Só o Sangue Cheira a Sangue
A terra, embora não nos seja mãe,
é para sempre inolvidada,
no mar a água é doce, ternamente
gelada, a água não é salgada.
No fundo, a areia é mais branca que giz,
o ar embriaga mais que vinho quente,
o corpo cor-de-rosa dos pinheiros
é único na hora do poente.
O poente, esse, é tal que não vejo
nos salgados turbilhões etéreos
se é fim do dia ou do mundo, outra vez
dentro de mim mistérios dos mistérios.
(tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra)
VORÓNEJ
A Ossip Mandelstam
Toda a cidade imóvel e gelada.
Árvores, muros e neve sob vidro.
Piso cristais a medo, o desfilar
dos trenós ornados é indefinido.
Sobre a catedral de Pedro voam gralhas,
erguem se álamos, o verde claro da abóbada
desbotada, baça, em poeiras de sol.
Sopram batalhas de Kulikovo os declives
da terra pujante e vitoriosa.
E os álamos tilintam sobre nós
com mais força, como taças a brindar,
como bebessem nas bodas à nossa
alegria convidados aos milhares.
No quarto do poeta em desgraça fazem
a Musa e o medo, por turnos, sua velada,
e continua a noite
que não conhece madrugada.