João Miguel Fernandes Jorge
OBRA

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A abstracção não precisa de mãe nem pai
nem tão pouco de tão tolo infante

 mas o natal de minha mãe é ainda o meu natal
com restos de Beira Alta

 ano após ano via surgir figura nova nesse
presépio de vaca burro banda de música

 ribeiro com patos farrapos de algodão muito
musgo percorrido por ovelhas e pastores

 multidão de gente judaizante estremenha pela
mão de meu pai descendo de montes contando

 moedas azenhas movendo água levada pela estrela
de Belém

 um galo bate as asas um frade está de acordo
com a nossa circuncisão galinhas debicam milho

 de mistura com um porco a que minha avó juntava
sempre um gato para dar sorte era preto

 assim íamos todos naquela figuração animada
até ao dia de Reis aí estão

 um de joelhos outro em pé
e o rei preto vinha sentado no

 camelo. Era o mais bonito.
depois eram filhoses o acordar de prenda no

 sapato tudo tão real como o abrir das lojas no dia
de feira

 e eu ia ao Sanguinhal visitar a minha prima que
tinha um cavalo debaixo do quarto

 subindo de vales descendo de montes
acompanhando a banda do carvalhal com ferrinhos

 e roucas trompas o meu Natal é ainda o Natal de
minha mãe com uns restos de canela e Beira Alta.


 

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