DANYEL SAK
Crónicas 5

 


A SÍNDROME DE DIFU SACHATRA

Caros Amigos:

Já começam a aparecer os sinais da chegada do Verão. Não falo daqueles sinais que surgem quando a coisa já está quente: deliciosa profusão de decotes e pernas, céus arrasadoramente azuis, academias de ginástica transbordando de gente e de suor por todos os lados, alimentação líquida extra venosa composta maioritariamente de cerveja, sumo e gelado (sorvete) e claro, a Síndrome do ?para tirar esta mancha branca das axilas deste pretinho básico vou ter que lavar a seco na lavandaria para ele não encolher?.
Não, não falo de nenhum destes sinais: estou me referindo aos sub reptícios: aqueles que são um interlúdio entre a época de ?não pára de chover e eu tenho toneladas de roupas para secar? e a época de ?beleza, descobri um ar condicionado baratinho fabricado na Suazilândia?.
São sinais muito difusos que começam a aparecer discretamente aqui e ali e vão aumentando aos poucos, mostrando indícios de que o Verão está chegando. Hoje vou falar de um dos mais comuns:

A SÍNDROME DE DIFU SACHATRA

A Síndrome de DIFU SACHATRA (Difusão Sazonal do Chapeuzinho na Traseira), conhecida popularmente como a Tara do Chapeuzinho na Traseira.
As pessoas que sofrem desta disfunção estio sazonal, costumam demonstrar os sintomas um mês e meio antes da chegada do Verão, ou seja: quando ainda estamos a criar peixe na gaiola, de tão (h)úmido que está.
Elas começam por abrir o baú de casa e retirar o seu chapeuzinho de palha do Verão passado.
Mas, não pode ser um chapéu comum. Ele tem que ter obrigatoriamente à volta uma faixa de cetim com o nome de algum lugar de praia escrito. Algum nome que forme na mente das outras pessoas que vêem o chapéu, uma imagem de praia idílica: Cala Bassa, República Dominicana, Algarve, Maldivas, Joatinga ou Cucamonga Island.
A seguir, pegam o chapéu e dirigem se até o seu carro. A partir daí, estamos no ponto de no return da Síndrome de DIFU SACHATRA: colocam o chapeuzinho na parte de trás do carro. Aquela parte que está entre o vidro de trás e o encosto do banco traseiro (também conhecida como chapeleiro) onde geralmente as pessoas costumam colocar um grande travesseiro bordado (ou de cetim) como se aquilo fôsse o sofá de sua casa sobre rodas.
Mas, como dizia, quem tem a Síndrome de DIFU SACHATRA, sabe que ?não é só colocar o chapeuzinho lá e pronto?. Não! Ele tem que ser colocado muito cuidadosamente para que pareça que foi simplesmente jogado de forma displicente, como quem acaba de vir neste preciso instante de uma praia maravilhosa, enquanto que todos à volta estão imersos na chuva.
O próximo passo das pessoas que sofrem da Síndrome de DIFU SACHATRA, é sair com o carro para encontrar a primeira vítima: você, que está indo para o trabalho em plena chuva diluviana e em pleno congestionamento monstro com os vidros totalmente embaçados. E quando você olha para o carro ao lado, constata que trata se de uma pessoa que possui a Síndrome de DIFU SACHATRA, pois tem o tal chapeuzinho na traseira.
Ocorre, que quem sofre da Síndrome de DIFU SACHATRA, quer que todos olhem para o seu chapeuzinho na traseira, leiam o nome do paraíso tropical que está escrito nele, e pensem que ele não está indo para o trabalho, e sim indo para o aeroporto rumo a um paraíso tropical. Ou então, que está acabando de voltar exactamente neste instante das Bahamas e ?sem querer caiu neste congestionamento monstro cheio de proletários friorentos?.
Ao olharmos para o rosto da pessoa que tem a Síndrome de DIFU SACHATRA, vemos que ela está com óculos com lentes Saharianas, apesar de estar um céu escuríssimo – daqueles de acender a luz de casa às 3 da tarde.
E, ao repararmos na pele de quem possui a Síndrome de DIFU SACHATRA, vemos que elas se dividem em duas categorias: a TASACUVA e a TASEMUVA.

