Coisas Sérias - 17

 


Dois casos exemplares

1 - Está nas ruas uma campanha publicitária de «outdoors» da TV-Cabo que é uma verdadeira infâmia. Nela, e no início, expuseram uns cartazes onde um filho anunciava ao pai que se tinha ido embora de casa porque ali não havia TV-Cabo: "Tchau, pai, vou bazar. Sem TV-Cabo, quê que estavas à espera?". Agora, veio a segunda leva de cartazes, em que a mulher, primeiro, e, depois, a empregada doméstica, a 'Deolinda', anunciam também que se vão mudar para onde haja TV-Cabo. É inútil gastar tinta a explicar o que é evidente: que esta campanha ofende os pais, os maridos, as mulheres, os filhos e as empregadas domésticas.
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Prendas
José Vítor Malheiros - Publico 21-11-06

Todos os anos é a mesma coisa. Queixamo-nos do consumismo da data; queixamo-nos da agressão comercial e da despudorada publicidade destinada às crianças; queixamo-nos da abundância de prendas que as nossas crianças recebem - tantas que nem têm tempo para as desfrutar, tantas que nem conseguem apreciar as que têm; queixamo-nos do materialismo que substitui a solidariedade a que a data devia supostamente ser votada; queixamo-nos das prendas inúteis que recebemos, compradas só para que o nosso nome possa ser riscado de uma lista de prendas.
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John Bancroft: O abuso sexual infantil não tem efeitos tão graves como se pensa
(Público de 18-11-06)

O antigo director do célebre Instituto Kinsey diz que a sociedade não deixa os sexólogos fazerem o seu trabalho. Muitas vezes, os preconceitos opõem-se à investigação científica. É, por exemplo, quase proibido estudar a sexualidade infantil. A sociedade pensa que as crianças não têm sexo. John Bancroft veio a Lisboa apresentar o livro "Minorias Eróticas e Agressores Sexuais", de Afonso de Albuquerque, livro de que escreveu o prefácio.
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Nunca quis ganhar dinheiro
(Romain Gubert na "Sábado" de 9 de Novembro de 2006)

Nicolas Hayek, de origem libanesa, este suiço de 78 anos lançou a Swath e o carro Smart na décade de oitente. ENtres trabalhou na Mercedes e na WW. Hoje é o nº 1 nos relógios e um dos homens mais ricos do mundo

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A MENTiRA E O ESTADO DO MUNDO
frei Bento Domingues, o.p. no "Público" de 15-10-06

1.Embora de forma muito linear, pode dizer-se que a mentira consiste em afirmar algo que sabemos que é falso, com a intenção de enganar, confundir ou manipular. Mas há mentiras e mentiras. Não existe só uma hierarquia de verdades, como reconheceu, até para as verdades da fé cristã, o Vaticano II. Também há hierarquia nas mentiras. As que dizem respeito à paz e à guerra são as mais perigosas. Podem envenenar a própria concepção da dignidade humana.
Desde Março de 2003, segundo um estudo publicado pela prestigiosa revista médica inglesa The Lancet, já morreram mais de 650 mil civis devido à violência desencadeada no Iraque.
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Regresso às Cruzadas
Miguel Sousa Tavares no "Expresso" de 23-09-06

Inadvertidamente ou não, o Papa não disse nada sobre o Islão que nenhum ocidental não pense. Quando citou o Imperador bizantino Manuel II, dizendo "mostra-me aquilo que Maomé trouxe de novo e encontra rás só coisas más e desumanas", como "o direito de difundir a fé pela espada", o Papa disse exactamente aquilo que todos nós pensamos hoje sobre o que significa fundamentalmente a corrente dominante no Islão: o direito a mandar, a aterrorizar e a matar em nome de Deus. Porém, ao contrário do que os seus defensores se apressaram depois a dizer, a citação feita por Bento XVI não foi interpretada por excesso ou fora de contexto. Pelo contrário, julgo que ficou aquém do seu significado.
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Coisas que nunca mudam
Miguel Sousa Tavares no "Expresso"

1 Entre Dezembro e Agosto, Américo Amorim ganhou trinta ou quarenta milhões de contos apenas devido à posição accionista que tomou na Galp, num negócio realizado a instâncias e com o apoio do Governo.
Não acrescentou qualquer riqueza à empresa, não criou um posto de trabalho, não a geriu, não empenhou nela nem talento, nem esforço, nem risco. Nada: limitou-se a ver a sua posição accionista a valorizar-se e a cobrar dividendos excepcionais graças àquilo que para o comum das pessoas foi uma dificuldade acrescida - o aumento do preço dos combustíveis. Como a margem de lucros da Galp está indexada ao preço do petróleo na origem, a empresa ganha tanto mais dinheiro quanto mais caro comprar o crude e quanto mais caro o vender aos consumidores.
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Passe social em Tashkent
Clara Ferreira Alves no
"Expresso" de 2-09-06

NADA me preparava para isto. Há semanas que ando a viajar na Ásia Central e tal como o replicant do Blade Runner vi coisas que nem conseguia sonhar, mas nada me preparava para isto: as meninas. As prostitutas. Ou deverei dizer as putas? Na capital do Uzbequistão, em fim de viagem, vejo-as em todo o lado. Limando as unhas com ar enfadado à beira da piscina do hotel. Fingindo ler um livro por trás de uns óculos escuros com lentes enormes, negras, cheias de enfeites e marcas do iradas. Puxando e repuxando as alças do biquini minimal e olhando de relance os machos disponíveis que não são muitos. Homens boçais e tremendos com cara de vilão de filme de aventuras e porrada.
Homens feios e velhos e gordos. Homens novos e meio bêbados de vodka e cerveja. Homens tatuados com as marcas das tríades. Homens de todos os feitios e tamanhos, homens de negócios e de negócios sujos, longe das mulheres e da família e com um «stocb de raparigas à disposição. Elas não sã de muitos feitios e tamanhos, são quase todas parecidas, dependendo da origem étnica.
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Carta de Boaventura de Sousa Santos a um amigo israelita
Revista "Visão" de 27 de Julho de 2006

Escrevo-te esta carta com o coração apertado. Deixo a análise fria para a razão cínica que domina o comentário político ocidental. És um dos intelectuais judeus israelitas - como te costumas classificar para não esquecer que um quinto dos cidadãos de Israel são árabes - mais progressistas que conheço.
Aceitei com gosto o convite que me fizeste para participar no Congresso que estás a organizar na Universidade de Telavive. Sensibilizou-me sobretudo o entusiasmo com que acolheste a minha sugestão de realizarmos algumas sessões do Congresso em Ramalah.
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O direito à auto-estima
Constança Cunha e Sá - "Público"

A onda de patriotismo e o espectáculo que proporciona assentam na ilusão de que Portugal se redime e se vinga dos "grandes" com duas chuteiras nos pés e uma vitória no Mundial
Quarta-feira, uns minutos depois de Portugal ter sido eliminado pela França, o prof. Marcelo Rebelo de Sousa, enfiado num patriótico cachecol, explicava, na RTP, como manter a "auto-estima", adquirida ao longo do último mês, à custa dos feitos da selecção e das maravilhas do futebol. Os jornalistas, num esforço desesperado, exibiam a "festa" da derrota que afocinhara no Marquês de Pombal e na Avenida dos Aliados, onde meia dúzia de figurantes assegurava estoicamente os "directos" das televisões.
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Blogues: a apoteose do presente
José Pacheco Pereira - "Público"

