Estúdio Raposa

História 151
"A bicha de sete cabeças"

 


INDICATIVO

Vamos ouvir uma história recolhida por Ataíde de Oliveira e intitulada “A bicha de sete cabeças”. Uma história com muitas lutas e mortes.

MÚSICA

Havia um pescador muito pobre que todos os dias ia ao mar e somente pescava alguma sardinha e chicharro. De uma vez lançou as suas redes e pescou um enorme peixe.
— Não me mates e eu te darei muito peixe, disse o peixe grande.
O pescador lançou ao mar o peixe e foi pescar a outro lugar, onde apanhou grande abundância de peixe miúdo. Veio para casa e contou à mulher o que lhe sucedera.
— Comia com prazer uma posta de peixe; ando já aborrecida de
peixe miúdo. Se fosses amigo de tua mulher não tinhas as atenções que tiveste com o peixe, respondeu a mulher amargurada.
Daí a dias voltou o pescador ao mar e tornou a apanhar o peixe grande.
Não me mates e dar-te-ei muito peixe, disse.
- Minha mulher afligiu-se por te não levar da outra vez; está com muito desejo de comer um bocado de peixe de posta, e por isso tem paciência…
- Pois mata-me e divide-me em oito postas, duas dá à tua égua, duas à tua cadela, duas à tua mulher e duas semeia-as na estrumeira do teu quintal.
O pescador fez como o peixe ensinara e da égua nasceram dois cavalos, da cadela dois leões, da mulher dois filhos e da estrumeira dois alfanges.
Quando os filhos eram homens pediram ao pai licença para ir correr mundo, e o pai deu a licença, entregando a cada um um cavalo, um leão e um alfange.
Saíram e a grande distância viram uma roseira com duas belas rosas, que colheram tomando cada um a sua, e combinaram entre si que logo que a rosa de um murchasse é que o outro estava em grande perigo.
Depois desta combinação tomou cada um a sua direcção. Um foi parar a uma cidade, onde todos andavam muito tristes.
Perguntou a razão e soube que uma bicha de sete cabeças matava todos os dias uma donzela, e que naquele dia caíra a sorte na princesa; que já fora para o lugar onde deveria ser tragada pelo monstro.
- E onde é esse lugar.
- Além daquele serro ao nascente da cidade.
O rapaz partiu para o lugar designado e ali viu a princesa a chorar.
— Não chore, minha senhora, que eu espero salvá-la, gritou ele.
O rapaz ficou. Daí a pouco ouviu-se o arrastar do monstro que vinha de goela aberta.
— Avança, meu leão, gritou o rapaz.
O leão avançou contra a fera, foram em seu auxílio o cavalo e o homem com o alfange, e mataram a bicha. Então o rapaz pediu à princesa um lenço e nele guardou as sete línguas da serpente. Em seguida levou no seu cavalo a princesa e deixou-a à entrada da cidade, desaparecendo ele com o seu cavalo e o seu leão.
Houve grandes festas e o rei anunciou que daria em casamento a sua filha ao que a tivesse salvado da morte. Um preto ouviu o anúncio e correu ao lugar onde estava a serpente morta, cortou-lhe as sete cabeças e apresentou-se a pedir a mão da princesa. Foi logo ajustado o casamento. A princesa ficara muda desde o momento em que o rapaz matara a serpente.
Três dias antes do casamento da princesa houve três jantares reais. Então o rapaz, que escolhera uma hospedaria em frente do palácio, disse ao leão: vai à sala de jantar do rei e tira o prato do preto. O leão isso fez. Todos ficaram admirados, e a princesa riu muito ao ver o leão.
No dia seguinte disse o rapaz ao leão:
— Vai à sala de jantar do rei e bate uma bofetada na cara do preto.
O leão cumpriu a ordem. Todos ficaram pasmados do atrevimento do
leão, mas a princesa riu muito. O rei mandou seguir o leão, e logo lhe vieram dizer onde o leão entrava. Mandou chamar o rapaz. Apresentou-se este.
- O seu animal ofendeu uma pessoa que salvou minha filha, disse o rei zangado.
- Ele não a salvou: fui eu. Respondeu o rapaz
O preto disse: tanto a salvei que tenho ali as sete cabeças da bicha.
— Venham essas cabeças, disse o rapaz.
Apareceram logo as cabeças. O rapaz examinou-as e riu-se.
Do que se ri? - perguntou o rei.
- Não têm as línguas, porque essas tenho-as aqui.
O rapaz mostrou as línguas no lenço da princesa e logo esta falou dizendo que fora aquele rapaz o seu salvador. O preto foi morto e o rapaz casou com a princesa.
Nessa noite chegou o rapaz à janela e viu uma torre ao longe.
- Que torre é aquela?
- É a torre da Má Hora, quem lá vai não volta. Disse a princesa.
O rapaz no dia seguinte, montado no seu cavalo, e com o seu leão e alfange em punho, foi à torre onde lhe apareceu uma velhinha, que o desafiou para uma luta, com a condição de ele prender o seu leão com um fio de cabelo da velha. O rapaz foi morto nesta luta.
Neste momento o irmão, que estava noutro lugar, notou que a sua rosa murchara. Partiu a galope e veio dar ao palácio da princesa que o mandou entrar supondo fosse seu marido, pois eram os irmãos muito parecidos. À noite entrou o rapaz no quarto da rainha, chegou à janela:
- Que torre é aquela?
- És muito esquecido, já ontem te disse: é a torre da Má Hora.
Ficou o rapaz sabendo onde seu irmão estava. Deitou-se com a rainha, mas meteu entre ambos o seu alfange, o que muito a princesa sentiu.
No dia seguinte foi à torre da Má Hora e apareceu a velhinha que o desafiou a uma luta com a condição de prender o leão com o cabelo da sua cabeça. O rapaz pegou no cabelo e fingiu prender o leão. Começou a luta e o rapaz viu-se vencido.
- Avança, meu leão, gritou o mancebo.
- Engrossa meu cabelão, respondeu a velha.
O leão estava solto, avançou contra a velha, e a lançou por terra.
- Perdoa-me, gritou a velha.
- Quero aqui o meu irmão, o seu cavalo e o seu leão, disse ele. Ela tirou do bolso uma caixa de óleo, entrou numa sala, seguida do rapaz e do leão, e aí viu ele o seu irmão morto. A velha untou-o com o óleo, e o irmão ficou vivo.
Saíram dali e logo no largo fronteiro contou o irmão como soubera que ele estava ali; então o irmão casado, julgando que o outro abusasse de sua esposa, deu-lhe um golpe mortal. O irmão caiu, dizendo: ai, irmão que me mataste! Entre mim e tua esposa ficou o meu alfange.
O fratricida, vendo que matara seu irmão inocente, pô-lo às costas e foi ter com a velha que lhe desse o óleo santo. Ela não quis. Então ele disse: avancem meus leões.
Os leões fizeram a velha em farrapos: mataram-na. O rapaz meteu as mãos nos bolsos da velha e encontrou a caixa com o óleo. Pegou neste e untou o irmão, que ressuscitou imediatamente. Então ambos entraram na torre e viram muita gente morta. Untaram todos com o óleo e todos ressuscitaram, agradecendo aos irmãos a sua vida. Os dois dirigiram-se para o palácio, e viveram sempre juntos. O reino progrediu muito, pois que as riquezas encontradas na torre da Má Hora eram imensas.
Foram todos muito felizes.

MÚSICA

Ouvimos a história da “Bicha de sete cabeças”, recolhida por Ataíde de Oliveira e que fui buscar ao I volume da sua obra “Contos tradicionais do Algarve”

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