A TASACUVA (Tara Sazonal Com UVA):
É para aqueles que se lembraram de colocar o chapeuzinho em cima da hora, e por isso, tiveram que fazer uma sessão heavy duty de bronzeamento artificial na noite anterior, no aparelhinho portátil que tem em casa.
Por isso, quem tem a Síndrome de DIFU SACHATRA/TASACUVA, possui aquela cor amarelecida de bronzeamento artificial caseiro, efectuado enquanto escutava as 24 horas de Cristina Aguilera na MTV – que também tem a pele amarelecida de bronzeamento artificial mas não tem a Síndrome de DIFU SACHATRA, já que o vidro fumê da sua limousine não permitiria que as pessoas do lado de fora vissem o chapeuzinho da moça.

A TASEMUVA (Tara Sazonal Sem UVA):
Nesta categoria, a pessoa está com uma cor branco esverdeada mofo siberiano de quem não toma Sol desde o Verão passado. Mas, não se preocupem; para isso ela tem uma desculpa na ponta da língua: acabou de tomar Sol em um paraíso tropical, mas ?o meu bronzeado sai logo?. Ah, bom.

Mas, se vocês pensam que esta Síndrome desaparece quando surge o Alto Verão quando todos podem desfrutar do Sol, estão enganados: a Síndrome de DIFU SACHATRA transforma se em Síndrome de DIFU SAGOTRA (Difusão Sazonal do Gorro na Traseira).
Quem tem esta disfunção, liga novamente o aparelhinho portátil de bronzeamento artificial caseiro e se bronzeia utilizando uma grande máscara de esqui no rosto. Depois, retira rapidamente o chapeuzinho de palha da traseira do carro e o substitui pelo gorro de lã (que estava entre naftalinas no baú) jogando o da mesma forma pseudo displicente.
A seguir, sai imediatamente com o carro e encontra a primeira de suas vítimas indo para o trabalho.
A vítima, suando etiopicamente olha sem querer para o carro que emparelhou ao lado, e nem imagina que se trata de uma pessoa com a Síndrome de DIFU SAGOTRA: apenas vê uma pessoa bronzeada, que tem em volta dos olhos uma grande marca branca, no formato de uma máscara de esqui, como se ele estivesse acabando de chegar do Hemisfério Sul, quem sabe de Las Leñas, Bariloche ou outro lugar fresquinho, e ?sem querer caiu neste congestionamento monstro cheio de proletários suados?.

Um Abraço

Danyel Sak – Publicitário
danyelsak@ip.pt

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O RAPAZ DA MTV SAIU DE WEEKEND.

Caros Amigos:

Justamente este fim de semana em que coloquei em prática o plano de ficar 48 horas não ininterruptas na varanda, recostado na minha chaise longue, acompanhado das minhas mulheres e meus cães, ao estilo cama do John Lennon e Yoko Ono, a MTV resolveu fazer o Weekend Madonna. Ou seja: 48 horas seguidas e ininterruptas tocando a música da moça.
Acredito que o rapaz que é o programador de fim de semana da MTV, já tinha planeado (planejado) passar o fim de semana ensolarado nas Baleares. Então, como desculpa para poder viajar, inventou esta jogada. Assim, depois que o piloto automático das 48 horas de Madonna estivesse funcionando, ele já estaria nas Baleares, com o Factor 50 no corpo, tomando su copita de vino, mergulhando em Port de Torrent e à noite toda saracoteando con las chicas, como se estivesse com Malária Anglo Saxã.
Sabendo que a minha maratona coincidia com a maratona da Madonna, tive que solicitar às minhas mulheres que segurassem o meu Dry Martini (stirred, not shaked!) por uns instantes e saí para procurar algo que não sabia bem ao certo o que seria, mas tinha a certeza de que apareceria. E apareceu: o CD Back in the World de Paul Mc Cartney.
Uma tournê pela América e México que resultou em 2 CDs pelo preço de 1, com 36 músicas gravadas ao vivo. Ou seja: somente os chatos cinza esverdeados poderão dizer que no meio de 36 músicas não gostam de nenhuma.
Dois CDs primorosos com músicas revisitadas, algumas a solo, outras com guitarras e mais algumas deliciosamente modificadas como Something. Perfeito para ter lembranças do passado e principalmente do futuro.
O livrinho que acompanha o CD não tem as letras, mas tem a alma da turnê: depoimentos flashes que congelam instantes mágicos, como as próprias fotografias no estilo ?quero mais?.
Voltei para a minha chaise longue, retomei o meu Dry Martini (stirred, not shaked!), sorri para as minhas mulheres, aquietei os meus cães, pressionei Play e iniciei a maratona escolhendo a primeira música: Lady Madonna. (www.paulmccartney.com)

Um Abraço

Danyel Sak – Publicitário
danyelsak@ip.pt

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Caros Amigos:

Neste feriado, nada melhor do que pegar um cineminha.
Luzes, Câmara, Acção! Clique na imagem que se segue!