Os blogues continuam a ser criados a uma velocidade de cruzeiro numa verdadeira revolução mundial de novas formas de "fala" dos indivíduos e dos grupos, o que é um dos reveladores da profunda interligação entre "estados" sociais preexistentes e tecnologias que os exprimem e potenciam. O último balanço do "estado da blogosfera" refere a existência de cerca de 35 milhões de blogues seguidos pela Technorati, uma empresa de referência no estudo dos blogues, duplicando o seu número cada seis meses. Nos últimos três anos, o tamanho da blogosfera cresceu 60 vezes, e o número de blogues criados por dia aproxima-se de 75 mil, o que significa que desde que o leitor começou a ler este artigo quase vinte novos blogues (um por segundo) foram criados em todo o mundo.
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Perguntem ao Jack
Vítor Dias no "Público" 09-06-2006

Tiveram considerável impacte na comunicação social as afirmações feitas sobre Portugal, num encontro promovido pelo Fórum para a Competitividade, por Jack Welch, que durante 20 anos foi chief executive officer da General Electric. Antes e durante a sua estada, Jack Welch foi apresentado como "um dos gestores mais admirados em todo o mundo" ou como "um gestor do outro mundo", embora o jornalista Robert Slater, talvez lembrado de que ele suprimiu cem mil empregos, também nos conte, no n.º 47 da Executive Digest, que ele "ganhou a alcunha de "Neutron Jack", numa alusão à bomba de neutrões que elimina pessoas mas deixa os edifícios de pé".
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O aniversário de Columbine
Eduardo Prado Coelho "O fio do horizonte" PÚBLICO 28-04-06

A notícia é suficientemente horrível para nós a tentarmos prolongar por alguma reflexão. Ocorreu em North Pole, onde aparentemente se passa muito pouco. Estamos no Alasca, numa pequena cidade ultraprovinciana, daquelas que a gente imagina através dos filmes. Que aconteceu? A polícia prendeu seis rapazes que andavam pelos 13 ou 14 anos e que tinham o seguinte projecto (como vão ver, nada de mais simpático e com tantas preocupações sociais): matar o maior número de professores e alunos na escola.
Depois disso, deveriam fugir, para escaparem (para onde?) às consequências do massacre. Fechavam as portas da escola e cortavam as ligações telefónicas. Deste modo, a notícia dos acontecimentos, o alerta, o alarme, só chegariam muito mais tarde. Eles entretanto escapavam-se pela terra americana. Donde, nem sequer havia uma vontade suicida, como por vezes sucede nestas circunstâncias.
Que pretendiam fazer?
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A inutilidade de metade dos deputados
José Macário Correia Publico 27-04-06

Passei na Assembleia mais de seis anos. Apesar das muitas actividades que exerci lá dentro, tive que arranjar muitas outras (públicas e não remuneradas) para dar alguma utilidade à vida. Até que me fartei. Optei por ganhar metade e trabalhar várias vezes mais como autarca
Aessência da democracia impõe, sem qualquer dúvida, a eleição livre de deputados em representação das populações de todos os pontos do território, bem como dos portugueses espalhados pelo mundo.
No nosso sistema político, como em qualquer outro saudavelmente democrático, cabe ao Parlamento a fiscalização efectiva, com dignidade, dos actos do governo, bem como a produção legislativa mais relevante, seja ela de iniciativa dos próprios deputados, do executivo ou até dos cidadãos.
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Telefonemas da selva do outro mundo
Paulo Moura - "Público" de 23-04-06

Todas as semanas recebo telefonemas da selva. Até já programei o telemóvel com um toque especial para estas chamadas de números marroquinos. Vêm da região de Tânger ou de Ceuta, por vezes de Rabat ou Casablanca, outras vezes da Nigéria, Mali, Sudão.
Nem sempre atendo. Nem sempre estou disponível para esse mundo. Ontem foi Ezi, da floresta de Missnana, nos arredores de Tânger. Contou-me que um dos filhos está doente, com febre e diarreia, precisa de tratamento, mas não há forma de o levar para o hospital. Ezi e Charity têm dois bebés, porque pensaram que com eles seriam aceites na Europa. Mas não conseguiram o dinheiro para pagar às máfias que fazem a travessia. Já o tiveram, tentaram uma vez, mas o barco naufragou no Estreito de Gibraltar. Salvaram-se por milagre.
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Da treta
José Vitor Malheiros - "Público" de 21-03-06

Otítulo desta crónica pretende traduzir o de um pequeno livro recentemente publicado, da autoria do filósofo americano Harry G. Frankfurt: On Bullshit.
O livro poderia ser humorístico, mas não é. Ainda que o título faça sorrir, o seu autor, que é um reputado professor de Filosofia de Princeton, tenta responder a questões sérias como: o que é? Por que é que há tanto? Que função social serve? O que significa para nós?
Como o autor explica, apesar de a enorme quantidade de bullshit ser uma das características mais marcantes da nossa cultura, ele não tem sido objecto de estudo profundo e, por esse facto, "não existe uma teoria" do bullshit, o que é paradoxal, considerando a sua ubiquidade. "Mesmo as questões mais básicas continuam não só sem ser respondidas, mas até sem ser postas", escreve Frankfurt.
O livro, composto apenas por um ensaio anteriormente publicado numa revista da Universidade Rutgers, mereceu rasgados elogios da crítica e lê-se com agrado, mas deixa um sabor a pouco: Frankfurt faz uma tentativa de definição, mas não leva a empresa até ao fim e não chega a abordar a função do bullshit. Mesmo a interessante comparação entre bullshit e mentira mereceria mais.
Frankfurt considera o bullshit uma "ameaça mais insidiosa para a verdade que a mentira", pois o bullshit não só está totalmente "desligado de uma preocupação com a verdade" - enquanto os mentirosos podem manter uma ideia clara da verdade -, como é objecto de uma estranha tolerância (enquanto a mentira é vista em geral sem benevolência).
O que é extremamente refrescante no livro de Frankfurt é o facto de ele reconhecer uma tendência - de identificar o bullshit não como um desvio, mas como algo central no discurso moderno.
Uma das funções dos filósofos é esclarecer conceitos e temos de agradecer a Frankfurt ter-se apercebido de que o bullshit não é uma falha mas uma nova norma, não um lapso mas um novo código - que merece o escrutínio dos pensadores e dos cidadãos. Ainda que não seja claro se há algo que se possa (ou deva) fazer a respeito do bullshit.
Segundo Frankfurt, os paradigmas clássicos do bullshit podem encontrar-se "nos domínios da publicidade e das relações públicas e na estreitamente relacionada área da política". Porquê? Porque uma das características do bullshit é que ele visa esconder o que o seu autor realmente pretende. Como explica Frankfurt numa entrevista disponível no site da Universidade de Princeton, quando se quer vender alguma coisa, o objectivo é vender, "não é dizer a verdade sobre o produto". E, à medida que os critérios do marketing se vão alargando a todas as áreas da actividade humana, ficamos mais e mais mergulhados em bullshit.
Outra das razões para o aumento do bullshit, ainda segundo Frankfurt, é o facto de a sociedade actual exigir de todos que tenhamos opinião sobre tudo, mesmo sobre aquilo que desconhecemos - o que constitui uma excelente oportunidade para bullshit. Neste contexto, é evidente que o mundo dos media constitui um excelente caldo de cultura de bullshit.
Quando Orwell lançou o seu clarividente conceito de newspeak, este estava em plena floração estalinista (antes de se alargar a toda a política), mas tratava-se de um fenómeno ideológico. Com o primado do marketing e da gestão da imagem, a conversa da treta (os diálogos de António Feio e José Pedro Gomes são um marco) conquistou prosélitos que alastraram da economia para o todo social: um despedimento colectivo tornou-se uma "reestruturação"; um erro, uma "oportunidade de melhoria"; o discurso tornou-se uma venda e a comunicação uma hipocrisia.
Com este livro, o estudo do bullshit ganhou respeitabilidade. O risco é que a própria essência da treta beneficie do estatuto.
José Vitor Malheiros - "Público" de 21-03-06


