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Mais uma lenda recolhida por Fernanda Frazão e descoberta no seu livro “Lendas Portuguesas”.
MÚSICA
Muito próximo de Faro existe o leito de um rio, o rio Seco, como lhe chamam as gentes, que é tido e havido como a principal sede de mouros e mouras encantados nos arredores daquela cidade. No tempo da conquista do Algarve, porém, ainda esse rio corria manso para o oceano, possibilitando a sua utilização plena pelos mouros da região, que, logicamente, o usaram para os seus encantamentos, como vamos ver.
Numa noite de Primavera, dias depois da tomada de Faro, passava um cristão muito perto do hoje chamado rio Seco, quando ouviu umas vozes tristes, num tom manso de quem deseja não ser ouvido. Era meia-noite e o homem teve medo. Parou para não fazer restolhada e denunciar-se, e pôs-se à escuta. Daí a nada apercebeu-se que eram dois mouros, um velho e uma rapariga. Esta estava de joelhos e parecia suplicar qualquer coisa. E ouviu então, distintamente, a voz angustiada do velho dizer:
- Não pode ser, minha filha, não pode ser .. Tens de ficar aqui encantada!
- Mas por muito tempo, pai? - perguntava a rapariga com uma voz que se pressentia entrecortada de lágrimas.
- Até que esta nora, onde mandei construir o teu palácio, seja esgotada a baldes, sucessivamente e sem intervalos.
E ao mesmo tempo que dizia isto fez uns sinais cabalísticos sobre a cabeça da filha, olhando a lua que corria os céus deixando aqui e ali uma poalha fria e brilhante. E a moça, sem mais palavra, sem um ai sequer, deixou-se lançar ao fundo da nora.
Tão concentrado estava o cristão no que se passava na nora, tentando perceber bem o que acontecia à moura, que nem deu pelo afastamento do velho.
Por isso, quando quis segui-lo, não o viu nem conseguiu determinar qual a direção que seguira.
Na manhã seguinte, a primeira coisa que o cristão fez foi voltar ao local da cena da noite anterior. Viu então que a nora era já um engenho velho e usado, com ar de abandonado há muito. Tratou de saber a quem pertencia engenho e terreno e comprou-os sem regatear preço. Mandou construir, mesmo ao lado, uma cabana de junco e mobilou-a com alguns móveis.
Passado o tempo necessário aos preparativos, o homem começou a tirar a água da nora, com o auxílio de um grande balde e de um sistema de roldanas. Trabalhou naquela faina dia e noite, horas infindas, sem parar. E quando a água do fundo era tão pouca que nem dava já para encher um balde, desceu pela corda até lá abaixo. Porém, assim que assentou os pés no fundo, apareceu-lhe uma enorme serpente, vinda de um buraco que comunicava para a nora. Ficou tão aterrado, tão cheio de um pânico sem nome, que nem tratou de saber as intenções do bicho e subiu precipitadamente pela corda, fugindo a sete pés.
Nunca mais lá tornou, mas, dias depois, soube que a nora estava completamente entupida devido à derrocada das paredes, e que a cabana por ele construída fora queimada inexplicavelmente, em certa noite de luar.
Daí em diante, até hoje, fala-se no aparecimento de uma moura encantada naquele lugar do rio Seco.
Uma outra lenda, situada também no mesmo local, relata-nos um outro encantamento realizado por essa época, mas com um epílogo mais feliz, visto que termina com o desencantamento da moura. As personagens são, igualmente, um mouro já de idade e uma moura muito jovem.
Andava o hortelão à espreita das lebres e coelhos que roíam impunemente as suas alfaces, quando ouviu os lamentos de uma rapariga que pedia:
- Perdoa-me, pai, perdoa-me.
- Não posso! E só Alá sabe com que desgosto te aplico esta pena tão dura, minha filha!
Entretanto, o hortelão ouviu um murmúrio indistinto que percebeu ser uma oração e esticando o pescoço viu o velho fazer uns sinais esquisitos sobre a cabeça da menina. E, no fim disto, conseguiu perceber entre as palavras ininteligíveis:
- Aqui ficarás encantada até que duas pessoas de sexo diferente amassem filhozes com a água deste rio, na véspera de São João, e aqui as venham comer depois de mutuamente se terem atirado à cara com as mesmas filhozes.
E a rapariga foi atirada ao rio, lançando o mouro, a seguir, uma enorme caixa cheia de dinheiro.
O hortelão partiu dali com o propósito definido de cumprir os preceitos de desencantamento. Assim, sem contar nada nem à mulher, na véspera de S. João amassaram ambos as filhós com a água do rio e junto do sítio do encantamento, comeram-nas depois de se terem mimoseado com elas, atirando-as à cara um do outro.
Mal terminaram de comer as filhós, apareceu-lhes uma linda mulher, vestida de moura, que lhes agradeceu reconhecidamente o seu desencantamento, desaparecendo de imediato. Então o homem, que sabia nadar, atirou-se ao rio e trouxe lá do fundo uma caixa cheia de dinheiro em ouro.
Esta moura teve sorte. Menos afortunadas foram duas irmãs encantadas naquela mesma horta, com o filhinho de uma delas. Uma chamava-se Alíria e outra Tomazina, ao que consta. Costumavam aparecer sob diversas formas. Há quem afirme tê-las visto, uma sob a figura de serpente e a outra de enguia. Mas quase sempre aparecem sob a sua forma humana, trazendo uma delas, nos cabelos, um lindíssimo brilhante. Dizem as pessoas entendidas que o brilhante é o filhinho encantado.
MÚSICA
Ouvimos, não uma, mas duas lendas de mouras encantadas. Este é um texto de Fernanda Frazão que o publicou no seu livro “Lendas Portuguesas. Até à próxima história.
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