Estúdio Raposa

História 107
O Militar

 



INDICATIVO

Vamos ouvir outra história que retirei do livro de Xavier Ataíde de Oliveira, “Contos tradicionais do Algarve”. Trata-se de uma história um nadinha mais comprida do que é habitual, mas tenho a certeza de que não se importam, antes pelo contrário.

MÚSICA

Dois soldados recolhiam ao seu corpo e perderam-se no caminho.
Foram dar à noite à porta de uma casa arruinada. Um dos soldados que era poltrão continuou o caminho; o outro ficou, entrou em casa, comeu o que ali encontrou e foi deitar-se numa cama em outro quarto. À meia-noite sentiu ele entrar no quarto às escuras uma coisa que fazia grande barulho, parecendo arrastar ferros. Essa coisa despiu-se e meteu-se na cama onde estava o soldado. A princípio teve o soldado muito medo, depois foi-se sentindo mais à vontade, e quando viu que o seu companheiro de cama ressonava, virou-se para ele e apalpou-o: era uma mulher. Esta, porém, logo que se sentiu apalpada acordou e disse: se tentas contra mim, morres.
- Mas ... quem é a senhora?
Sou uma princesa encantada. Se me desencantares, casarei contigo, mas terás de sofrer muito durante três noites.
- Eu nunca tive medo.
- Não é só não ter medo, é também sofrer tudo com paciência sem dizer uma palavra.
- Estou por tudo.
- Amanhã à noite ficarás na varanda.
Na noite seguinte foi o soldado para a varanda e sofreu empurrões, puxões, pancadas, barulho aos ouvidos, enfim, tudo quanto pode incomodar um indivíduo. Felizmente cantou o galo, e tudo cessou. Logo a princesa foi dar muitos caldos ao soldado que se reanimou.
Na segunda noite foram ainda maiores os tormentos, que o soldado sofreu com toda a paciência; e na terceira fizeram-lhe tanta maldade, que até o dividiram em postas e iriam metê-las num caldeirão de azeite a ferver, se o galo não cantasse. Felizmente ao cantar do galo tudo cessou. Então a princesa, uniu todas as postas do soldado, ungiu-as com um óleo, que trazia, e levou-o para a cama.
Passados alguns dias disse-lhe a princesa:
- Estou desencantada, mas não ainda livre da acção dos meus inimigos. Amanhã fujo daqui. É preciso que ao romper da manhã saias desta casa e te dirijas para nascente. Encontrarás uma fonte. Espera-me aí. Não bebas água, embora morras de sede, e na ocasião em que eu passar a correr, acompanha-me. Não é preciso que te diga palavra alguma. Leva contigo esta caixa. Se te vires em trabalhos abre a caixa e encontrarás quem te auxilie.
Ao romper do dia seguinte saiu o soldado e foi descansar ao pé da fonte. Então sentiu-se atacado de grande sede. Ele resistiu; a sede a aumentar e ele a resistir, esperando que a princesa chegasse.
Chegou a um ponto que ele bebeu água, e logo caiu morto de sono.
Chegou a princesa e vendo-o adormecido passou adiante. A princesa não mais se lembrou do soldado, nem este da princesa. Acordou ele e não sabia por que razão ali estava. Pôs-se a andar sem saber o destino que devesse tomar. Passados dias, sentindo no bolso das calças uma coisa volumosa, tirou-a e viu uma caixa. Abriu-a, saiu uma águia. O soldado ficou pasmado. Então disse a águia: És um esquecido.
E começou a fazer recordar ao soldado tudo o que tinha sofrido por causa da princesa. Explicou tudo tão bem que o soldado de tudo se lembrou.
- E porque me não levas ao palácio da princesa?
- Mais tarde: mete-me na caixa.
Dias depois tornou a abrir a caixa e a águia disse-lhe:
Se me abrisses mais tarde, já não havia remédio. Hoje casa a princesa, que também se esqueceu de ti. Põe-te sobre o meu dorso.
O soldado saltou sobre a águia e esta subiu aos ares. Lá no meio do mar pediu a águia ao soldado que lhe desse uma perna, quando não cairia com fome no mar. O soldado deu-lhe uma perna. Mais adiante pediu a outra e o soldado deu-lha, fazendo contas de que a princesa não caira na asneira de casar com um desgraçado roto e sem pernas. Chegaram próximo da cidade e a águia pousou. Então a águia deu-lhe as duas pernas, que o rapaz colocou no seu lugar, ficando como dantes de as arrancar.
- Vai à igreja; já lá está a princesa - disse a águia.
O soldado foi e pôs-se a andar diante da princesa, mas esta nem para ele olhava. Chegou o noivo da princesa. Havia grande aperto na igreja, mas o soldado não largou o seu posto. Vendo que a princesa não olhava para ele, abriu a caixa. Saltou a águia e foi pousar sobre o ombro da princesa. Então a princesa olhou para o soldado e conheceu-o.
A princesa chamou o pai e disse-lhe que não casava com o príncipe. - Porquê, minha filha?
- Foi aquele soldado, roto e desgraçado, que me desencantou, sofrendo por mim todos os martírios que o meu pai sabe.
Então o príncipe teve de se ir embora e a princesa casou com o soldado.
MÚSICA
Ouvimos a história intitulada “O Militar” recolhida por Xavier Ataíde de Oliveira e incluída no seu livro “Contos tradicionais do Algarve”, edição Vega-

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