A régua e o revólver
Eduardo Prado Coelho "o fio do horizonte" - "Público" 17/3/06

Sobre uma mesa, un caderno com espiral, um telemóvel, uma caixa com tintas, uma régua e inesperadamente um revólver. Trata-se de um dossier sobre a violência nas escolas publicado no n.º 3, de Março, na revista Pontos nos iis, propriedade da editora Texto.
Uma professora dizia-me esta semana: "Eu dou-me bem com os meus alunos, mas o problema está em atravessar os corredores, porque nunca se sabe o que vai acontecer." Na minha geração do Liceu Camões, a ideia de que um professor pudesse ser agredido, dentro ou fora da escola, seria totalmente incompreensível. Lembro-me de que ainda tínhamos dez ou 11 anos, o reitor Sérvulo Correia estava à entrada e dizia aos alunos que não traziam gravata: "Ó meu homem, vai buscar a gravatinha a casa." E nós íamos. Para voltar vestidos como um notário de província, se é que esta raça em vias de extinção ainda existe.
São vários os pólos de que depende esta situação. Por um lado, os alunos e os pais. Por outro, os professores e auxiliares de educação (mais os diversos conselhos da escola). Por fim, o Ministério da Educação, misteriosamente pouco eloquente nestas matérias. Ora a verdade é que o pêndulo de terror recai inteiramente sobre os professores. E que todas estas circunstâncias afectam por dentro o trabalho pedagógico.
Uma professora do 1.º e 2.º ciclos do ensino básico, Joana Barra da Costa, procurou encontrar algumas motivações para esta forma de comportamentos. Do lado da explicação, não há propriamente novidades (ela fala de tudo isto numa edição da Colibri intitulada: O Gang e a Escola (Agressão e Contra-Agressão nas Margens de Lisboa).
Diagnóstico: tensão, choque étnico, a vida na periferia das grandes cidades ou ausência da família na vida quotidiana dos alunos. Temos ainda as condições em que se habita, a começar pelo lugar onde se habita. E como pano de fundo a pobreza, o desemprego, a existência ociosa. Nos meus tempos do Camões, era raro, mas acontecia, de vez em quando o professor dar um oportuno tabefe no aluno. Hoje é vítima de acusações e, de tempos a tempos, surgem os pais a falar como se o filho fosse vítima de uma perseguição escolar. Há um excesso de impunidade do lado dos alunos e uma incompreensão demissionária da parte dos pais destas encantadoras cabeças louras. Daí que a Joana nas suas aulas comece por dizer: "Quem manda aqui sou eu."
A verdade é que os pais não controlam os filhos. Por vezes chegam a pedir para os manterem na escola porque não têm condições para os aguentar em casa. A família abandona totalmente a sua tradicional função formadora. A escola que resolva os problemas todos. E sejam quais forem as circunstâncias, os pais estão atentos aos direitos destes jovens. Mas os professores têm medo. Medo de represálias, de queixas absurdas, de métodos ditos pedagógicos impostos pelos "especialistas" tranquilos e abstractos do Ministério da Educação.
Entrevistado sobre o problema, o professor Mitthá Ribeiro (que ensina História) tem esta resposta exemplar: "Quanto à violência não é apenas a que se materializa em acto. Outra dimensão mais perversa da violência é a violência simbólica, isto é, aquela que pode nunca vir a concretizar-se, mas que afecta seriamente as relações da sala de aula e põe em causa a autoconfiança dos docentes, fundamental para o exercício da actividade." Daí a necessidade de disciplina e de algumas formas de autoridade. Senhor professor, hoje trouxe pistola ou arma branca?
Eduardo Prado Coelho "o fio do horizonte" - "Público" 17/3/06


EM NOME DO PÚBLICO
PROVEDOR DO LEITOR RUI ARAÚJO

É a quarta vez que escrevo sobre publicidade. Poderá parecer excessivo, mas não é uma obsessão intelectual ou impulsiva, antes pelo contrário.
A relação entre o jornalismo e a publicidade é talvez a questão mais importante que se coloca aos órgãos de informação contemporâneos.
É certo que a publicidade é essencial para a sobrevivência de qualquer jornal, mas não é menos certo que se o leitor não conseguir dissociar o jornalismo da propaganda comercial é a prática da informação que fica condenada a desaparecer.
Alguns leitores indignados com a publicidade inserida na reportagem sobre Zeca Afonso (publicada no passado Domingo) publicaram comentários em vários blogues ou escreveram ao provedor.
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Duas breves
Joaquim Fidalgo - "Público" de 22-2-06

Dizia um slogan publicitário, posto a circular aqui há uns anos, que "ler jornais é saber mais". O objectivo era tentar que mais portugueses incluíssem a consulta de alguma imprensa nos seus hábitos diários, dadas as indigentes taxas de leitura que nos colocam, globalmente, no fundo da tabela de todas as estatísticas europeias. O reverso da medalha, já se sabe, é um lugar no topo da escala quando se medem os minutos diários que cada povo reserva à televisão. Aí, praticamente ninguém nos bate. Claro que ver televisão também é, num sentido amplo (muito amplo...) "saber mais"; a questão é saber mais "de quê". Sim, que se falarmos de novelas, de reality shows, de programas de anedotas serôdias e de alguns "jornais" quase exclusivamente dedicados às aventuras pitorescas do quotidiano, aí até nem estamos nada mal servidos e somos tudo menos ignorantes.
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O cerco.

JÁ FALTOU mais para que um dia destes tenha de passar à clandestinidade ou, no mínimo, tenha de me enfiar em casa a viver os meus vícios secretos. Tenho um catálogo deles e todos me parecem ameaçados: sou heterossexual «full time»; fumo, incluindo charutos; bebo; como coisas como pezinhos de coentrada, joaquinzinhos fritos e tordos em vinha d’alhos; vibro com o futebol; jogo cartas, quando arranjo três parceiros para o «bridge» ou quando, de dois em dois anos, passo à porta de um casino e me apetece jogar «black-jack»; não troco por quase nada uma caçada às perdizes entre amigos; acho a tourada um espectáculo deslumbrante, embora não perceba nada do assunto; gosto de ir à pesca «ao corrido» e daquela luta de morte com o peixe, em que ele não quer vir para bordo e eu não quero que ele se solte do anzol; acredito que as pessoas valem pelo seu mérito próprio e que quem tem valor acaba fatalmente por se impor, e por isso sou contra as quotas; deixei de acreditar que o Estado deva gastar os recursos dos contribuintes a tentar «reintegrar» as «minorias» instaladas na assistência pública, como os ciganos, os drogados, os artistas de várias especialidades ou os desempregados profissionais; sou agnóstico (ou ateu, conforme preferirem) e cada vez mais militantemente, à medida que vou constatando a actualidade crescente da velha sentença de Marx de que «a religião é o ópio dos povos»; formado em direito, tornei-me descrente da lei e da justiça, das suas minudências e espertezas e da sua falta de objectividade social, e hoje acredito apenas em três fontes legítimas de lei: a natureza, a liberdade e o bom senso.
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Direitos digitais
(Editorial do DN de 22 de Janeiro de 2006)

Marcas de todos os tempos são os atentados à liberdade em nome da liberdade. Mata-se pelo direito à identidade, censura-se para garantir segurança. Fazem-se guerras em nome da liberdade. E terrorismo para resistir aos libertadores. Neste mundo perigoso as democracias liberais estão cada vez mais confrontadas com as suas contradições. Há escolhas pouco compatíveis, direito à cidadania e a ficar de fora, direito à palavra e ao silêncio, direito à simultaneidade (a alternância é insuficiente), direito à ambiguidade, direito ainda e sempre à liberdade com todos os riscos que comporta. Um deles é o da segurança. É em nome da segurança que se cometem mais atentados.

O "não" do Google à Administração dos EUA, que pretendia obter amostras de pesquisas na Internet dos seus utilizadores, recoloca na ordem do dia o conflito entre direitos. A justificação do Departamento de Justiça americano relaciona-se com uma lei de protecção de menores, que há cerca de dois anos foi bloqueada pelo Supremo Tribunal. Na altura, os juízes consideraram que a lei conflituava com a liberdade de expressão, pois o alcance da sua aplicação poderia levar à cadeia quem colocasse nus renascentistas online. Agora, Bush quer retomar a lei e começou por pôr à prova os motores de busca. Em causa está o combate à pornografia infantil digital, que exigirá filtros rigorosos e eficazes, mas que não pode implicar um controlo indiscriminado dos internautas. A polémica conjuga-se com o programa de escutas electrónicas internacionais. Em qualquer dos casos, invoca-se o legítimo direito à segurança para condicionar o não menos legítimo direito à liberdade ou à privacidade.

As democracias liberais quase sempre privilegiaram as liberdades antes de quaisquer outros direitos. Mesmo em momentos de impotência para liderar com ameaças difusas, importa delimitar com rigor o escrutínio das suspeições sem criar territórios de excepção em que o património do direito é ignorado. O território digital, que se apresenta como paraíso de liberdade, não pode ficar sob a tutela de qualquer Big Brother, mesmo que bem-intencionado.

Lá como cá, a pretexto de segurança ou de justiça, há demasiados exemplos de desrespeito pelos direitos individuais. Talvez por isso o Estado seja visto com crescente desconfiança. Uma das qualidades que se exigem ao presidente da República, que hoje escolhemos, é um impecável respeito pelas liberdades individuais.

A Cartilha
Já começou
Clara Ferreira Alves no "Diário Digital"

Já começou : a partir de agora até ao final de Janeiro vão começar a aparecer nos jornais os títulos de notícias sobre os aumentos. Transportes, electricidade e gás, água, comida, bens de consumo, tudo aumenta no princípio do ano, e o ano de 2006 vai ser o ano mais duro de sempre da democracia portuguesa. Não se trata de saber se o regime está em causa, como no PREC ou no período em que civis e militares e partidos de direita e de esquerda disputavam o poder político em Portugal. Trata-se de recomeçar a viver com o nada que temos, o nada que sobrou depois de anos de desperdício e más contas públicas, ausências e fugas de primeiros-ministros e esperanças e capital humano perdidos. Trata-se de recomeçar a viver depois de anos de indecisão e maus gastos.
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Mas... que é isto?
António Neto Brandão no "Público" de 7-12-2005

Opovo português tem acompanhado com natural perplexidade a reacção dos juízes e agentes do Ministério Público a algumas medidas do Governo tendentes a (re)por alguma equidade nas condições de exercício da actividade profissional de todos os servidores do Estado. Esperava-se, porém, que, após alguma turbulência, o bom senso imperasse e que o diálogo fosse restabelecido, de forma a permitir que alguns dos problemas candentes que afectam a justiça encontrassem solução eficaz e duradoura. Só que o recente congresso dos juízes e mais especificamente o discurso produzido pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), num ataque inusitado ao Governo legítimo da nação, acusando-o, entre outros mimos, de mentir ao povo português, ultrapassou as marcas, com a agravante de tais palavras terem sido proferidas na presença do Presidente da República.
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"QUANDOS OS POLÍTICOS FALAM DE INTEGRAÇÃO ESTÃO A FALAR DE QUÊ?"

Debaixo da boina de Bams escondem-se uns longos cabelos, cheios de tranças pintadas de verde e é nelas que a rapper agarra quando fala das diferenças entre o Reino Unido e a França em matéria de imigração. Para dizer: "Em França há um grave problema com a palavra integração que para o Governo é aceitar o outro mas com condições. Em Inglaterra, por exemplo, há negros dread, rasta, que trabalham num banco. Isto é respeitar as diferenças. Nunca veremos isto em França. É impossível. Completamente impossível."
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Precisa-se de matéria prima para construir um País
Eduardo Prado Coelho - in Público (Origem não confirmada)

A crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres. Agora dizemos que Sócrates não serve. E o que vier depois de Sócrates também não servirá para nada. Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates.
O problema está em nós. Nós como povo. Nós como matéria prima de um país. Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais.
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O retorno da violência política disfarçada de "revolta social"
José Pacheco Pereira no "Público" de 10 de Novembro de 2005

 Se se pensa que está consolidada nas democracias a condenação da violência como instrumento político, pensa-se mal. Desde que os movimentos radicais da extrema-esquerda e extrema-direita, que defendiam a violência "revolucionária", perderam influência e se desintegraram nos anos 80, com o fim do surto terrorista que das Brigadas Vermelhas italianas, às FP portuguesas, atravessou toda a Europa, que parecia haver um consenso político de intransigência quanto ao uso da violência nos sistemas democráticos. O caso da ETA e do IRA eram excepções que confirmavam a regra de que em democracia a violência estava de todo excluída.
Mas desenganemo-nos.
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Sem alternativa
Miguel Sousa Tavares no "Público" de 21 de Outubro de 2005"


OOrçamento saiu o que se esperava e temia. Mas acabámos a desejar e a saudar aquilo que mais temíamos: um orçamento com cortes no investimento público e subida de impostos. Para aqui chegarmos, foi preciso que sucessivos anos e sucessivos governos de desleixo tivessem conduzido as coisas até um ponto tal que aquilo que resta de realismo e responsabilidade em termos de opinião pública percebeu que o país não poderia continuar eternamente a endividar-se para sustentar um Estado que é grande de mais para as necessidades, ineficiente demais para o que gasta e gastador de mais para a riqueza do país.
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A gozar com o pagode
José Manuel Fernandes no "Público" de 22 de Setembro de 2005

Ontem ficou provado que se pode amesquinhar o Estado de direito e ainda ser levado em ombros

Os diferentes episódios que ontem rodearam o regresso a Portugal, detenção e posterior libertação de Fátima Felgueiras são tão chocantes que não permitem pensar que a autarca tem apenas uma equipa de advogados competente e capaz de explorar da melhor forma os labirintos da lei.
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Partido e Estado
Miguel Sousa Tavares no "Público" de 16 de Setembro de 2005

Oque está mal na nomeação de Guilherme d"Oliveira Martins para presidente do Tribunal de Contas não é, como toda a gente já sublinhou, a figura do próprio. Excelente seria se, emergindo da sociedade civil, onde sempre se destacou pela sua competência, seriedade, cultura e civismo, este ou qualquer outro governo o tivesse ido buscar para o Tribunal de Contas. Porém, onde o Governo o foi buscar foi à bancada parlamentar do seu partido, de que é vice-presidente, depois de ter sido ministro da Educação e das Finanças do anterior governo PS. Esta funcional diferença faz toda a diferença política: um homem do PS foi nomeado presidente de um órgão cuja principal função nos próximos anos vai ser a de vigiar a legalidade das contas públicas do Governo PS.
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"MENTALIDADE TITANIC" NAS TORRES GÉMEAS
Adelino Gomes no "Público" de 10 de Setembro de 2005

Livro põe em causa a versão "oficial" dos atentados. Os autores sustentam que, "para servir de exemplo para os vivos, a História tem de ser totalmente honesta"

A sequência rápida de ocorrências - um avião que embate numa torre; novo embate, na segunda torre, 16 minutos mais tarde; o desabamento da primeira torre, 56 minutos depois; o segundo desabamento, passada meia hora - não explica tudo. Não explica a torrente de falhas de comunicação entre as diferentes unidades de socorro. Não explica a exiguidade do número de escadas nos dois mega-arranha-céus. Não explica como nem porquê as duas estruturas se mantiveram de pé menos de duas horas, após os embates. Não explica, em suma, porque morreram tantos civis que não se encontravam nos andares directamente atingidos pelos aviões e porque morreram tantos bombeiros.
Jim Dwyer e Kevin Flynn, dois jornalistas do New York Times, sustentam que, "para servir de exemplo para os vivos, a História tem de ser totalmente honesta".
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Em brasilês

«Lula é ladrão mas ladrão de esquerda tem perdão.»
(Clara Ferreira Alves - "Expresso" de 3 de Setembro)

Essa crônica eu tou escrevendo em brasilês. Brasilês é a língua que se fala nesse país maravilhoso e que eu amo que se chama di Brasil. Como eu tou em São Paulo, o brasilês fica entrando por minha orelha dentro e eu começo a falar brasilês sem parar. Na verdade, eu até queria escrever essa crônica em português, esse país tão maravilhoso quanto o Brasil mas, infelizmente para os portugueses, as notícias estão dando ele como ardido, e aí eu fiquei achando que isso me dava a oportunidade de pedir asilo político e social no Brasil, aprender brasilês, e esquecer a pátria de Fernando Pessoa esse grande poeta português (me desculpa, mas eu venho de umas Jornadas Literárias num lugar maravilhoso chamado Passo Fundo, onde eles amam Portugal e os portugueses, embora eles fiquem achando que em Portugal só tem mulher feia chamada Lourdes ou Fátima, e tivessem adorado o fato, não confundir com terno, o fato de eu não ser tão feia assim e não me chamar nem de Fátima nem de Lourdes e eu achar isso muito bom prá mim, incluso o Chico Buarque também foi em Passo Fundo receber um Prêmio Literário e ele ficou bem contente de estar aí, no meio desse mundo caloroso e maravilhoso da Literatura de que todos somos parte integrante, etc. etc.) e, prá retomar o tema, tava dizendo prá vocês que Portugal, a pátria do grande Fernando Pessoa, pra não falar do maravilhoso Camões, né?, tava dizendo que o queu queria mesmo era ficá um tempinho tomando água de coco e sorvete e falando brasilês com meus amigos que acham maravilhoso o fato, não confundir com terno, de eu amar o Brasil como se essa língua, o brasilês, fosse minha pátria. Entende?
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Das Pessoas e dos cães
Por Clara Fereira Alves no "Única" - Expresso de 13 de Agosto de 2005
O meu cão tem um medo louco de ser abandonado. Não abandonado de abandonado, ou seja, despejado no meio da rua e de um mundo para o qual não está preparado, mas abandonado no sentido de deixado sozinho. Quando a família sai de casa ou do carro, o cão chora e ladra pedindo que o levem com eles. A choradeira e os latidos e ganidos são tantos que quem passa ao lado pensa que o cão está a ser torturado. Nada, na vida curta deste cachorro, que anda sempre com toda a gente para todo o lado, o pode levar a suspeitar que vai ser abandonado. Pelo contrário, o cachorro tornou-se o centro das atenções e é um ídolo popular entre adultos e crianças, que o mimam excessivamente. Nunca foi deixado para trás, nem esteve num canil. Nunca está sozinho.
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Alberto João Jardim não é inimputável, não é um jumento que zurra desabrido, não é um matóide inculpável, um oligofrénico,  uma asneira em forma de humanóide, um erro hilariante da  natureza.
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As maravilhas de Portugal
Clara Ferreira Alves -"Expresso" de 2 de Julho de 2005

Num país que pouco ou nada produz, o turismo é a galinha dos ovos de ouro. Portugal aparece pintado a cores de oiro num anúncio que passa na CNN, um anúncio tão doirado que, sendo eu portuguesa, tenho dificuldade em reconhecer aquele país como sendo meu. O anúncio é eficaz e vago, podia ser Portugal ou outro país da Europa, convenientemente dotado de mar, rochedos, um palácio e uma aldeia típica. Azul, branco, o brilho opaco da pedra e a luz do sol. O que surpreende no anúncio é que, recusando as armadilhas do Portugal bonitinho do costume, é uma desapropriação do país das suas características essenciais. Portugal irreconhecível como tal. Ou sou eu que vivo noutro país, ou a ideia que exportamos sobre aquilo que somos tornou-se uma mentira. Portugal, retalhado e vendido a preço da uva mijona, desqualificado e vilipendiado pelos autarcas bimbos, os construtores civis brutos e os políticos corruptos mais os seus cúmplices oportunistas, tornou-se uma mancha de paisagem devassada e desarrumada, com ilhéus de beleza.
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Os soldadinhos de chumbo
Eduardo Prado Coelho no "Público" de 20 de Junho de 2005

Agente espanta-se como é que não tiveram a ideia mais cedo. Porque isto de soldados vivos custa muito caro. Implica treinos apurados, hierarquias militares, sentido de obediência (coisa que vai escasseando nos tempos que correm), manutenção, fardamenta vistosa, e assim por diante. Ora, o Pentágono começa a sentir-se atraído pelo projecto de substituir os soldados enquanto seres demasiado vivos por robots. Um robot obedece sempre, tem enraizado o sentido da disciplina, não se esquece das ordens que recebeu, não tem medo de morrer. Só vantagens. A Gordon Johnson, do Comando Interarmas do Pentágono, prepara-se para construir estes verdadeiros "soldadinhos de chumbo".
Estes seres mecanizados serão inicialmente apenas engenhos telecomandados. Mas o futuro apresenta-se risonho. Com o evoluir da tecnologia, poderemos diversificar o conjunto de seres que desempenharão uma função atacante. Mesmo que seja necessário resolver certas questões delicadas: como distinguir o amigo do inimigo? Pela aparência? Pela cor da pele? Pela postura adoptada? Pela cor da farda? O risco de dar cabo de um certo número de militares que estão do nosso lado é grande. Não é que isso seja grave, desde que a gente consiga vencer, mas é seguramente um efeito colateral desagradável. De uma maneira geral, as opiniões públicas são sensíveis a ninharias como estas.
A notícia veio no New York Times e podemos encontrá-la no Courrier International. Referências prestigiadas. Neste momento, quem tiver o prazer de passear nas estradas do Iraque encontrará bombas artesanais ao longo das estradas. Pois mais de uma centena de robots dedicam-se à meritória tarefa de as desactivar. Também desempenham funções no Afeganistão. Por exemplo, servindo de sentinelas armadas para os depósitos de armas americanos.
Um dos aspectos amplamente positivos desta medida deriva do facto de que os soldados custam caro, caríssimo, e cada vez são mais dispendiosos. Ora, um robot, para além de algum trabalho de manutenção, fica de borla. Calcula-se que o custo de um robot seja dez vezes menor do que o de um soldado.
Qual é a principal categoria sobre a qual se apoia a construção dos robots? A percepção, que permite desenvolver diversos tipos de robots. Uns (certamente habituados a ver cinema) são perseguidores-assassinos. Outros exploram edifícios, túneis e outras cavidades perigosas. Outros servem para transportar armamento. Existem aviões sem pilotos. Os pilotos ficam em terra, entretidos com outras tarefas.
Até aqui desejava-se que os soldados mecanizassem as suas funções e deixassem de ter medo - que fossem verdadeiros robots. Agora vamos ter robots que se devem parecer com soldados. É isto que deve ser o progresso.Eduardo Prado Coelho no "Público" de 20 de Junho de 2005


