Estúdio Raposa

História 104
"A Moura do Arco do Repouso"

 

INDICATIVO

Hoje vamos ouvir não uma história, mas uma lenda. Chama-se a Moura do Arco do Repouso e chega-nos do Algarve, terra de mouras encantadas. Fui buscar esta lenda ao livro de Fernanda Frazão, “Lendas Portugueses”. É um bocadinho mais longa do que as histórias habituais mas tenho a certeza que isso, a vocês, não preocupa.

MÚSICA

O tempo do domínio dos mouros no Algarve, Faro era uma terra de muito pequena importância, comparada com Silves ou mesmo Tavira.
O Castelo de Faro foi conquistado na ofensiva cristã de Afonso III e de Paio Peres Correia, em 23 de Fevereiro de 1249. O exército real e os homens da Ordem de Santiago tinham cercado as muralhas e os navios do Rei tinham cortado, no mar, todas as possibilidades de socorro. Assim, ao fim de algum tempo, os mouros renderam-se mediante um acordo que lhes garantia casas, vinhas, herdades e segurança contra inimigos, passando para as mãos do Rei de Portugal todos os foros e rendas que pagavam ao Miramolim de Marrocos.
É assim que a história nos relata a tomada de Faro.
A lenda, porém, insere no relato um novo elemento que terá contribuído para o êxito do Rei naquela conquista.
Diz a lenda que parte das forças que atacaram o Castelo de Faro fora colocada no largo atualmente chamado de S. Francisco. Comandava esse grupo um jovem guerreiro, formoso, cheio de brio e de desejos de renome. A certa altura do cerco, entreviu uma mourinha linda, filha do governador, por sinal, e enamorou-se perdidamente. Também ele não passou despercebido à rapariga e não demorou muito que ela tomasse a iniciativa de com ele se corresponder. Por algum tempo namoraram por intermédio de um escravo da moura que ia e vinha com recados.
Um dia, o guerreiro conseguiu convencer a moura a encontrarem-se pela noite, na porta do nascente, hoje conhecida por da Senhora do Repouso. O intermediário costumeiro abriria a dita porta, à hora combinada, esgueirando-se o moço para dentro, para o seu encontro.
Antes de a noite cair, porém, o cavaleiro dirigiu-se a alguns amigos e disse-lhes:
- Esta noite espero entrar no castelo pela porta do nascente. Se eu não voltar depois de algum tempo, é porque caí numa cilada, peço-vos por isso que, quando o castelo for tomado, poupeis a filha do governador. Não a maltrateis, porque em caso de traição ela não terá tido nada com isso.
Trataram os amigos de o demover daquela empresa, mas, ante a firmeza da sua decisão, não tiveram mais remédio senão prometer cumprir as suas ordens.
À hora marcada, o cavaleiro penetrou no castelo, onde se entreteve por largos minutos conversando com a sua amada. À hora de sair, encaminharam-se ambos para a porta da fortaleza, acompanhados por um mourinho de cerca de oito anos, irmão da rapariga.
Chegados à porta, disse-lhes o escravo que aí ficara de guarda que do lado de fora estava muita gente, pois ouvira, por várias vezes, vozes abafadas e um ou outro tinir de espadas. A moura estremeceu.
- Nada temas, que respondo pelos que estão fora - disse o cristão, enquanto lhe dava um beijo de despedida.
O escravo destrancou a porta e, no momento em que a entreabria para que o cavaleiro saísse, os batentes foram impelidos de fora com fúria. Apareceu, então, um grupo de cristãos, que numa gritaria de estontear clamavam pelo guerreiro que já não esperavam voltar a ver. Este, ante o terrível impulso que os de fora traziam, recuou uns passos e tomou nos braços a sua amada, intentando protegê-la, enquanto clamava:
- Para trás, para trás! Estou aqui!
No castelo soara já o alarme e de todos os lados surgiam defensores armados até aos dentes. Vendo-se em perigo iminente, o cavaleiro enamorado avançou para fora com a moura ao colo e o irmãozinho ao lado. Porém, estava já a transpor a porta, hoje chamada da Senhora do Repouso, quando deu por si amparando não a moura do seu coração, mas um monte de farrapos que se desfaziam ao mínimo movimento da aragem. Olhou para o lado e não viu a criança.
Teve a sensação estranha de lhe ter acontecido qualquer coisa de profundo e incompreensível e desmaiou desamparado.
Horas depois, quando acordou, viu-se deitado na sua tenda do arraial, tendo ao lado um amigo e companheiro de armas, ao qual perguntou:
- Quem me trouxe para aqui?
- Não fales, o fisico d'el-Rei proibiu-to.
- Mas eu estou bom! Não tenho nada! - exclamou o guerreiro, saltando do leito. - Quem me trouxe para aquii? - perguntou.
- Encontrámos-te caído à porta do castelo ...
- E a filha do governador?
O amigo não soube que responder a esta pergunta fundamental. Contou-lhe que tinham tentado entrar no castelo visto a demora dele ter sido muito grande. Julgavam-no morto numa cilada. O governador, porém, acudira bem armado e rechaçara o pequeno grupo cristão. Nesse momento, D. Paio Peres e D. João Aboim acudiram com os seus exércitos e forçaram os mouros a entrar no castelo, mediante um acordo com o rei D. Afonso.
Depois de ouvir tudo isto, o moço guerreiro saiu da tenda sem dizer uma palavra e dirigiu-se à porta do castelo. Ao entrar pelo Arco da Senhora do Repouso viu, do lado esquerdo, a cabeça de uma criança que espreitava de um buraco. Reconhecendo nela o mourinho irmão da sua amada, perguntou:
- Que fazes aí, menino?
- Estou aqui encantado com a minha irmã.
- Porquê? Quem vos encantou!
- O nosso pai. Soube por um espia que saías comigo ao lado e a minha irmã ao colo e invocou Alá, encantando-nos quando passámos por debaixo do arco. Foi castigo por sermos traidores à santa causa do nosso Alá!
- Por muito tempo?
- Enquanto o mundo for mundo - respondeu a criança com um ar misterioso, enquanto se ia diluindo nos ares.
E o guerreiro experiente e curtido chorou. Ainda quis perguntar pela moça, mas o mourinho tinha-se evolado sem deixar rasto.
Diz-se que nunca mais riu. Terminado o cerco, pediu ao Rei dispensa do exército e recolheu-se a um convento, onde professou mudando de nome.

MÚSICA

Ouvimos uma lenda muito triste que se conta no Algarve. Retirei-a do livro “Lendas Portuguesas”, um trabalho de Fernanda Frazão.

INDICATIVO