Um Abraço

Danyel Sak Publicitário
danyelsak@ip.pt

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ENJOY THE RIDE !

Caros Amigos:

Recostado na minha chaise longue, fiquei pensando que às vezes a viagem pode ser tão interessante como o destino dela.
Lembro me de uma vez, quando era estudante, e já morando em São Paulo, resolvi passar o fim de semana no Rio de Janeiro.
Mas, resolvi também que não poderia ser simplesmente comprar a passagem e ir. Não, desta vez tinha que ser algo diferente. Quem sabe fôsse influência de tanto assistir Perdidos no Espaço, road movies ou de ler as aventuras de Tom Sawyer & Hucklaberry Finn.
No colégio, entre uma aula e outra, fiquei pensando como poderia fazer isso e tive a ideia de escrever uma carta para a Varig.
Peguei a minha máquina de escrever de estimação e comecei a pensar. Ela era (ainda é) uma Olivetti Lettera, de metal, baixinha, teclado negro e com um design industrial fabuloso que merece estar no MOMA. E claro, igual à do Washington Olivetto.
Esta Olivetti era o meu sonho de consumo e, por não a estarem fabricando mais, tive que percorrer a cidade em busca de uma usada. Quando finalmente consegui achar uma Lettera em ótimo estado de conservação, dei o toque final: pedi para pintarem de vermelho.
Esperei pacientemente durante uma semana por ela, e quando a fui buscar, nem uma Ferrari vermelha teria me dado tanta alegria.
Na carta que escrevi para a Varig, explicava que, se eles pudessem enviar me uma passagem de ida e volta, ficaria muito grato, pois iria passar um dos primeiros dias ensolarados de Primavera na praia, no Rio de Janeiro. E com isso, continuaria tendo a Varig na mais alta estima.
Em outro dos argumentos que escrevi, disse que não me importaria em ir de pé, em um cantinho do avião, ou quem sabe na cabine dos pilotos (o que no fundo, seria ótimo). Disse também que, o que eu queria mesmo era não incomodar o vôo regular, passar totalmente desapercebido.
Após poucos dias, acabei por receber a resposta da carta, o que para mim, já era um sinal de muita consideração.
Na carta eles diziam que "infelizmente, e por mais que quisessem, não poderiam conceder uma passagem grátis, pois isso só poderia ocorrer em casos de ajuda humanitária e coisas assim". E que, “por mais que eu não incomodasse, ficando de pé em um cantinho do avião, eles estavam proibidos pelo regulamento do DAC (Departamento de Aviação Civil) de levar passageiros desta forma".
Li atentamente todos os argumentos, concordei com eles e fiquei feliz não só por responderem a carta, como também por terem o cuidado e a polidez de explicarem o porquê de não poderem conceder me as passagens. Tudo perfeito, mas ainda não tinha conseguido resolver o problema das passagens.
Pensei e resolvi escrever então para a companhia de autocarros (ônibus) em que viajava quando ia ao Rio de Janeiro.
Fiquei esperando a resposta durante a semana, e à medida que o fim de semana se aproximava, vi que esta outra idéia parece que não iria se concretizar.
Então, no colégio tive a idéia de ir de boléia (carona). Bom, são em média 6 horas de viagem até o Rio de Janeiro e achei que seria divertido ir desta forma.
Aguardei ansiosamente durante todos os dias da semana e na Sexta feira, quando cheguei do colégio, fui logo fazendo a mochila para sair o dia seguinte bem cedo.
Trrrriiiiiiimmm! O despertador tocou, e como fui dormir tarde porque fiquei fazendo a bagagem, resolvi dar só mais uma cochiladinha. E quando resolvi abrir os olhos e ver que horas eram, pulei da cama: 10:30. Já era muito tarde. Peguei a mochila, passei pela minha mãe (que Deus a tenha) que perguntou meia contrariada “se eu queria ir mesmo e se não dava tempo de eu tomar o café da manhã”, dei um beijo nela e disse que não dava tempo enquanto abria a porta.
Andava literalmente correndo, porque chegar até a Via Dutra era outra viagem. Depois de pegar 2 autocarros (ônibus) e um Metro, ainda tive que pegar mais um autocarro que me deixasse no início da estrada.
Desci no acostamento, o autocarro se afastou levantando uma poeira enorme sobre mim. Nem tinha começado a viagem e já estava um pouco cansado.
Olhei em volta para ver a Via Dutra que tanto conhecia das viagens: a rodovia mais movimentada do país, trânsito pesado.
Coloquei a mochila no chão e ensaiei para fazer o sinal de boléia (carona). No começo me senti meio estranho, mas pensei, vamos lá, está ficando divertido.
Depois de ensaiar um pouco, estiquei o braço e fiz o sinal com o dedo. Os carros passavam tão rapidamente que nem sei se me viam naquele acostamento. Os motoristas de autocarros de viagem e camiões (caminhões), quando não estavam ocupadíssimos olhando o espelho ou o veículo à sua frente, olhavam para mim. Alguns sorriam, outros faziam sinais de positivo e outros simplesmente nem me notavam, tão acostumados que estavam à vida na estrada em um país com 8.000 km só de costas.
Depois de algum tempo, não tendo ainda resultados, parei um pouco e sentei para descansar sobre a minha mochila.
Uma das primeiras lições importantes que aprendi foi: viaje leve. Ela realmente pesava demais para uma viagem de fim de semana. Mas por outro lado, por ser avantajada, era uma excelente acomodação para ficar sentado descansando um pouquinho no acostamento.
Na verdade, descansava só as pernas, porque os ouvidos eram bombardeados inimpterruptamente pelo som altíssimo dos veículos que passavam. Mas, quando de repente, os veículos paravam de passar por um breve instante, surgia um silencio que causava uma sensação deliciosa. Para logo depois recomeçar o bombardeio sonoro.
Estava calor, o Sol batia directamente no rosto e as gotas de suor que se formavam nele, começavam a se mesclar com a poeira que os veículos pesados jogavam para o acostamento.
Interrompi os pensamentos, levantei e fui para mais uma rodada de boléias. Enquanto olhava os veículos passarem, olhei o relógio e comecei a pensar algumas coisas. A primeira era o tempo: olhei para o céu e vi que, apesar de azul, ao longe começavam a se formar nuvens pesadas e o vento estava a aumentar de forma constante.
A outra também era o tempo: as horas passavam, e como já era tarde, necessitaria uma carona que me levasse directamente ao Rio de Janeiro, sem escalas. Porque, se arranjasse boléias simultâneas que me deixassem no meio do caminho, já seria de noite. E eu não pretendia passar a noite na estrada. Ainda mais que iria passar somente o fim de semana no Rio.
Nesta altura aprendi uma coisa que os romanos já tinham dito há alguns séculos antes de eu ter resolvido viajar 450km de boléia: Carpe Diem, Aproveite o Dia. Deveria ter acordado mais cedo. Mas pensei: tudo bem, como não tinha know how em caronas de longas distâncias, aprendi no melhor método: na práctica.
Sentei novamente para descansar os pés e vi que ao meu redor o tempo já estava negro, a tempestade se avizinhava. O vento, já forte, tinha secado a mistura de suor e terra que recobria o meu rosto.
Olhei para o acostamento e vi que o vento começava a fazer voar tudo que estava à volta: papéis, pedras, terra, poeira e um ou outro resto de algum veículo. Enquanto olhava a poeira subir e fazer pequenos redemoinhos, aprendi outra coisa: é preciso se dar um tempo para as coisas acontecerem. Se depois deste tempo elas acontecerem, tudo bem. Se não acontecerem, é hora de preparar outro plano. Assim, olhei para o relógio e resolvi dar me mais meia hora.
Enquanto os veiculos passavam, fiquei pensando que a esta hora os meus amigos deveriam estar jogando o futebol que tinham marcado para aquela tardinha. Pensei também na imagem de um refrigerante estupidamente gelado e em um chuveiro escorrendo água para um delicioso banho. E nesse exacto instante, a imagem do chuveiro na minha mente era tão forte, que pensei até ter sentido as gotas de água. E tinha sentido mesmo: a tempestade tinha começado a desabar sobre mim. Os veículos sumiram como por encanto e eu estava ali, no acostamento da Via Dutra com tudo escuro à minha volta.
(continua na próxima crónica, até lá)
Um Abraço

Danyel Sak – Publicitário
danyelsak@ip.pt

ENJOY THE RIDE ! PARTE II
O PLOSH PLOSH.


