Estúdio Raposa


Poesia Erótica 47
Margarida Piloto Garcia

 

INDICATIVO

Este programa será preenchido com poesia de Margarida Piloto Garcia.

MÚSICA

Neste programa, desde o seu início, afirmei algumas vezes que nele se ouviria poesia, ou prosa erótica e não pornográfica. Admito, porém, não ter fim, a discussão sobre onde reside a fronteira entre uma e outra coisa.
Quando se trata de imagens, as diferenças são mais claras: imagens que provocam o desejo ou a admiração física são uma coisa, imagens de sexo explícito são outra.
Na escrita há quem diga que a diferença está em usar ou não palavras obscenas. É uma fronteira aceitável, mas não decisiva para além da dificuldade em saber quais são ou não são as palavras obscenas.

MÚSICA

Vem este pequeno comentário a propósito, do facto de eu estar a receber, ultimamente, alguns trabalhos candidatos à sua leitura nesta cantinho do Estúdio Raposa que infelizmente usam, desbragadamente, palavrões ou, o que é pior, imagens cruas, repetitivas, descrevendo o óbvio.
Não me parece muito difícil aos autores se aperceberem do tipo de erotismo que é lido por estes lados. Basta, julgo eu, ouvir os programas já transmitidos.
Ditas estas curtas palavras de aviso aos candidatos a serem lidos no Poesia Erótica, vamos ao programa de hoje.

MÚSICA

Neste programa vamos ouvir cinco poemas de Margarida Piloto Garcia, uma lisboeta que vive no Barreiro. Estudou direito e numa curtíssima nota biográfica, acrescenta que livros e palavras sempre a fascinaram pelo que escrever é um dos seus grandes prazeres.

MÚSICA

Vamos ouvir, como já disse cinco poemas. O primeiro intituala-se “Crepúsculo”

MÚSICA

Deixa que a noite caia.
Sem pôr de sol ensanguentado
Sem brisas de promessas
Sem velas acesas
sombreando as paredes com chicotadas ébrias.
Deixa que a noite caia
e devagar se aniche nos corações aflitos.
Os pensamentos esfomeados
roem por dentro a vida
e tudo o que pintaste numa tela virgem
são borrões demoníacos
traços rasgados e sem sentido.
A ferida que vais talhando em ti
não pode ser fechada
e dela escorre a vida a pouco e pouco.
Deixa que a noite caia.
Encosta a cabeça na parede nua
e saboreia o último suor.
Já não sabes construir mais pontes
para esse castelo inexpugnável.
Cada segundo é uma bala
alojada bem fundo num corpo partido
sem amanhãs que o consertem.
Portanto não esperes
e solta as amarras que gemendo
prendem a vida numa tosca sátira.
Não vivas sonhos gastos
que o amanhã nunca trará.

E porque a luz do dia te assassina
com a raiva da ilusão
fecha os olhos vazios e apenas
deixa que a noite caia.

MÚSICA

Se as frases são de encantos e magias
não deixes de as dizer.
Conta-me a história dos murmúrios sussurrados,
vertidos no orvalho matinal,
lambidos na gota de suor.
O sal que me perfuma
traz as gaivotas até à minha pele.
Tanta salmoura é mar, é lágrima, é sémen de uma nova vida.
Abro-me em flor.
Carnuda.
Prenhe de desejo.
Sei ser um corpo ao vento
fustigada na ciclópica tempestade.
Não vergo mais.
Junco flexível.
Alma elástica em torvelinho.
Trauma pré-concebido.

E a tua voz é quente e abrasadora!
Bálsamo refrescante na minha alma,
ácido corrosivo no meu eu.
Dissolvo-me na contradição.
Mas essas frases inundantes,
deixam-me num porto á tua espera,
figurinha recortada em mítico horizonte.
Persigo sonhos mas o sono brinca com as horas
fá-las escorregar numa fiada de pérolas,
nacaradas, lisas, frescas na minha pele sedenta.

Se desfraldo essa vela,
rumo a um mar profundo.
Levo comigo a faca serrilhada,
desenhando runas ancestrais dentro de mim.
Sinto-lhe a ponta fria e metálica
mas abro-lhe os braços.
Cedo á carícia perfurante,
cega por uma dor que me tortura.
Aventuro-me sabendo-me por certo sem regresso.
Mas as sereias trazem as frases encantadas
e se as quiser beber...
não posso recusar a embriaguez.

