, a pastora perguntou:
Meu pai, há quantos meses secou o leite da nossa cabra?
Já lá vão uns quatro meses. Porquê? - perguntou o pai.
Venha então comigo! - disse ela.
De caminho até ao redil, ela foi-lhe contando tudo o que se passara e que levara ao seu poder encantatório junto das pessoas. Por fim, já junto ao penedo onde aparecera o sardão, pousou o talismã e tudo se passou como o mouro lhe predissera.
Abriram a rocha e, maravilhados, encontraram lá dentro uma tão imensa fortuna que passado pouco tempo se tornaram fidalgos e grandes senhores da corte do nosso Rei. Eram grades, arados, cadeados, cordões, grilhões e meadas, tudo do mais puro ouro, tudo cravejado de pérolas e diamantes de todas as cores, tudo nunca visto!
O penedo, assim que se viu vazio daquela riqueza, fechou-se para não tornar a abrir-se. Com o tempo, as casas colmaças que existiam sobre ele caíram e desapareceram com o vento, restando apenas, e esperamos que para sempre, o penedo tocando a vazio, oco como um sino e tangendo como ele.

MÚSICA

Acabámos de ouvir a lenda “O penedo do sino”, escrita por Fernanda Frazão.

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