Konstantinos Petrus Kavafis
OBRA
 

Longe

Queria esta memória dizê-la...
Bom mas já se apagou... como que nada resta –
pois que longe, nos anos da minha primeira adolescência jaz.

Pele como se de jasmim feita...
Aquele Agosto – era Agosto? – ao anoitecer...
Apenas me lembro já dos olhos; eram roxos, estou em crer...
Ah sim, roxos; um roxo que a safira deita.

(tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis
-in Revista de Poesia “Telhados de Vidro” n.2 – Maio 2004)


Para ficar

As horas uma da noite havia de ser,
ou uma e meia.

                        Num canto do tasco;
por detrás da divisória de madeira.
Além de nós os dois o sítio completamente vazio.
Um candeeiro de petróleo mal o iluminava.
Dormia, à porta, o criado por causa da demora.

Não nos veria ninguém. Mas já
nos tínhamos acalorado tanto,
que nos tornámos inadequados para precauções.

As roupas entreabriam-se – muitas não eram
pois ardia um mês de Julho divino.

Deleite de carne por entre
as roupas entreabertas;
rápido desnudamento de carne – cuja imagem ideal
atravessou vinte e seis anos; e agora veio
para ficar nesta poesia.

(tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis)  


ÍTACA

Se partires um dia rumo a Ítaca
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem os Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrarás
se altivo for teu pensamento, se subtil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não o levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda espécie,
quando houver, de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egipto peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha, velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso, não lhe cumpre dar te.
Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas.