Estúdio Raposa

História 126
O Monge e o Passarinho

 

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Hoje vou contar uma lenda que fui buscar ao livro de Fernanda Frazão, “Lendas Portuguesas”, intitulada, “O Monge e o Passarinho”

MÚSICA

No tomo II dos Tratados Vários, conta o padre Manuel Bernardes esta velha lenda que ouviu, primeiro, em Vilar de Prades e, mais tarde, em Rates.

MÚSICA

Estava um monge no coro da capela do seu mosteiro a rezar as matinas com os outros religiosos, quando chegou àquela parte do salmo onde se diz que «mil anos à vista de Deus são como o dia de ontem que já passou». Admirou-se o homem com aquela frase que não compreendia e começou a dar voltas à cabeça para descobrir como poderia aquilo ser. E, como era seu costume acabadas as matinas, ficou a rezar no coro. Naquele dia pediu, com todo o ardor, a Nosso Senhor que, se fosse de Sua vontade, lhe desse a conhecer a explicação daquelas palavras.
E para ali ficou no coro, esquecido de tudo, surdo aos ruídos e distraído do que não fosse aquela frase ressoando lenta e compassada dentro do seu cérebro:
«Mil anos à vista de Deus são como o dia de ontem que já passou.» O frio gélido da madrugada passava sem o trespassar e ele ali, ajoelhado e esquecido.
Subitamente, entrou no coro um passarinho. Do fundo do seu adormecimento, o monge começou a ouvir um canto suavíssimo que lhe baniu do cérebro as palavras do versículo e tomou conta de si, inteiro. Pousado no banco do coro o passarinho cantava; ajoelhado no chão carcomido pelos anos o monge ouvia.
E o passarinho levantou voo, rodopiou frente ao monge como que a chamá-lo e saiu do coro levando o homem atrás, como se um elo invisível os ligasse.
Atravessaram corredores no silêncio da madrugada até que, já no exterior, o passarinho parou sobre uma árvore do bosque fronteiro ao convento. O servo de Deus, insensivelmente, pôs-se debaixo da árvore a ouvir aquele cântico tão suave.
Dali a breves instantes, como pareceu ao monge, o passarinho levantou voo e desapareceu, com grande desgosto do homem, que lhe disse, muito sentido:
- Oh, passarinho da minha alma, para onde te vais tão depressa?!
Esperou. Como viu que a ave não voltava, voando céus fora cada vez mais longe, encaminhou lentamente os seus passos para o mosteiro, com uma enorme pena de ter durado tão pouco aquele momento inesquecível. Mas o sol já estava ao pé e era necessário retomar as obrigações diárias da comunidade! ...
Chegou ao convento e achou estranho encontrar tapada a porta por onde saíra de madrugada. Um pouco adiante encontrou outra, aberta de novo, e ia entrar quando um irmão porteiro, desconhecido, lhe perguntou, ao mesmo tempo que barrava a passagem:
- Quem sois, irmão? Quem buscais?
- Eu sou o sacristão. Ainda há pouco daqui saí, depois das matinas. - E reparando que o outro o olhava com ar estranho, acrescentou baixinho: - Porque está tudo tão mudado?!
O porteiro, sempre na sua frente, quis saber mais e perguntou os nomes do abade, do prior, do procurador. Sem entender, o bom do monge nomeou-os a todos, enquanto o outro ia abanando a cabeça. Não, não conhecia nenhum daqueles nomes! E o sacristão, espantado com tudo aquilo, sentindo-se muito fatigado, pediu que o levasse ao abade, que tudo esclareceria.
Frente ao abade, cresceu a estupefacção do monge, que, confuso e maravilhado, não o reconheceu, nem ele a si. Sem saber que mais dizer, o nosso homem sentou-se num banco e apoiou a cabeça nas mãos, tentando descobrir o que se passava consigo.
O abade, iluminado por Deus, mandou que lhe trouxessem os anais e histórias da Ordem. Procurou nos velhos alfarrábios os nomes que aquele monge apontava e, depois de muito folhear, encontrou-os: tinham vivido ali há trezentos anos!
Era muito estranho tudo aquilo! O abade olhou o homem que ali estava sentado na sua frente, longa barba branca, corpo de velho alquebrado. Considerou o que havia de dizer-lhe, como explicar aquele facto insólito, e optou por saber do velho o que se passara.
Ele, então, contou o que lhe havia sucedido: como estava no coro meditando no verso do salmo, como lhe aparecera o passarinho cantando suavemente, como se sentara por momentos debaixo de uma árvore a ouvir enlevado aquela celestial música e a estranheza do caminho de volta ao mosteiro.
Só então o abade compreendeu como eram misteriosos os desígnios de Deus. Aceitou o velho monge como seu irmão do mesmo hábito e deu-lhe a cela mais confortável do mosteiro, porque maravilhas daquelas o Senhor não as concedia facilmente.
O monge, porém, tomou consciência do que se passara consigo. Louvou a Deus pela maravilha que operara e agradeceu-lhe a compreensão das palavras do salmo. Sentia ter vivido de mais, ainda que a sua longa vida tivesse parecido tão curta e, agora, cansado, queria juntar-se aos velhos companheiros. Pediu os sacramentos e foi-se desta vida em grande paz do Senhor.

MÚSICA

Ouvimos uma lenda intitulada “O Monge e o Passarinho”, lenda que fui buscar às “Lendas Portuguesas” de Fernanda Frazão. Até à próxima semana.

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