INDICATIVO
Passadas as férias, vamos retomar as nossas histórias semanais com uma famosa, escrita por um famoso escritor, um dos mais queridos da nossa literatura: Eça de Queirós. Ele não escreveu este conto destinando-o às crianças mas eu, como muito boa gente, achamos que os jovens devem conheçe-lo o mais cedo possível, para que lhes desperte a vontade de lerem mais obras deste escritor.
Vamos, então, ouvir, de Eça de Queirós, “O Tesouro”
MÚSICA
Os três irmãos Rui, Guanes e Rostabal eram os fidalgos mais pobres do Reino das Astúrias.
O seu palácio já não tinha telhas nem vidros nas janelas.
A grande lareira da cozinha há muito deixara de se acender. O jantar deles era uma simples códea de pão com alho.
Nas noites geladas iam dormir à estrebaria, para aproveitar o calor das três éguas.
Tanta miséria tornara os três senhores mais bravos que os lobos.
Numa manhã de Primavera foram juntos até à mata, ver se apanhavam caça ou, pelo menos, cogumelos.
E que encontraram eles?
Numa cova da rocha, entre os pinheiros, um velho cofre de ferro. Tinha três fechaduras, cada qual com sua chave. Abriram-no. Por dentro, até às bordas, estava cheio de moedas de ouro!
Que haviam de fazer?
Rui, gordo e ruivo, era o mais sensato. Propôs que o tesouro pertencesse aos três.
Mas como podiam carregar para o alto da serra aquele cofre tão cheio? E se alguém os visse? Ficou resolvido que Guanes, o mais jovem e leve, cavalgasse até à aldeia para fazer compras. Traria três sacas de couro para transportar o achado, três quilos de cevada para as éguas, e para eles três empadões de carne mais três garrafas de vinho.
- Bem tramado! - achou Rostabal, o mais velho, que era alto como um pinheiro e tinha uma barba que lhe chegava ao cinturão.
Mas Guanes desconfiava dos irmãos.
- Manos! O cofre tem três chaves. Eu levo a minha ...
- Também quero a minha! - rosnou Rostabal. Rui foi da mesma opinião.
Cada um, em silêncio, agachado diante do cofre, trancou a sua fechadura. E Guanes, ligeiro, saltou para a égua, cantarolando.
Rui e Rostabal sentaram-se numa grossa pedra enquanto as éguas iam petiscando a boa erva pintalgada de papoilas.
Então Rui lembrou-se que Guanes, nessa manhã, não quisera descer com eles até à mata. Se os mais velhos não tivessem insistido, o mano não acharia também o tesouro. E, dessa forma, só entre dois se dividia o ouro. Isso é que era bom!
- Ah, Rostabal, se o nosso irmão tivesse descoberto sozinho o tesouro, achas que o dividia connosco?
- Não, com mil raios! Ele é um egoísta. - respondeu o outro.
E começaram a pensar que o melhor era ficarem com tudo apenas para os dois. Guanes andava doente ... pouco devia durar.
Mas antes de se acabar, espatifava a fortuna, porque era um terrível gastador.
Mal empregadas moedas de ouro em tais mãos ... - Pois que morra e morra hoje! - bradou Rostabal.
- Queres? - insistiu Rui.
E logo combinaram matá-lo.
Esconderam-se atrás de um silvado, à espera, sonhando com os empadões e o vinho que deviam estar a chegar.
Em breve se ouviu um trote de égua. Quando ela se aproximou, zás! Rui prendeu-a pelo freio, enquanto Rostabal enterrava a espada na garganta de Guanes. - A chave! - gritou Rui.
Tiraram-lhe a chave do peito.
Rostabal, depois do crime, atirou a arma para o chão e foi lavar-se, pois estava salpicado de sangue.
Então Rui deslizou, sorrateiro, até junto do irmão, dobrado, com as barbas pingando, e deu-lhe um golpe certeiro no coração.
Rostabal caiu sobre o tanque, sem um gemido, enquanto Rui se apoderava da segunda chave.
Agora eram dele, só dele, as três chaves do cofre!. .. Rui respirou com gosto o ar delicioso da mata. Mal a noite descesse, subiria com as éguas até ao velho solar de Medronhos. Enterraria na adega o tesouro.
Mandaria rezar missas ricas pelos irmãos e diria que tinham morrido, como deviam morrer os fidalgos, a lutar contra os Mouros.
Abriu as três fechaduras, agarrou num punhado de moedas e deixou-as cair sobre as pedras.
- Que som maravilhoso! Como brilhavam! Era o seu ouro!
Foi depois espreitar as compras que Guanes fizera na aldeia e saltou-lhe à vista uma gorda galinha assada, entalada entre duas garrafas de vinho.
Há quanto tempo não provava um galináceo assim! Sentou-se na relva diante do louro assado e das garrafas. ."
Mas por que trouxera Guanes apenas duas, quando eles eram três? Pouco importava ...
Devorou o petisco com grandes dentadas e, pondo o gargalo à boca, bebeu uma garrafa inteira.
A descansar na relva, imaginava já o seu solar coberto de telha nova, as altas chamas na lareira, a cama coberta de brocados, as belas mulheres que havia de convidar.
De repente, sentiu uma vontade louca de carregar os sacos com a fortuna que tanto podia vir do Céu como do Inferno.
Puxou uma das éguas para junto do cofre, ergueu a tampa, agarrou num punhado de ouro.
Mas desequilibrou-se, deixando cair as moedas. Sentia um lume, que lhe vinha do estômago até às goelas.
Suava, tremia.
- Socorro! Acudam-me! Guanes! Rostabal!
Quem lhe podia valer? Cambaleou até à fonte. Mas a água não apagava aquele lume.
Recuou, caiu para cima da relva. Tentou levantar-se. Então, com os olhos esbugalhados, berrou, compreendendo enfim a traição: - É veneno!
Sim, Guanes tivera a mesma ideia que os irmãos.
Também ele quisera ser o único dono do tesouro! Mesmo que para isso tivesse de matar.
Deitara veneno no vinho.
Anoiteceu. Um bando negro de corvos grasnava. Os três irmãos jaziam mortos. O primeiro entre os silvados, o segundo na fonte, o terceiro, sobre a erva.
O tesouro ainda lá está, na espessura da mata.
MÚSICA
Recomeçámos a gravação das histórias com uma, escrita por Eça de Queirós. Como disse no início, Eça de Queirós não escreveu esta história para crianças mas eu acho que é uma boa ideia dá-la a ouvir, para que possam conhecer um dos maiores escritores em língua portuguesa.
Até à próxima história.
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