Caros Amigos:

Todos a postos? OK, coloquem para tocar Road Trippin’, do californiano Red Hot Chili Peppers, se ajeitem confortavelmente na cadeira e vamos voltar à estrada:

Com a tempestade desabando sobre a minha cabeça, olhei em volta e vi um posto de gasolina. Peguei a mochila que estava mais pesada por estar molhada – e o mais rápido possível comecei a correr em direção a ele.
Claro que, quando estamos à pé ou nadando, as coisas parecem mais perto do que realmente estão. Era verdade: o posto estava realmente muito mais longe do que parecia.
A primeira rajada de vento que peguei no acostamento, foi um balde de água: molhou tudo. E isso foi ótimo, porque vocês sabem como é: no começo da chuva ficamos estressados tentando nos proteger, desviando daqui e dali. Mas depois que ela nos pega e nos molha, pensamos “estou molhado, tudo bem, já está feito, relaxe e aproveite, bró, liberdade quae sera tamen!”. E melhor ainda, se pisarmos sem querer em um poço de água; daqueles que fazem os sapatos ficar tão molhados, que começam a fazer o divertido som de “plosh plosh” à medida que andamos.
Quando cheguei ao posto de gasolina estava completamente encharcado e plosh plosh. E a única coisa que pude fazer, foi rir de mim mesmo.
Enquanto limpava o rosto e as mãos no lavabo do posto, me dei conta que já era fim de tarde e não havia comido nada.
Saí do lavabo e vi que o céu ainda estava muito escuro, e pelo jeito a tempestade iria demorar muito para passar.
Descobri então que o posto tinha um restaurante. Fui até lá e, feliz da vida, li que o prato do dia era feijão com arroz, ovo e batatas fritas. Perfeito.
Enquanto esperava o prato chegar, olhava para os clientes à minha volta: motoristas de camião (caminhão) comendo e fazendo uma pausa para o início – ou final – de viagens muito longas.
Enquanto saboreava calmamente o meu almoço ajantarado, ficava pensando como o meu dia tinha sido diferente. Na verdade, não era bem isso que eu tinha planejado. Mas no fundo, o dia tinha sido diferente. Claro que, não tão diferente como quando subimos a Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, seguindo o caminho dos primeiros aventureiros à chegarem à América os Fenícios e quase nos perdemos na Floresta da Tijuca.
Quando acabei a refeição, fiquei mais algumas horas olhando a tempestade que não parava de cair lá fora. E quando finalmente passou, já tinha anoitecido.
Cruzei a rodovia e esperei no acostamento (berma) pelo autocarro que me levaria até o metro, depois do metro até o outro autocarro e finalmente até o outro autocarro que me deixaria em casa.
No meio da escuridão, vi que as luzes dele se aproximavam, fiz sinal e subi. A maior parte dos passageiros eram trabalhadores das redondezas que já estavam dormindo em seus bancos. Quando finalmente cheguei, minha mãe olhou para mim e disse sorrindo: Como você está bronzeado! Já voltou tão rápido do Rio? Fui até a casa de banho (banheiro) e comprovei: todo aquele sol tinha me deixado realmente bronzeado. Só que com um detalhe: eram apenas o rosto e os braços, tipo taxista.
Tomei o banho que tinha imaginado enquanto estava rodovia a pedir boléia (carona), tirei toda a crosta de terra que me envolvia e desmaiei na cama.
Claridade entrando pela janela, atingindo os meus olhos, Domingo de Sol. Acordei, e enquanto tomava o café com leite e pão com manteiga, deixava a mente flutuar para que, por ela mesma, por sincronicidade, encontrasse a solução da viagem.
Depois de tirar as roupas molhadas da mochila, liguei para meu amigo e fui até a casa dele jogar conversa fora.
Chegando lá, rumei directo até a enorme garagem. E à medida que avançava sem encontrá lo, fiquei espantado: divisei ao longe o que pareciam ser dezenas de OVNIs prateados pousados.