Rol de insultos admitidos a Jardim
«Contribuíste para a elevação do povo, já que a palavra bastardo caíra em desuso.»
Texto de Henrique Monteiro no "Única" (Expresso) de 10/6/05

Caro Alberto João

As pessoas indignam-se contigo. É um velho hábito. Faças o que fizeres - e apesar de agora já seres um reformado (coisa muito em voga entre os governantes) - as pessoas indignam-se. O último e lamentável caso aconteceu porque chamaste bastardos a uns certos senhores que na Comunicação Social te criticam.

Ora, eu, vendo sempre as coisas pelo lado positivo, acho que contribuíste para a ilustração do povo português, uma vez que a palavra bastardo, desde que Urbano Tavares Rodrigues escreveu, em 1959, «Bastardos do Sol», praticamente não era utilizada, salvo nos filmes de caubóis. E escusam de vir dizer que és do Conselho de Estado e disto e daquilo, porque isso não interessa nada. Um homem, quando quer ser ordinário, boçal, nojento e pretende mesmo ofender outros, não está a pensar se é ou não do Conselho de Estado, ora essa!

Por tudo isto, sugiro um rol de insultos que te devem ser permitidos, de modo a que possas continuar a tua saga. Esse rol é sempre à volta do significado de bastardo, que é - como tu dizes - para não dizer filho da puta. Eis o rol:

Filho de uma senhora de cama incerta; filho de uma rameira (já um pouco em desuso, mas fino); filho de uma cortesã (ainda mais fino); filho de uma mulher da vida; filho de uma mulher de má nota; filho de uma senhora que tem a profissão mais antiga do mundo; filho de uma mulher da rua; filho de quem vende o corpo; filho de uma senhora que agradou a muitos; filho de uma pistola (adaptação livre de «son of a gun»); filho de uma cadela; filho de uma senhora oferecida; filho de um preservativo roto; filho de contas mal feitas; filho de uma mulher sem rumo; filho de uma pensão suspeita; filho de uma noite no Intendente; filho de uma nota de mil; filho de um caso mal afamado; filho de um saldo de ocasião; filho de um dia aziago; filho de um pecado grave; filho de uma senhora paga à tarefa; filho de uma pêga; filho de uma trabalhadora nocturna; filho de um quarto com águas correntes; filho de uma eslava do Elefante Branco; filho de uma casa de alterne; filho de uma promessa de emprego; filho de um aumento de ordenado; filho de uma finta à lei; filho da Fani que atacava no Barreiro; filho da Lola que andava pelo Arco do Cego; filho de uma senhora com muitos quilómetros de calçada; filho de uma badalhoca; filho da mãe.

Por hoje, chega. Em próximas ocasiões, dar-te-ei o rol das palavras possíveis para insinuar que quem te ataca é filho de um senhor cuja mansidão o impede de tomar medidas cada vez que a mulher o engana - que é para não dizer corno manso.

Até lá, recebe, ó mais bem disposto presidente de uma Região Autónoma - que é para não dizer palhaço - os mais cordiais cumprimentos deste teu amigo.
Texto de Henrique Monteiro no "Única" (Expresso) de 10 de Junh de 2005 comendador@mail.expresso.pt


Latitude zero
Miguel Sousa Tavares no "Público"de 3 de Junho de 2005

AEuropa do "faça-se e depois logo se vê" começou a acabar domingo em França e acabou de vez anteontem na Holanda. De repente e da forma mais violenta possível, todos se deram conta de que a locomotiva europeia já não trazia carruagens atrás. Sim, continua a haver uma Europa institucional, com sede em Bruxelas, parlamento em Estrasburgo e um denso edifício jurídico transnacional de que a Constituição europeia seria o último tijolo em data. Mas é uma Europa sem europeus ou, pelo menos, parte decisiva deles. Para já, parte decisiva de dois povos fundadores, e parte decisiva dos que vivem pior, dos que perdem o emprego todos os dias, dos que temem pelas suas reformas, pelo Estado social, pela crença instalada dos amanhãs tranquilos.
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O QUARTO ANJO
José Eduardo Agualusa no "Pública" de 29 de Maio de 2005

Após criar o primeiro anjo, Deus ofereceu-lhe um poderoso par de asas. Explicou-lhe que aquilo era mais um aparato de fé do que de voo.
"Os pássaros", assegurou-lhe: "voam sobretudo por convicção."
O anjo viu como voavam os pássaros, batendo as asas e recolhendo as pernas, e imitou-os. Ao fim de cinco meses tinha ganho uma certa prática, e até já conseguia fazer algumas piruetas, incluindo voo picado seguido de um, é certo que não muito feliz, duplo mortal invertido. Não era ainda uma águia, mas também não poderia ser confundido com uma galinha. Enfim, voava.
"Agora tira-as", disse-lhe então Deus, que o observara em silêncio, a uma distância discreta, durante todos aqueles dias:
"Tira essas asas e voa."
O anjo olhou para Ele incrédulo. Protestou:
"E eu lá sou doido, ó Deus?! Tiro coisa nenhuma!..."
Deus, o qual, como se sabe, é brasileiro, não estranhou nem que o anjo falasse português, nem sequer o forte sotaque carioca; a língua e o sotaque, claro, aprendera-as com Ele. Compreendeu, todavia, que lhe faltava o essencial, a fé, além de uma educação um pouco mais esmerada, pois, bem vistas as coisas, tratava-se de um anjo, ainda que numa fase de iniciação - e num rápido gesto de enfado, descriou-o.
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O silêncio de Sócrates
Miguel Sousa Tavares no "Público" de 20 de Maio de 2005

Anda para aí uma maré de gente frustrada com o silêncio do primeiro-ministro. Sobretudo os comentadores, de Vasco Pulido Valente ao mais recém-chegado da espécie, não conseguem conformar-se com a contenção verbal de José Sócrates. Compreende-se o seu problema: um primeiro-ministro que não abre a boca, excepto se tiver alguma coisa para dizer, é um primeiro-ministro menos vulnerável à asneira; e, sem asneiras do primeiro-ministro, faltam matérias para comentário. Por isso eles desesperam e gritam: "Tem de falar!", "Acabou-se o estado de graça!", "Se não fala é porque não sabe o que há-de dizer e muito menos o que há-de fazer!". E nada: o homem calado, alheio, como se não os ouvisse, quase desdenhoso no seu silêncio.
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O "despacho dos sobreiros"
Vasco Pulido Valente
no "Público" de 15 de Maiode 2005

O "despacho dos sobreiros", assinado por Luís Nobre Guedes, quando materialmente já estava fora do governo, e por mais dois ministros, quando moralmente o eleitorado já os despedira, não interessa tanto como "tráfego de influência" (se disso, na verdade, se trata), mas como sintoma de uma completa indiferença pela dignidade da política e da República. Mesmo que o negócio fosse útil e legal, Luís Nobre Guedes não tinha o direito de o autorizar, e menos Telmo Correia e Costa Neves, sabendo como sabiam que nada justificava esse acto extravagante e quase furtivo. Convém lembrar que Paulo Portas não se cansou de proclamar a virtude e o "sentido de Estado" do CDS. Agora vemos que a "virtude" e o "sentido de Estado" acabaram onde deviam fatalmente acabar: numa habilidade vergonhosa, a que na decadência do regime liberal se chamava com proprie-dade "o testamento".

