Estúdio Raposa

História 145
"Lenda de Maia"

 


INDICATIVO

“Lenda de Maia” é o nome da lenda eu vamos ouvir, escrita por Fernanda Frazão.

MÚSICA

Sobre as ruínas de uma antiga povoação, chamada em tempos longínquos Ammaya, nasceu, pela mão de D. Afonso III, a pequena jóia arquitetónica que é Portalegre. Diz-se que a antiga Ammaya foi destruída primitivamente pelos bárbaros do Norte, e mais tarde, arrasada pelos Mouros. O que dela restou então foi alternadamente habitado por mouros e cristãos nesses tempos da Reconquista, até que as populações abandonaram o local por demais devastado por algaradas e fossados.
Segundo uma velha lenda, Ammaya fora fundada, mil e trezentos anos antes de Cristo, em honra de Maia, filha de Lísias. Mas vejamos o que conta a tradição.

Andava Lísias — filho de Baco — à procura de um local onde pudesse acabar em paz a sua tormentosa vida. Ao chegar a este local, achando-o aprazível e muito do seu gosto, decidiu terminar a sua vida errante e instalar-se com a família e toda a sua gente. Edificou um forte e um templo em honra de seu pai Baco, e por ali ficou em paz e liberdade, cultivando terras e pastoreando gado.
Diz a tradição que Lísias foi um civilizador da gente que reuniu à sua volta. Não só lhe ensinou a agricultura, como lhe deu o segredo da fabricação da cerveja de cevada, que era bebida apenas em certas ocasiões, especialmente quando se recebiam hóspedes de categoria.
O templo que Lísias dedicou ao grande Baco genesíaco estava situado no ponto onde hoje se ergue a ermida de S. Cristóvão, no alto de um morro em cujo sopé corre um arroio, conhecido por ribeiro de Baco. Aí se desenrolou a tragédia relatada pela lenda.
Maia, filha de Lísias, ocupava os seus dias nas margens do ribeiro, cuidando do seu rebanho.
Diz-se que era formosa e serena e que as suas horas eram de uma alegria profunda. Talvez por isso, Tobias, guardador de rebanhos, se sentava a seu lado, dias e dias, tocando a flauta de Pã, descuidado e inocente.
Um dia, porém, apareceu Dolme, o vagabundo, que, enfeitiçado pelo som da flauta e entusiasmado pela beleza calma de Maia, irrompeu entre os pastores amedrontando-os com a sua súbita aparição. Tobias, sobressaltado, correu a esconder-se atrás de um rochedo; Maia, enleada, pegou docemente na sua cabaça e enchendo-a no ribeiro ofereceu-a hospitaleira ao recém-chegado.
Aceitou Dolme a oferta, mas, propositadamente, ao recebê-la, deixou cair a cabaça e agarrou Maia, que, estupefacta e assustada, chamou Tobias. Veio o pastor em seu auxílio e empurrou Dolme para o afastar da amiga. O vagabundo, porém, era astucioso, ágil, habituado a lutar pelo que desejava. Enrolou-se com Tobias num combate sem tréguas e, num golpe de força, cravou-lhe no peito o machado de pedra que consigo trazia.
Depois pegou no moribundo, rodopiou-lhe o corpo frágil sobre a cabeça e atirou-o contra uma rocha.
Apavorada, Maia procurou por onde fugir, mas, no seu desespero, tropeçou e caiu sobre a erva. Dolme agarrou-a com força e sentindo que a resistência da pastora não quebraria, bateu-lhe com a cabeça numa pedra até a sentir sem vida. Depois, levantou-se do chão e olhou espavorido em volta, para ver se alguém dera pelo ocorrido. Como só as ovelhas por ali estivessem, ruminando calmamente, desatou a correr à desfilada por entre outeiros fora e desapareceu na tarde.
Começou a cair mansa a noite sobre a serra, e Lísias, vendo que a filha não chegava com o rebanho, decidiu procurá-la. Subiu às colinas gritando em vão o seu nome, e nem o eco lhe devolveu a voz. Voltou, pois, a casa e acendeu uma tocha para alumiar a noite que ia ficando velha. Dirigiu-se ao templo de seu pai e orou para que lhe propiciasse auxílio naquela inquietação de pai. Nessa altura, o uivo do cão companheiro de Maia deixou-o especado de pavor. Desceu, como que voando, a serra e, chegado ao sopé, estacou de horror ante o corpo da filha, descomposto e sem vida. Durante um segundo passou-lhe pelo cérebro todo o desenrolar da tragédia.
Depois, dos seus olhos esvaziou-se a vida. Acocorou-se junto ao rebanho e pelo tempo de sessenta luas ninguém o arrancou daquele sítio, daquela posição, do seu murmúrio do nome de Maia.
«Louco de Baco» lhe chamavam os viajantes que calhava por ali passarem em busca de um gole de água fresca. Por vezes, viam-no olhar o rebanho com um vago ar de ternura e apercebiam-se de que o velho tinha a visão da filha guardando as ovelhas. Depois, os seus olhos voltavam-se de novo para o vácuo e Lísias gemia, baixinho e sem fim, o nome de Maia.
Certo dia, porém, pareceu ao velho que a filha lhe aparecia, viva e nítida. Num arroubo, levantou-se a custo, estendeu os braços e, iluminado de alegria íntima, exclamou:
— Maia, minha filha, morro feliz!
E assim morreu Lísias, o filho de Baco, pai da bela Maia.

MÚSICA

Ouvimos a triste lenda de Maia. Foi escrita por Fernanda Frazão e publicada na sua obra “Lendas Portuguesas”

INDICATIVO