(continua na próxima crónica, até lá A crónica ENJOY THE RIDE Part I está a seguir)

Um Abraço
Danyel Sak – Publicitário
danyelsak@ip.pt


ENJOY THE RIDE ! PARTE III – ENTRE ÁIs! e TÉCs!

Caros Amigos:

Podem colocar Sincronicity do Police. Lá pelo meio da crónica, vale a pena trocar para Dance the night away (The best of the Mavericks) e vamos continuar:

Com cuidado me aproximei de um daqueles OVNIs prateados e brilhantes e o toquei para ver se eram de algum metal estranho. Foi quando, de repente, senti um pequeno susto quando uma mão tocou no meu ombro. Virei de repente e vi que era meu amigo que estava sorrindo e estendendo a mão para me cumprimentar. Tudo bem?
Tudo bem. E logo a seguir, perguntei curiosíssimo:
Mas olha, me fala uma coisa, o que são todas estas dezenas de discos espalhados pelo chão?
Ah, isso, são aquelas bolas de discoteca.
Bolas de discoteca?
É, aquelas que ficam girando no teto, e reflectem aqueles pontinhos prateados nas paredes enquando giram. E logo a seguir emendou sorrindo “as pessoas só reparam nelas quando a luz abaixa e começa a tocar uma música lenta para dançar slow”.
Ah, sei qual são, mas quando entrei, de longe na penumbra, pareciam dezenas e dezenas de discos voadores espalhados pelo chão. Como uma cena de Filmes B de ficção. Aqueles em preto e branco, da Republic, que passam na Sessão da Tarde. Mas, como é que elas brilham se são de alumínio?
Então, meu amigo se agachou, pegou uma daquelas esferas e separou as duas metades com as mãos. A seguir, pegou uma das metades e pediu para acompanhá lo até uma grande bancada.
Chegando lá, ele me mostrou pedaços de espelhos do tamanho de um A4. Nestes espelhos víamos riscados pequenos rectângulos.
Ele então, pegou um destes espelhos e com o dedo – TÉC ! separou um retangulozinho.
O som e o jeito de destacar os retangulozinhos eram iguaizinhos como quando pegamos uma barra de chocolate e – TÉC ! – separamos um quadradinho para comer.
E ele disse logo a seguir: estas esferas brilham porque separamos estes retângulos um a um e colamos em um hemisfério da esfera. A seguir, pegamos a outra metade da esfera e colamos também em toda a superfície. Depois, (a)parafusamos uma esfera na outra. E aí….
E eu perguntei curioso E aí??
E ele sorrindo: e aí você pode ir até a discoteca ver a esfera girar e dançar agarradinho.
Tudo bem, mas o que é que tudo isso está fazendo aqui?
A metalúrgica do meu pai recebeu uma encomenda para fazer estas bolas de discoteca. Mas e você, o que está fazendo por aqui? Não ia para o Rio? E que semi bronzeado de braços e rosto é este?
Contei a história para ele, ele riu e disse: olha, se você ainda está nessa de conseguir as passagens de forma diferente…..se quiser fazer estas bolas de discoteca, tudo bem.
Mas como é que fazemos?
Bom, deixa eu ver; quanto é a passagem?
Eu disse e ele fazendo as contas rapidamente respondeu: vamos fazer o seguinte, aparece aqui no Sábado e Domingo que vem. A gente trabalha o dia inteiro e depois você recebe cash.
A que horas?
E ele sorrindo: só não aparece cedo que eu quero dormir até tarde.
Beleza! Semana que vem estou aqui, patrão.
Uma semana depois cheguei, e ele ainda estava dormindo. A mãe dele pediu para acordá lo, tomei uma vez mais o café da manhã e fomos para a garagem. Ele explicou rapidamente a técnica e começamos o trabalho. Na verdade, não foi só trabalho, foi divertídíssimo: enquanto destacávamos os retangulozinhos – TÉC ! e colávamos nas esferas, ficávamos rindo e conversando, jogando conversa fora.
As únicas coisas que interrompiam o trabalho eram as gargalhadas e o ÁI !
Que ÁI! ? O ÁI ! que soltávamos, quando ao destacar um dos retangulozinhos, de vez em quando, uma pequena farpinha de espelho fincava no dedo. Então, tínhamos que parar o trabalho, a conversa e as gargalhadas e arrancar a farpinha cuidadosamente.
Nisso o Sábado e o Domingo passou entre muitos ÁIs!, TÉCs! e muita conversa jogada fora. E quando fui ver, já estava com um ou outro esparadrado nos dedos, indo para a Rodoviária depois das aulas, feliz da vida, para comprar as passagens.
Quando cheguei em casa, minha mãe foi logo dizendo “tem uma carta para você”. Fui correndo ver e reparei com surpresa, que era uma carta da empresa de autocarros (ônibus).
Abri correndo e a primeira coisa que vi foram as duas passagens. E junto havia uma carta que dizia algo como “agradecemos a sua carta, as suas sugestões e anexamos as duas passagens, pois a perseverança tem que ser recompensada”. E “que tenha um excelente final de semana de Sol no Rio de Janeiro”.
É claro que eu não preciso dizer que, se antes esta empresa de autocarros era a minha favorita, a partir daquele dia, para mim, passava a ser a única.
Mas agora que eu tinha quatro passagens, uma idéia surgiu na minha cabeça: se eu pedisse reembolso das passagens no guichet, poderia comprar uma passagem de avião. E então, seriam apenas 45 minutos de viagem, ao invés das 6 horas. Assim, aproveitaria muito mais o fim de semana. E de quebra, poderia ver uma das paisagens e sensações mais deliciosas e bonitas do mundo, e de toda uma vida: descer no Santos Dumont. O avião se inclinando devagarinho, dando a volta ao Pão de Açúcar. A seguir, desenclinando devagar e descendo. Aproximando se cada vez mais das águas da Baía de Guanabara, a água começa a passar a toda velocidade por nós. E quando estamos bem rasantes, a toda velocidade, só água, água, água, água a poucos metros de nós, e torcemos para que nosso avião seja na verdade um hidroavião, ela aparece do nada: a salvadora mancha negra da pista, UAU! A porta se abre, sentimos o delicioso bafo de 40 graus, e lá do alto da escadinha do avião vemos naquele céu escandalosamente azul que o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor nos contemplam.
Na verdade, este pouso é mais que toda a viagem: é como uma daquelas atracções dos parques temáticos. Conheço pessoas que fazem questão de viajar na janelinha só para sentir esta sensação e paisagem fantástica.
Mas é claro que não fui eu que melhor descrevi isso, longe de mim. O responsável por isso é o inigualável e maravilhoso Tom Jobim, que, mesmo pousando no Galeão às vezes, já descrevia estas sensações únicas no maravilhoso “Samba do Avião”:

