Estúdio Raposa

História 128
A cobrinha do barranco

 

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Mais uma lenda do ALgarve que fui copiar à obra de Fernanda Frazão. “Lendas Portuguesas”

MÚSICA

O século passado, em frente à residência paroquial da Mexilhoeira Grande, no Algarve, existia um barranco por onde toda a gente tinha medo de passar, por se dizer que noutros tempos aí aparecia um mourinho encantado. Hoje, a estrada passa por esse local e já ninguém recorda esse medo antigo e não há memória de aparições encantadas.

MÚSICA

Conta a lenda que, em tempos idos, vivia mesmo em frente ao referido barranco um pobre cabreiro que tinha a seu cargo mulher e filhos pequenos. Pela noite trazia o leite mungido e que era todo o seu rendimento. Uma parte era consumida na alimentação dos seus e a outra servia para trocar pelo pão necessário para as sopas. Toda a sua vida se resumia, desde a alba até à noitinha, nos cuidados com o seu rebanho e, apesar da miséria constante, pouco se queixava da sorte que lhe coubera.
Uma manhã, acabara a mulher de abafar o leite da véspera, viu entrar-lhe pela porta dentro uma cobra dourada, pequenina, e tão linda que nem se lembrou de ter medo. Encantada, ficou a olhar o bicho, que se meneava nuns requebros tão cheios de graça que parecia impossível desviar dela os olhos. Lembrou-se a mulher que o petisco mais apreciado pelas cobras é um pouco de leite, e assim, sem temor, encheu uma escudela com um pouco do líquido ainda morno e pô-lo na sua frente. E a cobrinha bebeu o leite com sofreguidão, para muito prazer da mulher, e saiu, não sem voltar repetidas vezes a cabeça para a mulher, como que a convidá-la para a seguir. Por vários dias se repetiu a cena, sempre à mesma hora, até que a mulher se decidiu a seguir aquela amiga com quem se familiarizara a ponto de a afagar e se deixar afagar.
A cobrinha dirigiu-se, então, para o barranco, sempre com a mulher atrás, e entraram ambas por uma abertura que havia na barreira de terra. Imediatamente se levantou uma grande laje que deixou ver uma magnífica escada de alabastro por onde estava subindo um mourinho muito engraçado, de gorro vermelho sobre uns cabelos tão negros como uma noite sem estrelas. E o mourinho, com modos educados e uma voz carinhosa, pediu à mulher que o acompanhasse ao seu palácio subterrâneo, dizendo-lhe que disso dependia a sua felicidade e a fortuna dela.
A mulher, porém, estava dividida entre o receio ancestral e visceral e a curiosidade acutilante de saber em que poderia consistir a sua fortuna. Por fim, convencida de que quem não sabe utilizar-se da sorte quando ela bate à porta não pode queixar-se quando ela se vai, encheu-se de coragem e desceu as escadas atrás do mourinho.
Chegada ao final da escadaria, desembocou numa imensa gruta de cristal de rocha onde viu amontoada uma riqueza infinda, composta de moedas e diversas peças de ouro e prata e baús de pedras preciosas.
- Tudo isto é teu! - disse-lhe o mourinho. - É a recompensa por teres quebrado o meu encanto.
- Eu? Mas como?! - perguntou a mulher com os olhos ainda espantados de tanto brilho e valor.
- Não te assustando com a cobrinha que mandei para aqui te trazer.
- Ora, era tão gentil, tão pequenina!
- Pois, mas outras pessoas lhe tiveram pavor. Porém, agora, para utilizares todas estas riquezas é necessário que leves para casa tudo o que conseguires carregar. Preciso de três meses para chegar à Mourama e durante esse tempo tens de ter muito bem escondido o que daqui levares. Ninguém deve desconfiar de nada, nem o teu marido, nem os teus filhos. Durante esses três meses, tens de jejuar todos os dias e só quando passar o prazo podes tocar no que daqui levares.
A mulher era corajosa e possuía aquela sabedoria calma e profunda que leva ao conhecimento exacto do valor do tempo.
Por isso prometeu cumprir o que lhe pedia o mourinho e tudo cumpriu até ao mais ínfimo pormenor.
Em casa, deu destino aos filhos e, aproveitando a ausência costumeira do marido, meteu tudo o que levara dentro de um vazio que ficava por debaixo das mós de um pequeno moinho que possuía, tapou com argamassa e voltando a pôr tudo nos seus devidos lugares dispôs-se a esperar o tempo requerido. Entretanto, dia a dia, ia contando o tempo do jejum para não correr o risco de se enganar.
Três meses contados, mostrou ao marido e às crianças o tesouro que trouxera para felicidade de todos e contou a estranha história da cobrinha cor de ouro que um dia lhe entrara pela porta dentro. É claro que, daí em diante, o cabreiro deixou o seu rebanho. Aliás, deixaram mesmo a sua terra e foram viver para a corte, onde facilmente se transformaram em grandes personalidades, eles e os filhos, porque como se sabe o dinheiro foi, e é, sempre, um pergaminho de nobreza que nunca debota.

MÚSICA

Ouvimos a lenda algarvia “A cobrinha do barranco” retirada do livvro de Fernanda Frazão “Lendas Portuguesas”

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