Estúdio Raposa

História 114
Suave Milagre

 

  • INDICATIVO

    À beirinha do Natal vamos hoje ouvir a parte final de um conto de Eça de Queirós: “Suave Milagre”

    MÚSICA

    Ora entre Enganim e Cesareia, num casebre desgarrado sumido na prega dum serro, vivia a esse tempo uma viúva, a mais desgraçada mulher que todas as mulheres de Israel. O seu filhinho único, todo - aleijado, passara do magro peito a que ela o criara para os farrapos da enxerga apodrecida, onde jazera sete anos passados mirrando e gemendo. Também a ela a doença a engelhara dentro dos trapos nunca mudados, mais escura e torcida que uma cepa arrancada.
    E sobre ambos espessamente. a miséria cresceu como o bolor sobre cacos perdidos num ermo. Até na lâmpada de barro vermelho secara há muito o azeite. Dentro da arca pintada não restava grão ou côdea.
    Um dia um mendigo entrou no casebre repartiu do seu farnel com a mãe amargurada e, um momento sentado na pedra da lareira coçando as feridas das pernas contou dessa grande, esperança dos tristes, esse Rabi, que aparecera na Galileia. e de um pão do mesmo cesto fazia sete e amava todas as crianças enxugava todos os prantos; e prometia aos pobres um grande e luminoso Reino de abundância maior que a corte de Salomão. A mulher escutava com olhos famintos.
    - E esse doce Rabí, esperança dos tristes onde se encontrava?
    O mendigo suspirou - Ah, esse doce Rabi quantos o desejavam, que se desesperançavam. A sua fama andava por sobre toda a Judeia como o sol que até por qualquer velho muro se estende e se, goza mas, para enxergar à claridade do seu rosto só aqueles que o seu desejo escolhia.
    Obede, tão rico, mandara os seus servos por toda a Galileia, para que procurassem Jesus, o chamassem com promessas a Enganim; Séptímus, tão soberano, destacara os seus soldados até à costa do mar, para que buscassem Jesus, o conduzissem por seu mando, a Cesareia.
    Errando, esmolando por tantas estradas, ele topara os servos de Obede, depois os legionários de Séptímus. E todos voltaram como derrotados, com as sandálias rotas, sem ter descoberto em, que mata ou cidade em que toca ou palácio se escondia Jesus.
    A tarde caía. O mendigo, apanhou o seu bordão, desceu pelo duro trilho, entre a urze e a rocha. A mãe retomou o seu canto, mais vergada, mais abandonada.
    E então o filhinho, num murmúrio mais débil que o roçar duma asa, pediu à mãe que lhe trouxesse esse Rabi, que amava as criancinhas ainda as mais pobres sarava os males ainda os mais antigos.
    A mãe apertou a, cabeça esguedelhada.
    - Oh filho! E como queres que te deixe e me meta aos caminhos, à procura do Rabi da Galileia? Obede é rico e tem servos, e debalde buscaram Jesus por areais e colinas. desde Chorazim até ao país de Moabe. Séptímus é forte e tem soldados e debalde correram por Jesus desde o Hêbron até ao mar! Como queres que te deíxe? Jesus anda por muito longe e a nossa dor mora connosco dentro destas paredes, e dentro delas nos prende. E, mesmo que o encontrasse. Como convenceria eu o Rabi tão desejado, por quem ricos e pobres suspiram, a que descesse através das cidades até este ermo, para sarar um entrevado tão pobre. sobre enxerga tão rota?
    A criança. com duas longas lágrimas na face magrinha, murmurou:
    Oh mãe! Jesus ama todos os pequeninos. E eu ainda tão pequeno e com um mal tão pesado e que tanto, queria sarar!
    E a mãe em soluços:
    - Oh, meu filho! Como te posso deixar? Longas são as estradas da Galileia e curta a piedade dos homens. Tão rota, tão trôpega, tão triste, até os cães me ladrariam da porta dos casais. Ninguém atenderia o meu recado e me apontaria, a morada do doce Rabi
    Oh filho! Talvez Jesus morresse! Nem mesmo os ricos e os fortes o encontraram. O Céu o trouxe e o Céu o levou. E, com Ele, para sempre morreu a esperança dos tristes. De entre os negros trapos, erguendo as suas pobres mãozinhas que tremiam, a criança murmurou:
    - Mãe, eu queria ver Jesus!…
    E logo, abrindo de vagar a porta e sorrindo, Jesus disse, à criança:
    - Aqui estou!

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