“aperte o cinto, vamos chegar
Água brilhando, olha a pista chegando
E vamos nós
Aterrar.

Então, pensando em tudo isso resolvi: é claro que…..não vou trocar a passagem!
Resolvi isso porque pensei que nestas horas, deve haver um compromisso com a sincronicidade que gerou todos estes factos, e com a fidelidade de todas as pessoas envolvidas que surgiram para concretizá la.
Embarquei (na janelinha, claro), coloquei o walkman e fiquei cada uma das 6 horas inteirinhas da viagem olhando, apreciando cada metro de estrada, cada casinha que passava, cada criança que surgia de repente e fazia um tchau para o ônibus, cada dobrinha das montanhas do Vale do Paraíba e que parecem cobertores, cada letrinha da placa da cidade de Pindamonhangaba, cada odor de verde da exuberante Serra das Araras (imperdível!), cada curvinha fechada de Volta Redonda que nos faz ir de um lado para o outro da poltrona. E de vez em quando, me imaginava lá fora, fazendo o sinal de boléia (carona) para os veículos que passavam. Então, sorria para mim mesmo, aumentava o som do walkman para fazer de trilha sonora (banda sonora), me ajeitava na poltrona e continuava alimentando os meus olhos.
Rio de Janeiro, sorrisos, tempo maravilhoso, praia, e entre um mergulho e outro, minha garota falou: adivinha onde vamos hoje à noite?
Onde?
Dançar, numa discoteca!
Eu então, andando para a beirinha, apenas olhei para o único esparadrapo que ainda restava no meu dedo e gargalhei. E alguns anos depois, lembrei o que um amigo me disse uma vez: “O que é que você vai contar para os seus netos? Como comprou o seu primeiro Home Theather ou o seu TDI?”.

Um Abraço

Danyel Sak – Publicitário
danyelsak@ip.pt

PS: Recomendo a Revista Volta ao Mundo, nº 102 que está nas bancas ou www.ipanema.com
As PArte I e PArte II encontram se a seguir.