Paul Verlaine
OBRA
 

DÉCIMA INGÉNUA

Oh lembrança de infância, e leite alimentício,
E oh adolescência e o seu esplendor de início!
Nos tempos de garoto era já meu labor
– Pra evocar a Fêmea e embalar a dor
De ter um pirilau, imperceptível ponta
Irrisória, prepúcio imenso aonde aponta
O esperma que há-de vir, ó sebácea miragem,
Bater punheta com essa bonita imagem
De uma suave pele de ama de menino.

Pois inda hoje bato a punheta sozinho!

                                             1890
Paul Verlaine
Hombres e Algumas Mulheres
(tradução de Luiza Neto Jorge)


"III
Marinha"

O oceano sonoro
Palpita no olhar
Da lua a chorar
E palpita agora

Enquanto um relâmpago
Brutal e sinistro
Rasga o céu de bistre
Num ziguezague branco

E a água ondulante
Salta convulsiva
Junto dos recifes,
Vai, vem, reluz, clama,

E no firmamento
Onde erra o tufão
Já ruge o trovão
Formidavelmente.

(Poema Saturnianos e Outros)
(tradução de Fernando Pinto do Amaral)


"Versos para ser caluniado"
A Charles Vignier

Debrucei me esta noite sobre o teu sono.
Dormia o corpo casto sobre o lençol
E vi, como alguém que lesse, estudioso,
Ah! vi que tudo é vão sob a luz do sol!

Estarmos vivos, ó que rara maravilha,
Como o nosso organismo é flor que se dobra!
Ó pensamento que levas ao delírio!
Dorme, vá! Quanto a mim, este assombro acorda me,

Ah, desgraça de te amar, frágil amante;
Respiras como se respira um instante!
Ó olhar fechado que à morte é igual!

Ó boca a rir em sonhos na minha boca,
À espera de outra gargalhada mais louca!
Depressa, acorda. Ouve, a alma é imortal!

(Dantes e Outrora)
(tradução de Fernando Pinto do Amaral)


RESIGNAÇÃO

Durante a minha infância imaginava
O Ko Hinor, luxo persa e papal,
Heliogabalo e Sardanapalo!

Sob os tectos de ouro o desejo urdia,
Entre os perfumes e as melodias,
Haréns sem fim, palpáveis paraísos!

Hoje, mais calmo e não menos vibrante,
Mas conhecendo a vida que nos quebra,
Tive de refrear a minha febre
Sem me resignar muito, no entanto.

Seja! a grandeza não é pròs meus dentes,
Mas não me interessa a escória, as cortesias!
Insisto em odiar mulheres bonitas,
Rimas toantes e amigos prudentes.