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Ver BIOGRAFIADESLUMBRAMENTO
A vida é sonho, amor, exaltação.
Flama a irromper de eterna escuridão.
É lume a flor e a sombra amanhecente.
A terra é carne, a luz é sangue ardente.
Gira líquida chama em cada veia
E que alegria as nuvens incendeia!
Contemplai, sob os raios matinais,
O delírio e a vertigem dos cristais,
Entre cintilações, gritando e rindo,
Abrasados de luz, tremeluzindo!
No alvor da aurora, as aves resplandecem,
No coração do orvalho, sóis florescem,
No coração dos homens solitários,
Há Cristos a subir ermos cal vários.
Cantam as fontes, doidas de ternura;
Seu canto veste os montes de verdura!
E esse infinito Vácuo tenebroso,
Quando o sensibiliza o sol radioso,
Sente grande prazer, grande alegria
E assim nos comunica a luz do dia!
E que loucura as ondas alevanta,
Quando o luar misterioso canta!
Ó mar, à luz do luar! Ó mar profundo,
Em choros que se espalham sobre o mundo!
Ó anjo imenso que, na mão, sustentas
O cálix da amargura e das tormentas!
Tudo é sonho e desejo; céu e inferno.
Abrasa tudo o mesmo fogo eterno.
Vive uma estrela oculta no rochedo,
Crepita a seiva ardente do arvoredo.
Têm pétalas de chama a rosa, o lírio.
A substância das cousas é o delírio.
A vida não é mais que sentimento;
Grande incêndio ateado pelo vento
Do mistério sem fim que esconde Deus
E enluta de negrume o azul dos céus!
A vida é uma rajada esplendorosa,
Perpassando e animando cada cousa …
É doido torvelinho, que se eleva
E rasga, de alto a baixo, a fria treva,
Desvendando figuras repentinas,
Formas do amor, aparições divinas!
Poetas, cantai, banhados no clarão,
Que alvorece da infinda comoção,
Que de estrelas orvalha a Imensidade
E em meus olhos é lágrima e saudade ...
Poetas, cantai a vida, o bem e o mal!
Consumi-vos no incêndio universal,
Que enche de labaredas o Infinito!
E é Deus, talvez, num desespero!
Um grito De Deus! Grito de dor incandescente,
Na eterna escuridão, eternamente!
ELEGIA DO AMOR/I
Lembras-te, meu amor,
Das tardes outonais,
Em que íamos os dois,
Sozinhos, passear,
Para fora do povo
Alegre e dos casais,
Onde só Deus pudesse
Ouvir-nos conversar?
Tu levavas, na mão,
Um lírio enamorado,
E davas-me o teu braço;
E eu, triste, meditava
Na vida, em Deus, em ti ...
E, além, o sol doirado
Morria, conhecendo
A noite que deixava.
Harmonias astrais
Beijavam teus ouvidos;
Um crepúsculo terno
E doce diluía,
Na sombra, o teu perfil
E os montes doloridos ...
Erravam, pelo Azul,
Canções do fim do dia.
Canções que, de tão longe,
O vento vagabundo
Trazia, na memória ...
Assim o que partiu
Em frágil caravela,
E andou por todo o mundo,
Traz, no seu coração,
A imagem do que viu.
Olhavas para mim,
Às vezes, distraída,
Como quem olha o mar,
À tarde, dos rochedos ...
E eu ficava a sonhar,
Qual névoa adormecida,
Quando o vento também
Dorme nos arvoredos.
Olhavas para mim ...
Meu corpo rude e bruto
Vibrava, como a onda
A alar-se em nevoeiro.
Olhavas, descuidada
E triste ... Ainda hoje escuto
A música ideal
Do teu olhar primeiro!
Ouço bem tua voz,
Vejo melhor teu rosto
No silêncio sem fim,
Na escuridão completa!
Ouço-te em minha dor,
Ouço-te em meu desgosto
E na minha esperança
Eterna de poeta!
O sol morria, ao longe;
E a sombra da tristeza
Velava, com amor,
Nossas doridas frontes.
Hora em que a flor medita
E a pedra chora e reza,
E desmaiam de mágoa
As cristalinas fontes.
Hora santa e perfeita,
Em que íamos, sozinhos,
Felizes, através
Da aldeia muda e calma,
Mãos dadas, a sonhar,
Ao longo dos caminhos ...
Tudo, em volta de nós,
Tinha um aspecto de alma.
