Estúdio Raposa

História 111
O Senhor de Matosinhos

 

  • INDICATIVO

    Vamos, neste programa, ouvir uma lenda recolhida por Fernanda Frazão.

    MÚSICA

    Milagrosa imagem do Senhor de Matosinhos é, segundo a tradição, das mais antigas que se veneram em toda a cristandade.
    Diz-se que esta imagem foi feita por Nicodemo, testemunha ocular das últimas horas de Jesus, e que por esta razão é cópia fiel do rosto de Cristo. Segundo a mesma tradição, Nicodemo teria esculpido mais quatro imagens, hoje veneradas em vários locais do mundo, sendo a do Senhor de Matosinhos não só a primeira mas também a mais perfeita.
    Nicodemo assistiu aos tormentos de Jesus e, depois da morte na Cruz, auxiliou José de Arimateia a descer o corpo. Juntos embalsamaram Cristo e depositaram-no no túmulo. José de Arimateia teria recolhido o sangue de Jesus no Graal e Nicodemo os instrumentos da Paixão, conservando em seu poder, por muito tempo, o sudário em que ficou gravada a imagem de Jesus.
    A imagem de Matosinhos é oca no tronco, porque, diz a tradição, ali escondeu Nicodemo os instrumentos da Paixão. Realmente, os estudiosos da questão dizem que se se reparar bem, as costas são anteparadas de uma tela fina que se confunde com a matéria de que é feita a imagem, tela esta tão bem preparada que tem resistido à corrupção dos tempos. O mesmo material forma a toalha com que foi envolvido o corpo da imagem. A toalha, que desce da cintura cobrindo a perna direita até ao joelho e a esquerda até à canela, está tão ligada ao corpo que parece ter sido esculpida na mesma madeira daquele.
    Nicodemo sobreviveu a Cristo muitos anos e sabe-se ter sido perseguido pelos judeus, que, em determinada altura, lhe confiscaram todos os bens. As perseguições aos cristãos de então correspondiam a igual perseguição às imagens e objectos por eles considerados sagrados. Por isso muitas foram escondidas em subterrâneos ou simplesmente atiradas ao mar para se salvarem das fogueiras a que estavam votadas.
    Conta-se então que, tendo Nicodemo feito aquela a que depois se chamou Senhor de Matosinhos, a atirou à água para a livrar de perseguições. Desceu ao porto de Job, que fica nas costas da Judeia, no Mediterrâneo, e lançou-a ao mar. A imagem atravessou-o de nascente a poente, passou o estreito de Gibraltar e no Atlântico, rumou para norte, aportando por fim à praia de Matosinhos.
    Nesta viagem, porém, a imagem de Cristo perdeu um braço. As populações, que então lhe erigiram, em Bouças, um templo, pouco se importaram com o pormenor e passaram a venerá-la sob a designação de Nosso Senhor de Bouças, pois desde logo lhe foram imputados vários milagres. Durante cerca de cinquenta anos, a bela imagem de Cristo agonizante na Cruz, com um olho meio aberto sobre a humanidade e o outro fitando o Céu, apelando a seu Pai a salvação do Mundo, foi venerada sem o braço.
    Diz-se, porém, que andava um dia na praia de Matosinhos uma mulherzinha a apanhar destroços trazidos pelo mar, para alimentar o seu lume, e viu um objecto que lhe pareceu óptimo para o efeito. Pegou nele, meteu-o no cabaz juntamente com outros bocados de madeira e voltou para casa.
    Chegada a casa, ateou a lareira e deitou-lhe dentro o que lhe parecia ser um bocado de lenha. Mas o cavaco saltou para fora do lume. Insistiu a mulher e, tantas vezes quantas ela ali o deitou, o bocado saltava para fora.
    Esta mulherzinha tinha uma filha que lhe nascera muda, segundo conta a lenda. Olhando para a criança, que fazia gestos aflitivos e abria a boca como quem quer forçosamente dizer qualquer coisa, a mulher, assombrada, ouviu-a dizer:
    - Ó minha mãe, não teime em deitar isso ao lume! Olhe que é o braço do Nosso Senhor de Bouças!
    Atónita e amedrontada, por ouvir assim falar a filha, que nunca dissera uma palavra, e por ver a acha saltando da lareira, a mulher saiu de casa gritando que lhe acudissem.
    Vieram as vizinhas, às quais ela contou o que se passara, e, pegando respeitosamente no destroço achado na praia, foram à igreja ver se o que a rapariga dissera era verdade.
    E, ante o assombro de todos, o braço ficou tão ajustado à imagem que nunca mais ninguém pôde saber qual deles alguma vez lhe faltara.
    Assim acaba a lenda do Senhor de Matosinhos, primeiramente chamado Nosso Senhor de Bouças. No século XVI a imagem feita por Nicodemo foi mudada para Matosinhos, onde lhe construíram um templo maior e mais imponente, apropriado às enormes romarias que há séculos lhe fazem e de tamanho mais condigno às ofertas que lhe trazem em agradecimento das graças concedidas.

    INDICATIVO

    Ouvimos. Hoje, uma lenda recolhida por Fernanda Frazão na coleção “Lendas Portuguesas”.

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