Provo o teu elixir,
ambrósia divinal.
E espero-te na noite sem memória.
Oferto-te o imaginário
sabendo que nos olhamos de diferentes cais.
Mas se as frases são de encantos e magias,
não deixes de as dizer.

MÚSICA

Sei que tu sabes
desta febre que me devora e suga
deste ácido que brilha em pérolas de suor na minha pele.
A minha mão esculpe o teu corpo
e conhece-lhe recantos escondidos.
Há um aroma vibrante nesse teu cabelo
e uma força macia que se me enrola nos dedos.

Sei que tu sabes
quando os meus olhos se perdem loucos
no abismo dos teus.
Numa espiral magnética
as minhas pestanas dançam húmidas
desconcertantes coreografias pela tua face.

Sei que tu sabes
deste meu vício de ti
da ânsia do toque apaixonado
dessas mãos a que me submeto.
Em complicadas partituras
mescladas de trombetas e tambores
esta paixão é um cavalo alado
sem rédeas, sem freio, sem destino.
Descubro-te a vida numa lágrima
e a tua voz canta-me rumbas de desejo.
Não sabemos como partir
como quebrar o sonho e seguir.
Em cada dia há um mistério por guardar
e um punhal cá dentro a afundar-se.

Mas eu sei que tu sabes
que eu sou tão real quanto imaginária
e guardo em mim o mistério do amor.

MÚSICA

Ela olhou nos seus olhos
e soube-se perdida.
Lembrou palavras soltas,
cascatas sombreadas de desejo.
Fermentos de loucura incipiente roubaram-lhe a razão.
Cada letra lançou âncora, parasitou-a.
Deixou-se devorar e perdeu-se nos olhos.
Embrulhou-lhe os defeitos num novelo,
pintou como obra de arte a simples tela
e olhando-o nos olhos, sentiu-lhe os lábios mornos e o corpo quente.
O mar era um abismo de prazer
e os verdes e vermelhos golpeavam
fortes como frutos trincados.
Tentou não aceitar a perdição.
Ser mais forte, não ser igual a si.
Tivesse percebido e fugiria,
saltaria barricadas
verteria o seu sangue em escarlate manto
tingiria de negro a paixão.
Mas essa loucura dentro dela não tem travões,
não tem pregos que a prendam num caixão.

Corre desenfreada, cerra fileiras, desafia.

Mas...
Quando ela o sente,
já os cavalos galopam planície fora
rasgam telas manchadas de amarelo
ferem a música com rajadas de vento.
As mãos prendem e entrelaçam
e a voz canta-lhe ao ouvido o lânguido torpor tornado encantamento,
ferro em brasa marcando-lhe o sentir.

Já tentou ver-lhe a alma e vencer.
Mas perde sempre,
algemada nuns olhos feitos de palavras.

MÚSICA

Sei que não é amor,
mas embrulhas os sentidos em gestos coloridos.
O teu sorriso troça da tristeza,
arranca o meu entre a provocação e a a candura.
Fico na expectativa do teu toque...
da tua timidez,
da quase juvenil carícia
na mescla sensual de que a revestes.
Sei que não é amor
mas atreves-te a quebrar tabus,
quando me desejas
me provocas
me queres de uma maneira que é só tua.
Sei que não é amor.
Nem mesmo é paixão.
Mas a loucura  partilhada dos sentidos ,
existe no olhar trocado.
Sei que me perco nos beijos ora vorazes, ora subtis,
no abraço carente que me desnuda aos poucos.
Brincamos sem pudor
carentes desse amplexo desejado.
E embarcamos numa viagem feita de um desejo duro mas doce.
Nunca nos falta o riso
rolando como pérola.

Sei que não é amor
mas partilhas comigo um arco íris de emoções...
E o teu amplexo é forte e orvalhado de desejo.

Sôfrega é a satisfação linear,
sem perguntas, sem noites de espera,
sem algemas a roerem esfomeadas.

O corpo é um abrigo em que se esconde a alma.

Sei que não é amor
nem mesmo é paixão.
É talvez um não sei quê
que vai e vem
e deixa a vida intacta, virgem...à espera.

MÚSICA

Ouvimos, neste programa, cinco poemas de Margarida Piloto Garcia a quem agradeço a disponibilidade. Um feliz encontro que fico a dever ao Facebook.

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