O regime, como qualquer regime, depende em primeiro lugar da sua própria força (exército, polícia, reconhecimento externo). Só que também depende, e em larga medida, do respeito do país. Sem o respeito do país, por muito forte que pareça, é impotente. Há, e sempre houve, em Portugal um contrasenso básico. Por um lado, toda a gente se queixa constantemente de tudo e toda a gente espera tudo do Estado. Por outro lado, toda a gente despreza o Estado e não está longe de o achar uma espécie mortífera de associação criminosa. Não vale a pena dizer o que por aí se pensa do governo, do parlamento e dos partidos - não se pode pensar pior. Ninguém acredita na lei e nos tribunais. Para o cidadão comum, o Estado não passa de um enorme conluio para o prejudicar, a beneficio de várias categorias de malfeitores, que por ínvios caminhos arranjem maneira de "comer".
Um número crescente de almas torturadas discute hoje a melhor maneira de salvar a Pátria. O Estado entra obrigatoriamente na conversa: que papel deve ou não deve ter na economia; que serviços deve ou não deve prestar; que investimentos deve ou não deve fazer. Até o dr. Cavaco descobriu uma "ideia-chave". No meio disto, nunca se fala de restaurar (ou criar) o prestígio do regime e o respeito pelo Estado e pelos "valores" que ele em princípio representa. Sucede que sem isso, sem essa forma elementar de unidade e segurança, o melhor plano ou, se quiserem, a melhor estratégia necessariamente falha. O mal do "despacho dos sobreiros" é que ele confirma o cinismo atávico dos portugueses sobre a natureza do Estado e aquilo que o Estado lhes promete ou lhes diz.


 Que educação?
Vasco Pulido Valente
no "Público" de 8 de Maiode 2005

Toda a gente fala de educação a propósito de tudo: de política, de economia, de cultura, de coisa nenhuma. Há especialistas, fanáticos, diletantes. Debates, polémicas; cartas do leitor. A essência da conversa, não varia: só a educação pode salvar a Pátria e a educação é péssima. E a seguir, cada opinante tem o seu diagnóstico e a sua receita. Curiosamente a palavra "ineducado" (que não significa exactamente iletrado ou ignorante) não se usa em português. Nem o Dicionário da Academia a menciona. Sucede ainda que a "palavra "educado", sobretudo, na expressão "bem-educado", se aplica normalmente a uma pessoa de boas maneiras, cortês, delicada ou polida e ra-ramente uma pessoa instruída ou, principalmente, "formada", como, por exemplo, no caso de "ouvido educado". Pior: "educado", no fundo, não separa "instruído" de "formado", ou seja, acaba por confundir duas "realidades" diferentes, se não opostas. Basta abrir um jornal ao acaso, qualquer jornal, para constatar que uma criatura "instruída" não é sempre e por força uma criatura "educada", intelectualmente educada, pelo menos.
Isto dá que pensar, porque não distinguir entre "educado" e "ineducado" leva com certeza a um paradoxo: quem discute, governa ou directamente ministra a educação não sabe ao certo o que está a fazer. Ora a educação, para o ser, e ser efectiva, implica um objectivo. Tradicionalmente, esse objectivo foi, conforme o tempo e o lugar: promover ou defender a religião (o "protestantismo" ou o catolicismo); criar ou solidificar a nacionalidade (unificando a língua e fabricando uma história "colectiva"); incutir ao "povo" o ethos do trabalho, da disciplina e da poupança; substituir o súbdito pelo cidadão; preparar a classe dirigente do Estado e da Igreja; e por aí fora. Hoje, em Portugal, não se percebe o que é a educação ou, por outras palavras, para que se educa ou, mais precisamente, o que deve produzir a escola (e a universidade). A excelência académica e científica? Uma inteligência média exercitada, flexível e aberta ao mundo? Técnicos para a "modernização"? Um mínimo (ou um máximo) de conhecimentos para o maior numero possível de portugueses? O pacote inteiro? Ou mesmo assim não chega? O quê, então? Convinha decidir, porque a política e a forma do sistema de ensino dependem de uma absoluta nitidez nessa matéria. Não há educação, e a fortiori boa educação, sem a consciência do que serve, do que deve sacrificar e do que deve impor; e há manifestamente incompatibilidade de propósitos. Não se educa no vácuo ou a beneficio de estatísticas. O que se educa é, afinal, um homem ou uma mulher, para o que gostaríamos que eles fossem.


 

O artigo de Miguel Sousa Tavares no "Público" de 8 de Abril (que pode ler mais abaixo, intitulado "Comece por outro s.f.f.") deu origem a protestos de professores. Eis aqueles que apareceram no "Público" e a resposta de Sousa Tavares.

As férias dos professores

Leio com bastante agrado as suas opiniões no PÚBLICO, embora não oiça o que diz na estação de televisão TVI, por não suportar a dita, nem o estilo da apresentadora de telejornais populistas e alarmistas. (...) Serve a presente para repor umas verdades em relação aos números que apresenta no seu escrito de 8 de Abril. (...) Pese embora o facto de concordar inteiramente com o que diz respeito à solução encontrada pelo actual Governo para colmatar as faltas dos meus colegas (sejam elas dadas por que motivos forem), tenho de esclarecer o seguinte:
Ponto número 1. Todos os docentes têm direito apenas, e tão-só, a 30 dias úteis de férias e, note bem, só as podem gozar a partir de 25 de Julho. Porquê? Está bem de ver! Para assegurarem o complexo serviço de exames, assim como a elaboração de horários dos docentes para o ano lectivo que começará logo em Setembro. Isto para não falar de todas as minudências diárias que implicam o dia-a-dia de uma escola, mesmo daquelas "coitadinhas" que figuram abaixo da cauda do famigerado ranking.
(...)
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Comece pelo outro, s.f.f.
Miguel Sousa Tavares - "Público" de 8 de Abril de 2005

Todos os portugueses querem "reformas". Todos, sem excepção. Não há um só que recuse as célebres "reformas", das quais esperamos o milagre de nos tornarmos um país próspero e justo, onde o Estado gasta só o que tem e bem gasto, onde todos cumprem os seus deveres para com a comunidade, onde cessaram os privilégios, as situações de favor e as arbitrariedades. Onde o ensino é factor de desenvolvimento, a saúde competente e a justiça eficaz. Todos querem isto. Mas ninguém quer que as ditas reformas comecem por si, pela sua actividade, pelo seu sector. Para serem aceitáveis, as reformas têm sempre de começar pelo vizinho e por aí se quedarem.
(...)
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Breves despedidas
Clara Fereria Alves no "Expresso" de 25 de Abril de 2005

O anterior Governo despediu-se bem.

