Victor Hugo
OBRA
 

Epitáfio

Ela vivia, brincava, a ridente criatura.
De que te serve ter levado esta criança, ó natura?
Não tens tu as aves pintadas de mil cores,
Os astros, os bosques, o céu e a onda do mar?
De que te serve ter roubado a criança do seu lar
E tê la escondido sob os tufos de flores?

Com uma criança a mais, não ficas mais povoada,
Não ficas mais alegre, ó natura estrelada!
E o coração da mãe, preso de tanto cuidado,
O coração onde agora a alegria é tortura.
Esse abismo tão grande como tu, ó natura,
Com uma criança a menos, está vazio e desolado!

Maio de 1843


O homem pensa.
A mulher sonha.
Pensar é ter cérebro.
Sonhar é ter na fronte uma auréola.
O homem é um oceano.
A mulher é um lago.
O oceano tem a pérola que embeleza.
O lago tem a poesia que deslumbra.
O homem é a águia que voa.
A mulher, o rouxinol que canta.
Voar é dominar o espaço.
Cantar é conquistar a alma.
O homem tem um farol:
a consciência.
A mulher tem uma estrela:
a esperança.
O farol guia. A esperança salva.
Enfim, o homem está colocado
onde termina a terra.
A mulher, onde começa o céu!...


Enquanto tudo dorme, sento me cheio de alegria
Sob a abóboda estrelada que as frontes alumia;
Perscruto se do alto vem um sinal rumoroso;
E a hora com sua asa docemente me brinda
Quando contemplo, comovido, a festa infinda
Que, de noite, ao mundo oferece o céu radioso!

Penso às vezes que estes sóis que resplandecem,
Na terra adormecida, só a minha alma aquecem;
Que para os entender, só eu fui predestinado;
Que sou eu, sombra vã, obscura e taciturna,
O misterioso rei desta pompa nocturna;
Que só para mim o céu foi iluminado!


Na Primavera, as torres a andorinha procura,
Ruínas, onde ninguém vive, mas a vida perdura;
Em Abril, a toutinegra busca, ó minha bem amada,
A floresta sombria e fresca, a espessa ramada,
O musgo e, nos ramos nodosos, os amenos tectos
Que com as folhagens dos bosques são cobertos.
Assim faz a ave. Nós procuramos na cidade
O beco deserto, um abrigo, a tranquilidade,
Os umbrais sem olhares oblíquos, traiçoeiros,
A rua de janelas fechadas; nos lameiros,
Buscamos os atalhos do pastor e do poeta;
Nos bosques, a clareira desconhecida e quieta
Onde o silêncio abafa um longínquo rumor.
A ave esconde seu ninho; nós escondemos o amor.