Estúdio Raposa

História 133
"O Milagre da Nazaré"

 

INDICATIVO

Mais uma história portuguesa, desta vez a lenda de D. Fuas Roupinho.
Uma recolha de Fernanda Frazão.

MÚSICA

Creio que toda a gente conhece a lenda do milagre do Sitio da Nazaré, na qual D. Fuas Roupinho escapou por pouco às teias do Diabo, que o tentou sob a forma de um veado. Mas antes de recordarmos essa velha história vamos conhecer um pouco mais da figura lendária desse semi-herói do tempo do primeiro rei de Portugal.
D. Fuas Roupinho era um guerreiro de nobre ascendência, companheiro indómito de Afonso Henriques. Diz a lenda que era seu meio-irmão, mas na verdade foi aio de um filho bastardo do velho conde D. Henrique, D. Pedro Afonso, este sim meio-irmão e companheiro de armas de Afonso Henriques.
Em 1.179, D. Fuas era alcaide-mor de Coimbra.
Certo dia, encontrava-se ele no Castelo de Leiria, vieram trazer-lhe a notícia de que se encontrava na Alcáçova de Porto de Mós o rei mouro de Mérida, Gamir que, como era seu costume, repousava das batalhas naquela região sobre todas preferida pelas belezas naturais.
O cristão pensou que aquela era uma oportunidade única de livrar a Península de mais alguns muçulmanos, já que nessa altura tinha consigo um grupo de guerreiros suficientemente forte e coeso para cair sobre os infiéis. Assim, mandou os charameleiros tocarem a reunir e algum tempo depois tinha reunido no terreiro Io Castelo de Leiria todos os cavaleiros que minutos antes andavam espalhados pela vila.
Era um burburinho no terreiro. Os ginetes de guerra escoiceavam impacientes, batendo com os cascos na terra seca e solta, obrigando os condéis a prodígios de força e equilíbrio para os segurarem. Os cavaleiros, reunidos em torno de D. Fuas Roupinho, acompanhados pelos seus criados, combinavam a táctica da surtida.
Era um grupo ricamente colorido com os seus briais de cores vivas onde se viam as armas de suas casas, por baixo dos quais brilhavam as cotas de malha. De capacete debaixo do braço e com as espadas e punhais prontas a utilizar, discutiam acaloradamente o melhor caminho a tomar para Porto de Mós de modo não serem avistados pelas vigias mouras.
Por fim, montaram precipitadamente e a hoste saiu de Leiria num trotar alegre e descuidado, parecendo querer desmentir a sanha guerreira com que viriam a atacar Gamir e a sua gente.
Destes, uns passeavam despreocupadamente pelos campos em redor de Porto de Mós e os outros descansavam na Alcáçova. Nem uns nem outros deram pela chegada dos cristãos, e, apesar de serem muito mais numerosos do que a hoste de D. Fusa, foram derrotados e chacinados, quase sem terem tido oportunidade de se defender.
Os mouros sobreviventes foram levados como prisioneiros para Coimbra, onde o alcaide-mor os entregou a D. Afonso Henriques. E, como recompensa, o Rei deu a D. Fuas a alcaidaria de Porto de Mós.
Em seguida, D. Fuas Roupinho dirigiu-se a Lisboa incumbido pelo Rei de organizar, juntamente com os homens-bons da cidade, uma armada que fizesse frente aos mouros que na costa faziam corso e impediam a pesca e o tráfico comercial, já bem intenso nessa época.
Os portugueses de então não tinham grande prática da faina marítima, mas, utilizando os conhecimentos náuticos dos pescadores e a coragem e audácia natural dos guerreiros, foi-lhes possível vencer os piratas mouros. Esta batalha naval deu-se junto ao cabo Espichel e os vencedores trouxeram apresados vários navios que, segundo conta a lenda, lhes possibilitaram a surtida seguinte, até Ceuta. Aí surpreenderam os mouros, que novamente sofreram muitas baixas e perderam um grande número de navios, uns porque foram afundados, outros porque vieram para o reino.
Conta-se que, depois destas batalhas, D. Fuas Roupinho foi para o Porto de Mós repousar e praticar a sua distração favorita: a montaria. Diz a nossa história que tudo se passou no dia 14 de Setembro de 1182.
D. Fuas saíra com os companheiros para a mata do Sítio. Levavam lanças e bestas e os seus olifantes ou buzinas de caça e iam vestidos mais levemente do que quando partiam para a guerra. Sobre as túnicas curtas tinham colocado uma capa que esvoaçava quando galopavam e em substituição da loriga tinham coberto os cabelos com gorros de pele.
Lentamente, embrenharam-se nos caminhos da mata, olhando à volta com atenção para descortinarem entre o arvoredo as hastes de um veado ou rastos de lebres e javalis. Estava um nevoeiro espesso e D. Fuas acabou por perder-se dos companheiros.
De repente, viu um veado enorme, de porte real, que parecia desafiá-lo, e esporeou a montada para não perder aquela oportunidade. O veado deixou que o cavaleiro se aproximasse audaciosamente e lançou-se em louca correria em direcção à beira do penhasco rochoso. D. Fuas, que galopava meio cego de entusiasmo, não reparou onde se encontrava senão quando viu o veado atirar-se no abismo. Tentou sopear o cavalo, mas a velocidade era tal que nenhuma força humana o conseguiria parar. Num segundo, o cavaleiro anteviu as consequências e insensivelmente invocou a Senhora da Nazaré, que, de imediato, surgiu no céu, frente à montada. O cavalo estacou imediatamente, fincando com tanto desespero os cascos traseiros na rocha, que essa marca ainda hoje existe.
No fundo do precipício, nas rochas frente ao mar o veado estatelou-se e desfez-se em fumo negro: era o Diabo a tentar o cavaleiro.
Em agradecimento deste miraculoso salvamento, D.Fuas mandou construir a capela da Memória, ali, junto à lapa onde fora encontrada a imagem da Senhora da Nazaré, no mesmo sítio onde o seu cavalo estacara.
Dois anos mais tarde, D. Fuas morreu, não em perseguição de demónios com corpo de veado, mas dando luta aos mouros com a sua armada de vinte e dois navios, nas costas de Ceuta.

MÚSICA

Acabámos de ouvir “O Milagre da Nazaré”, texto escrito por Fernanda Frazão.

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