Tudo era sentimento,
Amor e piedade.
A folha que tombava
Era alma que subia ...
E, sob os nossos pés,
A terra era saudade,
A pedra comoção
E o pó melancolia.
Falavas duma estrela
E deste bosque em flor;
Dos ceguinhos sem pão,
Dos pobres sem um manto.
Em cada tua palavra,
Havia etérea dor;
Por isso, a tua voz
Me impressionava tanto!
E punha-me a cismar
Que eras tão boa e pura,
Que, muito em breve - sim! -,
Te chamaria o céu!
E soluçava, ao ver-te
Alguma sombra escura,
Na fronte, que o luar
Cobria, como um véu.
A tua palidez
Que medo me causava!
Teu corpo era tão fino
E leve (oh meu desgosto!)
Que eu tremia, ao sentir
O vento que passava!
Caía-me, na alma,
A neve do teu rosto.
Como eu ficava mudo
E triste, sobre a terra!
E uma vez, quando a noite
Amortalhava a aldeia,
Tu gritaste, de susto,
Olhando para a serra:
- Que incêndio!
- E eu, a rir, Disse-te:
- É a lua cheia! ...
E sorriste também
Do teu engano. A lua
Ergueu a branca fronte,
Acima dos pinhais,
Tão ébria de esplendor,
Tão casta e irmã da tua,
Que eu beijei, sem querer,
Seus raios virginais.
E a lua, para nós,
Os braços estendeu.
Uniu-nos num abraço,
Espiritual, profundo;
E levou-nos assim,
Com ela, até ao céu ...
Mas, ai, tu não voltaste
E eu regressei ao mundo.
Os olhos dos animais
Que triste o olhar do cão! Até parece
Mais um queixume, um íntimo lamento
Da noite interior que lhe escurece
O coração, que é todo sentimento.
E os mansos bois soturnos! Que tormento,
Em seus olhos, tão calmos, transparece…
E os olhos da ovelhinha e os do jumento!
Que tristes! Só o vê los entristece…
Chora, em todo o crepúsculo, a tristeza.
E, além do ser humano, a Natureza
É lívida penumbra feita de ais…
Por isso, o vosso olhar de escuridão
É mais lágrima ainda que visão,
Ó pobres e saudosos animais!
DEPOIS DA VIDA
Quando meu coração, parar desfeito,
Em sombra, na profunda sepultura;
E o meu corpo, espectral e já perfeito,
Divagar entre o Olimpo e a terra dura;
Quando sentir, enfim, todo o meu peito
A converter se em luminosa altura;
Eu, aquele fantasma, o claro eleito,
O enviado da vida à morte escura;
Ah, quando, em mim, eu for minha esperança!
Meu próprio ser, divino e redimido;
E minha sombra apenas for lembrança,
Bem longe, em outro mundo transcendente,
À luz dum sol jamais anoitecido,
Serei contigo, amor, eternamente.
ANTIGA DOR
O subtil, o reflexo, o vago, o indefinido,
Tudo o que o nosso olhar só vê por um momento,
Tudo o que fica na Distância diluído,
Como num coração a voz do sentimento.
Tudo o que vive no lugar onde termina
Um amor, uma luz, uma canção, um grito,
A última onda duma fonte cristalina,
A última nebulosa etérea do Infinito...
Esse país aonde tudo principia
A ser névoa, a ser sombra ou vaga claridade,
Onde a noite se muda em clara luz do dia,
Onde o amor começa a ser uma saudade;
O longínquo lugar aonde o que é real
Principia a ser sonho, esperança, ilusão;
O lugar onde nasce a aurora do Ideal
E aonde a luz começa a ser escuridão...
A última fronteira, o último horizonte,
Onde a Essência aparece e a Forma terminou...
O sítio onde se muda a natureza inteira
Nessa infinita Luz que a mim me deslumbrou!...
O indefinido, a sombra, a nuvem, o apagado,
O limite da luz, o termo dum amor
Tornou o meu olhar saudoso e magoado,
Na minha vida foi minha primeira dor...
Mas hoje, que o segredo oculto da Existência,
Num momento de luz, o soube desvendar,
Depois que pude ver das Cousas a essência
E a sua eterna luz chegou ao meu olhar,
Meu infinito amor é a Alma universal,
Essa nuvem primeira, essa sombra d’outrora...
O Bem que tenho hoje é o meu antigo Mal,
A minha antiga noite é hoje a minha aurora!...