Romance Sonâmbulo
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramos.
O navio sobre o mar,
o cavalo na montanha.
Com sombra pela cintura,
ela sonha na varanda,
verde carne, trança verde,
e olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
À luz da lua cigana,
as coisas estão na fitando
sem ela poder fitá las.
*
Verde que te quero verde.
Grandes estrelas de escarcha
seguem o peixe de sombra
que anuncia a madrugada.
A figueira esfrega o vento
com a lixa dos seus ramos,
e o monte, gato matreiro,
eriça piteiras bravas.
Mas quem virá? E por onde?
Ela segue na varanda,
verde carne, trança verde,
a sonhar ondas amargas.
(tradução de José Bento)
Este é o prólogo
Deixaria neste livro
toda a minha alma.
Este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.
Que pena dos livros
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam !
Que tristeza tão funda
é olhar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta !
Ver passar os espectros
de vida que se apagam,
ver o homem desnudo
em Pégaso sem asas,
ver a vida e a morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se olham e se abraçam.
Um livro de poesias
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,
e a voz que os lê
é o sopro do vento
que lhes incute nos peitos
entranháveis distâncias.
O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchas
de chorar o que ama.
O poeta é o médium
da Natureza
que explica sua grandeza
por meio de palavras.
O poeta compreende
todo o incompreensível
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chamas.
Sabe que as veredas
são todas impossíveis,
e por isso de noite
vai por elas com calma.
Nos livros de versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristes
e eternas caravanas
que fizeram ao poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.
Poesia é amargura,
mel celeste que emana
de um favo invisível
que as almas fabricam.
Poesia é o impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
corações e chamas.
Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
sem rumo a nossa barca.
Livros doces de versos
sãos os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
suas estrofes de prata.
Oh! que penas tão fundas
e nunca remediadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam!
Deixaria neste livro
toda a minha alma...
Se minhas mãos pudessem desfolhar
Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frontes ocultas.
E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.
Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante que todas as estrelas
e mais dolente que a mansa chuva.
Amar te ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?
Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranquila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!
O POETA PEDE AO SEU AMOR QUE LHE ESCREVA
Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder te.
O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.
Porém eu te sofri. Rasguei me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de cordiscos e açucenas.
Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.