Georg Heym
OBRA
 

“A Casa da Letónia”

Ou: A balada do coração despedaçado

A casa da Letónia, mansão imponente,
Na Bayreuther Straße, vermelha e cinzente.
Varandas sem fim em frente às janelas.
Olha-me as pequenas, novinhas, tão belas.

Tirámos o A. Vibra o E mais claro
Quando nas varandas eu em vós reparo.
Meneio o chapéu, pobre menestrul,
Perco me de amores lá no céu azul.

Foi se o E agora. Entra o U sombrio.
Meu espírito calmo pôs se em desvario.
Musa azul, que estás com cabelos de ouro!
Tu, vermelha, ah, meu amor foi poro.

E saiu o U. Soa o O da dor,
E já de cuidado gagueja meu cor.
Mandei vos um beijo soprado da mão,
Quarta feira à noite foi se o coração.

Como estopa podre abriu mesmo ao meio.
Mandem me p’ra casa amor p’lo correio:
Caminho real, trinta e um. Senão
O vento esfiapa este coração.

(1911)
(tradução de João Barrento)


As tuas pestanas, as longas

As tuas pestanas, as longas,
As águas escuras dos teus olhos,
Deixa me mergulhar nelas,
Deixa me ir até ao fundo.

Desce o mineiro ao poço
E baloiça a baça lanterna,
Sobre o arco do minério,
Em cima, na parede de sombras,

Vê, eu desço
Para esquecer no teu seio,
Longe, o que de cima ainda ecoa,
Claridade e cor e dia.

Nos campos cresce,
Lá onde o vento pára, ébrio de searas,
Alto espinheiro, alto e doente,
Enlaçado com o azul celeste.

Dá me a mão
Vamos enlaçar nos um no outro,
Presa de um vento,
Voo de pássaros solitários,

Ouvir no verão
O órgão de abafadas tempestades,
Banhar nos na luz de outono,
Na margem do dia azul

De vez em quando ficaremos parados
À beira da escura fonte,
Para olhar o fundo do silêncio,
Para procurar o nosso amor.

Ou saímos
Da sombra das douradas florestas,
Enormes em direcção a um crepúsculo
Que a ti te toca a fronte levemente.

Para pararmos então no fim,
Onde o mar, em manchas amareladas,
Já vem vogando de mansinho
Para os braços da baía de Setembro.

Para descansarmos em cima
Na casa das flores sequiosas,
Descendo por sobre os penedos
O vento canta e treme.

Mas do choupo
Que no azul eterno se destaca
Cai já uma folha castanha,
Que sobre a nuca te descansa.

Divina tristeza
Cala te ante o eterno amor.
Ergue a taça,
Bebe o sono.