Lê-se no "Diário de Notícias" que o ministro Nobre Guedes fez publicar louvores no “Diário da Republica” a 22 membros do seu gabinete (todos), louvando-os pelas qualidades que qualquer ser humano deve ter num lugar daqueles, ou seja, discrição, competência, diligência, zelo, disponibilidade, dedicação, eficiência, sentido de responsabilidade, capacidade de decisão. 4 assessores, 1 assessor de imprensa (sobrinho do ministro), 3 motoristas, 9 secretárias e 5 adjuntos (5 adjuntos, repito) são todos louvados, incluindo-se no louvor a enorme vontade de aprender, qualidade estimável nestas coisas.
(...)
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MULHERES I

As mulheres do PS
Vasco Pulido Valente no "Público" de 13 de Março de 2005

O governo de Sócrates só tem duas mulheres. Isto provocou um pequeno escândalo, até porque se andava a festejar "dia da mulher" e, na véspera, Sampaio condenara com dureza o maléfico "enviesamento masculinocêntrico". Bruxelas, com Barroso à cabeça, protestou logo. Edite Estrela admitiu a sua decepção e Ana Gomes, com a sua costumada reticência, classificou a coisa como "ridícula, ultrajante" e arcaica. Em Portugal, Ana Benavente admitiu que nunca tinha visto tanta "misoginia" na política e acusou Sócrates de "insultar" as socialistas, que aparentemente no PS passam por "voláteis". O Departamento Nacional das ditas socialistas também pediu uma audiência para "confrontar" Sócrates com a sua obra. Sócrates não se defendeu bem. Começou por insinuar que as mulheres não sabiam como era "difícil" formar um governo e acabou a exigir "mais mulheres competentes". Ana Sara Brito, uma militante "histórica"que assistiu à cena, declarou depois que o "comportamento machista e serôdio" do Primeiro-ministro fora uma "tremenda ofensa" e uma "profunda desconsideração intelectual".
Sem dramatizar, duas conclusões se podem extrair do que precede. Primeira, que no PS não há muitas mulheres, facto que depõe vigorosamente a favor das mulheres. Segunda, que, para Sócrates, as mulheres do PS não se distinguem em geral pela competência, uma opinião que Edite Estrela, Ana Benavente e Ana Gomes não permitem liminarmente pôr de parte. Mas talvez seja agora o momento de ver o problema por outro ângulo e perguntar com a máxima inocência: quantas pessoas, de qualquer sexo, com alguma inteligência, cultura, capacidade e carácter aceitariam pertencer a um governo de Sócrates? Seria preciso conhecer o número, e os nomes, para se avaliar à justa o "machismo" do homem. Porque se ele fabricou o governo com gente da sua confiança pessoal e um ou outro delegado das facções do partido, o sexo não foi com certeza um critério relevante e as mulheres não se devem queixar, excepto, claro, da sua imprevidência. Mas, se por acaso Sócrates tentou mesmo fazer um "bom governo" e andou mesmo a correr as capelinhas, a penúria de mulheres já não se explica tão bem. Infelizmente, o caminho que ele escolheu é claríssimo. Sócrates quer que o sirvam e que lhe obedeçam. O resto não lhe interessa. E as mulheres do PS, aliás, votaram nele e votaram nisso.

MULHRES II  

O mulherio não tem jeito
Clara Ferreira Alves no "Expresso" de 12 de Março de 2005.

Temos um dia só para nós, internacional e tudo, com discursos e medalhas e cocktails servidos em lugares de respeitabilidade e bons tapetes mas, irmãs, temos um problema. Ou continuamos a ter um problema. Somos mais estúpidas que os homens. No dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, fala-se muito das mulheres víti-mas, ou das mulheres de sucesso, e neste arco estendido entre as mulheres que levam tareia e as mulheres que pintam quadros e escrevem livros e ganham bom dinheiro, esquecemo-nos de uma coisa, um pormenorzinho, o do costume. Com números, somos uma desgraça, tirando os números do governo doméstico, santificado por velhos códigos civis e patriarcados religiosos. Tudo o que ultrapasse a conta da mercearia ou o extracto bancário, ultrapassa-nos a nós. Pelo menos, é o que diz um dos homens mais inteligentes do mundo, o presidente de Harvard, Lany Summers, embora a América sendo a América, o homem não tenha feito outra coisa nos últimos tempos senão desculpar-se e babar que não sabia bem o que estava a dizer e que, quiçá, tinha bebido uns copos.
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O "portismo" nunca existiu.
Clara Ferreira Alves no "Expresso"

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Essa gente que tem setenta contos por mês para viver, essa gente que pede fiado na farmácia porque não tem dinheiro para comprar os medicamentos da Caixa, essa gente que depois de pago o Passe Social tem para comer uma vez por dia, essa gente que empenha o ouro que tem para comprar leite, essa gente que não tem carro nem casa própria, essa gente que vive a quilómetros da cidade e se levanta às seis da manhã para deixar os filhos na escola e meter-se na bicha dos transportes, essa gente que perdeu a terra e se suicida quando chega a velha, essa gente que perdeu o emprego e ainda não arranjou outro, essa gente que o sistema esqueceu ou abandonou, essa gente que o novo tempo esqueceu e não teve tempo de aprender, essa gente que parece remediada e que é apenas pobre.
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Desculpas
Por VASCO PULIDO VALENTE
"Público" de 20 de Fevereiro de 2005


Joaquim Chissano disse na Universidade do Minho, onde foi receber um doutoramento "honoris causa", que Portugal devia pedir desculpa a Moçambique pela escravatura. Chissano não explicou a coisa em pormenor, mas suponho que se referia sobretudo ao tráfego de escravos que os portugueses fizeram durante séculos da costa oriental da África para o Brasil e para o que veio a ser a Confederação da América do Norte. Esse tráfego existiu em grande escala, ainda por cima normalmente protegido pelo governo de Lisboa. Toda a gente conhecia os negreiros. Chegaram mesmo à literatura. Há seis meses reli Camilo de ponta a ponta e verifiquei com espanto que, para ele, um novo-rico era sempre um negreiro, um merceeiro ou um fabricante de moeda falsa. Não conseguia simplesmente imaginar outra maneira de enriquecer (o que não deixa de ser um comentário melancólico sobre a economia indígena). O negreiro também aparece em Eça e em alguns romancistas menores como Andrade Corvo. A tragédia d' "Os Maias", por exemplo, começa quando Pedro da Maia se casa com a filha de um negreiro. Mas, de maneira geral, a mísera sociedade de Lisboa (e do Porto) aceitava o tráfego de escravos como um negócio quase normal, que só por interesse e prepotência a Inglaterra queria suprimir. O próprio Sá da Bandeira, que supostamente aboliu a escravatura em África, não recusava a sua comissão.

Temos, portanto, de aceitar o "correcto" conselho de Chissano e pedir desculpa a Moçambique? De maneira nenhuma. Em si própria, a ideia da "desculpa", longe de ser moderna, deriva da ideia bíblica, e selvagem, de que as culpas dos pais passam para os filhos. Na prática, é um acto político. Quando Chirac reconhece que o Estado francês colaborou na Shoah está a reconhecer uma responsabilidade até ali ignorada ou negada, contra a evidência e a razão. Exactamente como quando o Papa confessa o anti-semitismo histórico da Igreja. E por aí fora. Só que Portugal (o Estado e os portugueses) sempre admitiu o tráfego de escravos e certamente não o aprecia hoje por menos da ignomínia que de facto foi. Nestas circunstâncias, para quê a desculpa? Não se vê nela qualquer espécie de utilidade material ou moral. Excepto se a intenção é a de imputar ao colonialismo em grosso a miséria de Moçambique, absolvendo a Frelimo de trinta anos de governo, que infelizmente não se recomendam. Mas, nesse caso, Chissano que vá bater a outra porta. A "desculpa" não pode servir de desculpa.