Estúdio Raposa

História nº 106
"O Caixeiro"

 

INDICATIVO

Hoje, mais uma história que foi recolhida por Xavier Ataíde de Oliveira e publicada no seu livro “Contos tradicionais do Algarve. Uma história com muitas mortes à mistura.

MÚSICA

Um rapaz, com alguns princípios de instrução, e inteligente, resolveu-se a servir de caixeiro num estabelecimento de fazendas de lã, algodão e sedas. Em pouco tempo era estimadíssimo pelos patrões e pelos fregueses, pelos seus modos delicados. Frequentava aquele estabelecimento um capitalista muito rico que consentiu no casamento do rapaz com a sua única filha. Alguns anos depois de casado lembrou-se de fazer uma viagem com a esposa, mas ouviu previamente a opinião do sogro, pois esse fora sempre o seu costume. O sogro e a sogra autorizaram-no a fazer a viagem por pouco tempo, visto não poderem estar separados de sua filha.
Viajaram e foram dar a uma cidade bonita e bem situada. Escolheram casa defronte do palácio do rei. Este tinha um filho que se pôs a namorar a viajante e a escrever-lhe cartas amorosas. Não quis ela receber a primeira carta, como, porém o portador lhe dissesse que seu amo, o príncipe, a mandaria matar se não recebesse a carta, ela aceitou-a. Daí em diante escrevia-lhe todos os dias, mas a senhora não lhe respondia.
Começou então ela a instar com o marido a fim de se dirigirem para outra cidade; e tanto instou que o marido lhe disse que as suas instâncias tinham certamente algum motivo. Ela então mostrou ao marido as cartas do príncipe. Irritou-se ele com o vil procedimento do filho do rei. Saiu de casa e ao passar defronte do palácio encontrou o príncipe e matou-o. Foi logo perseguido, mas pôde escapar-se, deixando a mulher na cidade. A infeliz foi logo presa. O rapaz foi dar a outra cidade e ofereceu-se por caixeiro a outro negociante. Em breve tempo era muito estimado pelos patrões e fregueses. Em certo dia leu ele nas esquinas diversos anúncios em que o rei prometia uma grande tença a quem encontrasse o assassino do príncipe, e no anúncio liam-se os sinais do criminoso. Embora ele se tivesse disfarçado, começou a temer.
De uma vez passeava ele de noite, encontrou dois conhecidos seus, da cidade onde estava a corte. Os sujeitos conheceram-no imediatamente e disseram-lhe que sua esposa sofria, numa prisão, as agruras de uma grande criminosa.
- Não estamos aqui bem, porque podem ouvir-nos, disseram-lhe os dois amigos; e então vamos passear ali ao campo.
Conheceu o rapaz qual o intuito dos seus dois amigos: matá-lo, pois que no anúncio se prometia uma tença a quem levasse ao rei a cabeça do criminoso.
O rapaz saiu para o campo e levou os dois amigos para uma quinta do patrão, onde era muito estimado. Os dois amigos então atiraram-se ao rapaz no intuito de o matar, mas este gritou pelos cães, que vieram em seu auxílio e mataram os dois sujeitos. Livrou-se, pois, o rapaz e ausentou-se indo oferecer os seus serviços a um honrado lavrador. Ali confiou ele ao seu novo patrão todos os segredos da sua vida, acrescentando que estava resolvido a ir à cidade, e salvar sua mulher. O patrão respondeu que achava perigosa a empresa, mas que podia contar da sua parte com o dinheiro que lhe fosse preciso. O rapaz recebeu o dinheiro que julgou suficiente, e partiu para a cidade, perfeitamente disfarçado em marinheiro. Chegou a uma estalagem e falou com a estalajadeira dizendo-se vítima de um naufrágio, durante o qual ele prometera dar esmolas aos pobres mais desgraçados da primeira terra a que aportasse; por isso lhe pedia o nome de alguns desses pobres.
- Aqui há muitos pobres, disse ela, a mais necessitada, porém, é uma infeliz, filha de um homem muito rico, que casou por amor com um homem, que matou o príncipe. Esteve muito tempo presa, mas depois tiraram-na da prisão e meteram-na numa casa, onde lhe dão apenas comida uma vez por dia. Eu quis beneficiá-la, trazendo-a para minha casa, mas o rei, um homem justiceiro, mas muito severo, não consentiu, por isso que a infeliz conserva-se ainda sob a vigilância das autoridades.
- Eu poderei lá ir? - perguntou ele.
- Uma vez que vai levar esmolas, pode.
A estalajadeira ensinou-lhe a casa e o rapaz foi bater à porta da
reclusa: já era noite.
- O que me quer? - respondeu-lhe a voz da esposa.
- Distribuir umas esmolas pelo amor de Deus.
Ela veio abrir a porta e conheceu o marido.
- Vai-te embora, querido esposo.
- Venho resolvido a tirar-te daqui. Amanhã estudarei o modo.
Se tens contigo as cartas do príncipe, apresenta-te ao rei, seu pai, mostra-lhe as cartas, e pede-lhe o meu perdão. Dizem-me que ele é justiceiro, embora severo. Espero a resposta na estalagem.
E o rapaz saiu logo porque bem viu espiões defronte da porta. No dia seguinte a presa pediu autorização para falar ao rei, autorização que lhe foi concedida.
Ajoelhou na presença do rei e pediu o perdão do marido.
Que crime cometeu o teu marido?
- Matou o príncipe.
- Então pedes a um rei, que foi pai, a morte de um infante, que era
meu filho?
- Sim, real senhor; também eu, que sou filha e esposa, sofri e continuo a sofrer as consequências de um acto praticado em defesa da honra de um homem casado. Aqui estão estas cartas, real senhor, sei que sois justiceiro, e só vos peço justiça.
O rei leu as cartas e chamou a rainha que também as leu. Então o rei disse:
- Vou mandar anunciar o perdão do teu marido. Vai dar-lhe esta notícia.
No outro dia saíram da cidade os dois: marido e mulher. Chegaram a casa e encontraram seus pais e sogros muito amuados por se terem demorado tempo demais na viagem. Felizmente os amuos apenas duraram momentos.
Nunca chegaram a saber a verdadeira razão da demora.

INDICATIVO

Ouvimos a história “O caixeiro”. Fui busca-la ao livro de Xavier Ataíde de Oliveira, “Contos tradicionais do Algarve”. Atá à próxim história.

INDICATIVO